Processo nº 415/2012
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 8/Maio/2014
Assunto: A
Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO
- Tendo a Ré ora recorrente prometido perante uma Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar, e sendo o Autor ora recorrido um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrente e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação, nos termos estipulados no artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 415/2012
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 8/Maio/2014
Recorrente:
- A, Ltd (Ré)
Recorrida:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$288.007,00, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Saneado o processo, foi designado dia para audiência de julgamento.
No início da audiência, foi pedida palavra pela Ré e no uso dela pediu a ampliação da base instrutória, cujo pedido não foi autorizado pela Juiz titular do processo, com fundamento em que a matéria que pretendia ser aditada não constava dos articulados nem foram os respectivos documentos juntos aos autos oportunamente, nos termos do artigo 553º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Inconformada com a decisão, dela vem interpor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que indeferiu o requerimento na mesma sede apresentado pela Ré para aditar à base instrutória novos quesitos.
2. Entendeu o douto Tribunal a quo que, a Ré pretendia trazer para a base instrutória o conteúdo de contratos de prestação de serviços, quando relativamente a eles nada alegou em sede de contestação e nem foram tais documentos juntos aos autos, pelo que, atento o disposto no número 3 do artigo 553º do Código de Processo Civil seria de indeferir o requerimento supra referido.
3. A fundamentação avançada pelo douto Tribunal para indeferir o pedido da Ré, ora Recorrente, e a disposição legal para tanto invocada, são manifestamente contraditórias, uma vez que o n.º 3 do artigo 553º do Código de Processo Civil estabelece os procedimentos a seguir no caso de ampliação da base instrutória no decurso da audiência.
4. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, existe uma manifesta contradição no despacho ora em recurso que o fere de nulidade nos termos previstos nos artigos 569º, n.º 3 e 571º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho.
5. Em face dos elementos probatórios juntos aos autos pelas partes, nomeadamente o documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial e os documentos juntos pela Ré através do requerimento datado de 07/09/2011 e cuja junção foi admitida (cfr. despacho de fls. 363) e dos quais se inferem os factos cujo aditamento à base instrutória se requereu, deveria o douto Tribunal deferir a pretensão da ora Recorrente e proceder à ampliação da base instrutória nos termos requeridos, ou noutros que considerasse mais apropriados.
6. O princípio do dispositivo não está rigidamente instituído no processo laboral atento o vertido no número 1 do artigo 41º do Código de Processo Trabalho, norma que o douto Tribunal a quo parece ter olvidado.
7. O Tribunal a quo não se debruçou sobre a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi requerido pela ora Recorrente, tendo-se limitado, sem qualquer fundamentação adicional, a lançar mão de normas puramente processuais (civis) em detrimento do direito substantivo que se visa aplicar e alcançar.
8. Assim, o douto despacho de que ora se recorre é ainda nulo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 569º, n.º 3 e 571º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho por carecer em absoluto de fundamentação.
9. Por outro lado, a relevância dos factos cujo aditamento à Base Instrutória foi solicitado pela ora Recorrente e o teor dos documentos em que tal requerimento se fundamentou, justificava que o douto Tribunal a quo lançasse mão da prerrogativa especial que lhe confere a lei processual laboral (artigo 41º, n.º 1 do CPT).
10. As regras contidas nos artigos 41º, n.ºs 1 e 2 e 42º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, permitem ao juiz da causa ampliar a base instrutória se no decurso da produção de prova surgirem factos que, não obstante não alegados pelas partes, sejam considerados relevantes para a boa decisão da causa, e ainda condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, possibilidades que não se colocam no processo civil comum.
11. Ademais, toda a matéria cuja inclusão na base instrutória se requereu consta de documentos juntos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré.
12. Se no decurso da produção da prova surgirem factos (instrumentais, circunstanciais ou essenciais) que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória.
