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Processo nº 917/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 22 de Maio de 2014

ASSUNTO:
- Falsidade do documento

SUMÁRIO :
- Nos termos do nº 3 do artº 475º do CPCM, se a arguição tiver lugar em processo pendente de recurso, a questão é julgada no tribunal em que o processo se encontra.
- A arguição da falsidade do documento visa destruir a força probatória do documento, pelo que a declaração da falsidade não determina a anulação do processado.
O Relator,
Ho Wai Neng



Processo nº 917/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 22 de Maio de 2014

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

A e sua mulher B, Autores, vêm, nos termos do disposto do nº 2 do artº 471º e no nº 3 do artº 475º do CPCM, arguir a falsidade da informação fornecida pela Direcção dos Serviços de Finanças através do of. nº 1049/RFM/DISR/NCP/2007, de 27/12/2007 (documento junto a fls. 111 dos autos), na qual se atesta que “nada consta que o prédio sito na Travessa das Bruxas nºs 2, 4 e 6 (actualmente nºs 2 a 8), são foreiros à Fazenda da Região Administrativa Especial de Macau”, com fundamento na Certidão nº 2349/2014, de 06/02/2014, emitida pelos mesmos Serviços, onde se atesta que os prédios em causa são foreiros à RAEM (fls. 219 dos autos).
*
Devidamente notificado, o Mº Pº respondeu pela forma seguinte:
   “....
1- Desatendibilidade do Incidente
   1°- Rezam os n.ºs 1 e 2 do art.569° do CPC: 1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2. O juiz pode rectificar erros materiais, suprir nulidade, esclarecer dúvidas, provocadas pela sentença e reformá-la quanto à custas e multa.
   2°- No caso sub judice, é incontroverso e flagrante que entrado no Venerando TSI em 10/02/2014 (fls.210 a 218 dos autos), o dito INCIDENTE foi suscitado depois da prolação e ainda da notificação do douto Acórdão de fls.202 a 204 verso, respectivamente em 16/01/2014 e 20/01/2014 (vide. fls.206 verso),
   3°- O que exclui, com certeza, a aplicação ao caso vertente do preceito no n.º3 do art.475° do CPC (arguição da falsidade na pendência do recurso), e implica que deverá ser desatendido tal Incidente e desentranhada a peça de fls.210 a 218 dos autos,
II- Extemporaneidade da arguição
   4°- Note-se que o doc. n.º2 de fls.111 dos autos (a seguir designa-se Doc. n.º2), cuja falsidade é arguida no Incidente em apreço, foi apresentado pela magistrada do M.º P.º simultaneamente com a contestação (cfr. fls.107 dos autos),
   5°- Em 21/01/2008 e 27/02/2008 (cfr. fls.119 e 122 dos autos), foram enviada, ao ilustre mandatário dos autores/recorridos, respectivamente a notificação da contestação e a do despacho saneador, cuja alínea D) indica expressamente o Doc. n.º2,
   6°- Tal contexto factual permite razoavelmente a perspectivar que agindo com diligência, os autores/recorridos poderiam e deveriam, antes da Audiência de Julgamento realizada em 15/01/2009 (cfr. fls.136 dos autos), descobrir a falsidade arguida no presente Incidente,
   7°- Não se pode olvidar que a arguição da falsidade do Doc. n.º2 se alicerça apenas na Certidão n.º2349/2014 requerida em 30/01/2014 e passada pelo Chefe da Repartição de Finanças da DSF em 06/02/2014 (doc. de fls.219 dos autos),
   8°- Daí flui que é largamente tardio e atrasado o Requerimento da Certidão n.º2349/2014 dos autores/recorridos (em 30/01/2014), e negligente e lhes imputável o desconhecimento dessa falsidade antes da Audiência de Julgamento na 1ª instância.
   9°- O que afasta legitimamente a aplicabilidade ao presente caso do disposto no n.º2 do art.4715° do CPC, e determina, directa e necessriamente, a extemporaneidade do apontado Incidente, pelo que terá de ser desentranhado dos autos,
III- Irrelevância do Doc. n.º2
   10°- É verdade que tomando como único suporte probatório o Doc. n.º2, o TJB e o TSI deram por provado o facto de «Os prédios n.ºs 2, 4 e 6 da Travessa das Bruxas não são foreiro à Fazenda da Região Administrativa Especial de Macau»,
   11°- No douto Acórdão de fls.202 a 204 verso, inculca o Venerando TSI com brio:
   根據澳門《基本法》第7條的規定,.....
   因此,回歸後,所有在此之前沒有被確認為私人所有的土地均屬國家所有,不能成為以時效佔有而取得有關所有權或田面權(使用權)。
   .....
   在本個案中,根據有關土地登記,有關土地的田底權(domínio directo)為澳門特別行政區所有,而田面權(domínio útil)則沒有任何登記。
   .....
   雖然有關土地的所有權一分為二,但這並不代表田面權必然屬私人所有。在沒有相關登記的情況下,根據《土地法》(第6/80/M號法律)第7條之規定,推定為澳門特別行政區所有。
   12°- Perante tal concisa argumentação, não é difícil perceber que o Doc. n.º2 e o correspondente facto provado são irrelevantes e impertinentes à decisão preconizada no douto Acórdão de fls.202 a 204 verso, pelo que deverão ser julgados improcedentes todos os pedidos no Incidente....”.
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 Foram colhidos os vistos legais.
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 Cumpre agora decidir.
