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Processo nº 95/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Maio de 2014

ASSUNTO
- Citação da al. a) do nº 1 do artº 755º do CPCM
- Errada informação da secretaria
- Artº 144º, nº 3 do CPCM

SUMÁRIO
- Uma vez que a ora Recorrente já foi citada nos termos e para os efeitos do artº 709º do CPCM em Julho de 2012, a sua citação no âmbito da al. a) do nº 1 do artº 755º só tem por finalidade permitir que possa deduzir oposição à penhora, tal como está prevista de forma expressa no artº do 757º do CPCM, nos termos do qual “O cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do nº 1 do artº 755º, é admitido a deduzir oposição à penhora, gozando de um estatuto processual idêntico ao do executado nas fases da execução posteriores à sua citação”.
- O nº 3 do artº 144º do CPCM não é aplicável, mesmo que por forma analógica, aos casos da errada informação quanto à existência do direito de defesa.
- O legislador prevê apenas que com a errada informação do prazo do exercício do direito de defesa, a parte interessada pode beneficiar o prazo para defesa indicado pela secretaria se este for superior ao que a lei concede.
- Mas quando o erro diz respeito à existência desse direito de defesa, a parte interessada já não pode retirar daí o benefício no sentido de renascer o seu direito de defesa já caducado, a não ser que a lei o preveja expressamente.
O Relator,
Ho Wai Neng

















Processo nº 95/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Maio de 2014
Recorrente: A (Requerente)
Objecto do Recurso: Despacho que não admitiu o inventário para separação de bens