13. O juiz deve ter sempre presente que as normas processuais cumprem uma função instrumental, que não devem sobrepor-se mas sim subordinar-se ao direito substantivo, e que essa subordinação lhe impõe que faça uso deste poder-dever, até porque não existe qualquer obstáculo à ampliação da base instrutória, pois tenha ou não existido reclamação contra tal peça processual não se forma caso julgado formal que impeça a sua alteração.
14. No processo laboral, o juiz só deve terminar o julgamento quando estiver esclarecido da verdade dos factos que se afigurem necessários à solução do litígio, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, ou quando se mostrarem esgotadas todas as diligências ao seu alcance na procura dessa verdade.
15. A verdade material é um dos valores fundamentais a prosseguir pelo processo laboral, concedendo-se por isso ao julgador amplos poderes de indagação oficiosa da verdade, quer recorrendo a meios de prova mesmo que não tenham sido requeridos, quer através da possibilidade de alargamento da base instrutória, mesmo a factos não alegados, desde que se mostrem relevantes para a decisão da causa e sobre eles tenha sido exercido o direito de contraditório, conforme resulta do artigo 41º, n.º 1 do CPT.
16. Seria assim de extrema relevância saber-se ao abrigo de que contratos de prestação de serviços o Autor permaneceu ao serviço da Ré a quais as condições estabelecidas nesses mesmos contratos, matéria que seria passível de resposta após a ampliação da base instrutória nos termos requeridos pela ora Recorrentes.
17. Constando dos autos a documentação referente aos vários contratos de prestação de serviços, tem todo o interesse processual a inclusão dos factos na base instrutória nos termos em que foi requerida, nomeadamente para efeitos de contabilização dos valores a atribuir, se os mesmos forem considerados devidos pelo Tribunal.
18. O Tribunal ficará assim impedido de aplicar as condições estabelecidas num só contrato de prestação de serviços, de duração limitada, a todo o período que o Autor se manteve ao serviço da Ré.
19. O douto despacho sub judice incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 41º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Conclui, pedindo que se revogue o despacho recorrido para ser substituído por outro que defira o requerimento de ampliação da base instrutória apresentado pela recorrente.
*
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$266.563,14, acrescida de juros moratórios contabilizados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com a sentença, dela vem interpor novo recurso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo douto Tribunal, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$266.563,15 (duzentas e sessenta e seis mil, quinhentas e sessenta a três patacas e quinze avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
2. Andou mal o douto tribunal a quo ao dar como provado o facto constante no quesito 4º da base instrutória, porquanto não foi produzida qualquer prova documental, testemunhal ou outra, relativa à renovação dos contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes.
3. Por outro lado, a resposta positiva a tal quesito encontra-se em manifesta contradição com o teor do documento n.º 2 junto com a petição inicial, a lista dos contratos de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a C donde resulta claramente quantas vezes foram renovados e até quando vigoraram os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes, da mesma resultando que nenhum desses contratos de prestação de serviços vigorou até 31 de Maio de 2008.
4. Assim, deveria antes o douto Tribunal a quo ter considerado não provado o facto constante do quesito 4º da Base Instrutória.
5. Nos presentes autos não se apurou ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado, por quantas vezes, em que condições, e até quando vigorou.
6. Cada um dos contratos de prestação de serviços referidos na alínea C) da matéria de facto assente, têm datas ou períodos de validade diferentes, bem como prevêem uma série de formalidade para a sua renovação que, não se tendo apurado, não podem ser ultrapassadas nem sequer por via judicial, nos termos do princípio geral da liberdade contratual e da prova.
7. Pelo que sem a prova de tais factos nunca poderia o Tribunal a quo ter aplicado um qualquer contrato de prestação de serviços – seja ele qual for – à relação laboral inicialmente estabelecida entre Autor e Ré, fazê-lo estender a todo o período de tempo em que o Autor esteve ao serviço da Ré ao abrigo de autorizações para contratação distintas e limitadas no tempo, e condenar a Ré nos moldes em que o fez.
