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Processo nº 356/2013
Data do Acórdão: 08MAIO2014


Assuntos:

Autorização de residência
Antecedentes criminais
Discricionariedade


SUMÁRIO

Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..


O relator



Lai Kin Hong

Processo nº 356/2013

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que lhe indeferiu o pedido que formulara para que fosse autorizada a residência em Macau, alegando, concluindo e pedindo:

A, titular do Hong Kong Identity Card nºRXXXXX8(3) - doc. 1 - residente em Hong Kong, 香港XX街XX號XX樓XX室, não se conformando com o despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 28/02/2013 que lhe foi comunicado pelo ofício de Refª MIG 03571/2013/E, de 26/03/2013, como consta no processo em epígrafe - doc.2 - vem nos termos dos artº 20º, da alínea b) do nº 1 do artº 25º e artigos seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, porque está em tempo, tem legitimidade e está devidamente representado, interpor
RECURSO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
O que faz nos termos e fundamentos seguintes:
DOS FACTOS
1º.
O Recorrente apresentou um pedido de autorização de fixação de residência em em Macau para poder viver com a sua esposa B, que é Residente Permanente da RAEM, titular do BIRP nºXXXXXX2(8) - doc.3 - e seus dois filhos ainda muito jovens.
2°.
O casal tem, pois, dois filhos comuns: um de apenas 10 meses - doc.4 - e outro de cerca de 2(dois) anos de idade -doc.5.
3°.
Em 20/11/2012 foram-lhe solicitadas informações adicionais.
4°.
A preparação da resposta a este pedido de informações foi demorada em virtude de ser necessário obter do respectivo Departamento oficial de Hong Kong os elementos necessários (solicitados imediatamente após o pedido das autoridades de Macau) e não porque houvesse qualquer negligência da sua parte, só podendo entregá-los em Macau a 7/12/2012.
5°.
Após as diligências que julgou necessárias, o CPSP concluiu que a justificação exposta não era suficiente para fundamentar a autorização de residência em Macau e aqui se juntar com a sua família, nomeadamente com a sua esposa.
6°.
Assim, pelo ofício de Refª MIG 03571/2013/E, de 26/03/2013, o aqui Recorrente é informado que foi decidida, nos termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9 da Lei n.º 4/2003, a não autorização do pedido de fixação de residência em Macau.
7°.
O CPSP fundamentou o seu Parecer negativo, que serviu de fundamento para o Despacho agora em crise, no facto de o aqui Recorrente ter cometido em Hong Kong um crime de que resultaram 18 meses "on probation", já prescrito no âmbito da legislação da reabilitação/inserção (art° 39° do Cap. 212 da respectiva lei).
8°.
Como consta no respectivo Processo criminal em Hong Kong, trata-se de uma ofensa corporal simples - sem qualquer lesão corporal e consequência de uma discussão sobre pagamento de uma pequena dívida que não causou dano tisico ao ofendido, tendo o aqui Recorrente mostrado o seu arrependimento.
9°.
Há a crescentar ainda o facto do aqui recorrente ter habilitações académicas mínimas, ter um salário em Hong Kong de apenas HKD12.000,00 (doze mil dólares de Hong Kong) e assim não ter possibilidade de sustentar a sua família em Macau e pagar o seu quarto em Hong Kong, podendo em Macau actualmente obter um salário muito superior num restaurante de comida japonesa, pois é profissionalmente cozinheiro dessa comida.
10°.
Por outro lado, o pedido apresentado às autoridades da migração em Macau enquadra-se no âmbito das questões mais básicas que a lei regulamenta, dando poderes excepcionais ao Chefe do Executivo (art°l1 de lei nº3/2003), plenamente justificados e aceites por todas as organizações internacionais de que Macau faz parte, em que se considera que são, em termos tanto psicológicos como sociais (e portanto de segurança da comunidade) - essenciais para o bem estar dos residentes - sendo a separação familiar familiar forçada considerada uma das experiências mais traumáticas por que um indivíduo pode passar, nomeadamente é sublinhado em diversos documentos que a separação forçada de duas pessoas casadas constitui a destruição do cerne da unidade familiar básica e pode prejudicar a normal segurança e bem-estar da comunidade - questão constante em inúmeros relatórios internacionais, como por exemplo, nos relatórios do OBSERVATÓRTIO DA IMIGRAÇÃO, pag.s 34 A 36 do Relatório publicado em Outubro de 2005 e colocado na intemet para o público, em geral.
11°.
Também o direito a viver em família e, assim, construir um núcleo de interdependências e de afectos próximos é um bem insubstituível que condiciona o desenvolvimento integral dos dois filhos comuns - do Recorrente e de sua esposa - pois, como é aceite na generalidade de todas as comunidades humanas, a família é a primeira de todas as comunidades, o corpus onde nos tomamos humanos e cultivamos a humanidade como princípio de sustentabilidade e de realização pessoal dos membros do agregado familiar - um pressuposto importante para o bem-estar e segurança da comunidade.