1. Da não atendibilidade suscitada pelo Mº Pº
Entende o Mº Pº que o pedido da declaração de falsidade de documento formulado pelos ora Autores não deve ser atendido nesta fase processual, uma vez que este Tribunal já proferiu o seu acórdão final, esgotando assim o seu poder jurisdicional sobre o caso.
Ou seja, a ora arguição da falsidade do documento não é feita na pendência do recurso, mas sim já depois deste.
Salvo o devido respeito, não se nos afigura que tenha razão.
É certo que este Tribunal já proferiu o acórdão final, só que os Autores recorreram do mesmo para o Tribunal da Última Instância (fls. 208), recurso esse que é legal e tempestivo, interposto por quem tem legitimidade, pelo que a presente arguição da falsidade do documento é feita na pendência do recurso.
Nos termos do nº 3 do artº 475º do CPCM, se a arguição tiver lugar em processo pendente de recurso, a questão é julgada no tribunal em que o processo se encontra.
Nesta conformidade, este Tribunal é competente e tem poder jurisdicional para julgar a questão suscitada.
2. Da extemporaneidade
Defende o Mº Pº que a presente arguição da falsidade de documento é extemporânea, uma vez que o documento em causa foi junto aos autos com a sua contestação em 18/01/2008 e os Autores foram notificados da sua apresentação por carta registada de 21/01/2008 (fls. 119).
Assim, se os Autores tivessem agido com diligência normal, poderiam e deveriam descobrir a falsidade antes da audiência de julgamento da 1ª Instância (15/01/2009), o que não fez, pelo que devem sofrer as consequências legais da sua inércia/negligência.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito, entendemos que perante um documento oficial, um homem médio não iria duvidar a sua veracidade logo à partida.
Por outro lado, o Tribunal da 1ª Instância julgou a acção procedente, declarando os Autores como legítimos titulares do domínio útil do prédio e só com a prolação do acórdão deste Tribunal é que se passou a julgar a acção improcedente por se entender que não é susceptível de aquisição por usucapião do domínio útil do prédio uma vez que o mesmo não se encontra integrado na esfera jurídica privada.
Assim sendo, cremos que está justificada a não actuação dos Autores quanto à veracidade do documento até à notificação do acórdão deste Tribunal.
Os Autores foram notificados do nosso acórdão por carta registada de 20/01/2014.
Em 30/01/2014, requereram à DSF a emissão da nova certidão quanto à situação do prédio.
Em 06/02/2014, foi emitida a certidão requerida.
Em 10/02/2014, suscitaram o presente incidente de falsidade de documento.
Perante este quadro fáctico e tendo em conta o disposto no nº 3 do artº 471º do CPCM, entendemos que a arguição da falsidade de documento feita por parte dos Autores é tempestiva.
3. Da questão de fundo
Face à nova certidão da DSF e a informação complementar respeitante à base documental da emissão da nova certidão (fls. 227 a 230), cremos que está comprovada que a informação constante do of. nº 1049/RFM/DISR/NCP/2007, de 27/12/2007 (documento junto a fls. 111 dos autos), na qual se atesta que “nada consta que o prédio sito na Travessa das Bruxas nºs 2, 4 e 6 (actualmente nºs 2 a 8), são foreiros à Fazenda da Região Administrativa Especial de Macau”, não corresponde à verdade, pelo que é declarado como falso o teor do mesmo.
Os Autores, além de requerer a declaração da falsidade do documento, pediram ainda que fosse anulado todo o processado e devolvido o processo para nova decisão do TSI, ou, em alternativa, fosse anulado todo o processado desde a apresentação do documento junto à contestação que foi objecto da declaração da falsidade, com as consequências legais.
Salvo o devido respeito, não nos parece que estes pedidos possam proceder.
Vejamos a sua razão de ser.
Como é sabido, a arguição da falsidade do documento visa destruir a força probatória do documento, pelo que a declaração da falsidade não determina a anulação do processado.
No que respeita à devolução do processo para novo julgamento, cumpre dizer que com a prolação do acórdão final, já se encontra esgotado o nosso poder jurisdicional sobre a causa, salvo os casos excepcionais legalmente previstos.
Nesta conformidade, ficam assim indeferidos esses pedidos.
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Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente a arguição da falsidade de documento, declarando como falso o teor constante do of. da DSF nº 1049/RFM/DISR/NCP/2007, de 27/12/2007 (documento junto a fls. 111 dos autos).
Ficam indeferidos os restantes pedidos formulados.
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Sem custas.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 22 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

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917/2009