Processo nº 287/2014-A
Data do Acórdão: 15MAIO2014
Assuntos:
Suspensão de eficácia
Prejuízo de difícil reparação
SUMÁRIO
Tendo o artº 121º/1 do CPAC em vista evitar prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que o requerente defenda ou venha a defender no recurso, nunca o alegado prejuízo consubstanciado na impossibilidade da substituição do requerente e da sua mulher nos respectivos postos de trabalho em Macau representa um prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que o requerente defenda ou venha a defender no recurso, pois se isso fosse realmente um prejuízo, quanto muito, seria um prejuízo para as respectivas entidades patronais.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 287/2014-A
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância
I – Relatório
A, devidamente identificado nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 10JAN2014, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que, em sede de recurso hierárquico, manteve o acto do Senhor Comandante da PSP que determinou a revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR), tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 8v dos p. autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
Citada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido.
O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer no sentido de indeferimento da requerida suspensão.
Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
De acordo com os elementos constantes dos autos, podem ser seleccionados os seguintes factos indiciados com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
* O requerente, cidadão australiano, era titular da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente;
* No auto de notícia nº 47/2013 levantado pela PSP em 04MAIO2013, foi identificado o ora requerente agente dos factos fortemente indiciados e susceptíveis de preencher os tipos dos crimes de desobediência, injúria agravada e gravações e fotografias ilícitas, p. e p., respectivamente, pelos artºs 312º, 178º e 191º do Código Penal;
* Na sequência do levantamento do auto de notícia, o ora requerente foi presente ao Ministério Público na mesma data;
* Em 18JUN2013, o ora requerente foi presente ao Ministério Público por ter sido considerado autor dos factos fortemente indiciados e susceptíveis de preencher o tipo do crime de dano qualificado, p. e p. pelo artº 207º do Código Penal;
* Por despacho do Senhor Comandante da PSP, datado de 04SET2013, foi determinada a revogação da autorização de permanência já concedida ao ora requerente enquanto trabalhador não residente;
* Inconformado com esse Despacho, interpôs recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança;
* Por despacho, datado de 29NOV2013, do Senhor Secretário para a Segurança, foi indeferido o recurso hierárquico necessário e mantido o despacho graciosamente recorrido; e
* Inconformado com esse despacho do Senhor Secretário para a Segurança, em 05MAIO2014 interpôs o recurso contencioso do mesmo e requereu a suspensão da eficácia do acto recorrido.
Apreciemos.
Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.
Tratando-se de revogação de uma autorização antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que a revogação implica efectivamente a alteração de uma realidade preexistente e que da execução do acto de revogação decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelo requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.
Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.
Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.
Comecemos então pelo requisito exigido na alínea c), que nos se afigura ser de fácil apreciação.
Assim, quanto à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data (31MAR2014) do ofício através do qual se fez a notificação do acto suspendendo ao requerente e a data da interposição do recurso contencioso (05MAIO2014) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.
No que respeita ao requisito exigido na alínea b), entendemos que o tal requisito se não verifica.
Ora, de acordo com os fundamentos invocados no acto cuja eficácia que o requerente pretende ver suspensa, a revogação pela Administração da autorização de permanência já concedida ao requerente funda-se na conclusão pela “existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao recorrente e pela constatação, in casu, da existência de perigo efectivo para a segurança e ordem públicas, consubstanciado na possibilidade de virem a ser praticados crimes”.
Assim sendo, a não execução imediato do acto suspendendo que implica a continuação da permanência do requerente em Macau deve ser tida como geradora de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto que lhe revogou a autorização da permanência.
Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.
Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que:
17.º
O requerente vive e trabalha em Macau desde 2007, desempenhando funções muito específicos, actualmente, para a XX Serviços Profissionais Lda. (docs. nºs 3 e 4).
18.º
Ele é Chefe de Projecto de obras em curso cujo o termo previsível será em 2017/2018 (v. doc. n° 3).
