Processo nº 703/2009
(Autos de recurso contencioso)
Data: 15/Maio/2014
Assunto: Processo disciplinar
Violação do princípio do contraditório
Exclusão da responsabilidade disciplinar
Violação do dever de fundamentação
SUMÁRIO
- Enquanto estava a correr o prazo para o arguido num processo disciplinar apresentar defesa escrita, veio a tomar conhecimento e ter acesso a outro despacho no âmbito do qual se descrevia factos relacionados eventualmente com aquele processo disciplinar, e relativamente a tais alegados “factos novos”, o arguido tinha todas as condições para exercer meios de defesa e se pronunciar sobre aquilo que melhor entender naquele mesmo processo; ao que acresce que não houve alteração da qualificação jurídica da infracção imputada ao arguido, tendo apenas a entidade competente decidido aplicar-lhe uma sanção menos gravosa, não se descortinando, assim, ter havido a pretendida violação do princípio do contraditório em processo disciplinar.
- No âmbito do procedimento de avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, face à existência da relação entre notador e notado, este tem o dever legal de assinar os resumos escritos das reuniões de avaliação, sob pena de violar o dever de zelo.
- Enquanto notada, a recorrente tem direito a pedir à notadora, em caso de desacordo, que faça constar no resumo escrito da reunião de avaliação as suas próprias conclusões.
- E a notadora deve dar cumprimento ao artigo 16º, nº 5 do Regulamento Administrativo nº 31/2004, autorizando o pedido da recorrente e fazendo constar no respectivo resumo as suas conclusões ou opiniões divergentes, mas a notadora não autorizou o pedido nem deu qualquer justificação.
- Atento esse circunstancialismo fáctico e dentro dessa relação de notadora e notada, a recorrente não deixava de ser a parte mais “fraca” e hierarquicamente menos vantajosa, pelo que se tentamos analisar a situação sob o ponto de vista pessoal da recorrente, temos que aceitar a sua conduta dado que naquele momento não seria de esperar que se comportasse de maneira diferente.
- Isto é, não se deve ignorar que perante aquela actuação indevida da notadora, a recorrente tinha o justo receio de que, se tivesse assinado os resumos escritos, poderia ficar o caso arrumado e deixaria de ter possibilidade de vir questionar no futuro o resultado daquelas reuniões, precisamente por que se considerava ter havido aceitação expressa ou tácita do acto praticado, sendo assim, a única forma para se defender era não assinar os respectivos documentos.
- Daí que podemos considerar excluída a responsabilidade disciplinar da recorrente, uma vez que a sua conduta consubstanciava uma circunstância dirimente de “não exigibilidade de conduta diversa” prevista na alínea d) do artigo 284º do ETAPM.
- Uma vez que o objecto do recurso contencioso é o despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, não fazendo sentido de a recorrente vir agora assacar vícios ao próprio processo de execução fiscal, o qual não faz parte do acto recorrido, pelo que é inócua a sua apreciação.
- O acto recorrido foi proferido de acordo com a informação submetida à consideração do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, ora autor do acto, e tendo a decisão recorrida “absorvido” os fundamentos de facto e de direito explanados na informação elaborada pela Direcção dos Serviços de Finanças, aliás sendo verdade que a fundamentação dos actos administrativos pode consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos”, nos termos do artigo 115º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, pelo que fundamentado está o acto recorrido.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 703/2009
(Autos de recurso contencioso)
Data: 15/Maio/2014
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, residente de Macau, melhor identificada nos autos, notificada do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças de 1 de Junho de 2009, que indeferiu o recurso hierárquico da decisão que, por sua vez, lhe aplicou a pena de multa, na sequência de processo disciplinar contra si instaurado, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Instaurou-se o processo disciplinar contra a recorrente, uma vez que a mesma foi acusada pela violação dos deveres de zelo e de lealdade por não terem assinados os documentos, ou seja, na Reunião de avaliação realizada em 11 de Janeiro de 2008, a recorrente recusou-se a assinar o resumo escrito das 1ª e 2ª reuniões de 2007; e, na reunião de avaliação de 14 de Janeiro de 2008, recusou-se a assinar a ficha de notação de 2007 e o resumo escrito da 1ª reunião de 2008;
2. O Chefe da Divisão Administrativa e Financeira da D.S.F. remeteu à recorrente, em 10 de Abril de 2008, a notificação do despacho proferido em 1 de Abril de 2008 pelo Director daqueles Serviços, confirmando que não foram realizadas com a recorrente as 1ª e 2ª reuniões de avaliação de 2007, reconhecendo ainda que não tinha observado a forma do processo de avaliação estipulada na lei, pelo que, é considerado acto nulo por estar em desconformidade com as tramitações fundamentais.
3. Referido na notificação que a recorrente teve a menção “Satisfaz Muito” em relação ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2007.
4. Nos termos do art.º 123º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo: “O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, por isso, não produz quaisquer efeitos jurídicos o processo de avaliação da recorrente de 2007.
5. Contudo, a D.S.F., por meio do despacho n.º 18/DIR/2008 de 26 de Junho de 2008, indicou que a recorrente recusou-se a assinar os resumos escritos das reuniões, acabando por puni-la com pena de 5 dias de multa, no valor de MOP$4.769,20.
6. Mais, a notada foi acusada com base nos actos por ela praticados nas reuniões de avaliação de 2007, abrangendo as três reuniões previstas no art.º 16º, n.ºs 1 a 4 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
7. Com o aludido despacho da D.S.F., vislumbra-se que existe vício grave na legitimidade da instauração do processo disciplinar, e ao abrigo do art.º 126º do Código do Procedimento Administrativo, não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão os actos nulos. Entretanto, continuou o andamento do processo disciplinar em conformidade com o teor da acusação, mesmo que soubessem que o acto administrativo era nulo.
8. Assim sendo, a D.S.F. não tinha legitimidade para instaurar o processo disciplinar contra a recorrente.
9. Nos termos do art.º 339º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o instrutor do processo disciplinar tem dever de notificação, mas ele não notificou à recorrente dos seguintes assuntos: segundo o teor da notificação do despacho efectuada em 1 de Abril de 2008 pelo Director dos Serviços de Finanças, a causa de nulidade provocou directamente alterações do teor dos factos imputados na acusação e da sanção disciplinar; a pena de suspensão aplicada na acusação foi alterada para a pena de multa. Por esta razão, o instrutor violou o princípio do contraditório por ter afectado directamente o direito de defesa da recorrente.
10. Mais, a recorrente foi acusada pela violação do dever da assinatura, previsto no art.º 16º, n.º 5 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, cujo pressuposto da aplicação da respectiva legislação é ter a reunião convocada ou o mapa do resumo escrito elaborado.
11. Nos termos do art.º 16º, n.º 5 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, em caso de desacordo, a recorrente pode requerer para fazer constar as suas próprias conclusões no resumo escrito e depois vai ser assinado pela mesma, no entanto, o notador não fez constar na acta e no resumo escrito o pedido apresentado pela recorrente, nem lhe exibiu os respectivos documentos para serem assinados.
12. O instrutor não notificou à recorrente das alterações substanciais dos factos, sendo bastante importante para a recorrente ao exercer o seu direito de defesa. Assim sendo, existe a nulidade insuprível resultante da falta de audiência da arguida, ao abrigo do art.º 298º, n.º 1 do ETAPM.
13. Pode excluir-se a responsabilidade disciplinar da recorrente, já que nos termos do art.º 16º, n.ºs 1 a 3 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 e página 41 do Manual Prático de Avaliação do Desempenho, deverão realizar-se três reuniões de avaliação em cada ano, cuja 1ª avaliação deve ser efectuada até 15 de Janeiro; a avaliação a meio do período, ora 2ª avaliação, em Junho ou Julho; e a avaliação final, durante o mês de Dezembro e até 15 de Janeiro do ano seguinte. No caso sub judice, como B só começou em 1 de Agosto de 2007 a desempenhar funções de notadora, pelo que, a 1ª reunião devia ser realizada, com maior brevidade, no início do mês de Agosto de 2007; a 2ª reunião devia ser realizada por volta de 15 de Outubro de 2007, consulte o ponto 9.3.2.3 “Avaliação extraordinária-Reuniões de avaliação” da pág. 44 do Manual Prático de Avaliação do Desempenho.
14. Mais, o Chefe da Divisão de Administrativa e Financeira, C, prestou declarações no processo disciplinar como testemunha, ficando as mesmas constantes de fls. 151 do processo administrativo (anexo 6). A referida testemunha alegou que, em cada ano, devem realizar-se três reuniões de avaliação em conformidade com a sua ordem da sequência, senão poderia causar problema no funcionamento do sistema informático, ora, sendo necessário inserir em primeiro lugar os dados das 1ª e 2ª reuniões de avaliação para poder inserir os da 3ª reunião.
15. Segundo o processo, as 1ª e 2ª reuniões não foram realizadas nem convocadas, por isso, era praticamente impossível a inserção e emissão do Mapa de resumo da 3ª reunião de avaliação. Daí, onde deverá assinar a recorrente? A notadora B desrespeitou manifestamente a forma legal por não terem convocadas nem realizadas as reuniões de avaliação.
16. De facto, em 14 de Janeiro de 2008, pelas 12:00 horas, a recorrente compareceu nas respectivas reuniões e também na considerada reunião testemunhal que foi realizada às 16:00 horas do mesmo dia, solicitando à notadora que seja alterado o anteprojecto da acta das reuniões e faça constar no mapa resumo escrito as suas próprias opiniões (anexo 7) por encontrar-se em situação de desacordo, contudo, o tal pedido foi indeferido pela notadora.
17. A notadora B não exibiu à recorrente o mapa resumo da 3ª reunião de avaliação, bem como a versão completa das fichas de notação e dos mapas resumo escritos, para serem assinados.
