Processo nº 247/2013
Data do Acórdão: 15MAIO2014
Assuntos:
Regime disciplinar
Agente de investigação criminal da Polícia Judiciária
Estatuto dos Militarizados das Forças de Seguranças de Macau (EMFSM)
Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM)
Demissão
Aposentação compulsiva
Princípio da proporcionalidade
Falta de fundamentação
SUMÁRIO
1. De acordo com a lei orgânica da Polícia Judiciária e por norma própria do EMFSM delimitadora do seu âmbito da aplicação pessoal, o regime disciplinar previsto no mesmo estatuto não se aplica ao agente de investigação criminal da Polícia Judiciária.
2. Não sendo demonstrado que houve erro grosseiro ou manifesto ou foram infringidos os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa-fé, na escolha das penas entre a demissão e a aposentação compulsiva, não é sindicável judicialmente a opção pela pena de demissão, em vez da de aposentação compulsiva, face ao disposto no artº 315º do ETAPM.
3. A acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 247/2013
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que lhe aplicou a pena de demissão, alegando, concluindo e pedindo:
A, casado, de nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da R.A.E.M. n.º XXX emitido pelos S.I.M., e residente em Macau XXX
vem, ao abrigo do disposto no art.º 36.º da Lei Básica da R.A.E.M. e do art.º 20.º do C.P.A.C., intentar
RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
do Despacho n.º 20/SS/2013 proferido pelo Exm.º Secretário para a Segurança em 22 MAR 2013 e exarado a final do processo disciplinar n.º 001/2009, por via do qual foi determinada a DEMISSÃO do recorrente (Documento 1)
o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos: ,
- os vícios da decisão recorrida -
1.º
É sabido que em Direito Público a discricionariedade não é arbítrio e, assim, detendo a Administração uma margem de valoração, o acto que daí resulte deverá sempre e em qualquer caso estar balizado, entre outros, pelos princípios da justiça e da proporcionalidade.
2. °
In casu, ficaram por respeitar ambos.
VEJAMOS.
3.º
O acto decisório final que determinou a demissão do recorrente não atendeu nem considerou que uma conduta que inviabilize a manutenção da relação jurídico-funcional é passível de desembocar em duas penas de conteúdo, alcance e efeitos claramente distanciados: a aposentação compulsiva e a demissão.
4.º
A aposentação compulsiva impõe a passagem à situação de aposentado, ao afastamento imediato do serviço e à impossibilidade de exercício de quaisquer funções públicas - cfr. artigos 304.º, 310.º e 268.º do E.T.A.P.M.
5.º
Porém, permite que o compulsivamente aposentado receba a respectiva pensão, pese embora apenas decorridos dezoito meses da notificação da pena - cfr. artigo 310.º, n.º 2, do E.T.A.P.M.
6.º
A demissão faz cessar o vínculo funcional impondo o afastamento definitivo do funcionário e importa a perda de todos os seus direitos, designadamente o direito a qualquer pensão, ainda que com quinze anos de serviço.
7.º
Ora, se é certo que ambas as penas assentam de comum num mesmo denominador - inviabilidade da manutenção da relação jurídico- funcional - e radicam em "factos-conclusão" indiciados por "exemplos-padrão" iguais - cfr. art. 315.º, n.º 2, do E.T.A.P.M. e art. 51.º do DL 27/98/M de 29 JUN -, igualmente certo é que daí em diante tais mesmas duas penas afastam-se e conduzem a soluções sancionatórias de resultado muito desigual, sendo bastante mais onerosa para o funcionário a pena de demissão.
8.º
Maior onerosidade essa, aliás, quando esteja em causa - como estáum servidor que cumpriu já 15 anos de serviço.
9.º
Razões estas pelas quais, por em nada ser indiferente ou irrelevante aplicar-se uma pena em detrimento da outra, menos gravosa, se imporia ter explicado - rectius, explicitar ponto por ponto - por que razão uma pena que igualmente opera a cessação da relação funcional, não é suficiente ou bastantemente idónea para sancionar o aqui recorrente!
10.º
É que não basta brandir com a livre altematividade entre uma e outra, com uma pretensa fungibilidade quanto à opção entre demitir e aposentar compulsivamente!