8. Assim, e não obstante as tentativas nesse sentido realizadas pela ora Recorrente, nomeadamente, ao requerer a ampliação da base instrutória para se aferir ao abrigo de que contrato de prestação de serviços o Autor foi inicialmente contratado pela Recorrente, até quando permaneceu ao seu serviço ao abrigo desse mesmo contrato de prestação de serviços e se outros houve que sustentaram a sua permanência como trabalhador não residente ao serviço da Ré até Maio de 2008, a matéria de facto apurada em sede dos presentes autos, reputa-se manifestamente insuficiente para sustentar a decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo.
9. Não obstante o devido respeito pelo entendimento que vem sendo sufragado por este douto Tribunal ad quem, e que é também invocado na sentença em recurso, a ora Recorrente não pode deixar de discordar com a classificação como contrato a favor de terceiro do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a C, Lda.
10. Na verdade, conforme consta do também douto Acórdão 1026/2009 de 15 de Dezembro de 2009 proferido por este douto Tribunal de Segunda Instância: “(…) Voltando ao caso dos autos a Ré/Recorrente é parte do referido contrato de prestação de serviços, mas o Autor (…) desta acção não é parte do mesmo, como tal o contrato não o vincula, por força do disposto no artigo 400º/2 do CCM (correspondente ao artigo 406º/2 do CC de 1996), que prescreve: “2. Em relação a terceiros o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.” (…) tal contrato não é convenção colectiva de trabalho, muito menos acordo tipo que vincula os trabalhadores (…) Aliás, o contrato de trabalho individual assinado pelo Autor, em lado nenhum remete para o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e o terceiro (…)”
11. À celebração do referido contrato de prestação de serviços não está, nem nunca esteve, subjacente a criação de direitos/deveres na esfera jurídica de outrem que não os seus originais outorgantes, sendo que a aprovação administrativa a que foi sujeito não lhe conferiu tal virtualidade.
12. Por força do contrato a favor de terceiro, e segundo a definição legal e doutrinal, o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não a de celebrar um outro contrato.
13. Através do contrato de prestação de serviços celebrado com a C, a ora Recorrente não se obrigou a prestar ou atribuir a um terceiro uma vantagem patrimonial imediata, mas antes a celebrar um outro contrato, concretamente, de trabalho, ao abrigo do qual nasceriam na esfera jurídica do terceiro não só direitos, mas também obrigações, como seja a prestação de trabalho e todas as demais inerentes à relação laboral.
14. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitissem concluir que os contraentes-ou seja a Recorrente e a C – agiram com a intenção de atribuir directamente ao Autor uma vantagem patrimonial, intenção essa que constitui um elemento essencial do contrato a favor de terceiro e que permite ao este mesmo terceiro exigir o cumprimento da promessa.
15. De contrário, sempre se estará perante uma figura próxima, mas distinta do contrato a favor de terceiro, como será o caso dos contratos a que a doutrina alemã denomina de autorizativos de prestação a terceiro, em que, apesar de a prestação se destinar ao terceiro beneficiário, este não adquire a titularidade dela, isto é, não assume a posição de credor e por conseguinte não pode exigir do obrigado a satisfação da prestação.
16. Assim, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a C vincula apenas as partes contratantes, não podendo beneficiar directa ou indirectamente o Autor, e não tem interferência na validade e eficácia do contrato celebrado entre este e a Recorrente, nem no seu concreto conteúdo.
17. Em todo o caso, e ainda que V. Exas. entendam que o contrato de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes são fonte dos direitos reclamados pelo Autor, por se tratarem de contratos a favor de terceiro, sempre se diga que da factualidade apurada em sede dos presentes autos e transcrita na decisão sob recurso não é permitido concluir-se ao abrigo de que o contrato de prestação de serviços o Autor foi contratado, e nem se tal contrato de prestação de serviços foi renovado e em que condições o terá sido até 31 de Maio de 2008.
18. A interpretação dos factos que foi levada a cabo pelo douto Tribunal a quo de presumir a renovação até 31 de Março de 2008 dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) dos factos assentes, é feita totalmente ao arrepio de qualquer prova produzida nos presentes autos, sendo que era ao Autor a quem cabia o ónus de alegação e prova destes mesmos factos.