18. É certo que a notadora B violou o dever da descrição necessária das conclusões pessoais do recorrente, previsto no art.º 16º, n.º 5 do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
19. A notadora B não exibiu nem forneceu à recorrente as actas e os mapas resumo das reuniões para serem assinados, mas a D.S.F. ainda instaurou o processo disciplinar contra o recorrente por terem violado os deveres de zelo e de obediência.
20. A notadora B apenas apurou que a recorrente recusou-se a assinar os mapas resumo escritos mediante os depoimentos prestados pelas testemunhas, mas não esclareceu o motivo que levou a recorrente a recusar-se a assinar os respectivos documentos. Na cópia do auto de ocorrência apresentada por B à recorrente consta apenas a assinatura da notadora. A recorrente não sabia nada sobre as assinaturas de C e de D, ou seja, é impossível que a recorrente assinasse os documentos em que constam os desacordos. Enfim, eles assinaram apenas as actas das reuniões (auto) em que não constam os desacordos.
21. De facto, as posições da notadora e da notada não são equitativas, uma vez que a recorrente pediu para exprimir as sua opiniões e fazer contar as suas próprias conclusões no resumo escrito das reuniões, mas foi indeferido pela notadora B, sendo assim, a recorrente não conseguiu obter oportunidade para assinar os documentos em que constam as suas próprias conclusões, incluindo as actas das reuniões e os mapas resumo escrito.
22. A D.S.F. acusou a recorrente pela violação dos deveres de zelo e de lealdade, instaurando contra ela o processo disciplinar, devido à falta da assinatura nos respectivos documentos, razão pela qual, a recorrente tinha motivo plausível para duvidar a legalidade e a autenticidade do pedido da assinatura do mapa resumo em que não constam as suas próprias conclusões.
23. Ora, para proteger os seus direitos, a solução correcta é recusar a assinatura do mapa resumo em que não constam as suas próprias conclusões.
24. Nos termos do art.º 285º, n.º 1, al. a) do ETAPM, a responsabilidade disciplinar da recorrente pode ser excluída.
25. A D.S.F. violou o princípio da presunção de inocência e não observou a forma legal durante todo o processo disciplinar. Antes do término do prazo da interposição do recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Economia e Finanças, ou seja, antes de 25 de Julho de 2008, a D.S.F. emitiu, respectivamente, em 2 de Julho de 2007, à recorrente a notificação do pagamento de multa e, em 23 de Julho, instaurou contra ela o processo de execução fiscal.
26. Ao abrigo do art.º 157º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido. Contudo, no período em que a recorrente tinha interposto o recurso hierárquico necessário e antes de ter a decisão proferido, a D.S.F. não procedeu à cessação imediata do processo de execução fiscal, tendo-lhe sido emitida, em 20 de Maio de 2009, a certidão para a execução da multa.
27. A D.S.F. violou manifestamente os princípios da presunção de inocência, da legalidade, da proporcionalidade e da boa fé, não tendo quaisquer competência e fundamento de direito para instaurar o processo de execução fiscal contra a recorrente.
28. Nos termos do art.º 122º, n.º 2, al. f) do Código do Procedimento Administrativo, é declarado nulo o processo de execução fiscal por existir actos que careçam em absoluto de forma legal.
29. Enfim, no relatório, em que o Secretário para a Economia e Finanças rejeitou o recurso hierárquico necessário, não se apreciaram todos os vícios alegados pela recorrente nem se indicaram as disposições legais aplicáveis, ou até, não se procedeu à análise factual e jurídica perante os deveres que foram violados pela recorrente ao recusar-se a assinar os documentos na 3ª reunião, mas sim, nele estavam as repetições do ponto de vista apresentado pela recorrente no recurso hierárquico necessário.
30. O instrutor não procedeu à investigação perante o teor da acusação, sendo assim, no relatório só se focalizou na análise da questão sobre se os trabalhadores da Administração Pública forem ou não sujeitos ao dever de assinatura, e faltou analisar o facto de que, em caso de desacordo, a notadora B recusou-se a fazer constar no resumo escrito as conclusões pessoais da recorrente.
31. Mais, no relatório aplicaram-se erradamente o pressuposto e efeito jurídicos, e entendeu-se erradamente que a recorrente era sujeita à responsabilidade disciplinar por ter considerado que a mesmo precisava também de cumprir o dever de assinatura na situação em que não tinha convocado a reunião. Pois, isto é um acto anulável por terem violado os dispostos nos art.ºs 114º, 115º, n.º 1 e art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.
Conclui, pedindo que se declare:
- nulo o procedimento disciplinar contra si instaurado, e que nenhum efeito se produziu, por o Director dos Serviços de Finanças não ter legitimidade para instauração do respectivo processo;
- nulo o acto recorrido por falta de audiência do arguido em processo disciplinar, em virtude de a recorrente não ter sido notificada pelo instrutor do referido processo disciplinar das alterações de facto da acusação e da pena para efeitos de exercício do direito de defesa;
- Excluída a responsabilidade disciplinar da recorrente e, em consequência, anulados quaisquer efeitos produzidos no processo disciplinar, com fundamento em o notador ter recusado o pedido da recorrente no sentido de fazer constar nas actas das reuniões as suas próprias conclusões relativas à classificação;
- Nulo ou anulado o processo de execução fiscal instaurado contra a recorrente, com fundamento em violação dos princípios da presunção de inocência, da legalidade, da proporcionalidade e da boa-fé, e em falta de observância de forma legal;
- Anulado o acto recorrido com fundamento em violação do dever de fundamentação previsto nos artigos 114º e 115º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 108 a 125 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Por Acórdão de 15.04.2010 deste TSI, foi concedido provimento ao recurso, e anulado o acto recorrido.
Inconformada com a decisão, dela recorreu a entidade recorrida para o Tribunal de Última Instância, e por Acórdão de 30.03.2011 daquele Venerando TUI, julgou procedente o recurso jurisdicional, tendo revogado o Acórdão recorrido e determinado a baixa do processo ao TSI a fim de conhecer do objecto do recurso contencioso.
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O Ministério Público deu, oportunamente, o seguinte parecer:
“No seu acórdão (fls. 304 a 306v. dos autos), o Venerando TUI concedeu o provimento ao recurso jurisdicional, entendendo que “Pois, não se deve considerar que o comportamento adoptado pela recorrida, que consistia na recusa de assinar os resumos das avaliação, desaparece com a declaração de nulidade do respectivo procedimento da avaliação.”
E afirmou mais adiante: Tal comportamento da recorrida existiu realmente, independentemente da declaração da nulidade do procedimento em que ocorreu, podendo sempre constituir objecto de apreciação disciplinar. Mas para indagar se constitui realmente uma infracção disciplinar com a consequente imputação da responsabilidade disciplinar e a sujeição a sanção, já se trata de outra questão, ligada ao fundo da matéria.
A nosso ver, o que implica, no fundo, a improcedência da invocada «ilegitimidade da instauração do processo disciplinar derivada da declaração da nulidade do processo de avaliação do desempenho».
Em cumprimento desse douto Acórdão, apreciaremos apenas as restantes questões colocadas pela recorrente.
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Com os argumentos aduzidos nos arts. 13º a 19º da petição, a recorrente invocou a alteração superveniente e a consequente nulidade por violação do princípio do contraditório.
Ponderando e acolhendo as razões convincentemente alegadas pela entidade recorrida nos arts. 14º a 21º da contestação, entendemos que não se verifica a alteração invocada pela recorrente.
Com efeito, a audiência escrita da recorrente foi acompanhada pela fotocópia da notificação do despacho da declaração da nulidade do processo de avaliação (docs. de fls. 276 a 292 e 308 a 311 do P.A.), pelo que é impossível que tal despacho prejudicaria o direito de defesa da recorrente.
De outro lado, comparados com a Acusação (fls. 316 a 320 do P.A.), nem o Relatório do Processo Disciplinar n.º 001/AT/2008 nem o Despacho n.º 18/DIR/2008 mostra que se alterasse a qualificação jurídica constante da Acusação – o abandono da opinião exposta no art.º 9º da Acusação representa apenas que as razões aduzidas pela recorrente na audiência viram ser, e bem, atendidos pela Instrutora e pela então Directora da DSF.
Por sua vez, lançado na Informação n.º 101/NAJ/CRF/09 (dos. de fls. 19 a 35 do P.A.), o acto recorrido reza «同意意見,駁回有關訴願». A frase «同意意見» representa uma expressa declaração de concordância. Nos termos do art.º 115º, n.º 1 do CPA, aquela Informação n.º 101/NAJ/CRF/09 faz parte integrante do despacho recorrido.
O conteúdo da dita Informação demonstra que não há alteração da qualificação jurídica da infracção imputada à recorrente, e tal Informação contém em si a exposição pormenorizada dos fundamentos de facto e de direito da decisão «駁回有關訴願».
Para além disso, não se deve esquecer da doutrina fixada pelo douto acórdão do TUI no processo n.º 8/2001, no sentido de (Acórdão do Tribunal de Última Instância, 2001, p. 536): Não será de proceder à comunicação quando a alteração da qualificação jurídica é para uma infracção que represente um minus relativamente à da acusação, ou seja, de um modo geral, sempre que entre o crime da acusação ou da pronúncia e o da condenação há uma relação de especialidade ou de consunção e a convolação é efectuada para o crime menos gravoso.
Posto tudo isto, pode-se chegar à conclusão segura de que não se verifica in casu nem a violação do princípio do contraditório, nem a falta de fundamentação.
