Processo nº 374/2012
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 8/Maio/2014
Assunto: A
Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO
- Tendo a Ré ora recorrente prometido perante uma Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar, e sendo o Autor ora recorrido um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrente e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação, nos termos estipulados no artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 374/2012
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 8/Maio/2014
Recorrente:
- A, Ltd (Ré)
Recorrida:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$249.289,00, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Saneado o processo, foi designado dia para audiência de julgamento.
No início da audiência, foi pedida palavra pela Ré e no uso dela pediu a ampliação da base instrutória, cujo pedido não foi autorizado pela Juiz titular do processo, com fundamento em que a matéria que pretendia ser aditada não constava dos articulados e não era relevante para a boa decisão da causa.
Inconformada com a decisão, dela vem interpor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que indeferiu o requerimento na mesma sede apresentado pela Ré para aditar à base instrutória novos quesitos.
2. Os quesitos cuja inclusão na base instrutória se requereu contém factos que se destinariam a determinar ao abrigo de que contratos de prestação de serviço o Autor permaneceu ao serviço da Ré entre Outubro de 1995 e Maio de 2008, já que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi inicialmente contratado tinha um prazo de duração de apenas 2 anos.
3. Os factos constantes dos quesitos que a Recorrente pretendia ver aditados à base instrutória resultam quer do documento numero 2 junto pelo Autor na petição inicial bem como do conjunto de documentos juntos aos presentes autos em 19 de Setembro de 2011.
4. Entendeu o douto Tribunal a quo que seria de indeferir o requerimento supra referido, invocando para o efeito, que os factos que se pretendem aditar tratam-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor e, como tal, deveriam ter sido alegados pela Ré em sede de contestação e por via de excepção.
5. Tais factos não se tratam de factos novos ou supervenientes só agora conhecidos da Ré e que já decorreram as fases de articulados, saneamento, bem como a fase normal de apresentação de provas, pelo que nesta fase, as regras processuais já não permitem que se tragam estes factos ao processo, uma vez que isto poderia enfraquecer a defesa do A. uma vez que, uma vez que estamos em fase de Audiência de discussão e Julgamento, já os não poderia replicar.
6. No entendimento do douto Tribunal a quo os factos Assentes, nomeadamente, nas alienas C), D), E), BB), CC), destinam-se a demonstrar as situações efectivas entre a R. e A. durante toda a vigência da relação laboral entre eles, uma vez que, estes factos são tirados com base o concreto pedido e a concreta causa de pedir apresentada pelo A. na sua p.i. e aceite pela R. na sua contestação.
7. Nos presentes autos, no decurso da produção da prova surgiram factos essenciais que, embora não articulados, o Tribunal a quo deveria ter considerado relevantes para a boa decisão da causa e, consequentemente, ampliar a base instrutória.
8. Considerando os elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial e os documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 19/09/2011 e cuja junção foi admitida (cfr. despacho de fls. 234) e dos quais se inferem os factos cujo aditamento à base instrutória se requereu.
9. Considerando que, se é certo que, ao Autor cabe o ónus de alegar os factos constitutivos do direito que pretende valer na acção, ou seja, os factos que integram a causa de pedir, e que ao Réu cabe o ónus de alegar os factos em que baseia a sua defesa, e que o juiz, ao decidir, só pode em princípio atender a estes factos, também é certo que esse princípio não está rigidamente instituído no processo laboral atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho.
10. Considerando que o referido artigo não refere o momento próprio para se proceder à ampliação da base instrutória, apenas referindo que os factos a aditar terão que ter resultado no decurso da produção de prova, nada na lei impedindo que a ampliação da base instrutória seja feita logo no início da audiência de julgamento, e
11. Considerando que caso a base instrutória fosse ampliada no início da audiência de julgamento, ambas as partes teriam a faculdade de, no prazo de 5 dias, indicar novas provas (vide n.º 2 do artigo 41º), e que, ao abrigo do principio do contraditório o Autor poderia sempre opor-se ou dizer o que tivesse por conveniente.