19. Pelo que, a conclusão de que foi sempre ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços mencionados em C) que o Autor se manteve ao serviço da Ré até 31 de Maio de 2008 e que, como tal, durante todo o período que durou a relação laboral o Autor é titular do direito às diferenças salariais existentes entre um daqueles contratos de prestação de serviços e os vários contratos de trabalho que foi celebrando com a Recorrente, não tem suporte factual, e trata-se de uma mera presunção que, ao arrepio da lei, o douto Tribunal a quo lançou mão para “acomodar” a pretensão do Autor.
20. A Ré, ora Recorrente, não confessou que foi um e só um contrato de prestação de serviços, o mesmo que esteve na base da contratação inicial do Autor, que fundamentou a manutenção da relação laboral entre as partes desde 7 de Fevereiro de 1995 e 31 de Maio de 2008 e nem o Autor invoca tal facto.
21. Assim, não poderia o douto Tribunal a quo ter extrapolado o alegado pelas partes e nem os elementos probatórios existentes nos autos e condenado a ora Recorrente a pagar ao Autor um montante a título de diferenças salariais existentes entre um contrato de prestação de serviços, cuja identificação, duração e renovação não se apuraram, e os contratos de trabalho que foram sendo celebrados entre as partes.
22. Pelo que, não se tendo apurado a verdadeira extensão e condições da promessa (contida nos contratos que o douto Tribunal a quo qualificou como contratos a favor de terceiros), o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 437º e 438º, ambos do Código Civil.
23. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
24. Entendeu o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente a pagar ao Autor um valor correspondente ao subsídio de alimentação alegadamente devido pelo número total de dias de toda a relação laboral, o que, salvo devido respeito por melhor opinião, se reputa ilegal.
25. Para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, na pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu.
26. Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de violação de lei, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo e absolvição da Ré do pedido.
*
Devidamente notificada, a Ré apresentou, respectivamente, as suas respostas, pugnando pela improcedência dos recursos.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alínea A) dos factos assentes)
A Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros. (alínea B) dos factos assentes)
A Ré celebrou com a C Lda., os contratos de prestação de serviços: nº 9/92, em 29 de Junho de 1992; n.º 6/93, em 1 de Março de 1993; n.º 2/94, em 3 de Janeiro de 1994; n.º 29/94, em 11 de Maio de 1994; n.º 45/94, de 27 de Dezembro de 1994. (alínea C) dos factos assentes)
Esses contratos de prestação de serviços dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; a outras obrigações da Ré; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela C Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (alínea D) dos factos assentes)
Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços, o Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré (alínea E) dos factos assentes)
A Ré apresentou junto da entidade competente, maxime junto da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, cópia dos referidos contratos de prestação de serviço, para efeitos de renovação da contratação de trabalhadores não residentes, entre os quais se inclui a do Autor. (alínea F) dos factos assentes)
Entre 7 de Fevereiro de 1995 e 31 de Maio de 2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alínea G) dos factos assentes)
Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea H) dos factos assentes)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alínea I) dos factos assentes)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alínea J) dos factos assentes)
O contrato de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 31 de Maio de 2008, por iniciativa da Ré. (alínea K) dos factos assentes)
O Autor foi convidado a assinar outros contratos individuais de trabalho. (alínea L) dos factos assentes)
Os contratos de trabalho assinados entre o Autor e a Ré correspondem a uma renovação do primeiro contrato assinado com a Ré. (alínea M) dos factos assentes)
Entre Fevereiro de 1995 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1.700,00 mensais. (alínea N) dos factos assentes)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a titulo de salário, a quantia de MOP$1.800,00 mensais. (alínea O) dos factos assentes)
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.000,00 mensais. (alínea P) dos factos assentes)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.100,00 mensais. (alínea Q) dos factos assentes)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2.288,00 mensais. (alínea R) dos factos assentes)
Para o período de 7 de Fevereiro de 1995 a 30 de Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8,00 por hora. (alínea S) dos factos assentes)
Para o período de 1 de Julho de 1997 a Junho de 1999, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea T) dos factos assentes)
Para o período de 1 de Julho de 1999 a Junho de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora. (alínea U) dos factos assentes)
Para o período de Julho de 2002 a Dezembro de 2002, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora. (alínea V) dos factos assentes)
Para o período de Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2005, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (alínea W) dos factos assentes)