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A recorrente pugnou também pela exclusão da responsabilidade disciplinar contemplada na a) n.º 1 do art.º 285º do ETAPM, rezando sinteticamente (cfr. fls. 201 dos autos): Dado o recorrente tinha legitimidade para requerer que faça constar as suas próprias conclusões nas actas das reuniões e nos mapas resumos escritos, mas o notador indeferiu o tal requerimento e pediu-lhe para assinar o mapa resumo escrito da avaliação do desempenho em que não constam as suas próprias conclusões, pelo que o recorrente tinha motivo plausível para duvidar a autenticidade da referida ordem ou indicação do notador. Pois, nos termos do art.º 285º, n.º 1, al. a) do ETAPM, é excluída a respectiva responsabilidade disciplinar do recorrente, deste modo, vem solicitar que anule quaisquer efeitos produzidos pelo referido processo disciplinar.
E no Despacho n.º 18/DIR/2008 (cfr. fls. 164 a 166 do P.A.), lêem-se, além de outros fundamentos subjacente à decisão punitiva (pena de 5 dias de multa), que (com sublinhado nosso):
5. A falta de assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho por parte da funcionária, mesmo tendo subjacente a discordância desta com as formalidades das mesmas, não desculpabiliza a sua conduta, revelando negligência e má compreensão dos deveres funcionais a que se encontra adstrita.
6. A funcionária agiu na certeza de que o seu comportamento contraria as regras impostas pelo n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
7. ……
8. A assinatura dos resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho é uma exigência legal e a funcionária violou-a. Das suas declarações em sede de instrução resulta claro o conhecimento que tem da obrigatoriedade que violou.
O que, conjugado com a Acusação, mostra que o facto sancionado pelo Despacho n.º 18/DIR/2008 consiste nas recusas de assinatura nos 3 resumos escritos das reuniões realizadas respectivamente em 11/01/2008 e 14/01/2008, sendo 2 resumos respeitantes às avaliações de desempenho do ano 2007, e outro à avaliação de desempenho do ano 2008.
As provas produzidas no seio do processo disciplinar faz-nos considerar comprovado o facto, alegado pela recorrente, de que o notador indeferiu o seu pedido oral de fazer constar dos resumos escritos as suas próprias conclusões.
Quid juris?
Ressalvado o respeito, entendemos que não existe in casu a exclusão (da responsabilidade disciplinar) prevista na a) n.º 1 do art.º 285º do ETAPM. A razão é muito simples: todos os resumos foram lavrados na presença da recorrente, pelo que não há motivo sério para se duvidar da autenticidade desses resumos.
De outra banda, não nos parece legalmente correcta a posição manifestada no n.º 5 do Despacho n.º 18/DIR/2008, na parte de «revelando negligência e má compreensão dos deveres funcionais a que se encontra adstrita», isto porque as recusas de assinatura eram intencionalmente praticadas pela recorrente, conhecendo ela do disposto no n.º 5 do art.º 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
Pois, perante o seu desacordo com o notador, a recorrente na qualidade da notada pediu sempre ao notador, no final de cada uma das duas reuniões, que se constariam, dos respectivos resumos, as suas opiniões e conclusões. Sucede que o notador não aceitou e indeferiu tal pedido.
Como meio de reagir, a recorrente recusou a assinar nos resumos lavrados pelo notador. Significa isto que a recorrente serviu as recusas de assinatura nos resumos como autodefesa. Ou seja, as recusas de assinatura nos resumos destinaram-se, para a recorrente, a autodefender-se do indeferimento do seu pedido de fazer constar as suas conclusões.
A nosso ver, essas recusas de assinatura é compreensível, porque a assinatura sem reserva nos resumos de que não constem o seu desacordo poderia fazer presumir-se a aceitação tácita dos mesmos resumos, e a aceitação, tanto expressa como tácita, conduz à ilegitimidade da impugnação administrativo e contenciosa (art.ºs 147º n.º 3 do CPA e 34º, n.º 1 do CPAC).
Assim, parece-nos que devido a não aceitar, sem razão poderosa nem justificação, o mencionado pedido da recorrente/notada, o notador não poderia exigir à recorrente a assinatura nos resumos escritos das reuniões. Isto é, surgiu-se «não exigibilidade de conduta diversa» - uma das circunstâncias dirimentes consagradas no art.º 284º do ETAPM.
Nestes termos, afigura-se-nos que embora a “assinatura” prevista no n.º 5 do art.º 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 seja um dever legalmente imposto a qualquer notado, as apontadas recusas da recorrente não constituem infracção disciplinar, em virtude da referida circunstância dirimente.
Daí decorre que era ilegal impor-se a responsabilidade disciplinar à recorrente e, nesta medida, que é anulável o acto recorrido que, nos recurso hierárquico, confirmou o Despacho n.º 18/DIR/2008.
O que implica uma errada qualificação jurídica pela recorrente do fundamento por si invocado, a qual não impede o seu provimento à luz do no n.º 6 do art.º 74º do CPAC.
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Nas conclusões 25ª a 28ª da petição, a recorrente arguiu também a violação dos princípios da presunção de inocência, da legalidade, da proporcionalidade e da boa fé, e ainda a inobservância absoluta da forma legal, por a DSF instaurar, dentro do prazo da interposição do recurso hierárquico necessário, o processo de execução fiscal.
Cabe-nos esclarecer que foi já julgada improcedente a Oposição deduzida pela ora recorrente no processo de execução fiscal que se destinava a cobrar a multa aplicada pelo Despacho n.º 18/DIR/2008 e tinha corrido termos no TA sob o n.º 70/09-EF.
De outro lado, o raciocínio da recorrente revela que existindo, tais vícios se derivariam exclusivamente da instauração do referido processo de execução fiscal, pelo que logicamente nunca poderiam determinar a invalidade do acto recorrido.
Dado que o presente recurso contencioso tem por único objecto o despacho proferido pelo Sr. SEF, são pois irrelevantes os mencionados vícios que não tenham a ver com o despacho recorrido, nem sejam imputável ao Sr. SEF.
Por todo o exposto, somos do parecer do provimento do recurso em apreço.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Por despacho da Exmª Directora dos Serviços de Finanças datado de 18.02.2008, determinou-se a instauração de processo disciplinar contra a recorrente, letrada principal do quadro da Direcção dos Serviços de Finanças, tendo o mesmo por origem factos ocorridos no âmbito do processo de avaliação do seu desempenho relativo ao ano de 2007 e 2008;
Aos 09.04.2008, e nos referidos autos de processo disciplinar (nº 001/AT/2008), foi deduzida a seguinte acusação:
“Por despacho de 18 de Fevereiro de 2008 da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, exarado na Informação n.º 001/SM/2008, foi determinada a instauração de processo disciplinar à trabalhadora A, Letrada Principal do quadro de pessoal, a exercer funções no Núcleo de Tradução e Interpretação da Direcção dos Serviços de Finanças. Vista e ponderada a prova constante dos identificados autos e, nos termos do n.º 2 do artigo 332º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), deduzo contra a arguida A, a seguinte:
ACUSAÇÃO
1º A arguida exerce, actualmente, funções na Direcção dos Serviços de Finanças, no Departamento de Contabilidade Pública.
2º Ao tempo da prática dos factos de que vem acusada, a arguida A, exercia funções de acordo com a carreira onde se insere, no Núcleo de Tradução e Interpretação, com a categoria de Letrada Principal, nesta Direcção dos Serviços de Finanças.
3º Em reunião realizada em 11 de Janeiro de 2008, entre notadora e a notada, ora arguida, e no âmbito do processo de avaliação de desempenho relativo ao ano de 2007, esta, apesar de presente, recusou a assinatura do resumo escrito da reunião.
4º Igual atitude e procedimento, adoptou a arguida numa segunda reunião realizada em 14 de Janeiro de 2008, correspondente à 3ª reunião de avaliação, tendo igualmente recusado a assinatura da ficha de notação.
5º Também na reunião de 14 de Janeiro de 2008 se verificou a recusa da arguida na assinatura do primeiro resumo escrito relativo ao processo de avaliação de desempenho do ano de 2008, a qual poderia ter sido realizada atento o disposto no n.º 4 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 de 23 de Agosto.
6º A arguida encontra-se obrigada à assinatura do resumo escrito elaborado no final das reuniões de avaliação de acordo com o estabelecido no n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 de 23 de Agosto.
7º A arguida encontra-se obrigada a tornar conhecimento, com aposição de assinatura, da ficha de notação, conforme estatui o n.º 6 do artigo 19º do mencionado Regulamento.
8º Com o comportamento descrito nos artigos anteriores a arguida violou os deveres de zelo e lealdade previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do n.º 2 do artigo 279º do ETAPM; com as especificações constantes nos n.ºs 4 e 6 do mesmo preceito legal, revelando culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais a que está sujeita.
9º A conduta descrita constitui infracção disciplinar nos termos do artigo 281º do ETAPM, punível abstractamente com a pena de suspensão de acordo com o n.º 1 do artigo 314º do mesmo diploma legal.
10º A arguida beneficia das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b) e f) do artigo 282º do ETAPM, traduzidas na confissão da infracção e na ausência de publicidade sobre a mesma.
11º Contra a arguida pendem as circunstâncias agravantes da premeditação e da acumulação, previstas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 283º do ETAPM, circunstâncias descritas nos n.ºs 2 e 5 da mesma norma.
Pelo exposto e, nos termos dos artigos 333º e 334º ambos do ETAPM, fixo à arguida um prazo de 10 (dez) dias, contados da data da notificação da presente acusação para, querendo, apresentar defesa escrita, oferecer provas testemunhal ou documental que entender e requerer a realização das diligências de prova, podendo por si, ou por intermédio de advogado constituído, examinar o processo disciplinar que contra si pende, durante o horário normal de expediente no XXº andar do Edifício da XX, sito na Avenida XX, n.ºs XX, na RAEM.
A ausência de resposta nos prazo supra equivale, para todos os efeitos legais, como efectiva audiência do arguido, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 334º do ETAPM.
Notifique-se a arguida entregando-lhe cópia da presente acusação.