12. Será de concluir que, em termos processuais, nenhum dos fundamentos que se prendem estritamente com regras processuais invocados pelo douto Tribunal a quo na decisão sob recurso, o impediam de admitir a ampliação da base instrutória no termos requeridos pela Ré, ora Recorrente, ou noutros que considerasse mais adequados.
13. As normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação impõe ao Juiz que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual, não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
14. A relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi solicitado pela ora Recorrente e o teor dos documentos em que tal requerimento se fundamentou, salvo devido respeito por melhor opinião, justificava que o douto Tribunal a quo lançasse mão da prerrogativa especial que lhe confere o já invocado artigo 41º, n.º 1 do CPT.
15. Os factos Assentes nas alíneas C), D), E), BB) e CC) não obstante verdadeiros, não são suficientes para demonstrar “as situações efectivas entre a R. e A. durante toda a vigência da relação laboral entre eles”, sendo que nenhum dos contratos de prestação de serviços mencionados em tais alíneas, e mormente o contrato mencionado na alínea E), ao abrigo do qual, efectivamente o A. foi contratado e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré, têm um período de validade e duração que permitam ao douto Tribunal a quo deles extrair consequências para todo o período que durou a relação laboral entre a Ré e o Autor.
16. Face ao teor do alegado pela Ré nos artigos 30º e 44º da sua contestação, é claro que não há qualquer confissão no sentido de que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde 16 de Outubro de 1995 e 31 de Maio de 2008.
17. Pelo que, nunca o contrato de prestação de serviços 45/94, junto aos autos como documento n.º 2 da contestação, com uma duração de 2 anos, e cuja renovação necessita ser necessariamente aprovada pelo Governo, poderá ser validamente usado nos termos em que o pretende o Autor e parece tender o douto Tribunal a quo, sob pena de nulidade da decisão.
18. Face a esta evidência, que elemento de prova algum existente nos presentes autos permite contrariar, resulta óbvia a relevância dos factos que a Ré pretendia ver aditados à base instrutória para que fossem trazidos ao processo factos e provas bastantes que permitissem ao douto Tribunal a quo descortinar que contratos de prestação de serviços justificaram a manutenção do Autor como trabalhador não residente ao serviço da Ré, e assim fazer bem Justiça.
19. A verdade material foi proclamada como um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados, desde que se mostrem relevantes para a decisão da causa e sobre eles tenha sido exercido o direito de contraditório, conforme resulta do artigo 41º, n.º 1 do CPT.
20. Seria assim de extrema relevância saber-se se o Autor permaneceu ao serviço da Ré ao abrigo do Despacho de Autorização e do Contrato de Prestação de Serviços através do qual foi inicialmente contratado, o qual teria duração de 2 anos (cfr. cláusula 11.1 do documento n.º 1 junto com a contestação), ou se, a sua permanência na RAEM, como trabalhador da Ré, se deveu à prolação de outros Despachos de Autorização e da celebração de outros Contratos de Prestação de Serviços com condições diferentes daquelas inicialmente estipuladas no contrato que serviu de base à sua contratação.
21. Matéria que seria passível de resposta após a ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela ora Recorrente.
22. O douto despacho sub judice incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 41º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Conclui, pedindo que se revogue o despacho recorrido para ser substituído por outro que defira o requerimento de ampliação da base instrutória apresentado pela recorrente.
*
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$237.953,76, acrescida de juros moratórios calculados de acordo com o Acórdão do TUI proferido no Processo nº 69/2010.
Inconformada com a sentença, dela vem interpor novo recurso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$237.953,76 (duzentas e trinta e sete mil, novecentas e cinquenta e três patacas e setenta e seis avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
2. Autor, ora Recorrido, foi contratado pela Ré, ora Recorrente, em Outubro de 1995 ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços 45/94 celebrado entre a Recorrente e a C, Lda., contrato de prestação de serviços que tinha um prazo de vigência de 2 anos, renovável por igual período mediante o acordo das partes e precedente acordo do Governo.