11.º
Algo terá que existir e, mais que isso, algo terá que ser cabalmente exteriorizado que permita acompanhar o itinerário valorativo de quem prolata a decisão final de demissão sem sequer ter considerado e equacionado a aplicação, ao invés, da aposentação compulsiva
12.º
Do que é possível surpreender na decisão aqui recorrida apenas resulta que, aos factos tidos por assentes, de acordo com o art. 315.0 do E.T.A.P.M., «(...) pode (...)» castigar-se com a pena de demissão - cfr. Ponto III do Despacho a quo.
13.º
Mas se pode - que pode - tem de se demonstrar por que razão se deva!
14.º
Mais de uma vez se disse que não devem haver actos integralmente livres em Direito Público, mais a mais em sede de "relações especiais de poder" conforme in casu.
15.º
Para mais sendo que quaisquer poderes são poderes competenciais ou poderes-deveres e não "faculdades" ou "direitos".
16.º
E é, pois, a esta luz que se deve entender o que seja a discricionariedade administrativa em sede disciplinar.
17.º
Não, pois, como um espaço de direito aberto à livre e fungível aplicação de uma ou outra sanção em concurso - quando, entre ambas, haja elementos comuns, como se disse acima - mas como o de aplicação de uma por não caber demonstradamente a aplicação da outra.
18.º
Demissão por não caber a aposentação compulsiva.
19.º
Aposentação compulsiva por não caber a demissão.
ORA,
20.º
De todas estas considerações, necessárias e exigíveis, carece o despacho recorrido.
21.º
Efectivamente, impossível é aderir-se, ou sequer acompanhar a argumentação subjacente, que terá fundado a determinação de que os factos praticados pelo recorrente deveriam ser punidos com a sua demissão e não com a aposentação compulsiva.
22.º
Relembre-se que o dever de fundamentação expressa dos actos administrativos tem uma tripla justificação racional: i) habilitar o interessado a optar conscientemente entre conformar-se com o acto ou impugná-lo; ii) assegurar a devida ponderação das decisões administrativas iii) e permitir um eficaz controlo da actividade administrativa pelos tribunais ou mesmo pela própria Administração.
23.º
Ora, tal justificação, em todas as três vertentes assinaladas, assume particular relevo nos actos ablativos e punitivos em que a margem de livre apreciação e escolha pela Administração é mais alargada, como é o caso do direito disciplinar público.
ALÉM DE TUDO O MAIS,
24.º
Sabido é que os normativos aplicáveis in casu são o E.T.A.P.M. e os artigos 49.º a 51.º do DL 27/98/M de 29 JUN, estes expressamente mantidos em vigor ex vi do art. 22.º, n.º 2 da Lei 5/2006 de 12 JUN.
25.º
Porém, considerando o alegado no Ponto V do Despacho a quo, no segmento em que aí se alude à perda completa da "conduta profissional" e à perda da "conduta moral" do aqui recorrente, a decisão aqui recorrida estará como que a valer-se ou a trazer à colação o regime estatuído no art.
239.º, n.º 1 do DL 66/94/M de 30 DEZ.
26.º
Sucede que o ESTATUTO DOS MILITARIZADOS DAS FORÇAS DE SEGURANÇA DE MACAU, aprovado por este último diploma, dispõe no aludido art. 239.º, n.º 1, quanto às situações que determinam a aplicação da pena de aposentação compulsiva que não da de demissão, esta prevista e caracterizada no subsequente art. 240.º desse diploma.
27.º
Ou seja, o acto a quo em nenhum momento produziu ou exibiu, como deveria, argumentação que, por um lado, mostre como necessária a pena de demissão e que, por outro lado e simetricamente, mostre como não bastante a aposentação compulsiva.
28.º
Mas, chegado ao Ponto V, a seu final, dá uma indicação clara que o que anima a sanção é a perda completa da "conduta profissional" e da "conduta moral" do aqui recorrente, precisamente os mesmos factores que fundam a sanção prevista no art. 239.º do ESTATUTO DOS MILITARIZADOS DAS FORÇAS DE SEGURANÇA DE MACAU.
29.º
Simplesmente, nesse normativo a sanção correspectiva associada a esses desvalores revelados pelo agente é a aposentação compulsiva!