DO DIREITO
12°.
O acto administrativo constituído pelo Despacho agora em crise foi praticado no âmbito da competência do Secretário para a Segurança do Governo de Macau.
13°.
O regime geral da fundamentação dos actos administrativos consta nomeadamente dos arts. 106° e seguintes do Código do Procedimento administrativo (C.P.A).
14°.
Por outro lado o Art. 23.0 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos diz expressamente que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção da sociedade e do Estado.
15°.
O fundamento legal apresentado no Despacho em crise são as normas da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.° da Lei n.º 4/2003.
16°.
Ora a alínea 1ª do n° 2 do art° 9°. diz que para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei,·
17°.
como ensina a Doutrina e a lei neste âmbito, nomeadamente Lino Como ensina a doutrina e a lei neste âmbito, nomeadamente Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, a página 639 do seu Código do Procedimento Administrativo de Macau anotado e comentado,"... existe falta de fundamentação se o autor do acto adoptar fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente as razões da decisão tomada. Isto é, a fundamentação tem que ser clara, congruente e suficiente."
18°.
Ora, adiantam aqueles Autores que o requisito da congruência exige a coerência entre os fundamentos considerados e a decisão tomada. "O conteúdo do acto tem que ser uma consequência lógica dos pressupostos e motivos declarados".
19°.
Por outro lado, no âmbito dos actos discricionários também ensinam aqueles Autores a pág. 61 do mesmo Código, que os poderes discricionários estão sempre vinculados .... ao dever de fundamentação... à finalidade que determinou a concessão desse poder (à autoridade competente para o efeito) e ao dever de fundamentação.
20°.
Ora, como consta no Processo em causa, não foi razão suficiente o facto do aqui Recorrente ter antecedentes criminais - embora pensemos que os mesmos não possam ser fundamento para qualquer efeitos na medida em que esses antecedentes foram apagados, pois diz a Hong Kong Police Force que de acordo com o artº 2(1) da respectiva legislação, esta pena foi se considera prescrita em Hong Kong.
21°.
Com efeito, diz o Despacho aqui em crise que foi pedida justificação e que a justificação exposta na audiência não foi fundamentada.
22°.
Aqui reside a questão da referida falta de congruência.
23°.
O Despacho em crise não indica em que factos, ou ausência de factos, constantes no respectivo Processo, se baseou para concluir que a justificação exposta na audiência não foi fundamentada - não podemos ignorar que está em causa a decisão sobre uma separação forçada (imposta pelo não autorização do pedido) de duas pessoas casadas com dois filhos de tenra idade e que essa separação forçada é considerada uma das experiências mais traumáticas por que um indivíduo pode passar e que pode destruir o cerne da unidade familiar básica - conclusões pacificamente aceites e patentes em relatórios internacionais de que é exemplo o Relatório acima citado (ponto 9º).
24°.
Verifica-se, pois, que o Autor do Despacho considera, no âmbito dos seus legítimos poderes, que o aqui Recorrente devia apresentar uma fundamentação aceitável para o efeito e que tal não aconteceu.
25°.
Contudo, não explica em que âmbito se devia colocar a fundamentação, ou seja, em que âmbito não há harmonização entre, por um lado, o interesse público especifico que cabe prosseguir ao Decisor dotado dos Poderes Públicos e, por outro lado, o interesse legítimo das pessoas afectadas, como ensina a doutrina, nomeadamente o Professor Freitas do Amaral citado pelos citados Autores a pag.95 do Código citado acima.
26°.
Esta exigência legal é, pois, considerada fundamental no Direito Administativo de Macau e constitui um fundamental princípio do direito, ou seja, o princípio da justiça e da imparcialidade constante no artº 6° do Código do Procedimento Adminstrativo de Macau.
27°.
Com efeito, este princípio da Justiça explicita o sistema axiológico da RAEM e consagra os valores reveladores da consciência jurídica da comunidade desta RAEM que impõe, por sua vez, aos seus órgãos políticos administrativos, a aplicação justa e imparcial dos pricípios jurídicos fundamentais do mesmo sistema axiológico.
28°.