3. Pretendendo o Réu beneficiar de valores constantes de outro documento que não o seu contrato de trabalho, e constituindo esse documento um contrato com um termo de duração limitado no tempo, o Réu tem o ónus de alegar e provar que esse contrato esteve em vigor para além do termo nele previsto.
4. Dos elementos de prova constantes dos presentes autos, e também dos factos alegados pelas partes, apenas se pode apurar que o contrato de prestação de serviços 45/94 foi celebrado em 27 de Dezembro de 1994, pelo prazo de dois anos – cfr. documento 2 junto com a contestação, sendo que, decorrido o período pelo qual foi assim celebrado, nenhuma outra matéria foi apurada quanto renovações, nomeadamente, até Maio de 2008.
5. Sem prova de tal facto, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em renovação, não a extrapolando e dando também como provado que esse contrato, com as condições salariais nele previstas, justificou a subsistência do vinco laboral que ligou a Recorrente ao Recorrido por mais de 10 anos.
6. A decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral.
7. A única confissão inequívoca e peremptória feita pela Ré, ora Recorrente, quanto a este facto foi que, o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor, ora recorrido, foi recrutado e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré foi o contrato de prestação de serviços 45/94, ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 21 de Dezembro de 1994 (vide artigo 44º da contestação), não tendo nunca confessado, afirmado ou aceite – porque não o foi – que foi sempre ao abrigo desse contrato de prestação de serviços que o Autor permaneceu ao seu serviço.
8. O douto tribunal a quo, nem sequer ao abrigo da lógica da proibição de redução das condições salariais dos trabalhadores poderia presumir a existência de renovações do contrato de prestação de serviços 45/94, até Maio de 2008.
9. O facto constante do ponto E) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a matéria que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do 571º, n.º 1, al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
10. Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea BB) dos factos provados.
11. No entendimento do douto Tribunal a quo o referido contrato 45/94 terá sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente, a ponto de ter justificado as sucessivas celebrações de contratos de trabalho entre a ora Recorrente e o Recorrido.
12. No entanto, o douto Tribunal a quo não estava habilitado a fazer tal afirmação porquanto, para além de não existir nos autos um único meio de prova que lho permita, tal raciocínio não corresponde à verdade e entra em manifesta contradição com o teor do documento numero 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
13. No que respeita à matéria vertida na alínea BB) dos factos assentes, apenas poderia o douto Tribunal a quo ter dado como provado que “A R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato 45/94 celebrado com a C, que vigorou entre 27 de Dezembro de 1994 e 27 de Dezembro de 1996, e os concretos contratos individuais que, durante esse período, foram assinados com o A.”
14. Ao ter dado como assente naqueles termos os factos constantes da alínea BB) incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, o que, caso se venha a aderir à solução de direito avançada na decisão ora em crise – o que apenas por mero dever aderir à solução de direito avançada na decisão ora em crise – o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe -, a alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
15. O Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro não constitui a fonte das normas especiais que regem as relações laborais que se estabeleçam entre empregadores de Macau e trabalhadores não residentes, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
16. As normas específicas constantes do Despacho n.º 12/GM/88 regulam apenas o procedimento administrativo para admissão em Macau de trabalhadores não residentes e não determinam um regime jurídico regulador das relações laborais que se estabeleçam entre o empregador e um trabalhador não residente, porquanto, tratando-se de um Despacho, nos termos do então vigente Estatuto Orgânico de Macau, o mesmo foi proferido pelo Governador no âmbito das suas funções executivas (cfr. artigo 16º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau).