Para o período de Março de 2005 a Fevereiro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,30 por hora. (alínea X) dos factos assentes)
Para o período de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora. (alínea Y) dos factos assentes)
A autorização para a contratação de trabalhadores não residentes está condicionada à apresentação prévia de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 1º da base instrutória)
O contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade interessada e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente é sempre remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho (hoje, DSAL) para efeitos de verificação e aprovação de certos requisitos tidos como mínimos exigíveis para o efeito. (resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
A entidade interessada na contratação de trabalhadores não residentes tem que contratar os trabalhadores não residentes em conformidade com as condições mínimas constantes do contrato de prestação de serviços celebrado com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente. (resposta ao quesito da 3º da base instrutória)
Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. (resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
Aquando do início da prestação de trabalho do Autor para a Ré, esta apresentou àquele um contrato individual de trabalho cujo conteúdo foi integral e previamente preparado pela Ré e posteriormente assinado pelo Autor. (resposta ao quesito da 5º da base instrutória)
Durante todo o tempo que durou a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré facultou ao Autor uma cópia dos contrato de prestação de serviço. (resposta ao quesito da 6º da base instrutória)
O Autor só teve conhecimento do conteúdo de um dos contratos de prestação de serviços assinados entre a Ré e C já depois de cessada a relação a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, facultada a pedido do Autor em Julho de 2008. (resposta ao quesito da 7º da base instrutória)
Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviços da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP$90,00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias, o que perfaz a quantia de MOP$2.700,00 por mês. (resposta ao quesito da 8º da base instrutória)
Nem sempre o montante do salário constante dos contratos individuais de trabalho assinados entre a Ré e o Autor correspondem aos valores efectivamente pagos ao Autor pela Ré a título de salário. (resposta ao quesito da 9º da base instrutória)
Entre 7 de Fevereiro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 10º da base instrutória)
Entre 1 de Julho de 1997 e Junho de 1999, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (resposta ao quesito da 11º da base instrutória)
Entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2002, o Autor fez 5.340,5 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 12º da base instrutória)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor fez 1.038 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 13º da base instrutória)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 4.297,33 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, o Autor fez 2.160 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 15º da base instrutória)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, o Autor fez 1.575 horas de trabalho extraordinário. (resposta ao quesito da 16º da base instrutória)
Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 17º da base instrutória)
Nunca a Ré entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (resposta ao quesito da 18º da base instrutória)
Conforme os contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, incluindo o Autor, teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade, de montante igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta ao serviço. (resposta ao quesito da 19º da base instrutória)
Nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (resposta ao quesito da 20º da base instrutória)
Nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (resposta ao quesito da 21º da base instrutória)
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau, “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
Do pedido de ampliação da base instrutória
Começamos pelo recurso interlocutório.
Em sede de audiência de julgamento, a recorrente pediu o aditamento de novos quesitos à base instrutória, pedido esse indeferido pelo Tribunal a quo, com fundamento em que a matéria que pretendia ser aditada não constava dos articulados nem foram os respectivos documentos juntos aos autos oportunamente.
Segundo a Ré ora recorrente, entende ser relevante saber se o Autor permaneceu ao serviço da Ré ao abrigo do despacho de autorização e do contrato de prestação de serviços através do qual foi inicialmente contratado, ou se, a sua permanência na RAEM, como trabalhador da Ré, se deveu à prolação de outros despachos de autorização e da celebração de outros contratos de prestação de serviços com condições diferentes daquelas inicialmente estipuladas no contrato que serviu de base à sua contratação, e pertinente também para efeitos de contabilização dos valores a atribuir, mas não tendo esse seu pedido sido deferido pelo Tribunal, o despacho recorrido seria nulo, nos termos dos artigos 569º, nº 3 e 571º, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, bem como incorreria no vício de erro na aplicação do direito.