30.º
Ora, tal "lugar paralelo" mostra que a decisão recorrida, por, nas próprias palavras do despacho ter havido perda completa da "conduta profissional" e da "conduta moral", deveria ter sido outra, isto de acordo com a própria lógica interna da decisão.
31.º
E que só não o terá sido por, erradamente, se ter associado sem mais tais duas "perdas completas" à pena de demissão, possivelmente pela razão única de que tal pena se "podia" aplicar, uma vez mais usando a própria letra do despacho.
MAIS AINDA SE REFIRA,
32.º
Estando em causa factos de 2009 a que agora se veio aplicar a pena de demissão, não se descortina por que motivo tal pena máxima jamais justificou por parte da Administração sequer a suspensão preventiva do recorrente ao longo de quatro anos.
33.º
Ou a mudança das suas funções e local de trabalho, ao abrigo do jus variandi.
34.º
Acaso fossem efectivamente gravosas ao nível máximo as condutas do recorrente, uma ou ambas essas medidas teriam sido certamente determinadas ex oficio pela Administração.
35.º
Uma vez mais se demonstra que a pena de demissão apenas veio a ser aplicada a final pela razão única de que tal pena se ''podia'' aplicar, de novo apelando à própria letra do despacho.
ASSIM, TENDO POR BASE E A TENTO TUDO O ACIMA EXPOSTO,
36.º
Invoca-se aqui, nos termos do art. 125.º do C.P.A., a anulabilidade do acto recorrido por este ofender o princípio da proporcionalidade, na medida em que faz uma opção, em excesso e além do necessário, de punir a conduta do recorrente com a medida mais onerosa da sua demissão, ao invés da sua demissão.
37.º
Mais se invoca, nos mesmos termos do art. 125.º do C.P.A., a anulabilidade do acto recorrido por este ofender o princípio da justiça, na medida em que aplica uma pena mais gravosa que a que deveria corresponder ao desvalor manifestado pela sua conduta - perda completa da "conduta profissional" e da "conduta moral" -, sancionado em "lugar paralelo" com a pena de aposentação compulsiva.
38.º
Igualmente se invoca, nos mesmos termos do art. 122.º, n.º 2, al. d), e 114.º, n.º 1, a), ambos do C.P.A., a nulidade do acto recorrido por este ofender o conteúdo essencial do direito fundamental à fundamentação, na sua tripla dimensão acima mencionada.
CONCLUSÕES:
1.ª - O acto recorrido está, nos termos acima melhor explanados nas alegações, ferido de um vício de violação de lei por inobservância do princípio da proporcionalidade e de um vício de violação de lei por inobservância do princípio da justiça, ambos determinantes da sua anulabilidade.
2.ª - Por outro lado, o acto recorrido, nos termos acima melhor explanados nas alegações, é nulo por ofender o conteúdo essencial do direito fundamental à fundamentação, tal como resulta do art. 122.º, n.º 2, al. d), e 114.º, n.º 1, a), ambos do C.P.A.
NESTES TERMOS,
deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o acto recorrido, atentos os vícios de violação de lei invocados, ou declarando-se a sua nulidade, atenta a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental à fundamentação.
Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.
Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Veio apenas o recorrente apresentá-las reiterando grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela improcedência do presente recurso.
Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* Até à data em que foi demitido por força do acto administrativo ora recorrido, o recorrente A desempenhava funções de Investigador criminal de 2ª classe;
* Por Acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo nº CR1-11-0050-PCC, transitado em 02JUL2012 que correu os seus termos no 1º Juízo do TJB, o ora recorrente foi condenado pela prática, em concurso real efectivo, de quatro crimes de injúria qualificada, p. e p. pelos artºs 175º/1 e 178º do CP, de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artº 147º/1 e de três crimes de ofensa qualificada à integridade física, em cúmulo, na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa por três anos;
* No âmbito do processo disciplinar que tem por objecto os mesmos factos que motivaram a sua condenação penal, ao ora recorrente foi aplicada a pena de demissão pelo despacho do Senhor Secretário para a Segurança, ora recorrido, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido*; e
* Inconformado com o despacho que lhe foi pessoalmente notificado em 27MAR2013, veio o recorrente interpor recurso contencioso mediante o requerimento que por fax deu entrada na Secretaria do TSI em 26APR2013.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso e reiteradas nas alegações facultativas, são as questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da não aplicação da pena de aposentação compulsiva; e
2. Da falta de fundamentação.
Então vejamos.