17. O Despacho do Secretário para a Economia e Finanças mais não é do que um acto administrativo proferido no âmbito do procedimento previsto no Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
18. O Despacho 12/GM/88 estabelece um processo e um conjunto de condições administrativas para efeitos de obtenção de autorização de contratação de mão-de-obra estrangeira que culmina na prolação de um Despacho de Autorização, mas deste processo e condições administrativas não resulta a obrigatoriedade para a Requerente de contratar em determinadas condições, uma vez que o diploma em apreço carece da imperatividade subjacente ao direito do trabalho.
19. E, ainda que resultasse de tais condições administrativas aquela obrigatoriedade, por estarmos perante um puro processo administrativo, também as consequências da sua violação se poderiam apenas reflectir no campo administrativo, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre a Recorrente e o Recorrido.
20. Face à natureza jurídica do Despacho 12/GM/88 não poderá o mesmo, ou qualquer acto administrativo ao abrigo do mesmo praticado, coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
21. Nem as normas do Despacho n.º 12/88/GM, que o douto Tribunal a quo considerou tratarem-se das normas especiais a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 3º do Decreto-Lei 24/89/M, de 3 de Abril, e nem as condições constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com a C, Lda. e sobre o qual recai o Despacho de Aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, são passíveis de regular o conteúdo das relações laborais que se venham a estabelecer na sequência da contratação autorizada.
22. A relação laboral que se estabeleceu entre a ora Recorrente e o Recorrido rege-se somente pelo princípio da liberdade contratual, princípio esse que foi devidamente observado aquando da celebração do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, o qual foi integralmente cumprido pela ora Recorrente.
23. A Sentença ora em recurso padece do vício de erro na aplicação do direito, tendo incorrectamente interpretado e aplicado as disposições constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que deveria ter considerado que tal diploma legal, ou qualquer acto ao abrigo do mesmo praticado, não constitui o regime especial regulador da relação laboral que se estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido (entidade empregadora de Macau e trabalhador não residente).
24. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a C, Lda.
25. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: “(…) Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (…) desta acção não é parte do mesmo, como tal o contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: “2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.” (…) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (…) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro (…)”
26. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
27. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
28. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a C, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
29. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes-ou seja a Recorrente e a C – agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
30. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
31. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a C vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiara directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
32. Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços 45/94 ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, foi inicialmente contratado pela Recorrente é fonte do direito reclamado pelo Autor, (quer por força do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, ou por se tratar de um contrato a favor de terceiro), sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob Recurso não é permitido concluir-se que o contrato de prestação de serviços 45/94, com um prazo de validade de 2 anos, ao abrigo do qual o Autor, Recorrido, foi contratado em 6 de Outubro de 1995, foi renovado sucessivamente por iguais períodos até ao ano de 2008.
33. A simples previsão da possibilidade de renovação, sujeita ao acordo das partes e à aprovação do Governo, não permite, salvo devido respeito por melhor opinião, ao douto Tribunal a quo presumir, sem base legal que lho permitisse, que o contrato de prestação de serviços 45/94, ou qualquer outro mencionado na decisão recorrida, foi sendo objecto de renovações sucessivas até Maio de 2008.
34. A renovação é um facto jurídico que deveria ter sido invocado pelo Autor, no âmbito do seu ónus de alegação e de prova e que não foi pelo Autor cumprido, sendo que a defesa da Ré só se pode basear e deverá responder aos factos alegados pelo Autor, não tendo esta nenhuma obrigação de aumentar o pedido do Autor ou auxiliar o Autor a incrementar o seu pedido.
35. A ora Recorrente não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde Outubro de 1995 e 31 de Maio de 2008, e nem que tenha sido um dos contratos mencionados no ponto C) da fundamentação de facto da sentença recorrida a fundamentar a manutenção de tal vinculo laboral.
36. O Autor não alegou ter estado todos os anos que durou a relação laboral ao abrigo de um único contrato de prestação de serviços, limitando-se a alegar que foi contratado ao abrigo de um deles e procurando estender as cláusulas desse contrato a todo o período da relação laboral, não tendo produzido qualquer prova de que assim tenha sido, prova essa que lhe cabia, por invocar tal contrato como fonte do seu direito, e que não fez.