Vejamos.
No que à nulidade do despacho concerne, só há falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil, quando se verifica uma ausência total de fundamentação.
Se a fundamentação é deficiente ou incompleta, não há nulidade. A sentença será então, ilegal ou injusta, podendo da mesma ser interposto recurso, nos termos gerais.2
Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.3
No caso em apreço, embora o despacho recorrido seja relativamente simples, mas não deixa de assinalar tanto os fundamentos de facto como os de direito, daí que não se descortina a existência do alegado vício de falta de fundamentação que possa conduzir à nulidade do despacho.
*
Vejamos, em seguida, se tem razão a recorrente quando diz que o Tribunal a quo incorre no vício de erro na aplicação do disposto no artigo 41º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, e em consequência, se deve deferir o aditamento dos factos pretendidos pela recorrente à base instrutória.
Salvo o devido respeito, julgamos sem razão à recorrente.
Atento o teor do conjunto dos quesitos que a recorrente pretendia incluir na base instrutória, salta à vista tratarem-se da categoria de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor, ou seja, cabe como meio de defesa que a Ré deveria ter suscitado já em sede de contestação, ao abrigo do artigo 409º do Código de Processo Civil.
Todavia, a recorrente enquanto Ré na acção, não o suscitou na contestação, nem nunca questionou que o despacho de autorização e o contrato de prestação de serviços nº 45/94 que esteve na base da contratação do Autor não era o mesmo que teria fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre ambas as partes desde o seu começo e até ao seu termo.
Ademais, afirmou ainda no artigo 44º da sua contestação que “o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS nº 45/94”.
Dispõe o nº 1 do artigo 41º do Código de Processo do Trabalho que “Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, é ampliada a base instrutória.”
No tocante à interpretação do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho de Portugal, na parte em que o mesmo é idêntico ao artigo 41º, nº 1 do nosso Código, referiu-se no Acórdão da Relação do Porto, Processo 114/09.1TTGDM.P1, de 15.12.2010, in dgsi, citado a título exemplificativo e em termos de direito comparado, que “…desde a reforma de 61 que no nosso sistema processual civil vigora o princípio dispositivo ou inquisitório, mas mitigado, (…) pois possibilita a consideração de factos não alegados, embora apenas instrumentais, complementares ou concretizadores, como resulta do disposto no artigo 264º do mesmo diploma (…) No entanto, em processo laboral, tal possibilidade (…) abarca todos os factos – instrumentais ou essenciais – com interesse para a boa decisão da causa, mesmo que não alegados pelas partes, desde que se esteja numa fase da audiência anterior aos debates (…) Para tanto, basta que tais factos novos, não alegados nos articulados: tenham interesse para a boa decisão da causa; tenham sido objecto de discussão e não impliquem o aditamento de nova causa de pedir ou a alteração ou ampliação da causa de pedir inicial”.
Igual entendimento perfilhou-se no Acórdão do STJ, Processo 07S2898, de 06.02.2008, in dgsi, “os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados -, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais”.
In casu, tendo a Ré afirmado na contestação que o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor era o contrato de prestação de serviços nº 45/94, e em lado nenhum foi feita alusão ao facto de haver outros contratos de prestação de serviços que se destinavam a substituir o conteúdo daquele contrato de prestação de serviços nº 45/94, assim, não se descortina grande relevância e interesse no aditamento de quesitos relativos a outros contratos de prestação de serviços à base instrutória.
Ademais, constituindo o conjunto de quesitos matéria de excepção, deveria a Ré ter invocado tal meio de defesa na contestação, mas não o fez, pelo que, o facto de vir em sede de audiência formular, pela primeira vez, o pedido de inclusão daqueles novos quesitos conduziria, de certo modo, a alteração da causa de pedir definida pelo Autor e aceite pela Ré.