1. Da não aplicação da pena de aposentação compulsiva
Alega o recorrente nos artigos 24º e 29º que:
24.º
Sabido é que os normativos aplicáveis in casu são o E.T.A.P.M. e os artigos 49.º a 51.º do DL 27/98/M de 29 JUN, estes expressamente mantidos em vigor ex vi do art. 22.º, n.º 2 da Lei 5/2006 de 12 JUN.
25.º
Porém, considerando o alegado no Ponto V do Despacho a quo, no segmento em que aí se alude à perda completa da "conduta profissional" e à perda da "conduta moral" do aqui recorrente, a decisão aqui recorrida estará como que a valer-se ou a trazer à colação o regime estatuído no art.
239.º, n.º 1 do DL 66/94/M de 30 DEZ.
26.º
Sucede que o ESTATUTO DOS MILITARIZADOS DAS FORÇAS DE SEGURANÇA DE MACAU, aprovado por este último diploma, dispõe no aludido art. 239.º, n.º 1, quanto às situações que determinam a aplicação da pena de aposentação compulsiva que não da de demissão, esta prevista e caracterizada no subsequente art. 240.º desse diploma.
27.º
Ou seja, o acto a quo em nenhum momento produziu ou exibiu, como deveria, argumentação que, por um lado, mostre como necessária a pena de demissão e que, por outro lado e simetricamente, mostre como não bastante a aposentação compulsiva.
28.º
Mas, chegado ao Ponto V, a seu final, dá uma indicação clara que o que anima a sanção é a perda completa da "conduta profissional" e da "conduta moral" do aqui recorrente, precisamente os mesmos factores que fundam a sanção prevista no art. 239.º do ESTATUTO DOS MILITARIZADOS DAS FORÇAS DE SEGURANÇA DE MACAU.
29.º
Simplesmente, nesse normativo a sanção correspectiva associada a esses desvalores revelados pelo agente é a aposentação compulsiva!
30.º
Ora, tal "lugar paralelo" mostra que a decisão recorrida, por, nas próprias palavras do despacho ter havido perda completa da "conduta profissional" e da "conduta moral", deveria ter sido outra, isto de acordo com a própria lógica interna da decisão.
Parece-nos que o recorrente está insinuar que, apesar de ele próprio ter reconhecido ser aplicável in casu o regime disciplinar previsto no ETAPM com as especialidades previstas nos artºs 49º a 51º do Decreto-Lei nº 27/98/M de 29JUN, defende que, como a entidade recorrida fundamentou a aplicação da pena de demissão na verificação dos pressupostos previstos no EMFSM (Estatuto dos Militarizados das Forças de Seguranças de Macau) para a aplicação da pena de aposentação compulsiva, ao recorrente não pode senão aplicar a esta pena e não a pena de demissão.
Mais concretamente falando, para o recorrente, como a entidade recorrida fundamentou a sanção capital na “perda completa da conduta profissional e da conduta moral”, que, na óptica do recorrente, são justamente os pressupostos previstos para a aplicação da pena de aposentação compulsiva no artº 239º do EMFSM, à luz do que “a pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.”, a pena aplicável ao recorrente deve ser a da aposentação compulsiva.
Ora, é-nos um sofisma, interessante mais repudiável.
Em primeiro lugar, em lado algum do acto recorrido foi citado pela entidade administrativa o normativo do artº 239º/1 do EMFSM para fundamentar a aplicação da pena de demissão.
Bem andou a entidade administrativa, ao aplicar o ETAPM e não o EMFSM.
Na verdade, sendo o visado um agente de investigação criminal da P. J., não é-lhe aplicável o EMFSM, conforme iremos expor a seguir
Ora, o EMFSM, aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/94/M, delimita nos seus artºs 1º e 2º, o âmbito da sua aplicação pessoal nos termos seguintes:
Artigo 1.º (Âmbito)
1. O presente Estatuto aplica-se aos militarizados das Forças de Segurança de Macau (FSM).
2. Aos alunos não militarizados que frequentam os cursos de formação de oficiais na Escola Superior das Forças de Segurança de Macau (ESFSM) é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime de deveres e as normas disciplinares que sejam compatíveis com a qualidade de aluno, sem prejuízo das disposições deste Estatuto que especialmente lhes respeitem.