37. O teor da factualidade apurada e transcrita na decisão sob recurso é o espelho dessa falta de prova, sendo visível o esforço argumentativo avançado pelo douto Tribunal a quo para justificar a condenação da Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor diferenças salariais durante todo o período que durou a relação laboral uma vez que não se retira de nenhum ponto da matéria de facto apurada que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor foi inicialmente contratado tenha sido objecto renovações até 31 de Maio de 2008.
38. Ao beneficiário de um contrato a favor de terceiro ou aceita ou não aceita o beneficio que lhe é concedido, não lhe sendo lícito extrapolar o período pelo qual lhe foram atribuídas as vantagens previstas nesse contrato e nem modificar os termos em que a mesma foi feita, caso não prove que a promessa foi renovada, em que termos foi renovada e por que período adicional o foi.
39. Assim, na falta de prova da renovação da promessa de atribuir ao Autor, por um período de 2 anos, as condições mencionadas no referido contrato de prestação de serviços, o direito do Autor, ora Recorrido, a ver-lhe atribuídos tais condições/benefícios apenas se contém dentro do período pelo qual foi realizada a promessa, ou seja, de 27 de Dezembro de 1994 a 27 de Dezembro de 1996.
40. Pelo que, ao ter extrapolado as condições da promessa de que o Autor era beneficiário, nomeadamente, extravasando largamente o período temporal pelo qual os benefícios prometidos o foram, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437º e 438º, ambos do Código Civil.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, e a consequente revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo no sentido da absolvição da Ré do pedido, ou, se condene a recorrente a pagar ao recorrido apenas o valor das diferentes salariais que se reportam ao período de vigência do contrato de prestação de serviços nº 45/94/M.
*
Devidamente notificada, a Ré apresentou, respectivamente, as suas respostas, pugnando pela improcedência dos recursos.
Cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Factos Assentes:
A R. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
A R. tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior”. (B)
A R. celebrou com a C Lda, os contratos n.º 9/92 de 29 de Junho de 1992; n.º 6/93 de 1 de Março de 1993; n.º 2/94 de 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94 de 11 de Maio de 1994; n.º 45/94 de 27 de Dezembro de 1994. (e.g. doc. n.º 1 junto com a contestação) (C)
Os contratos supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da R.; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela C Lda., e posteriormente cedidos à R. (D)
Foi ao abrigo do contrato n.º 45/94, que o A. foi recrutado pela C Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a R.(cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação). (E)
Entre 6 de Outubro de 1995 e 31 de Maio de 2008, o A. esteve ao serviço da R., exercendo funções de “guarda de segurança”. (F)
Trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da R. (G)
Era a R. quem fixava o local e horário de trabalho do A., de acordo com as suas exclusivas necessidades. (H)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a R. quem pagou o salário ao A. (I)
O contrato celebrado entre a R. e o A. cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da R. (J)
A antiguidade do A. ao serviço da R. foi de 12 anos, 7 meses e 25 dias. (L)
A R. apresentou ao A. um contrato e posteriormente assinado pelo mesmo. (doc. n.º 5 junto com a p.i.) (M)
O A. assinou outros contratos. (N)
Os seis contratos assinados entre o A. e a R. correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a R. (O)
Entre 6 de Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$1.700,00. (P)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$1.800,00. (Q)
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$2,00. (R).
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00. (S).
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a R. pagou mensalmente ao A., a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00. (T).
