Processo nº 245/2014
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 15/Maio/2014
Assunto: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Acto de conteúdo positivo
Artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Suspensão preventiva do cargo de notário privado
SUMÁRIO
- O pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
- São os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso.
- A Administração, como garante do bom funcionamento das instituições públicas, está obrigada a zelar pela salvaguarda da dignidade e prestígio dessas instituições, e a medida de suspensão provisória da actividade notarial do requerente visa exactamente garantir a defesa da integridade e do prestígio da função notarial.
- Tendo o requerente promovido e servido como testemunha num negócio jurídico simulado, bem sabendo que este negócio tinha como objectivo propiciar às famílias dos contraentes uma das condições para obter residência permanente em Macau, se o requerente continuasse no pleno exercício da sua actividade notarial, a dignidade da função notarial, e consequentemente, o prestígio da Administração podem ser gravemente comprometidos.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 245/2014
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 15/Maio/2014
Requerente:
- A
Requerida:
- Secretária para a Administração e Justiça
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, notário privado, devidamente identificado nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho da Exmª. Secretária para a Administração e Justiça, de 4.4.2014, que lhe aplicou a suspensão preventiva do cargo de notário privado até à tomada de decisão final a ser proferida no respectivo processo disciplinar, ao abrigo do artigo 21º do Estatuto dos Notários Privados e do artigo 331º, nº 1 do ETAPM.
Invocou que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Citada a requerida para contestar, defendeu a improcedência do pedido.
*
O Digno Magistrado do Ministério Público opinou no sentido de indeferimento do pedido de suspensão (cfr. fls. 83 e 84 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Cumpre decidir.
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do procedimento:
O requerente A é advogado e notário privado.
Por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base, no âmbito do processo CR4-13-0026-PCC, ainda não transitado em julgado, o requerente foi condenado na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com a condição de pagar à RAEM a quantia de MOP$50.000,00, pela prática, na forma de cumplicidade e consumada, de um crime de falsificação de documento previsto e punível pelo artigo 11º, nº 1 e 2 da Lei nº 2/90/M.
Fundamentou-se aquela decisão condenatória na seguinte matéria provada:
“嫌犯B於2002年在XX街XXX地下開設“C公司”,從事不動產買賣中介活動以及為中國內地居民辦理來澳投資居留申請。
D和E均為中國居民,各自委託嫌犯B辦理來澳投資居留的手續。2002年8月12日,嫌犯B與D及E一同在嫌犯A的見證下,簽訂了一份“投資移民定居澳門合同書”及一份“樓字買賣預約合同”。