Acresce ainda que, embora o pedido de aditamento tenha sido formulado só na audiência, mas se bem atentando a matéria dos quesitos pretendidos, podemos verificar que os factos não são novos, isto é, não são factos ocorridos posteriormente aos articulados nem factos conhecidos supervenientemente pela Ré.
Pelo que se disse, entendemos ter andado bem o Tribunal a quo ao indeferir a ampliação da base instrutória.
*
Em seguida, apreciaremos o recurso da sentença final.
Da impugnação da matéria de facto constante da resposta ao quesito 4º da base instrutória
Alega a recorrente que, partindo dos meios de prova existentes nos autos, nunca poderia o Tribunal a quo dar como provado o facto constante do quesito 4º da base instrutória.
Consagra-se na resposta ao quesito 4º o seguinte:
“Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego.”
Entende a recorrente que não existe um único meio de prova nos autos que se permite dar como provado o tal quesito.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos não assistir razão à recorrente.
Ora bem, a recorrente questiona que da lista dos contratos de prestação de serviços celebrados entre a recorrente e a C constante do documento nº 2 junto com a p.i. já resulta claramente quantas vezes foram renovados e até quando vigoraram os contratos de prestação de serviços mencionados na alínea C) dos factos assentes, assim entende que nunca poderia o Tribunal a quo ter dado com provado que “Desde 1992, o concreto conteúdo dos contratos de prestação de serviços referidos em C) dos factos assentes sempre foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da então Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego.”
De facto, era inócua a comprovação de uma actividade de apreciação, fiscalização e aprovação, se estando já comprovado que os contratos de prestação de serviços foram previamente aprovados e com base nos quais se estabelecia, entre outros, a relação laboral entre o Autor e a Ré.
Ao que acresce que, face à pouca relevância do quesito, mesmo que se tivesse dado como não provado, também não iria por isso ser alterada a decisão recorrida.
Pelo que, improcede esta parte do recurso.
*
Da insuficiência da matéria de facto apurada
Entende a recorrente que, não se tendo apurado ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, se decorrido o período de validade pelo qual foi celebrado tal contrato de prestação de serviços o mesmo foi ou não renovado, por quantas vezes, em que condições e até quando vigorou, a matéria de facto apurada em sede dos presentes autos reputa-se manifestamente insuficiente para sustentar a decisão recorrida.
Salvo o devido respeito, igualmente julgamos sem razão à recorrente.
Alega a recorrente que a matéria de facto apurada em sede nos presentes autos era insuficiente para sustentar a decisão final, sendo assim, entende que não poderia o pedido senão improceder.
Deu-se provado na sentença que o Autor foi recrutado pela C Limitada ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços, o qual passou depois a prestar serviços para com a Ré.
Embora não se tenha logrado apurar ao abrigo de qual contrato de prestação de serviços foi o Autor contratado, mas de facto ficou comprovada a celebração de um dos contratos de prestação de serviços, bem assim as posteriores renovações, nele se estabeleciam cláusulas e condições contratuais vinculadas às respectivas partes.
Daí que não se vê aqui impedimento de o Tribunal a quo ter considerado o conteúdo de um dos contratos de prestação de serviços, e vir com base nas cláusulas e condições contratuais nele estabelecidas condenar a recorrente no pagamento ao Autor das prestações em falta, uma vez que se trata de matéria sujeita à livre apreciação, ao que acresce ainda que enquadrando-se em matéria de facto alegada pelo Autor mas não tendo sido devidamente impugnada pela recorrente nem suscitada excepção em momento próprio, não obstante sobre ela impender o respectivo ónus, entendemos que inexiste o vício invocado, sendo suficiente a matéria de facto para sustentar a decisão recorrida.
*
Do erro de direito
A propósito da questão de direito questionada pela recorrente, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre a natureza jurídica do negócio celebrado entre a recorrente e a C, Limitada, citando-se, a título exemplificativo, o conteúdo de um dos arestos proferido pelo mesmo relator (TSI, Processo nº 557/2010):
“Quanto à natureza jurídica do negócio celebrado entre a recorrida e a C, Limitada, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar em vários processos da mesma espécie em que intervinham as mesmas partes.