3. Ao pessoal em prestação do Serviço de Segurança Territorial (SST) é aplicável o regime de deveres e, salvo o instituto da classificação de comportamento, o regime disciplinar, sem prejuízo das disposições deste Estatuto que especialmente lhes respeitem.
Artigo 2.º (Conceito de militarizado)
Considera-se militarizado o pessoal que, nos termos da lei e deste Estatuto, ingressa nos quadros das carreiras da Polícia Marítima e Fiscal de Macau (PMF), do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau (CPSP) ou do Corpo de Bombeiros de Macau (CB), que, para efeitos deste Estatuto, têm a designação genérica de corporações.
Isto é, por norma própria do EMFSM delimitadora do âmbito da aplicação pessoal, o mesmo estatuto não se aplica ao recorrente, enquanto pessoal da P. J..
Por sua vez, na lei orgânica da P. J., não remissão expressa para o regime disciplinar consagrado no EMFSM, mas sim de acordo com o expressamente estatuído nos artºs 49º a 51º do Decreto-Lei nº 27/98/M, ao pessoal da PJ aplica-se o disposto em matéria disciplinar no ETAPM (Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau), com as especialidades constantes dos seus artºs 50º e 51º.
E esses artºs 50º e 51º não remetem nem reproduzem qualquer norma constante do EMFSM.
Assim, é de concluir que in casu é aplicável o ETAPM e os artºs 50º e 51º do Decreto-Lei nº 27/98/M, e não o EMFSM, em cujas normas que o recorrente se apoiou para sustentar a aplicação da pretensa pena de aposentação compulsiva.
O que cessa a necessidade de apreciar os argumentos apoiados em normas do EMFSM, deduzidos pelo recorrente e conduz necessariamente à improcedência do recurso nessa parte.
Quod abundat non nocet, globalmente visto o alegado na petição de recurso e reiterado nas alegações facultativas, é de notar que o recorrente pretende convencer o Tribunal de que a pena correcta é mais correspondente aos factos por ele praticados é a de aposentação compulsiva e dai extrair a conclusão pela anulabilidade do acto recorrido por a Administração ter optado pela pena de demissão.
Ora, face alternatividade dessas duas penas disciplinares mais gravosas previstas no artº 315º do ETAPM, ora aplicável, o Venerando Tribunal de Última Instância já chegou a destacar no seu Acórdão tirado em 14DEZ2012 no processo nº 69/2012, sensatamente que:
……
3. Proporcionalidade na aplicação de penas disciplinares.
O acórdão recorrido considerou demasiado pesada a pena de demissão aplicada à recorrente. Embora não o tenha dito, parece ter considerado haver erro manifesto na aplicação da pena ou violação dos princípios da proporcionalidade ou justiça. Em casos como estes, o tribunal pode conhecer da pena aplicada pela Administração. Mas como se sabe, fora deste circunstancialismo, não cabe aos tribunais do contencioso administrativo sindicar a medida da pena.
Este TUI já teve oportunidade de se pronunciar sobre a sindicância pelos tribunais da aplicação de medida das penas disciplinares.
No acórdão de 10 de Junho de 2011, no Processo n.º 23/2011, referimo-nos à aplicação de penas criminais e penas disciplinares, dizendo o seguinte:
“A aplicação do direito criminal e do direito disciplinar da função pública pelos tribunais, obedece a princípios radicalmente diversos.
Quando o tribunal aplica o direito criminal, condenando ou absolvendo os arguidos, exerce poderes de plena jurisdição. Pode aplicar qualquer pena que considere justa e adequada face à lei e aos factos que considere provados.
Já a intervenção do tribunal, no conhecimento do direito disciplinar da função pública, é completamente diversa, não tendo poderes de plena jurisdição, mas de mera anulação.
O tribunal não aplica penas disciplinares, só intervém depois de a autoridade administrativa ter aplicado uma sanção ao funcionário, para concluir se esta autoridade violou ou não a lei, anulando o acto punitivo se considerar ter havido alguma violação da lei ou dos princípios jurídicos”.