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 9 de Abril de 2008” (cfr. fls. 316 a 320 do processo administrativo)
– Por ofício datado de 10.04.2008, foi a recorrente notificada do que segue:
“Avaliação de desempenho - notificação do despacho da Directora dos Serviços de Finanças de 01/04/2008.
Por referência ao procedimento de Avaliação de Desempenho de V. Ex.ª, relativa ao período de 01.01.2007 a 31.12.2007, fica pelo presente notificada que, por Despacho da Srª. Directora dos Serviços de 01 de Abril de 2008, foi-lhe atribuída a menção de “Satisfaz Muito”.
Reproduz-se, de seguida, o despacho n.º 07/DIR/2008 de 01 de Abril que sustenta a decisão ora notificada:
“Tendo a Letrada Principal, A, reclamado ao abrigo do artigo 20º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 da avaliação de desempenho efectuado pela notadora;
Tendo a mesma solicitado ao abrigo do artigo 21º do mesmo diploma, que o seu processo de avaliação de desempenho fosse submetido a parecer da Comissão Paritária:
Face ao Parecer da Comissão Paritária n.º 07/CP-DSF/2008, com o qual concordo na generalidade, e aos factos provados, a saber:
1. A não realização das 1ª e 2ª Reuniões de avaliação: e a
2. Verificação de que não foi observada a forma legalmente prevista para o processo de avaliação, estando em causa a preterição de uma formalidade essencial, cominada pelo CPA no seu artigo 122º, n.ºs 1 e 2, alínea f) com a nulidade;
Determino:
1. É declarada a nulidade do referido processo.
2. A integração da lacuna legal decorrente da declaração de nulidade do presente processo de avaliação, concretamente quanto à forma de suprir a inexistência da atribuição de uma menção qualitativa ou desempenho do trabalhador para o período em causa, seja suprida pelo recurso à solução consagrada na alínea 4) do número 2 do artigo 1º de Regulamento Administrativo n.º 31/2004, isto é, seja “atribuída a menção “Satisfaz”, salvo se a última menção que lhe tiver sido atribuída for superior, caso em que se mantém esta última”, ficando a mesma para o período de 01.01.2007 a 31.12.2007 sedimentada na menção “Satisfaz Muito”.
3. Dê-se conhecimento do meu despacho à notada, através da DAF. Em virtude de ter decaído a relação funcional entre a notadora e notada.
Ass.: E, Orieta, aos 01 de Abril de 2008.
Mais se informa V. Ex.ª que, nos termos do n.º 6 do artigo 3º da Lei n.º 8/2004, do acto ora notificado cabe recurso contencioso a apresentar no prazo de 30 dias junto do Tribunal Administrativo, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso ou, querendo, recurso hierárquico facultativo, ao abrigo do artigo 23º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, o qual não suspende o prazo de interposição do recurso contencioso.
(...)” (cfr. fls. 133 a 135 do processo administrativo)
Oportunamente, e no âmbito do atrás referido processo disciplinar, elaborou-se o relatório final, nele se propôs aplicar à arguida A, ora recorrente, a pena de 5 dias de multa (a que corresponde o montante de MOP$4.769,20 - quatro mil setecentas e sessenta e nove patacas e vinte avos), nos termos dos nºs 1, alínea b) e 3 do artigo 300º, artigo 302º e, nºs 1 e 2, alínea e) do artigo 313º, todos do ETAPM. (cfr. fls. 174 a 194 do processo administrativo)
Seguidamente proferiu a Exmª Directora dos Serviços de Finanças o seguinte despacho:
“Despacho nº 18/DIR/2008
Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 338º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, foram analisados os autos de processo disciplinar n.º 001/AT/2008, mandados instaurar por meu Despacho datado de 18 de Fevereiro de 2008, à funcionária A, Letrada Principal do quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças.
Considerando as diligências instrutórias desenvolvidas e a matéria fáctica carreada para os autos;
Considerando as diligências probatórias realizadas, requeridas pela defesa;
Considerando, ainda, o teor da Relatório elaborado nos termos do n.º 1 do artigo 337º do ETAPM, com o qual concordo e cujo teor dou por reproduzido para todos os efeitos legais;
Ao abrigo das competências que me são conferidas pelo no n.º 1 do artigo 318º do ETAPM, determino a aplicação da pena de 5 dias de multa, a que corresponde o montante de MOP$4.769,20 (quatro mil setecentas e sessenta e nove patacas e vinte avos) no procedimento disciplinar n.º 001/AT/2008 com os seguintes fundamentos:
1. A análise feita à conduta adoptada pela funcionária A, em termos de enquadramento jurídico-disciplinar do seu comportamento, é susceptível de ser valorada como infracção disciplinar, nos termos previstos no artigo 281º do ETAPM, considerando que com a sua actuação não cumpriu com diligência e zelo os deveres que lhe são exigidos enquanto trabalhadora da Administração Pública.
2. É de exigir dos funcionários e agentes da Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de trabalhadores da Administração Pública, um regular conhecimento da lei e dos respectivos deveres funcionais a que se encontram adstritos, dado que a actuação que a contrarie é susceptível de gerar responsabilidade disciplinar e a aplicação da pena correspondente.
3. No caso em apreço, resulta claro do Relatório que o prosseguimento dos autos e a formulação da acusação mostram-se adequados, porquanto é exigível da funcionária o conhecimento do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, que regula o regime geral da avaliação de desempenho.
4. A aplicação da pena disciplinar à funcionária, proposta no Relatório, é adequada à prossecução do interesse público visado mostrando-se necessária e exigível, atendendo à finalidade de prevenção especial, característica do direito disciplinar.
5. A falta de assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho por parte da funcionária, mesmo tendo subjacente a discordância desta com as formalidades das mesmas, não desculpabiliza a sua conduta, revelando negligência e má compreensão dos deveres funcionais a que se encontra adstrita.
6. A funcionária agiu na certeza de que o seu comportamento contraria as regras imposta pelo n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
7. Aliás, a conduta adoptada pela funcionária de se socorrer do parecer da Comissão Paritária, denota o conhecimento dos direitos e deveres que lhe assistem.
8. A assinatura dos resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho é uma exigência legal e a funcionária violou-a. Das suas declarações em sede de instrução resulta claro o conhecimento que tem da obrigatoriedade que violou.
A instrutora notificará a funcionária do presente despacho de decisão de aplicação de pena nos presentes autos com posterior remessa do presente expediente à Divisão Administrativa e Financeira para cumprimento.
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 26 de Junho de 2008.” (cfr. fls. 164 a 166 do processo administrativo)
Do assim decidido, interpôs a ora recorrente recurso hierárquico para o Exm° Secretário para a Economia e Finanças.
No âmbito do processamento de tal recurso, elaborou-se o seguinte parecer:
“1- Em cumprimento do determinado pelo Exmº Senhor Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, somos a emitir parecer sobre o recurso interposto por A da decisão que, na sequência de processo disciplinar contra aquela instaurado, lhe aplicou uma pena de multa nos termos e com os fundamentos constantes do Despacho n.º l8/DIR/2008, de 26 de Junho.
2- Nas suas alegações, a recorrente começa por formular alguns considerandos que a levam a concluir que existiu negligência na condução do processo e má-fé no seu desenvolvimento processual.
3- Apresenta como indício de negligência por parte da instrutora do seu processo disciplinar, o facto de o seu nome ter sido transcrito de forma errada - omissão do “n” em A.
4- Como a própria reconhece, trata-se de um mero lapso de escrita perfeitamente irrelevante, até porque em nada afectou os seus direitos de defesa nem contribuiu para que, de algum modo, de todo o processado não tivesse conhecimento.
5- Sendo irrelevante, como a própria reconhece, manifesto é que daí não se pode concluir que existiu falta de diligência, como parece pretender, mas apenas um mero lapso de escrita susceptível de ocorrer com quem quer que seja. Falta de diligência - ou negligência - existiria se o lapso provocasse algum prejuízo na sua esfera jurídica, o que notoriamente não aconteceu.
6- Pelo que ficou dito esta questão por si suscitada não deve (nem pode) ser ponderada para efeitos de valoração da condução do processo e, consequentemente, da decisão que veio a ser proferida.
7 - Considera ainda a recorrente que a decisão violou o princípio da “boa-fé”, na medida em que, tendo o processo sido instruído em língua que não a sua materna, ficou em desvantagem já que teve de consultar terceiros para melhor entender todo o processado, tanto mais que, segundo ela, o seu nível de português “apenas atinge o de comunicação” não lhe permitindo entender correctamente “documentos jurídicos rigorosos ...” .
8- Convirá ter presente que o processo correu seus termos em português - língua da instrutora do mesmo - sendo que, nos termos da lei, a recorrente sempre se poderia fazer assistir e acompanhar de uma intérprete habilitada ou da sua confiança, o que deveria ter requerido se o entendesse necessário.
9- Daí que nos pareça excessivo e destituído de fundamento que se considere que o facto de o processo ter sido instruído em língua materna que não a sua - embora o tenha sido numa das línguas oficiais - tenha conduzido a uma decisão que violou a “boa-fé e lhe causou transtornos no entendimento do processado”.
10- E mesmo que se admitisse que alguma dificuldade teve na compreensão de “documentos jurídicos rigorosos”, certo é que, como mais à frente alega, durante o processo foi apoiada por um advogado por si escolhido, o que desde logo afastou essa eventual má compreensão.
11- Tanto mais que, como adiante também se verá, é a própria recorrente que invoca os seus conhecimentos jurídicos para justificar a sua decisão de não assinar os resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho, factos que estiveram na origem do procedimento disciplinar contra si instaurado.
12- Pelo exposto somos de parecer que nesta matéria não lhe assiste razão.
13- Analisados que estão os considerandos iniciais constantes das alegações do recurso em apreço, importa agora apreciar os fundamentos que a mesma invoca para requerer a revogação da decisão que lhe aplicou uma pena de multa.