Entre 6 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$8,00 por hora. (U)
Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$9,30 por hora. (V)
Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$9,30 por hora. (W)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$10,00 por hora. (X)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11,00 por hora. (Y)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11,30 por hora. (Z)
Entre Março de 2006 e 30 de Dezembro de 2006, a R. sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo A. à razão de MOP$11,50 por hora. (AA)
Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a C, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com o A. (BB)
Do conteúdo do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês. (CC)
Enquanto a remuneração horária mínima constante do contrato aprovado pela DSTE era de MOP$11,25. (DD)
Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$6.131,00, que corresponde a 659 horas de trabalho extraordinário prestadas. (EE)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$725,00, que corresponde a 72.5 horas de trabalho extraordinário prestadas. (FF)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$28.931,00, que corresponde a 2630 horas de trabalho extraordinário prestadas. (GG)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$18.970,00, que corresponde a 1678 horas de trabalho extraordinário prestadas. (HH)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o A. recebeu da R. pela prestação de trabalho extraordinário a quantia total de MOP$20.660,00, que corresponde a 1796 horas de trabalho extraordinário prestadas. (II)
Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de alimentação. (JJ)
Ao longo de toda a relação entre a R. e o A., nunca a R. pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (LL)
Do contrato aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que o A. teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (MM)
Porém, durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A., nunca a R. atribuiu ao A. qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (NN)
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Factos Provados:
Entre 6 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o A. trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do A. de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (1º)
Entre 1 de Julho de 1997 e 30 de Junho de 1999, o A. trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do A. de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (2º)
Durante todo o período da relação contratual entre a R. e o A., nunca o A., sem conhecimento e autorização prévia da R., deu qualquer falta ao trabalho. (3º)
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
Do pedido de ampliação da base instrutória
Começamos pelo recurso interlocutório.
Em sede de audiência de julgamento, a recorrente pediu o aditamento de novos quesitos à base instrutória, pedido esse indeferido pelo Tribunal a quo, com fundamento em que a matéria que pretendia ser aditada não constava dos articulados e era impertinente para a boa decisão da causa.
Segundo a Ré ora recorrente, entende ser relevante saber se o Autor permaneceu ao serviço da Ré ao abrigo do despacho de autorização e do contrato de prestação de serviços através do qual foi inicialmente contratado, o qual tinha duração de 2 anos, ou se, a sua permanência na RAEM, como trabalhador da Ré, se deveu à prolação de outros despachos de autorização e da celebração de outros contratos de prestação de serviços com condições diferentes daquelas inicialmente estipuladas no contrato que serviu de base à sua contratação, mas não tendo sido deferido pelo Tribunal esse seu pedido, o despacho recorrido seria nulo, nos termos dos artigos 569º, nº 3 e 571º, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, bem como incorreria no vício de erro na aplicação do direito.
Vejamos.
No que à nulidade do despacho concerne, só há falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil, quando se verifica uma ausência total de fundamentação.
Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais.2
Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.3
No caso em apreço, embora o despacho recorrido seja relativamente simples, mas não deixa de assinalar tanto os fundamentos de facto como os de direito, daí que não se descortina a existência do alegado vício de falta de fundamentação que possa conduzir à nulidade do despacho.
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Vejamos, em seguida, se tem razão a recorrente quando diz que o Tribunal a quo incorre no vício de erro na aplicação do disposto no artigo 41º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, e em consequência, se deve deferir o aditamento dos factos pretendidos pela recorrente à base instrutória.
Salvo o devido respeito, julgamos sem razão à recorrente.
Atento o teor do conjunto dos quesitos que a recorrente pretendia incluir na base instrutória, salta à vista tratarem-se da categoria de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor, ou seja, cabe como meio de defesa que a Ré deveria ter suscitado já em sede de contestação, ao abrigo do artigo 409º do Código de Processo Civil.
Todavia, a recorrente enquanto Ré na acção, não o suscitou na contestação, nem nunca questionou que o despacho de autorização e o contrato de prestação de serviços nº 45/94 que esteve na base da contratação do Autor não era o mesmo que teria fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre ambas as partes desde o seu começo e até ao seu termo.
Ademais, afirmou ainda no artigo 44º da sua contestação que “o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS nº 45/94”.
Dispõe o nº 1 do artigo 41º do Código de Processo do Trabalho que “Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, é ampliada a base instrutória.”