Sendo assim, não se vê razão para não acompanhar o tal entendimento unânime no sentido de considerar o contrato celebrado entre a recorrida e a C, Limitada ter natureza de um contrato a favor de terceiro previsto nos termos do artigo 437º do Código Civil de Macau.
Dispõe o artigo que “por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita”.
No vertente caso, provado que a recorrida foi autorizada a admitir ao seu serviço novos trabalhadores não residentes, e na sequência, aquela celebrou a C, Limitada contratos de prestações de serviço, nos termos dos quais a recorrida garantiu oferecer aos trabalhadores a contratar condições remuneratórias mínimas, subsídios de alimentação e de efectividade, compensações por trabalho extraordinário, etc.
Perante esta factualidade, salvo o devido respeito, entendemos que, tendo a recorrida prometido perante aquela Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar pela recorrida, e sendo o recorrente um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrida e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação conforme se estipula nos termos do artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
A prestação consiste, num sentido, numa conduta do devedor (fazer ou não fazer), noutro conceito, o alargado, entende-se por prestação ainda um resultado a proporcionar ao credor pela conduta do devedor.4
Ainda segundo o mesmo autor, entende que na relação obrigacional se discernem dois aspectos fundamentais, traduzidos um deles, no dever de conduta do devedor e o outro na realização do resultado da prestação, isto é, na realização do interesse do credor na prestação, para concluir que o conteúdo do conceito da prestação se não esgota na conduta do devedor, já que também a efectivação do resultado da prestação mediante aquela conduta constitui elemento integrante do referido conceito.5
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, Processo 778/2010, de 9 de Junho de 2011, “o benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalho”.
Igual entendimento foi perfilhado no Acórdão do TSI, Processo 780/2010, de 2 de Junho de 2011, quando aponta que “o contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre A e C, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito”.
Nestes termos, enquanto terceiro beneficiário, o recorrente passa a adquirir, por meio daquele contrato celebrado entre a recorrida e a Sociedade, o direito às vantagens, condições de trabalho e regalias assumidas por aquela.”
Nesta conformidade, na esteira do entendimento jurisprudencial deste TSI, continuamos a entender que os contratos de prestação de serviços celebrados entre a recorrente e a C Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes foram autorizados a prestarem serviço à recorrente, incluindo o aqui Autor, configura-se como sendo um contrato a favor de terceiros.
*
Do subsídio de alimentação
Entende a recorrente que no concernente ao pedido do subsídio de alimentação, este dependeria da prova do número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor, e não tendo sido alegados nem provados os factos, não poderia o Tribunal a quo ter condenado a recorrente nos termos em que o fez.
Tem razão a recorrente.
Sobre esta questão, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar em processos congéneres, designadamente Processos 322/2013, 78/2012, 414/2012 no sentido de que a atribuição do subsídio de alimentação depende da prestação de serviço efectivo, isto significa que, para se poder efectuar o cálculo do respectivo subsídio, terá que apurar o número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor.
Nesta conformidade, uma vez que não se tendo apurado o número de dias de trabalho efectivo, deve a sentença recorrida ser revogada quanto a esta parte e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor compensação a título de subsídio de alimentação que se vier a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interlocutório e conceder parcialmente provimento ao recurso final interposto pela recorrente A, Ltd (Ré), sendo revogada a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$72.945,00, a título de subsídio de alimentação, e em sua substituição, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a compensação a título de subsídio de alimentação, no montante que se vier a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil, mantendo-se inalterada a restante parte da sentença.
Custas do recurso interlocutório pela recorrente.
Custas do recurso final pelo recorrente e recorrido segundo a proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que este beneficia.
Registe e notifique.
***
Macau, 8 de Maio de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 547
3 Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, 2007, página 139
4 J. Baptista Machado, RLJ, 116º-169
5 Mesma obra, p. 170
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Processo 415/2012 Página 36