根據該份“投資移民定居澳門合同書”內容,嫌犯B為D一家三口及E一家四口辦理投資移民澳門定居及取得澳門居民身份證所需的手續及文件,嫌犯B承諾向兩人轉售XX街XXX全幢大廈的不動產,並借出港幣200萬元現金本票,兩名內地居民則承諾借取B名下上述物業作為辦理澳門投資移民手續,目的是為使D及E可符合投資居留法第14/95/M號法令第1條第1款b項在澳門作出重大投資的要求,從而可申請居留權。該合同又規定,D一家三口及E一家四口在取得澳門居民身份證後,要以無償方式將有關不動產轉回嫌犯B名下。
D和E各自向嫌犯B交付港幣叁拾伍萬元作為報酬。
與D及E訂立上述合同前,嫌犯B知道其行為可能違法,曾徵詢嫌犯A之意見,嫌犯A認為可行,願意為上述兩份合同作見證,並收取澳門幣伍仟元作為報酬。
2002年8月12日,嫌犯A以律師身份,為上述“投資移民定居澳門合同書”及“樓字買賣預約合同”作見證,為嫌犯B與D及E訂立上述合同。
為上述兩份合同作見證時,嫌犯A清楚知道嫌犯B與D及E兩家並無實際出售及購買有關之不動產,嫌犯B與D及E簽署“樓字買賣預約合同”,目的在於令D及E符合投資居留法的規定。
嫌犯A明知嫌犯B的行為涉及虛偽合同,仍促成有關法律行為,目的為收取金錢利益。
其後,D及E向澳門貿易投資促進局申請投資居留,並遞交了上述之樓宇買賣合同。
2003年1月25日,嫌犯B與F簽訂“全家在本行辦理澳門投資永久定居手續的合約”,並由當時任職律師樓職員的嫌犯G作見證,內容是F借取嫌犯B名下的XX街XXX地下X舖及X舖及XX街XX地下X舖作為投資移民申請之用,須於取得澳門居民身份證後返還,當時,嫌犯G在合同上使用“H大律師”的印章,但以G的簽名作見證。
2003年1月31日,嫌犯B與I簽訂“全家在本行辦理澳門投資永久定居手續的合約”,內容同樣是將上述物業單位借予I作為申請投資移民之用,須於取得澳門居民身份證後予以返還,其時,嫌犯G在合同上使用“H大律師”的印章,但以G的簽名作見證。
嫌犯G在相關承諾買賣樓宇合約的簽名與其澳門身份證的簽名相符。
在與I及F訂立上述兩份合同時,嫌犯B知道其行為可能違法,曾徵詢嫌犯G的意見,嫌犯G認為可行,願意為上述兩份合同作見證,並收取報酬。
嫌犯G為上述兩份合同作見證時,清楚知道嫌犯B與I及F並無實際出售及購買上述不動產,同時,嫌犯B與I及F簽署“樓宇買賣預約合同”,目的在於令I及F符合投資居留法的規定。
嫌犯G明知嫌犯B的行為涉及虛偽合同,其仍促成有關法律行為,目的為收取金錢利益。
之後,F和I向澳門貿易投資促進局遞交投資居留申請,並被揭發涉嫌偽造文件。
其後,在被檢察院控訴並之後在CR4-08-112-PCC號案件出庭答辯時,嫌犯B向法庭表示由嫌犯G教導其借出樓宇訂立涉案的“樓字買賣預約合同”,協助內地居民辦理投資居留,同時,嫌犯B亦表示曾徵詢嫌犯A的意見,因嫌犯A認為可行,故嫌犯B分別在嫌犯A的律師樓及H律師樓訂立有關合同,並分別由兩嫌犯A人及G作見證。
為取得不正當利益,嫌犯B和嫌犯A共同合意,分工合作,透過由嫌犯B借用物業業權及現金本票的欺瞞方式,合謀為兩名內地人士D及E簽訂及見證偽造的樓宇預約買賣合約,目的為協助該等內地人士及其家團符合第14/95/M號法令第2條第1款d項規定,取得在澳門投資居留的證明文件,以令彼等取得澳門居留權。
為取得不正當利益,嫌犯B及嫌犯G兩人共謀合意,分工合作,透過由嫌犯G採取未經當時的律師H同意而使用該律師的印章,由B借用物業業權作成有關合同及見證的欺瞞方式,合謀為兩名內地人士F及I簽訂及見證虛偽的承諾買賣樓宇合約,彼等之目的在於協助上述內地人士及其家團符合第14/95/M號法令第2條第1款d)項之規定,取得澳門投資居留的證明文件以令彼等取得澳門居留權。
三名嫌犯的行為損害非法入境及逗留法律制度及投資移民法律制度的效力。
嫌犯B及嫌犯g自由、自願及有意識地實施上述行為。
嫌犯A身為律師及私人公證員,其清楚知道公證文件的證明力以及作為公證人須遵守公證的法律義務,其自由、自願及有意識地作出上述行為。
三名嫌犯B、A和G清楚知道彼等行為違法,且受法律制裁。
Os contraentes D e E nunca foram ouvidos nos autos.
Algum tempo antes da celebração dos contractos em causa, o arguido B foi consultar o Contestante arguido A ao seu escritório e perguntou-lhe se um interessado em obter residência em Macau através de investimento podia adquirir um imóvel por recurso a crédito obtido em Macau, se podia ser o próprio vendedor do imóvel a emprestar-lhe o dinheiro para pagamento do preço e se obtida a residência podia retransmitir o imóvel a quem antes o tinha vendido.
O Contestante respondeu que teria de estudar o assunto porque não tinha antes estudado especificamente aquela questão.
Dias depois o Contestante informou o arguido B de que a situação era viável, com a profunda convicção de que à luz da legislação então vigente em Macau aquela situação não constituía crime de falsificação ou qualquer outro.
Pouco tempo antes de 12 de Agosto de 2002 o arguida B foi ao escritório de Contestante e pediu que este lhe elaborasse um contrato-promessa de compra e venda de imóvel com o teor do contrato—promessa em causa e solicitou que depois o contrato fosse assinado no escritório do Contestante e por este testemunhado.