Assim, na aplicação do pricípio da justiça ao caso concreto referido, na nossa opinião e com o devido respeito, leva-nos à conclusão de que não há qualquer contradição entre o valor comunitário específico (que deve ser ponderado pelos decisores públicos em causa, ou seja, pelo Secretário para a Segurança) e o direito e interesse fundamental do aqui Recorrente a viver em família em Macau (que é a base de apoio local), construir o seu núcleo de interdependências e de afectos próximos com sua esposa e filhos, acompanhar o desenvolvimento integral dos dois filhos comuns, cultivando os valores morais e sociais pacificamente aceites na sociedade de Macau e, assim, contribuindo para a segurança da comunidade.
29°.
Com efeito, o valor comunitário específico que deve ser ponderado neste caso concreto, pelo Secretário para a Segurança de Macau é, por um lado, o valor consagrado nos direitos relativos à protecção à família por parte das sociedades e do Estados e, por outro lado, o valor comunitário específico da segurança dos residentes de Macau que lhe compete salvaguardar - e estes valores são complementares e nunca opostos.
30°.
O Despacho em crise não indicando quais os factos, ou ausência de factos, constantes no respectivo Processo, foram o fundamento do seu sentido, não dá a conhecer a fundamentação necessária para se saber por que é que concluiu que o direito e interesse fundamental do aqui Recorrente de viver em Macau com os seus filhos e esposa não é, pelo Autor do acto, considerado superior ao outro interesse público cuja defesa seja considerada importante por essa Autoridade competente para o efeito.
31º.
Refere o Prof. Esteves de Oliveira no seu "Direito Administrativo", pago 470, que "fundamentar um acto administrativo consiste em indicar os motivos, as razões por que se pratica um acto e - como sublinha Marcello Caetano - em deduzir das premissas indicadas a decisão tomada ou o juízo formulado, como se de um silogismo se tratasse".
32°.
Assim, o requerente não pode concordar com o mesmo que, na sua opinião e com o devido respeito, viola o princípio da justiça e imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade e o da justiça e da imparcialidade previstos no art° 5° e 7° do CPA em vigor em Macau;
33°.
Segundo o princípio da igualdade e da proporcionalidade, a decisão a tomar deve ser idónea e adequada, existindo um nexo de causalidade e adequação, como consta nas anotações de Lino Ribeiro e Cândido Pinho ao C.P.A de Macau, referindo, na pago 93, que se deve "verificar se os sacrificios de certos bens ou interesses é adequado, necessário ou tolerável, na relação com os bens ou interesses que se pretende promover".
34°.
Assim, de acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem ser apenas as necessárias para atingir os fins visados pelos atos dos poderes públicos.
35°.
Também o princípio da necessidade ou exigibilidade, que é um desdobramento do princípio da proporcionalidade, exige que quando os fins previstos na lei possam ser obtidos por meios menos onerosos não devem ser usados outros mais onerosos.
36°.
Igualmente o mesmo princípio proibe o arbítrio e a discriminação implicando também que os meios utilizados devem situar-se numa "justa medida" em relação aos fins obtidos e impedindo a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas.
37°.
Também no mesmo sentido, impõe o princípio da justiça e da imparcialidade previsto no art° 7° do mesmo CPA, referindo que "no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação".
38°.
Sobre a aplicação, a este caso concreto, deste princípio da justiça e da imparcialidade, já apresentámos atrás diversos argumentos. Porém, assinalamos, como diz Freitas do Amaral, que a Administração deve, na sua atuação, harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afetados. Assim, tratando-se de um ato discricionário e não vinculado, a decisão administrativa será injusta se impuser ao particular um sacrifício de direitos desnecessário.
39°.
Verifica-se, pois, a violação do princípio da justiça e imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade e o da justiça e da imparcialidade previstos nos art°s 5° e 7°, bem como do art° 3ª, uma vez que, com o devido respeito, a decisão é, nestes termos, desproporcional, excessiva, desequilibrada e injusta.
40°.
Assim, esta violação constitui uma ilegalidade por vício de violação de lei e, por conseguinte, é anulável, como previsto no art. 125º do CPA.
CONCLUSÕES
Assim, APRESENTA AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A) - O recorrente tem legitimidade, está representado e em prazo;
B) - O acto constituído pelo Despacho do Secretário para a Segurança violou os princípios da justiça e imparcialidade, da porporcionalidade, constantes nos arts. 5° e 7° do CPA em vigor em Macau;
C) - O referido acto é ilegal por vício de violação de lei e, por conseguinte, deve ser anulado, como previsto no art. 116° do CPA.
PEDIDO: Termos em que, e contando com o indispensável suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso e anulado o Despacho recorrido, devendo o processo ser reanalisado pelo organismo responsável para o efeito, o CPSP
Assim, farão Vossas Excelências a habitual e sã JUSTIÇA.


Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestando pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.

Veio apenas o recorrente apresentá-las reiterando grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso, imputando ao acto recorrido o vício da violação da lei por ter sido praticado no exercício totalmente desrazoável dos poderes discricionários.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente A, nascido em XXJUN19XX na RPC, é actualmente residente em Hong Kong e titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong;

* Casou-se em 21JUN2011 com B, residente em Macau e titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau;

* Ao abrigo do disposto no artº 14º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 e com fundamento nos laços familiares com residente da RAEM, requereu em 14JUN2012 ao Chefe do Executivo da RAEM a autorização de residência em Macau;

* O seu agregado familiar do recorrente é composto por 4 elementos: ele próprio, a esposa e as duas filhas, ambas nascidas em Macau em XXMAR20XX e XXJUL20XX, ambas residentes em Macau;

* O recorrente foi condenado em Hong Kong pela prática de um crime de ofensa corporal a sujeitar-se ao regime de prova (probation) pelo período de 18 meses;

* Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 28MAR2013, foi indeferido o pedido de autorização de residência com fundamento nos antecedentes criminais do recorrente; e

* Inconformado com o despacho que lhe foi notificado por carta expedida em 02ABR2013, veio o recorrente interpor recurso contencioso mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 04JUN2013.



Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso e reiteradas nas alegações facultativas, é apenas o alegado vício de violação da lei na modalidade de violação dos princípios da justiça, imparcialidade e da proporcionalidade.

Então vejamos.

Com se vê na fundamentação do despacho recorrido, foi com base nos comprovados antecedentes criminais do recorrente que o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o seu pedido de autorização da residência.

Para os efeitos de concessão da autorização de residência temporária na modalidade de reagrupamento familiar, a lei exige que se deva atender, inter alia, antecedentes criminais – cf. artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.

Ficou provado que o recorrente foi condenado em Hong Kong pela prática de um crime de ofensa corporal a sujeitar-se ao regime de prova (probation) pelo período de 18 meses.

Trata-se indubitavelmente de uma condenação penal anterior.

Como a lei não impõe o indeferimento necessário da autorização às pessoas que tenham antecedentes criminais, a decisão administrativa, o indeferimento, como sucedeu in casu, não é tomado no exercício de um poder vinculado, mas sim de um poder discricionário, pois, cabe à Administração analisar em cada caso concreto as condições de requerente para saber se a autorização lhe afigura mais conveniente ao interesse público, tendo em conta nomeadamente a segurança pública e interna da RAEM.

Tradicionalmente falando, os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..” – Freitas do Amaral, in Curso do Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 392.

Para o recorrente, aqui estamos perante uma separação forçada, imposta pela não autorização do pedido, de duas pessoas casadas com dois filhos de tenra idade e que essa separação forçada é considerada uma das experiências mais traumáticas por que um indivíduo pode passar e que pode destruir o cerne da unidade familiar básica.

Ora, admitindo embora que, no caso em apreço, o indeferimento da pretendida residência em Macau poderá implicar algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar, temos de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.

Nestas circunstâncias concretas, para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna, necessário se torna limitar, senão sacrificar o direito assinalado do recorrente.

Assim, ponderando os interesses em jogo, não consideramos que a não autorização da residência temporária constitui erro grosseiro ou manifesto, nem percebemos em que termos a não autorização poderá infringir os princípios de cariz constitucional, tais como o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, etc..

Não havendo violação de qualquer desses princípios fundamentais, obviamente in casu não se verifica o vício da violação da lei, único vício imputado pelo recorrente ao acto recorrido de acordo com o delimitado nas conclusões do recurso.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 08MAIO2014


_________________________ _________________________
Lai Kin Hong Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)

356/2013-16