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 22/07/2013, foi decidido não admitir o inventário para separação de bens deduzido pela Recorrente, A, ao abrigo do disposto do artº 709º do CPCM.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A nova citação da recorrente foi efectuada a coberto de despacho judicial.
2. A meritíssima juíza do tribunal a quo ordenou o cumprimento do art.º 755.° do CPC, na sequência lógica do que, nos termos do n.º 1, al. a) do mesmo artigo, a recorrente foi citada para, querendo, requerer a citação dos bens, dentro do prazo de quinze dias.
3. Nos termos do art.º 144.° do Código de Processo Civil, a citação será nula quando não tiverem sido observadas as formalidades prescritas na lei.
4. As formalidades prescritas na lei foram efectivamente observadas.
5. Prescreve ainda o n.º 3 do citado art.º 144.° que “[s]e a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares”.
6. Numa interpretação literal ou analógica deste preceito legal - por aplicação do art.º 9.°, n.º 2 do Código Civil - deve ser admitido o inventário para a separação dos bens comuns que foi requerido pela ora recorrente, dentro do prazo legal que lhe foi concedido.
7. A ideia do legislador ínsita no art.º 144.°, n.º 3 do CPC é respeitar o prazo mais longo indicado à parte para esta exercitar o seu direito de se defender, não devendo a mesma ser prejudicada por se lhe ter sido concedido um prazo excessivo.
8. Se a razão de ser é esta, por igualdade de razão o mesmo raciocínio ou juízo deve ser feito para qualquer parte poder exercer os seus direitos ou faculdades legais em prazo fixado pela secretaria judicial.
9. Ainda que se entenda que se trata de um erro de secretaria, estabelece o art.º 111.°, n.º 6 do CPC que “[o]s erros e omissões praticados pela secretaria não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”
10. Por todo o exposto, entende a recorrente dever ter-se por válido o prazo que lhe foi oferecido para requerer a separação de bens e, outrossim, admitido o inventário por ela requerido dentro do mesmo.
11. A decisão recorrida, violou, designadamente, o preceituado na letra e no espírito do art.º 144.°, n.º 3 do Código de Processo Civil ou, subsidiariamente, o disposto no art.º 111.°, n.º 6 do mesmo diploma legal.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
1. No momento da decisão da conversão do arresto do bem imóvel em penhora, a ora Recorrente foi citada nos termos do artº 709º do CPCM, por carta registada com aviso de recepção, para requerer a separação de bem, tendo o aviso de recepção devolvido ao Tribunal no dia 17/07/2012.
2. Em vez de requerer a separação de bem, a ora Recorrente optou deduzir embargo de terceiro nos termos do artº 292º e seguintes do CPCM, tendo o mesmo sido indeferido liminarmente.
3. Em 05/06/2013, a ora Recorrente foi citada novamente, ao abrigo do artº 755º, nº 1, al. a) do CPCM, com o seguinte teor:
“傳喚被執行人B之配偶A自簽收本件日起計十五天內對下述被查封之夫婦共有財產聲請分產,或附具證實已聲請分產之訴訟正處待決之證明,否則將執行被查封之財產。
被查封的不動產
名稱:10樓W之獨立單位
座落地點:澳門馬場北大馬路XXXXX
用途:住宅
財政局房屋紀錄編號:XXX
物業登記局標示編號:第XX號簿冊,第XX號...”
4. Em 20/06/2013, a ora Recorrente requereu o inventário para a separação do bem penhorado.
5. Por despacho de 22/07/2013, foi decidido a não admissão da requerida separação de bem.
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III – Fundamentação
Na óptica da Recorrente, com a nova citação ao abrigo da al. a) do nº 1 do artº 755º do CPCM, renasce o seu direito de requerer a separação do bem penhorado.
Dispõe a al. a) do nº 1 do artº 755º do CPCM que:
   “1. Feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos sobre os bens penhorados, quando for necessária, são citados para a execução:
   a) O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis que o executado não possa alienar livremente, ou quando o exequente requeira a sua citação, nos termos do n.º 1 do artigo 709.º”.
Por sua vez, o artº 709º do CPCM estabelece que:
“1. Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
   2. Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados.
   3. Apensado o requerimento ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para a nova nomeação a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória.”.
Quid iuris?
Adiantamos desde já que não assiste razão à Recorrente.
A al. a) do nº 1 do artº 755 prevê duas hipóteses de citação do cônjuge do executado, a saber:
1ª- quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis que o executado não possa alienar livremente.
2ª- quando o exequente requeira a sua citação, nos termos do nº 1 do artº 709º do CPCM.
No caso em apreço, não resulta dos presentes autos que a citação da ora Recorrente no âmbito do artº 755º do CPCM foi requerida pelo exequente nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 709º do mesmo Código.
Aliás, uma vez que a ora Recorrente já foi citada nos termos e para os efeitos do artº 709º do CPCM em Julho de 2012, também não faz sentido para o exequente requerer novamente a sua citação para o mesmo fim.
Nesta conformidade, a citação da ora Recorrente no âmbito da al. a) do nº 1 do artº 755º só tem por finalidade permitir que possa deduzir oposição à penhora, tal como está prevista de forma expressa no artº do 757º do CPCM, nos termos do qual “O cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do nº 1 do artº 755º, é admitido a deduzir oposição à penhora, gozando de um estatuto processual idêntico ao do executado nas fases da execução posteriores à sua citação”.
Assim e sem necessidade de mais delongas, é de concluir pela improcedência deste argumento do recurso.
Defende ainda a ora Recorrente que por aplicação teleológica do nº 3 do artº 144º do CPCM, deveria admitir a requerida separação do bem penhorado.
Por fim, entende que mesmo que se tratasse de um erro de secretaria, o art.º 111.°, n.º 6 do CPCM prevê que “os erros e omissões praticados pela secretaria não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
No caso em apreço, a citação da ora Recorrente operada no âmbito da al. a) do nº 1 do artº 755º do CPCM diz expressamente que ela pode requerer a separação do bem penhorado no prazo de 15 dias.
Não resta dúvida de que se trata de um erro da secretaria, na medida em que, como já referimos anteriormente, esta citação só tem por finalidade permitir ao citado deduzir oposição à penhora.
A questão que se coloca é a de saber se com este erro renasce o direito de requerer a separação do bem penhorado, tal como é pretendido pela ora Recorrente.
Para nós, a resposta não deixa de ser negativa.
Em primeiro lugar, é certo que o art.º 111.°, n.º 6 do CPCM prevê que “os erros e omissões praticados pela secretaria não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”, mas isto não significa que as partes podem deles retirar benefícios sem que a lei prevê de forma expressa para o efeito.
A intensão legislativa do referido preceito é a de prevenir prejuízos para as partes em face dos erros ou omissões da secretaria, e não é retirar vantagens das mesmas sem pronúncia legal expressa.
No que respeita ao nº 3 do artº 144º do CPCM, entendemos que este preceito legal não é aplicável, mesmo que por forma analógica, ao caso sub justice, por as situações serem bem diferentes: uma coisa é a errada informação quanto ao prazo do exercício do direito de defesa, outra é a errada informação quanto à existência desse direito de defesa.
O legislador prevê apenas que com a errada informação do prazo do exercício do direito de defesa, a parte interessada pode beneficiar o prazo para defesa indicado pela secretaria se este for superior ao que a lei concede.
Mas quando o erro diz respeito à existência desse direito de defesa, a parte interessada já não pode retirar daí o benefício no sentido de renascer o seu direito de defesa já caducado, a não ser que a lei o preveja expressamente.
Suponhamos que o réu foi citado para contestar no prazo de 30 dias e não o fez dentro do prazo fixado. Por lapso da secretaria, foi citado outra vez para contestar. Será com isto renascer o seu direito processual de contestar?
A resposta só pode ser negativa, pois o erro da secretaria não vincula o Tribunal salvo os casos legais em contrário.
Face ao exposto, não deixará de se julgar também improcedentes estes dois últimos argumentos do recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento do presente recurso, mantendo o despacho recorrido.
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Custas do recurso pela Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 15 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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