Esse contrato-promessa foi elaborado no escritório do Contestante com base em minuta de contrato anterior, tendo o arguido B sido posteriormente contactado para ali comparecer para efeito de o mesmo ser assinado e testemunhado.
No dia 12 de Agosto de 2002, o arguido B foi ao escritório do Contestante, acompanhado pelos outros contraentes, D e E, para efeitos de assinarem o contrato-promessa sob o testemunho do daquele.”
Dado o seu estatuto de notário privado, a Exmª. Secretária para a Administração e Justiça ordenou a instauração de processo disciplinar contra o requerente.
Por despacho de 4.4.2014 da Exmª. Secretária para a Administração e Justiça, foi aplicada ao requerente a medida de suspensão preventiva do cargo de notário privado, ao abrigo dos artigos 21º do Estatuto dos Notários Privados e 331º, nº 1 do ETAPM.
Nesse mesmo despacho, a Exmª. Secretária para a Administração e Justiça decidiu ainda suspender o processo disciplinar até à tomada de uma decisão transitada em julgado no processo judicial.
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O caso
No âmbito do processo disciplinar instaurado contra o requerente enquanto notário privado, foi-lhe aplicada pela Exmª. Secretária para a Administração e Justiça a medida de suspensão preventiva do cargo de notário privado, em consequência da condenação do requerente, em primeira instância, numa pena de prisão de um ano e meio, mas suspensa na sua execução por dois anos.
Vem pedir agora o requerente a suspensão de eficácia do acto de suspensão preventiva do cargo de notário privado.
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Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso,.
Mas pode haver situações em que a imediata execução do acto administrativo pode trazer efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Segundo Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, p. 155, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste na suspensão provisória do cargo de notário privado do requerente, a qual consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisaremos, em seguida, se estão verificados os requisitos para a concessão da providência requerida pelo requerente.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
No fundo, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso tendo em vista os elementos carreados ao processo.
Bastará a falta de algum deles que a providência requerida é indeferida.
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Começamos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Por outro lado, compete ao requerente alegar e demonstrar que a concessão da providência depende da existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente causar ao requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
De acordo com a jurisprudência dominante neste TSI, entende-se que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que se refere:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, defende o requerente que o acto em causa, ao decidir suspender preventivamente a sua actividade profissional, tem natureza de sanção disciplinar, por ser uma medida materialmente análoga à pena de suspensão, entendendo assim que não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º, por força do disposto no nº 3 do mesmo artigo.
Vejamos.
De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 121º, se o acto administrativo for sancionatório em matéria disciplinar, para ser decretada a suspensão, não é necessária a demonstração do requisito do prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º, uma vez que se presume a existência deste prejuízo.
Ora bem, no caso em apreço, podemos verificar que a medida de suspensão preventiva foi tomada no âmbito do processo disciplinar, embora não esteja em causa a aplicação de uma pena disciplinar, mas trata-se de uma medida cautelar cuja natureza está ligada à responsabilidade disciplinar, razão pela qual é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 121º, e isso significa que o requerente está dispensado de provar o tal requisito positivo do prejuízo de difícil reparação.
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Por último, temos o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.1
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão `grave lesão do interesse público´ constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
Defende o requerente que os factos a ele imputados no processo de crime não decorreram do exercício da actividade de notário privado, mas apenas na qualidade de advogado que o requerente deu a sua opinião técnica, daí que entende a decisão estar inquinada de erro manifesto ao procurar apontar responsabilidade disciplinar ao requerente relativamente a factos que nada se relacionam com a qualidade de notário privado.
Ademais, alega o requerente que não obstante a decisão de condenação do requerente ter sido publicada nos jornais locais, a sua clientela manteve-se fiel e continua a depositar plena confiança na sua pessoa, continuando a recorrer ao serviços do requerente com o mesmo grau de confiança com que sempre o fizeram no passado.
Ao que acresce ainda que a notícia publicada não provocou prejuízo para toda a classe de notários, sendo assim, nem a imagem nem o prestígio da classe de notários estariam em sério risco.
Para a requerida, entende que a situação de arguido de um notário num processo judicial e a sua condenação nesse processo, na forma de cumplicidade na falsificação de documentos, constitui, só por si, um facto que, pela sua gravidade, fundamento para que todos os notários (públicos, privados e privativos) se considerem afectados na sua honorabilidade se a Administração não tomar as devidas providências para que seja de imediato afastado da actividade notarial que, com ou sem culpa subjectiva, contribuiu para uma situação de estigmatização de toda a classe notarial.