14- Em síntese, a recorrente considera que a decisão padece do vício de ilegalidade, porquanto se fundou em factos “inventados”, em distorções de textos, em interpretações absurdas, demonstrando mesmo falta de profissionalismo, parcialidade, injustiça e tratamento desigual, para além de que não teve em conta as provas por si carreadas para o processo.
15- Para sustentar esse seu entendimento, a recorrente, ao longo das suas alegações, historia todo o procedimento de avaliação de desempenho referente ao período que decorreu entre 1 de Agosto de 2007 e 31 de Dezembro do mesmo ano, dando conta das diversas ilegalidades que, de acordo com o seu entendimento, foram então praticadas pela sua notadora, as quais, ainda de acordo com o que pensa, legitimam o seu comportamento (recusa de assinatura dos mapas resumo das reuniões de avaliação) e nunca deveriam ter levado a que lhe fosse aplicada qualquer pena disciplinar.
16- Em traços gerais, das suas alegações e quanto ao que considera serem os seus fundamentos de facto, relevam o seguinte:
a) Em 11/01/2008, a ora recorrente compareceu perante a sua notadora, que nessa mesma data a convocara telefonicamente e só quando na presença daquela teve conhecimento que o objectivo era a realização das 1ª e 2ª reuniões de avaliação referentes ao período que decorreu entre 01/08/2007 e 31/12/2007;
b) Logo que teve conhecimento do objectivo da convocatória - o que, segundo a recorrente, aconteceu no momento em que compareceu perante a notadora - manifestou a sua indisponibilidade para a realização daquelas reuniões porquanto já havia sido ultrapassado largamente o prazo legalmente fixado para o efeito, tanto mais que era inexequível que em 2008 se fixassem os objectivos a atingir em 2007;
c) Ainda de acordo com as alegações de recurso, pretendeu a recorrente que dos Mapas Resumo das reuniões antes referidas constassem as razões pelas quais aquela se opunha à realização das reuniões e que a levavam a não assinar aqueles, o que, segundo ela, foi recusado pela notadora;
d) Em 14/01/2008, a recorrente foi convocada pela notadora para a realização conjunta da 3ª reunião de avaliação referente ao período de 2007 em questão e 1ª reunião de avaliação referente a 2008;
e) A recorrente, ainda segundo as suas alegações, terá recusado a realização da 3ª reunião de avaliação referente a 2007, porquanto nunca se haviam realizado as 1ª e 2ª reuniões referentes à avaliação de Agosto a Dezembro de 2007;
f) Recusou-se ainda a realizar a 1ª reunião de avaliação referente a 2008 e a assinar o respectivo Mapa Resumo, porquanto, nesse mesmo dia e em momento anterior à convocação da reunião havia requerido a substituição da notadora com o fundamento na sua falta de imparcialidade, nos termos do n.º 2 do artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, entendendo, que por tal facto, estava obrigada a tal recusa;
g) Ainda nesse mesmo dia 14/01/2008, pelas 16h00, por convocação da notadora, a recorrente compareceu a uma reunião em que estavam presentes mais duas pessoas que identifica, as quais foram testemunhas que ela se havia recusado a realização da 3ª reunião referente a 2007 e a 1ª de 2008, bem como a assinatura do mapa resumo das reuniões de avaliação de 2007, a ficha de avaliação e o Mapa Resumo da 1ª reunião de 2008;
h) Dessa reunião havida com a notadora e com testemunhas, não foi assinada a acta porquanto a recorrente terá pretendido que na mesma fosse acrescentado o que ocorrera em 11 de Janeiro do mesmo ano, o que a notadora recusou;
i) E, posteriormente, terá aquela elaborado um auto de ocorrência de onde constava que a recorrente se havia recusado a assinar os Mapas Resumos, ao contrário do que havia acontecido, já que ela se recusara a realizar as reuniões;
j) Entretanto, a recorrente foi colocada noutro Departamento da DSF, sendo que já se realizou com o novo notador a 1ª reunião referente a 2008, pelo que a reunião que ela se recusou a fazer com a anterior notadora deixou de ter, segundo ela, qualquer relevância;
k) De qualquer forma, é entendimento da recorrente que todo este processo padece desde logo de um vício que legitima todo o seu comportamento, qual seja o de a convocatória das reuniões não respeitar o disposto no artigo 19º do Código do Procedimento Administrativo, o qual no seu n.º 3 estipula que a convocatória da reunião deve ser feita com a antecedência de 48 horas, sendo que do artigo 23º do mesmo diploma legal se conclui que a ilegalidade resultante do não cumprimento das regras de convocação das reuniões só se considera sanada quando todos os membros do órgão compareçam à reunião e não suscitem oposição à sua realização;
l) Assim sendo, de acordo com a recorrente, apenas existiram convocatórias para reuniões, ilegais por não respeitarem o prazo de convocação fixados na lei, nunca se tendo realizado qualquer reunião pelo que nada havia para assinar;
m) Ao que acresce que, no caso da 3ª reunião referente a 2007, a mesma nunca se poderia realizar já que não se tinham realizado a 1ª e 2ª para além de que a 1ª referente a 2008, nunca se poderia realizar já que aquela não iria ser imparcial;
n) Sendo que, segundo alega a recorrente, o que era da responsabilidade da notadora - a não realização das 1ª e 2ª reuniões referentes ao desempenho de 2007 - acabou por penalizar quem não tinha qualquer responsabilidade, já que sobre si é que recaiu a acusação de “recusa subjectiva e dolosa da assinatura”;
o) Em abono da sua tese e como prova que aquelas reuniões nunca se realizaram, solicita que seja verificado no respectivo processo se os Mapas Resumo da 1ª e 2ª reuniões existem e, caso estes não tenham sido assinados pela notadora, fica, segundo ela, demonstrado que as referidas reuniões nunca existiram;
p) Mais solicita que se apure se foi instaurado procedimento disciplinar contra a notadora por não ter assinado tais documentos, à semelhança do que aconteceu com ela e à luz “do princípio da igualdade, previsto na Lei Básica ...”;
q) Caso, por outro lado, existam tais documentos assinados pela notadora - os Mapas Resumo da 1ª e 2ª da avaliação em questão - então, ainda de acordo com a recorrente, aquela terá praticado um crime de falsificação de documentos, uma vez que não existiu qualquer reunião;
r) Alega também a recorrente que, apesar de, a seu pedido, lhe terem sido facultadas cópias dos Mapa Resumo da 3ª reunião referente ao período em questão e do mesmo documento referente à 1ª reunião da avaliação de 2008 - o que aconteceu em 16/01/2008 - o prazo de reclamação quanto à sua avaliação de 2007, começou a contar de 14/01/08, pelo que também aqui foi prejudicada;
s) Termina esta sua fase das suas alegações repetindo argumentos e factos já anteriormente descritos e relatando situações análogas de colegas que não procederam como ela porque não tinham formação jurídica;
17- Quanto a esta parte das suas alegações, com o devido respeito e salvo melhor opinião, é nosso entendimento que não assiste razão à recorrente.
18- Antes de mais refira-se que, ao contrário do que alega, não estava a notadora obrigada a convocar as reuniões em questão com 48 horas de antecedência, já que a norma por si invocada só é aplicável às reuniões dos órgãos colegiais, o que manifestamente não é o caso de reuniões entre notadora e notada num processo de avaliação de desempenho.
19- Daí que as reuniões em questão nunca possam ser consideradas ilegais com tal fundamento.
20- Acresce que o facto de as duas primeiras reuniões terem sido convocadas para data em que já estava largamente ultrapassado o prazo legalmente fixado para a realização das mesmas, não obsta à realização daquelas, pode é, quando muito, determinar a invalidade do processo de avaliação de desempenho.
21- Isto porque estamos perante realidades diversas. Uma, a reunião e o prazo legalmente fixado para a sua realização; outra, o dever de assinar a acta da reunião cuja convocatória não padecia de qualquer vício.
22- Daí que o procedimento adequado da recorrente fosse o de assinar as referidas actas e, quando muito, delas fazer constar que as mesmas se realizavam fora do prazo legalmente fixado para o efeito, o que até seria desnecessário, uma vez que das actas constaria, certamente, a data da sua realização.
23- E, posteriormente, se assim o entendesse, deveria proceder em conformidade com o disposto na legislação aplicável ao processo de avaliação de desempenho.
24- E o mesmo se diga quanto ao procedimento adequado no que à 3ª reunião e ao Mapa Resumo, diz respeito.
25- Já quanto ao facto de não ter assinado a acta referente à 1ª reunião do processo de avaliação referente a 2008, com o fundamento que a notadora não seria imparcial - sem que tenha apresentado quaisquer factos - apenas se dirá que o dever de assinar a que a recorrente estava vinculada nunca pode ser afastado por meras conjecturas.
26- Nada se nos oferece dizer quanto ao pretendido apuramento da existência de eventual processo disciplinar à notadora, alegando a recorrente, para o efeito o princípio da igualdade consagrado na Lei Básica, tão manifesto que é o despropósito de tal pedido e a sua desconformidade com a lei.