19.º
A sua experiência de mais de 25 anos na área da “Produção e Construção Teatral” ("Theatrical Production Construction") faz do requerente um elemento chave nos projectos em curso;
20.º
Dificilmente substituível num curto espaço de tempo.
Por outro lado,
21.º
O requerente vive em Macau com a sua mulher, B, com quem é casado desde 24/09/2007 (doc. nº 5 que é uma fotocópia simples da certidão de casamento).
22.º
Esta é Professora de Arte na “XXX” (doc. nº 6).
23.º
Ora, a execução imediata do acto recorrido tem como efeitos, entre outros, a cessação imediata do contrato de trabalho do requerente, com a inerente cessação do pagamento do seu vencimento que é, em grande parte, o sustento da família;
24.º
Constituída por, além da sua mulher, duas filhas ainda menores, que do requerente dependem exclusivamente e vivem na Austrália, a saber, C, nascida em XXX e D, nascida em XXX (docs, que protesta juntar); e
25.º
A consequente cessação imediata do contrato de trabalho da mulher do requerente, esta, que em nada contribuíu para este desenlace; e
26.º
Cuja a actividade lectiva na supra citada escola é impossível de substituir, nesta fase do ano lectivo (v. doc. n° 6).
Pelo que,
27.º
O requerente e a sua mulher, caso se concretize a execução do acto, passarão por inúmeras dificuldades para fazer face a todos os encargos e despesas do “encerrar de um capítulo” de quase 7 anos da sua vida; e
28.º
As respectivas entidades patronais, sofrerão irreparáveis consequências.
29.º
Tais factos constituíriam um prejuízo de difícil reparação para o requerente e para o seu agregado familiar.
Ora, de acordo com a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu recente Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
E no mesmo Acórdão, foi salientado também que cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, …… .
In casu, o alegado prejuízo de difícil reparação consiste, em síntese, no seguinte:
1. O requerente ser insubstituível nos projectos em curso da sua entidade patronal;
2. A mulher do requerente ser insubstituível nesta fase do ano lectivo na escola onde trabalha;
3. Deixar de poder auferir o seu vencimento que é, em grande parte, o sustento da família;
4. Ter inúmeras dificuldades para fazer face a todos os encargos e despesas da sua vida;
Antes de mais, é de salientar que foi o requerente que optou voluntariamente por vir a trabalhar em Macau, o que não quer dizer que ele não pode ganhar o sustento da sua vida em outros sítios do mundo, pois notoriamente existe no nosso mundo grande abundância de sítios onde existem condições de vida e trabalho iguais ou até muitíssimo melhores do que em Macau.
E além disso, tendo-se limitado a alegar “a execução imediata do acto recorrido tem como efeitos, entre outros, a cessação imediata do contrato de trabalho do requerente, com a inerente cessação do pagamento do seu vencimento que é, em grande parte, os sustento da família”, o requerente não cumpriu o ónus de alegar a matéria de facto integradora do invocado prejuízo de difícil reparação que, na esteira da supracitada jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, consiste na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
Em relação à alegada impossibilidade de o próprio requerente e a sua mulher serem substituídos nos seus postos de trabalho em Macau, a nós só cabe dizer que tendo o artº 121º/1 do CPAC em vista evitar prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que o requerente defenda ou venha a defender no recurso, nunca o alegado prejuízo consubstanciado na impossibilidade da substituição do requerente e da sua mulher nos respectivos postos de trabalho em Macau representa um prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que o requerente defenda ou venha a defender no recurso, pois se isso fosse realmente um prejuízo, quanto muito, é um prejuízo para as respectivas entidades patronais.
Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação dos requisitos exigidos no artº 121º/1-a) e b) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.
Resta decidir.
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 10JAN2014, do Senhor Secretário para a Segurança que em sede de recurso hierárquico necessário, manteve o despacho do Senhor Comandante da PSP que determinou a revogação da autorização da permanência concedida ao requerente.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 5UC.
Notifique.
RAEM, 15MAIO2014
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente
Mai Man Ieng
Susp.ef. 287/2014-A-10