No tocante à interpretação do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho de Portugal, na parte em que o mesmo é idêntico ao artigo 41º, nº 1 do nosso Código, referiu-se no Acórdão da Relação do Porto, Processo 114/09.1TTGDM.P1, de 15.12.2010, in dgsi, citado a título exemplificativo e em termos de direito comparado, que “…desde a reforma de 61 que no nosso sistema processual civil vigora o princípio dispositivo ou inquisitório, mas mitigado, (…) pois possibilita a consideração de factos não alegados, embora apenas instrumentais, complementares ou concretizadores, como resulta do disposto no artigo 264º do mesmo diploma (…) No entanto, em processo laboral, tal possibilidade (…) abarca todos os factos – instrumentais ou essenciais – com interesse para a boa decisão da causa, mesmo que não alegados pelas partes, desde que se esteja numa fase da audiência anterior aos debates (…) Para tanto, basta que tais factos novos, não alegados nos articulados: tenham interesse para a boa decisão da causa; tenham sido objecto de discussão e não impliquem o aditamento de nova causa de pedir ou a alteração ou ampliação da causa de pedir inicial”.
Igual entendimento perfilhou-se no Acórdão do STJ, Processo 07S2898, de 06.02.2008, in dgsi, “os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados -, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais”.
In casu, tendo a Ré afirmado na contestação que o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor era o contrato de prestação de serviços nº 45/94, e em lado nenhum foi feita alusão ao facto de haver outros contratos de prestação de serviços que se destinavam a substituir o conteúdo daquele contrato de prestação de serviços nº 29/94, assim, não se descortina grande relevância e interesse no aditamento de quesitos relativos a outros contratos de prestação de serviços à base instrutória.
Ademais, constituindo o conjunto de quesitos matéria de excepção, deveria a Ré ter invocado tal meio de defesa na contestação, mas não o fez, pelo que, o facto de vir em sede de audiência formular, pela primeira vez, o pedido de inclusão daqueles novos quesitos conduziria, de certo modo, a alteração da causa de pedir definida pelo Autor e aceite pela Ré.
Acresce ainda que, embora o pedido de aditamento tenha sido formulado só na audiência, mas se bem atentando a matéria dos quesitos pretendidos, podemos verificar que os factos não são novos, isto é, não são factos ocorridos posteriormente aos articulados nem factos conhecidos supervenientemente pela Ré.
Pelo que se disse, entendemos ter andado bem o Tribunal a quo ao indeferir a ampliação da base instrutória.
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Em seguida, apreciaremos o recurso da sentença final.
Da nulidade da sentença
Alega a recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade prevista no artigo 571º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
No que concerne à nulidade prevista na alínea c) (oposição entre os fundamentos e a decisão), tal só existe quando se verifica contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.4
Por outras palavras, a sentença só enferma de nulidade quando os fundamentos que serviram para fundamentar a decisão estão em oposição com esta própria.
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não julgamos assistir razão à recorrente, uma vez que os fundamentos adoptados pelo Tribunal a quo conduzem logicamente à decisão do mérito da causa.
E o problema em causa não será tanto a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas sim sobre o eventual erro na subsunção dos factos à norma jurídica, isto é, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade5.
Improcede, assim, esta invocação de nulidade.
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Da impugnação da matéria de facto constante da alínea BB) dos factos assentes
Alega a recorrente que, partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente o documento nº 2 junto com a p.i., e dos factos alegados pelas partes, o facto constante da alínea BB) foi incorrectamente julgado.
Consagra-se na alínea BB) dos factos assentes o seguinte:
“Durante todos estes anos, a R. utilizou dois contratos de diferente conteúdo: o contrato celebrado com a C, e cujo conteúdo foi reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente; e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram sendo assinados com a A.”