27- Apresenta como seus fundamentos de direito, em síntese, os seguintes:
a) Invocando o disposto no artigo 277º do ETAPM - que determina a aplicação supletiva ao procedimento disciplinar do Código Penal - e acolhendo as teses de um criminalista de Taiwan, pretende demonstrar que sendo a ordem ilegal nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos funcionários inferiores pelo seu não cumprimento, uma vez que não estão habilitados para avaliarem da sua ilicitude, razão pela qual aos seus colegas que assinaram os Mapas Resumo que lhes foram presentes pela notadora, embora tenham agido de forma ilícita nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada;
b) Tendo ela, recorrente, conhecimentos jurídicos - é, tanto quanto se sabe, licenciada em Direito - estava obrigada a conhecer “da ilicitude substancial da realização de uma reunião fora de prazo”, pelas razões anteriormente apontadas, sendo que o “cumprimento do dever de não praticar acto ilícito é superior hierarquicamente ao cumprimento do dever de assinar” cessando o dever de obediência hierárquica quando este conduz à prática de um crime, tudo isto nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 35º do Código Penal;
c) Ora, uma vez que sabia que seria ilegal a realização da 1ª e 2ª reunião antes referida, por extemporânea e que conhecia a intenção da notadora na prática do crime de falsificação de documentos, entendeu que não devia praticar o crime nem colaborar com aquela na sua prática, pois que com a sua assinatura ajudaria a notadora a praticar um crime de falsificação de documentos;
d) Continuando a alegar, a recorrente volta a invocar neste capítulo que denominou de “Fundamentos de direito”, a questão do seu desconhecimento da língua portuguesa, considerando que na fase de instrução a instrutora abusou da sua confiança, fazendo-a assinar uma declaração onde constava a sua “confissão de ter infringido a lei”, quando ela o que tinha afirmado é que tinha tomado “conhecimento para assinar, mas não assinei”;
e) Ainda nesta fase a recorrente faz uma exposição exaustiva das diversas fases do processo de avaliação de desempenho, concluindo que, por facto imputável à notadora, a realização em 2008 das 1ª e 2ª reuniões referentes ao período de 2007, padecia do vício de ilicitude, o que diga-se, antes já havia feito;
f) Considerando mesmo que a notadora teve azar porque ela não sabe “engraxar” e não a ajudou a praticar um crime;
g) Voltando então, nas suas alegações, a suscitar a questão da responsabilidade única da notadora em todo este processo de avaliação;
h) Pelo que, “Como o acto da notadora é nulo, não tenho qualquer dever de obediência”, pelo que não tinha o dever de assinar.
28- E, por força do que ficou exposto, conclui que:
a) Não é verdade que se tenha recusado a assinar os mapas resumos das reuniões de avaliação de desempenho, conforme se refere no ponto 5 da Decisão, porquanto não houve qualquer reunião onde “se formasse consentimento” apenas tendo entrado na sala onde se encontrava a notadora e se existem os Mapas Resumo dessas reuniões é porque foram falsificados por aquela e não podem ter qualquer valor;
b) Se não existem os Mapas Resumo quanto à 1ª e 2ª reunião, então só podem existir os da 3ª reunião, mas como não houve uma fase de discussão nesse encontro com a notadora, não se pode dizer que houve uma reunião, logo não havia qualquer obrigação de assinar;
c) Até porque o seu dever de obediência cessou quando a notadora tentou falsificar os documentos;
d) Recusou assinar porque a isso estava obrigada e não por divergência de formalidades quanto às mesmas;
e) Impugna ainda a parte desse ponto 5 da Decisão em que se refere que revelou negligência e má compreensão dos deveres funcionais, porquanto não se trata de entender erradamente os seus deveres funcionais. Na verdade, não assinou porque não houve qualquer reunião;
f) Impugna ainda o mesmo ponto 5 da Decisão porquanto aquele contradiz os pontos 6, 7 e 8 daquele mesmo documento, pois neles se refere que conhecia o seu dever de assinar e restantes direitos e deveres;
g) O que aconteceu foi que, ciente dos seus deveres, evitou, de forma bem sucedida, que a notadora cometesse um crime;
h) E agiu sempre de forma a que ficasse bem demonstrado que conhecia os seus deveres funcionais, designadamente solicitando uma reunião à Senhora Directora e recorrendo à Comissão Paritária, tendo sempre agido com lealdade;
i) Impugna também o ponto 6 da Decisão porquanto ao não ter assinado não violou qualquer lei, já que, por força do artigo 277º do ETAPM, aplica-se subsidiariam ente ao procedimento disciplinar o Código Penal, designadamente as normas que se referem à exclusão da culpa e da ilicitude;
j) No fundo, de acordo com o que alega, ao não assinar cumpriu um dever imposto por lei, pois assim não procedeu a um acto ilegal, já que o seu dever de assinar cessou porquanto tinha o dever de não cometer um crime de falsificação;
k) Não entendeu, pois, erradamente os seus deveres funcionais, antes os cumpriu com super zelo. Por ter entendido correctamente os seus direitos e deveres recusou a violação, obediência cega e assinatura indevida;
l) Ainda quanto a todos os outros pontos da decisão que "impugna" considera que os mesmos assentam em factos inventados já que a realidade é aquela que relatou anteriormente, daí resultando que não violou qualquer dever, antes agiu correctamente de forma a evitar a prática de ilegalidades por parte da notadora;
m) Mas mesmo que assim se não entendesse que agiu em conformidade, então todos os trabalhadores que não. assinaram deveriam ter sido punidos de igual forma, de acordo com o princípio da igualdade consagrado no artigo 25º da Lei Básica;
n) E, por isso mesmo, entende que deverão ser consultados todos os processos de avaliação de 2007, de forma a apurar quem não assinou e não foi punido de modo idêntico;
o) Acabando por concluir que, assentando todo o processo em acto nulos e sendo eles insusceptíveis de produzirem efeitos nunca lhe poderiam ser assacadas responsabilidades por não ter assinado um documento quando se tratava de um acto nulo;
p) Concluindo que a decisão só tem palavras “ocas” imputando-lhe factos sem qualquer fundamento;
q) Pelo que requer a revogação do referido Despacho n.º 18/DIR/98 e que a Ex.ma Senhora Directora dos Serviços de Finanças lhe peça desculpas publicamente.
29- Na análise de tudo o que anteriormente é alegado, apenas nos deteremos sobre os factos que relevam para a decisão que se pretende impugnar, dando como excessos, próprios de quem se defende em causa sua, todos os considerandos que faz sobre os comportamentos da notadora, da instrutora do processo disciplinar e até da Ex.ma Senhora Directora dos Serviços, a quem chega a exigir um pedido de desculpas público.
30- Quanto à questão da utilização no processo disciplinar da língua portuguesa e não da chinesa, tal matéria já foi objecto de análise em momento anterior (cfr. 7 a 10 da presente Informação), pelo que nos limitamos a remeter para aí a apreciação do mérito de tal argumento, reproduzindo aqui apenas a conclusão que é nosso entendimento que nessa parte não lhe assiste qualquer razão, sendo manifestamente abusiva e destituída de qualquer fundamento a alegação da existência de conduta menos própria da instrutora do processo disciplinar, alegação que se enquadra no entendimento que nos levou a considerar como irrelevantes e meros excessos de linguagem, alguns considerandos que formula.
31- Também nos mesmo âmbito se enquadram as acusações de falsificação que formula, até porque manifesto é que, tendo comparecido às reuniões, haveria que assinar a respectiva ficha do seu “Resumo”, ainda que, por hipótese, da mesma apenas constasse a sua posição quanto à ilegalidade da mesma, como adiante se verá.
32- Aliás, toda a argumentação que apresenta para justificar a sua conduta com o dever de evitar a prática de um crime de falsificação por parte da notadora, é de tal forma absurda que pelo alegado só se pode concluir que a realização das reuniões constituiria um crime de falsificação, pois que em momento algum alega, antes pelo contrário, que a notadora pretendeu “viciar” as datas de realização das reuniões, não se vislumbrando de que outra forma tal tipo de crime poderia ser cometido.
33- Como anteriormente já se referiu, o facto de as reuniões em questão se realizarem em data posterior àquela que a lei para o efeito fixava, não é causa justificativa para afastar o seu dever de assinar os respectivos “Resumos”.
34- Tal dever de assinar é inquestionável e a recorrente, à semelhança de qualquer notado, não pode, em circunstância alguma, eximir-se ao seu cumprimento, assistindo-lhe, no entanto, o direito de, em caso de desacordo, fazer constar dos “Resumos” de tais reuniões, as suas próprias conclusões, que, depois de assinados, são juntas ao processo de avaliação do notado (n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004).
35- Com o devido respeito pelas alegações da ora recorrente, manifesto é que ela labora num vício de raciocínio, qual seja o de confundir a realização das reuniões de avaliação fora do prazo legalmente fixado - o que pode gerar, como efectivamente aconteceu, a declaração de nulidade do respectivo processo de avaliação por preterição de formalidade essencial - e o dever de assinar os “Resumos” de tais reuniões.
36- Ora, claro é que são realidades diferentes e para as quais a lei exige comportamentos diversos.
37- Para as reuniões de avaliação, determina a lei que, sejam elaborados “Resumos” das mesmas, assinados pelos intervenientes e juntos ao processo de avaliação do notado.
38- Sendo que, quando as reuniões não se realizem ou quando se realizem para além do prazo legalmente fixado para o efeito, assiste ao notado o direito de reclamar ou recorrer (artigos 20º e 23º do citado REGA), consoante a fase do processo em que se encontre, invocando, no caso em apreço; a preterição de formalidade essencial.
39- Em caso algum a lei reconhece à notada o direito de fundamentar o não cumprimento de um qualquer dever com base numa eventual nulidade.
40- E mesmo que declarado nulo o acto não deixa de existir a violação de um dever sempre que tal ocorre.
41- Isto tanto vale para o dever de assinar como para outro qualquer dever dos intervenientes processuais.
42- Por tudo o que fica dito, parece claro que não assiste razão alguma à recorrente quando pretende ver justificado o não cumprimento de um dever (o de assinar), porquanto era seu entendimento que o acto era nulo.
43- Nem tão pouco poderá considerar justificada a violação do seu dever por efectivamente o ser.
44- No caso em apreço, como é bom de ver, não é ao notado que cabe decidir da legalidade da conduta da sua notadora, apenas lhe sendo facultado o direito de questionar a conformidade daquela com a lei através dos meios que a lei lhe faculta.
45- Ora em parte alguma da lei lhe é conferido o direito de recusa à assinatura, antes pelo contrário, é-lhe imposto tal dever, como antes se viu.