Quanto à sindicância do princípio da proporcionalidade na aplicação de penas disciplinares, reflectimos o seguinte no Acórdão de 29 de Junho de 2005, no Processo n.º 15/2005, pronúncia reiterada no Acórdão de 12 de Janeiro de 2011, no Processo n.º 53/2010:
«XXX, conclui que “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”».
No mesmo Acórdão ponderámos o seguinte:
“Temos também entendido que a intervenção dos tribunais na sindicância do respeito pelo princípio da proporcionalidade só é utilizável quando seja evidente a desproporção entre os factos e a decisão, quanto às decisões que, de um modo intolerável, o violem.
Por isso, o CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao erro manifesto ou à total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Quer dizer, não cabe ao juiz efectuar um juízo sobre a situação concreta pondo-se no lugar da entidade administrativa competente. Até porque o juiz não tem nem a sensibilidade, nem a informação sobre todos os dados do problema. O juiz não é um administrador. Cabe-lhe apenas verificar se o poder utilizado pela Administração foi manifestamente desajustado”.
E no Acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000, acrescentámos:
“XXX, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção3» (o sublinhado é nosso)”.
Nas mesmas águas navega XXX defendendo que «em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem5» (o sublinhado é nosso).
Na esteira dessa doutra doutrina do Venerando Tribunal de Última Instância, não tendo o recorrente questionado ou conseguido abalar os pressupostos de punição disciplinar previstos no artº 315º do ETAPM, nem detectamos que houve erro grosseiro ou manifesto ou foram infringidos os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa-fé, não é sindicável judicialmente a opção pela pena de demissão, em vez da de aposentação compulsiva.
2. Da falta de fundamentação
Como se sabe, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.
Ora, basta uma simples leitura do acto recorrido, nomeadamente os seus pontos II, III, IV e V, é de concluir que foi cabalmente cumprido o dever de fundamentação pela entidade recorrida, uma vez que o mesmo acto em si encerra os fundamentos de facto e de direito que nos permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação concreta da pena aplicada.
Improcede também esta parte do recurso.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 15MAIO2014