Entende a recorrente que não existe prova nos autos que permite considerar assente a circunstância de que o contrato de prestação de serviço nº 45/94 foi “reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da respectiva entidade competente”, uma vez que aquele contrato só tem um prazo de duração de dois anos, e foi o mesmo que fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos igualmente não assistir razão à recorrente.
Simplesmente, uma vez que a recorrente não logrou reclamar contra a selecção da matéria de factos em momento próprio, precludido está o direito de o praticar nesta fase.
Mas mesmo que assim tivesse procedido, também seria difícil dar-lhe razão, pois, em momento nenhum a recorrente questionou o facto de o contrato de prestação de serviços nº 45/94 não ter sido reiterada e sucessivamente objecto de fiscalização e de aprovação por parte da entidade competente, dado que, face ao teor da contestação, especialmente da matéria constante dos artigos 44º e seguintes, não é difícil chegar à conclusão de que foi ao abrigo do referido contrato de prestação de serviços que o Autor foi contratado para exercer funções para com a recorrente, tendo a respectiva relação laboral mantido, pelo menos, desde Outubro de 1995 até Dezembro de 2006.
Nem em lado algum conseguiu a recorrente, a quem compete o ónus de prova, demonstrar que as condições de trabalho pelas quais o Autor havia sido contratado se haviam modificado ou extinto.
Acresce ainda que, caso não houvesse renovações sucessivas do contrato e respectivas aprovações, não se compreenderia como podia o Autor ter estado em Macau até 2006.
Sobre esta argumentação já se pronunciou este Tribunal de Segunda Instância, no Acórdão do Processo nº 441/2012, de 19/7/2012:
"Ora, ao contrário do que pensa a recorrente (leia-se a Ré), bastava ao autor a prova de que o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado (...). E se tal contrato previa a sua renovação, ao abrigo da qual os contratos de trabalho entre A. e R. se desenvolveriam, parece evidente que o ónus de prova do autor se cumpriu. Quer dizer, bastaria a demonstração daquela [actualidade base para se aceitar que a longa duração desta relação laboral se deveu a esse contrato e suas sucessivas renovações. O contrário, isto é, a prova de facto impeditivo do efeito pretendido pelo autor caberia à ré, através da alegação e demonstração (art. 335º, n.º 2, do C.C.) que, afinal, aquele contrato (...) caducou e que outro com diferente conteúdo foi celebrado abrangendo o trabalhador autor.”
Também decidiu um outro Acórdão do TSI, Processo nº 131/2012, de 31/5/2012: que
"Importa ainda não esquecer que o aludido contrato era renovável, sendo indiscutível que após o período da sua vigência o trabalhador continuou a trabalhar, pelo que é de crer que aquele contrato se renovou, cabendo ao empregador alegar e provar que renovou noutras condições"
Nestes termos, tendo em consideração que a recorrente aceitou de forma expressa os factos alegados pelo Autor, e que por sua vez, não conseguiu fazer prova das excepções por si invocadas, não obstante sobre ela impender o respectivo ónus de prova, entendemos que é de manter a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto.
*
Do erro de direito
A propósito da questão de direito questionada pela recorrente, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre o tipo de relação estabelecida entre a recorrente e a Administração e a natureza jurídica do negócio celebrado entre a recorrente e a C, Limitada, citando-se, a título exemplificativo, o conteúdo de um desses arestos (TSI, Processo nº 778/2010):
“4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.
…
Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo ma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
…
6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em 8 de Outubro de 1996 e cessou em 31 de Maio de 2008.
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a C, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a C, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação(…)
É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora. Entendeu-se assim que a solução do problema passava por uma clara destrinça entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas têm que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operário e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.
7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a C, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”
Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro”
Face ao que ficou expendido, temos que julgar improcedente o recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pela recorrente A, Ltd (Ré), confirmando as decisões recorridas.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 8 de Maio de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 547
3 Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, 2007, página 139
4 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, obra citada, página 548
5 José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., página 670
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Processo 374/2012 Página 48