46- E bem se compreende que assim seja, pois que, não ser assim, isto é, a não existir tal dever de assinar os “Resumos” das reuniões, realizadas ou não dentro do prazo, poderia ficar em crise todo o sistema de avaliação de desempenho, na medida em que um mero entendimento de um notado, mesmo que sem qualquer cobertura legal, poderia fundamentar a sua recusa de assinatura e, em consequência, inviabilizar a realização tempestiva das reuniões, com as consequências legais.
47- Ora, manifesto é que, ao agir como agiu, a recorrente violou de forma intencional um dever no âmbito do processo de avaliação de desempenho. O que, aliás, ela mesmo reconhece.
48- Foi por esta sua conduta violadora de deveres no âmbito de um processo de avaliação de desempenho que lhe foi instaurado procedimento disciplinar e para o qual nada releva a validade ou invalidade dos actos praticados naquele.
49- Pelo que somos de opinião que também aqui nenhuma razão assiste à ora recorrente.
50- Concluindo:
a) Não assiste razão à recorrente quando invoca que existiu má-fé na condução do processo disciplinar, já que aquele correu seus trâmites em língua portuguesa, quando a sua língua materna é o chinês, porquanto não só a recorrente sempre se poderia fazer acompanhar de tradutora, nos termos legais, ao que acresce que durante o processo foi apoiada por advogado por si escolhido;
b) A convocatória para a realização das reuniões referentes ao processo de avaliação de desempenho do ano de 2007, não está ferida de qualquer vício, já que a obrigação da sua convocatória com 48 horas de antecedência apenas se verifica para as reuniões de órgão colegiais;
c) O facto de as reuniões terem sido convocadas para data posterior àquela que a lei fixava não obsta à sua realização nem afasta o dever de o notado comparecer às mesmas e proceder em conformidade com a lei, designadamente, assinando os “Resumos” das mesmas, podendo em caso de discordância, fazer dos mesmos constar o que entender por conveniente;
d) o incidente de suspeição sobre a isenção da notadora deve ser suscitado pelas vias próprias, não podendo ser considerado como causa justificativa de qualquer violação de um dever a mera conjectura sobre a imparcialidade da notadora;
e) Não assiste à recorrente o direito de ser informada sobre a existência de eventual procedimento disciplinar contra a notadora, ao abrigo do princípio da igualdade consagrado na Lei Básica, não só porque tal princípio não é aplicável ao caso em apreço, mas também porque a própria o lei o impede;
f) Em caso algum a lei reconhece à notada o direito de fundamentar o não cumprimento de um qualquer dever com base numa eventual nulidade processual.
g) E ainda que uma acto seja nulo, como de facto aconteceu, não se extingue a responsabilidade disciplinar por actos ou omissões praticadas no âmbito do procedimento em que tal nulidade se verificou;
h) Não é legítimo pretender que a impossibilidade da produção de efeitos jurídicos de um acto nulo praticado no âmbito de um determinado procedimento se estenda a procedimento completamente autónomo, ainda que na sua génese estejam comportamentos havidos no âmbito daquele;
i) Daí que a ora recorrente não possa pretender justificar com tal fundamento a violação dos seus deveres;
j) O Despacho n.º 18/DIR/98, não padece, pois, em nossa opinião, de qualquer vício.
51- Pelo exposto, somos de parecer que o presente recurso hierárquico deve ser indeferido.
Mais se informa V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do Código de Processo Administrativo e Contencioso, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.” (cfr. fls. 19 a 35 do processo administrativo).
Submetido o recurso e o transcrito parecer à apreciação do Exm° Secretário para a Economia e Finanças, proferiu o mesmo o seguinte despacho (objecto do presente recurso):
“Concordo com o parecer. Indefiro o referido recurso.”
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No caso sub judice, instaurou-se processo disciplinar contra a recorrente, tendo a mesma sido acusada por violação dos deveres de zelo e de lealdade, por ter ela alegadamente recusado, na reunião de avaliação realizada em 11.01.2008, assinar os resumos escritos das 1ª e 2ª reuniões de 2007, bem como, na reunião de avaliação de 14.01.2008, assinar a ficha de notação de 2007 e o resumo escrito da 1ª reunião de 2008.
Por despacho de 26 de Junho de 2008, foi aplicada à recorrente a pena de 5 dias de multa, no montante de MOP$4.769,20.
Da falta de legitimidade para instauração de processo disciplinar
A recorrente começou por dizer que a Direcção dos Serviços de Finanças não tinha legitimidade para instaurar o respectivo processo disciplinar contra ela, uma vez que, no seu entender, ela foi acusada com base em actos praticados nas reuniões de avaliação respeitantes ao ano de 2007, cujo procedimento de avaliação em relação a esse ano foi entretanto declarado nulo pela Exmª. Directora dos Serviços de Finanças, por despacho de 01.04.2008, e por que um acto declarado nulo não produzia quaisquer efeitos jurídicos, nunca poderia a recorrente ser sancionada com qualquer pena disciplinar.
Na verdade, a referida questão já foi objecto de apreciação pelo Acórdão do Venerando TUI proferido em recurso jurisdicional interposto pela entidade recorrida, nele se decidiu que:
“Uma coisa é a anulação do procedimento de avaliação e outra coisa são factos com relevância disciplinar que ocorreram durante tal procedimento ou outro.
Tal comportamento da recorrida existiu realmente, independentemente da declaração da nulidade do procedimento em que ocorreu, podendo sempre constituir objecto de apreciação disciplinar. Mas para indagar se constitui realmente uma infracção disciplinar com a consequente imputação da responsabilidade disciplinar e a sujeição a sanção, já se trata de outra questão, ligada ao fundo da matéria.”
Nesta conformidade, uma vez que a questão já foi decidida, passaremos a analisar os restantes vícios invocados pela recorrente.
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Da nulidade insuprível por violação do princípio do contraditório
Alega a recorrente que a declaração de nulidade do procedimento de avaliação do desempenho, consubstanciada no despacho da Exmª. Directora dos Serviços de Finanças, datado de 01.04.2008, constituía uma alteração dos factos constantes da acusação e da pena disciplinar, ao abrigo do nº 1 do artigo 339º do Código de Processo Penal, o que implicava que ela deveria ser notificada para se pronunciar, sob pena de violação do princípio do contraditório, e que constituiria causa de nulidade insuprível prevista nos termos do artigo 298º, nº 1 do ETAPM.
Salvo o devido respeito, entendemos não assistir razão à recorrente.
Ao abrigo do nº 1 do artigo 339º do Código de Processo Penal, prevê-se que “se do decurso da audiência resultar fundada suspeita da verificação de factos com relevo para a decisão da causa mas não descritos na pronúncia ou, se a não tiver havido, na acusação ou acusações, e que não importem uma alteração substancial dos factos descritos, o juiz que preside ao julgamento, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.
A acusação foi deduzida com data de 09.04.2008 e notificada à recorrente na mesma data, enquanto o despacho de declaração de nulidade do procedimento de avaliação foi proferido em 10.04.2008.
Assim, enquanto estava a correr o prazo para a recorrente apresentar defesa escrita naquele processo disciplinar, ela veio a tomar conhecimento e ter acesso ao despacho de declaração de nulidade do procedimento de avaliação, o que significa que relativamente aos alegados “factos novos”, a recorrente já tinha naquela altura todas as condições para se pronunciar sobre aquilo que melhor entender, podendo mesmo exercer devidamente a sua defesa.
Ao que acresce ainda que foi imputada à recorrente, tanto na acusação como na decisão do processo disciplinar, a violação das mesmas disposições legais, o que significa que não existe, no vertente caso, qualquer alteração da qualificação jurídica constante da acusação.
No caso sub judice, não houve alteração da qualificação jurídica da infracção imputada à recorrente, tendo apenas a entidade competente decidido aplicar-lhe uma sanção menos gravosa, daí que não se descortina ter existido a pretendida violação do princípio do contraditório.
Nesta conformidade, julgamos improcedente o vício invocado.
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Da exclusão da responsabilidade disciplinar
Alega a recorrente que, não tendo sido convocadas nem realizadas as 1ª e 2ª reuniões de avaliação, não era possível emitir-se o formulário do resumo escrito da 3ª reunião de avaliação para efeitos de assinatura.
Ademais, diz ainda que a notadora do procedimento de avaliação nunca exibiu à recorrente o resumo escrito da 3ª reunião, nem a versão completa das actas das reuniões de avaliação e dos resumos escritos, para serem assinados.
Ao que acresce ainda que a recorrente chegou a pedir à notadora para que se alterasse o anteprojecto da acta da reunião de avaliação e constasse no resumo escrito as suas conclusões, por haver divergências de opiniões, mas o seu pedido foi indeferido pela notadora sem qualquer justificação.
Daí vem defender a recorrente que, por não lhe ter sido deferido o seu pedido, aliás legalmente permitido, no sentido de fazer constar nos resumos escritos das reuniões as suas opiniões ou conclusões divergentes, a solução correcta seria recusar assinar os mapas resumos, isso significa que a sua responsabilidade disciplinar deveria ser excluída, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 285º do ETAPM.
Pelo contrário, entende a entidade recorrida que a recorrente não podia fundamentar o não cumprimento do dever de assinar com base numa eventual nulidade e, mesmo que declarado nulo o acto, não deixaria de existir a violação desse mesmo dever.
Acresce ainda que, não cabia à recorrente decidir da legalidade da conduta da notadora, apenas lhe sendo facultado o direito de questionar a conformidade daquela com a lei através de meios legalmente previstos, daí que, na opinião da recorrida, em parte alguma da lei lhe era conferido o direito de recusa à assinatura.
Vejamos.
Provado está, in casu, que apresentados os respectivos resumos escritos à recorrente, esta recusou-se a apor a sua assinatura nos documentos.