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente
Mai Man Ieng
*保安司司長
第XXX號批示
紀律程序:司法警察局第XXX號紀律程序
嫌疑人:A,二等刑事偵查員(以下稱“嫌疑人”)
I
司法警察局局長透過2009年1月16日的批示,向嫌疑人A提起紀律程序。
嫌疑人所涉嫌的違紀行為同時構成刑事犯罪行為,故檢察院亦對嫌疑人開展刑事偵查程序。為著《澳門公共行政工作人員通則》(以下簡稱“《通則》”)第328條第2款之效力,預審員申請暫時中止本紀律程序,直至法院就嫌疑人之刑事訴訟程序作出確定判決為止,該申請獲得該局局長及本人的同意。
隨後,澳門法院對嫌疑人作出有罪判決。該判決中有關嫌疑人的部分已於2012年7月2日轉為確定,為此,本紀律程序依法重開調查。
預審員根據《通則》第328條及第329條的規定進行預審,於2012年10月25日向嫌疑人提出控訴,指定15日期限提交書面答辯。
嫌疑人在指定期間提交書面答辯(參見卷宗第144至145頁的“自白書”)。
預審員製作報告書,建議對嫌疑人科處撤職處分。
但是,司法警察局局長經分析上述控訴書及終結報告的內容,發現當中沒有以刑事審判中經調查及證實的事實為基礎,部分內容更脫離了判決書內容,故以批示撤銷上述控訴書的法律效力,並著令預審員重新控訴。
為此,預審員於2012年12月16日重新對嫌疑人提出控訴(參見卷宗第167至175頁,以下稱“控訴書”),指定15日期限提交書面答辯。
嫌疑人在指定期間沒有提交書面答辯。
預審員作出總結報告。司法警察局局長透過2013年1月18日的批示,建議對嫌疑人科處撤職處分。
II
經分析上述調查工作所取得的所有證據,獲查明及證實以下事實:
澳門初級法院於2012年6月20日裁定嫌疑人為直接共同正犯及既遂行為觸犯四項加重侮辱罪、兩項恐嚇罪及三項加重傷害身體完整性罪,數罪並罰,合共判處兩年九個月徒刑,此徒刑緩期三年執行。(參見卷宗第42至59頁之“法院判決書”)
根據《通則》第288條的規定,將經法院作出確定之判決內容,作為本程序事實證據的組成部分。基於此,控訴書第1.1至4.2項所包含的事實被視為已證實(參見卷宗第168至173頁),在此視為本批示的完全轉錄事實部份。
嫌疑人由於不滿其上司,即上述刑事案件的被害人等,於是將其上司的公務上電話號碼提供予該案的另一嫌犯,然後與其共同決意,分工合作,在2008年7月至2009年1月期間,多次在電話中以粗言穢語辱罵四名被害人,並將含有侮辱成分的電話短訊傳送給四名被害人;以電話短訊對兩名被害人以及他們家人的生命作出威脅;明知三名身為司警人員的被害人不能將公務電話關機,而故意長期以電話騷擾他們,導致其等精神健康受傷害。
嫌疑人身為司法警察局的刑事偵查員,應清楚知道其行為的犯罪性質及違紀性質,但依然知法犯法,在作出上述行為時完全沒有理會其身為刑事警察的身份和義務。其行為除了構成刑事犯罪,亦對被害人等的名譽、人格尊嚴及精神健康造成很大損害,更嚴重影響本特區執法人員之形象。根據第5/2006號法律第14條第3款第(4)項之規定,刑事偵查員須特別遵守下列義務:為維護法紀,不論是否當值,均須立即果斷行動。
此外,嫌疑人獲悉有關輕型汽車XXX於2008年12月29日被刑事破壞的案件消息,並且知悉犯罪行為人的身份,但嫌疑人沒有按照《刑事訴訟法典》第225條之規定作出義務檢舉或刑事程序行為。根據第9/2006號行政法規第31條第(3)及(4)項之規定,刑事偵查員負責搜集和處理刑事情報及在刑事專案調查中作出刑事程序行為。因此,嫌疑人之不作為已構成其法定職責之不履行。
嫌疑人負有不可推卸的紀律責任,必須受到紀律懲處。
III
綜上所述,充分證實:
嫌疑人A─對身為司警人員的被害人等,故意在電話中以粗言穢語辱罵、傳送含有侮辱成份的短訊、以電話短訊威脅其中兩名被害人以及他們家人的生命、長期以電話騷擾其中三名被害人,導致其等的精神健康受損,構成違反《通則》第279條第1款及第2款c)項規定的服從義務的違紀行為;
獲悉輕型汽車被刑事毀壞案件的犯罪消息及犯罪行為人的身份後,沒有作出義務檢舉及刑事程序行為,構成違反《通則》第279條第2款b)項規定的熱心義務的違紀行為。
根據《通則》第315條第1款及第2款o)項中的第二部分的規定,可就嫌疑人的違紀行為處以撤職處分。
IV
嫌疑人在書面答辯中作毫無保留的承認,以及於2009、2011及2012年獲集體嘉獎,其具有《通則》第282條b)及c)項規定的減輕情節;嫌疑人向他人提供其上司的公務上電話號碼,以便與他人共同分工對被害人實施侮辱、恐嚇和傷害其等精神健康的犯罪行為,顯示其違紀行為是有預謀的,符合《通則》第283條第1款c)項及第2款規定的加重情節。
個案中未見適用嫌疑人的阻卻情節及紀律責任排除情節。
V
最後,本人無發現本紀律程序存在任何不法瑕疵。
經全面考慮後,尤其是嫌疑人的違紀行為所造成的嚴重後果、行為持續的時間及其非常嚴重的主觀過錯程度都充分顯示嫌疑人已撤底失去作為一個刑事偵查員和公務員所應具備的基本職業操守和道德品質,本人行使第6/1999條行政法規第4條、經第28/2011號行政命令修改的第122/2009號行政命令及《通則》第322條之規定所賦予的權限,決定如下:
─ 根據《通則》第315條第1款和第2款o)項中的第二部分及第305條之規定,對嫌疑人A的上述違紀行為,科處撤職處分。
著令通知嫌疑人得對本決定依法向中級法院提出司法上訴。
二零一三年三月廿二日於保安司司長辦公室。
保安司司長
張國華
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247/2013-24