Refere ainda que para a prossecução do interesse público, tendo em vista, nomeadamente, a salvaguarda da boa imagem dos serviços públicos, entende que a Administração terá que tomar medidas administrativas adequadas para a defesa do prestígio das instituições públicas sob sua tutela directa, como é o caso da actividade notarial.
Ora importa saber se a suspensão de eficácia do acto irá determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Provado está que o requerente foi condenado, no âmbito de processo-crime, numa pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com a condição de pagar à RAEM a quantia de MOP$50.000,00, pela prática, na forma de cumplicidade e consumada, de um crime de falsificação de documento previsto e punível pelo artigo 11º, nº 1 e 2 da Lei nº 2/90/M.
Ao abrigo do artigo 18º, nº 1 do Estatuto dos Notários Privados, dispõe-se que aos notários privados são aplicáveis as penas disciplinares de suspensão administrativa até 2 anos ou de cassação de licença quando infrinjam os deveres a que se encontram sujeitos, designadamente quando, entre outras situações, sejam pronunciados, ou tenha sido designado dia para julgamento, ou condenados pela prática de crime doloso gravemente desonroso.
Por outro lado, manda o artigo 21º do mesmo Estatuto aplicar subsidiariamente aos notários privados, com as necessárias adaptações, as disposições sobre regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública (ETAPM).
Por seu turno, nos termos do nº 1 do artigo 331º do ETAPM, estatui-se que os arguidos em processo disciplinar podem ser preventivamente suspensos do exercício das suas funções sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade.
É de considerar que se manifesta tal tipo de inconveniência sempre que a Administração possa vir a sofrer prejuízos com a continuação do arguido no exercício de funções, o mesmo é dizer, sempre que a conduta que motivou a instauração do procedimento se mostre incompatível com o decoro que é de exigir a quem serve uma instituição pública.2
Salvo o devido respeito, cremos que a suspensão de eficácia da medida tomada pela Administração pode acarretar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Em boa verdade, a Administração, como garante do bom funcionamento das instituições públicas, está obrigada a zelar pela salvaguarda da dignidade e prestígio dessas instituições, e a medida de suspensão provisória da actividade notarial do requerente visa exactamente garantir a defesa da integridade e do prestígio da função notarial.
Uma vez que o requerente foi condenado com pena de prisão, embora suspensa, mas o bom nome do sector do notariado já se encontra gravemente afectado, para além de que o crime imputado era o de falsificação de documento, sendo assim, se lhe permitisse continuar com o desempenho das funções de notário, a confiança que a generalidade da população de Macau deposita nas instituições notariais ou nos notários, como sendo serviços e entidades guardiões da fé pública da função notarial, poderia ser questionada.
Não se deve ignorar que, como notário, o requerente tem o dever especial de obediência aos mais rigorosos princípios da legalidade, nomeadamente o dever de servir de exemplo de bom cumpridor de lei para defesa da credibilidade pública do serviço notarial.
Nestes termos, atento o teor dos factos imputados ao requerente, designadamente, tendo este último promovido e servido como testemunha num negócio jurídico simulado, bem sabendo que este negócio tinha como objectivo propiciar às famílias dos contraentes uma das condições para obter residência permanente em Macau, julgamos que, se o requerente continuasse no pleno exercício da sua actividade notarial, a dignidade da função notarial, e consequentemente, o prestígio da Administração podem ser gravemente comprometidos.
Finalmente, embora seja verdade que a suspensão provisória das funções pode causar certos prejuízos ao requerente, mas ponderando os interesses conflituosos em causa, não resta outra solução senão dar prevalência à satisfação do interesse público, no sentido de manutenção da dignidade e prestígio da Administração, para além de não se vislumbrar em que termos é que a imediata execução do acto pode causar ao requerente prejuízos desproporcionadamente superiores.
Nesta conformidade, por falta de verificação de todos os requisitos, é indeferido o pedido do requerente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pelo requerente A.
Custas pelo requerente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.
Registe e notifique.
***
Macau, 15 de Maio de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Fui presente
Mai Man Ieng
1 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, página 299
2 Manuel Leal-Henriques, in Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005
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Processo 245/2014 Página 8