Dispõe o artigo 16º do Regulamento Administrativo nº 31/2004 que, no concernente ao processo de avaliação de funcionários, este compreende a realização de reuniões de avaliação entre o notador e o notado, após o que é elaborado um resumo escrito, no qual, em caso de desacordo, os intervenientes podem fazer constar as suas próprias conclusões e que, depois de por eles assinado, é junto ao processo de avaliação do notado.
Como se refere no nº 1 desse artigo 16º, as reuniões de avaliação têm em vista, designadamente, a clarificação dos objectivos prosseguidos pela subunidade orgânica em que se insere o notado, o planeamento das actividades a desempenhar no período de avaliação, a definição dos objectivos e resultados a atingir no período objecto de avaliação e a identificação dos factores em que se vai basear a avaliação do notado.
No fundo, são sempre interesses públicos que estão aqui em jogo, por isso a lei vem definir um conjunto de regras para este tipo de procedimento, cujo cumprimento é exigido tanto ao notador como ao notado.
Daí que se entende que no âmbito do procedimento de avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, face à existência dessa relação entre notador e notado, a inobservância daquela norma de conduta implica a violação de um dever especial imposto aos funcionários sujeitos a notação, traduzindo-se, no caso concreto, na obrigação de assinar os resumos das reuniões.
Nesta conformidade, uma vez provado que apresentados os respectivos resumos escritos à recorrente, esta recusou-se a assinar os documentos, entendemos que houve violação do dever de zelo.
Se assim não se entender, isto é, se considerar não ser obrigatória a tal assinatura e que todos os funcionários notados puderem recusar sem qualquer causa justificativa os respectivos resumos das reuniões que lhes são apresentados, julgamos que a boa gestão e eficiência da máquina administrativa irão ficar comprometidas, o que nos parece não ser essa a intenção do legislador.
*
Não acompanhamos o entendimento da recorrente quando diz que a sua responsabilidade disciplinar deveria ser excluída, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 285º do ETAPM.
Simplesmente, tal como refere o Digno Magistrado do Ministério Público, atentas as circunstâncias do vertente caso, não se denota qualquer motivo sério para se duvidar da autenticidade das ordens ou instruções dadas pela notadora.
Mas analisando melhor a situação, podemos verificar que o motivo que levou à recorrente a recusar assinar os respectivos documentos foi devido ao facto de a notadora não ter autorizado o pedido da recorrente no sentido de fazer constar nos resumos escritos as suas próprias conclusões.
Em boa verdade, enquanto notada, a recorrente tinha direito a pedir à notadora, em caso de desacordo, que fizesse constar no resumo escrito da reunião de avaliação as suas próprias conclusões. E entendemos que a notadora deveria dar cumprimento à lei (artigo 16º, nº 5 do Regulamento Administrativo nº 31/2004), autorizando o pedido da recorrente e fazendo constar no respectivo resumo as suas conclusões ou opiniões divergentes, mas não foi isso que aconteceu, porque a notadora não lhe deferiu o pedido nem deu qualquer justificação.
Consagra-se nos termos do artigo 281º do ETAPM que “considera-se infracção disciplinar o facto culposo, praticada pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado”.
De acordo com a referida disposição legal, só há infracção disciplinar quando se trata de um facto ilícito e que seja praticado de forma culposa.
Por outro lado, consagra-se no artigo 284º do mesmo diploma legal as diversas causas de exclusão da responsabilidade disciplinar, sob o título de “circunstâncias dirimentes”.
O Digno Magistrado do Ministério Público opinou que a situação em causa deve enquadrar-se na circunstância dirimente consagrada na alínea d) do artigo 284º do ETAPM - “não exigibilidade de conduta diversa”.
Tem razão, senão vejamos.
Há lugar a situação de não exigibilidade de conduta diversa sempre que concorram circunstâncias exteriores ao agente que o arrastem de forma irresistível para a prática do facto, de tal modo que não seria de esperar que se comportasse de maneira diferente.1
No fundo, trata-se de situações em que, não obstante se verificar violação de algum dever enquanto funcionário público, esta foi resultado de ocorrência de circunstâncias que tenham surgido de um momento para o outro, de forma imprevista, de tal modo que não seria de esperar que aquele pudesse agir de maneira diferente.
Como se referiu, a recorrente enquanto notada tem direito a pedir à notadora, em caso de desacordo, que faça constar nos resumos escritos as suas próprias conclusões, mas perante essa recusa firme e peremptória da notadora, é aceitável que a recorrente tenha recusado assinar os respectivos documentos.
Embora se defenda que a recorrente podia recorrer a outros meios, tais como, meios de impugnação administrativa ou recurso contencioso, para pôr em causa a decisão da notadora e questionar a conformidade daquela decisão com a lei, mas ponderando todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos agora em discussão, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos que concorrem aqui circunstâncias exteriores à recorrente que a arrastasse de forma irresistível para a prática do facto.
Em boa verdade, atenta a factualidade do caso concreto, precisamente encontrando-se a notadora e a recorrente numa reunião conjunta de avaliação, não obstante terem sido formulados pedidos à notadora pedindo para fazer constar nos resumos escritos as próprias conclusões da recorrente, mas os mesmos foram indeferidos, ilegal e infundadamente, pela notadora, sendo assim, é muito natural que haja uma reacção imediata, directa e tempestiva, por parte da recorrente contra a tal actuação indevida daquela notadora.
E não é difícil imaginar que a partir daquela altura, a relação de confiança entre a notadora e a recorrente ficou quebrada, e dentro dessa relação de notadora e notada, a recorrente não deixava de ser a parte mais “fraca” e hierarquicamente menos vantajosa, pelo que, se tentarmos analisar a situação sob o ponto de vista pessoal da recorrente, temos que aceitar a sua conduta dado que naquele momento não seria de esperar que se comportasse de maneira diferente. Não se deve ignorar que perante aquela actuação indevida da notadora, a recorrente tinha o justo receio de que, se tivesse assinado os mesmos, poderia ficar o caso arrumado e deixaria de ter possibilidade de vir questionar no futuro o resultado daquelas reuniões, precisamente por que se considerava ter havido aceitação expressa ou tácita do acto praticado, sendo assim, a única forma para se defender era não assinar os respectivos documentos.
Em suma, a recorrente enquanto notada e funcionária pública, tinha o dever legal de assinar os resumos escritos das reuniões de avaliação, mas como os seus pedidos de fazer constar dos respectivos resumos as suas próprias conclusões não foram atendidos pela notadora sem que tivesse sido alegada qualquer justificação, neste caso deve ser considerada excluída a responsabilidade disciplinar da recorrente, uma vez que a sua conduta consubstanciava uma causa de exclusão da culpa prevista na alínea d) do artigo 284º do ETAPM.
Dispõe o artigo 74º, nº 6 do Código de Processo Administrativo Contencioso que “a errada qualificação pelo recorrente dos fundamentos do recurso não impede o seu provimento com base na qualificação que o tribunal considere adequada”.
Nesta conformidade, temos que anular a decisão recorrida.
*
Da violação dos princípios da presunção de inocência e inobservância da forma legal
Alega a recorrente que o processo de execução fiscal deve ser declarado nulo, com fundamento em violação dos princípios da presunção de inocência e em falta de observância da forma legal, por entender que como naquela altura ainda não decorreu o prazo para interposição de recurso hierárquico necessário, o processo de execução fiscal foi indevidamente instaurado.
Simplesmente, uma vez que o objecto do presente recurso contencioso é o despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, não fazendo sentido de a recorrente vir agora assacar vícios ao próprio processo de execução fiscal, o qual não faz parte do acto recorrido, pelo que, sem necessidade de delongas considerações, entendemos ser inócua a sua apreciação.
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Da violação do dever de fundamentação
Invoca a recorrente que o acto recorrido não especificou os fundamentos de facto e de direito, sendo o mesmo assim, no seu entender, anulável nos termos do artigo 114º, 115º, nº 1 e 124º, todos do Código do Procedimento Administrativo.
Na nossa perspectiva, entendemos que não logrou a recorrente expor em que termos é que o acto recorrido tenha falhado nessa alegada falta de fundamentação, apenas limitou-se a manifestar a sua não concordância com a fundamentação exposta na decisão recorrida, no tocante à responsabilidade disciplinar da recorrente.
Como acima se referiu, o acto recorrido foi proferido de acordo com a informação submetida à consideração do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças, ora autor do acto.
E não cremos ser de acolher a tese sufragada pela ora recorrente que entende que fundamentado não está o acto que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho da Exmª. Directora dos Serviços de Finanças que, por sua vez, na sequência do processo disciplinar instaurado contra a recorrente, lhe aplicou uma pena de multa no montante de MOP$4.769,20.
É de verificar que a decisão em causa “absorveu” os fundamentos de facto e de direito explanados na informação elaborada pela Direcção dos Serviços de Finanças, e sendo verdade que a fundamentação dos actos administrativos pode consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos”, nos termos do artigo 115º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, pelo que não se nos afigura padecer a decisão recorrida do alegado vício imputado.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
Registe e notifique.
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Macau, 15 de Maio de 2014
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
(Relator) (Fui presente)
(Magistrado do M.oP.o)
Votei a decisão no sentido de anular o acto recorrido e a fundamentação do Acórdão, à excepção da parte que diz respeito à exclusão da responsabilidade disciplinar, uma vez que entendo que não tem a dignidade disciplinar a inobservância (consubstanciada em simples não assinar o resumo escrito) do preceituado de carácter meramente procedimental no artº 16º/5 do Regulamento Administrativo, à luz do qual “das reuniões referidas no presente artigo é elaborado um resumo escrito, no qual, em caso de desacordo, os intervenientes podem fazer constar as suas próprias conclusões e que, depois de por eles assinado, é junto ao processo de avaliação do notado.”
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Manual Leal-Henriques, in Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, pág. 82
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Processo 703/2009 Pág 59