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Processo nº 861/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 08 de Maio de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I - Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II - Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III - É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Região Administrativa de Hong Kong que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.














Processo nº 861/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A (XXX), divorciada, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, XXXXXX intentou acção com processo especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal ou árbitro do exterior de Macau, ao abrigo do disposto no arto 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, contra B(XXX), divorciado, de nacionalidade chinesa, residente em Hong Kong, XXXXXX.
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1
A autora e o ré casaram em 20 de Novembro de 2003, em Hong Kong, conforme se comprova pelo respectivo Assento de Casamento que se junta, como doc. no. 1.
2
Por sentença proferida pelo Tribunal de Hong Kong a 5 de Janeiro de 2011, foi decretada, por divórcio, a dissolução do casamento entre autora e réu, conforme resulta da decisão do referido tribunal que se junta, como doc. no. 2.
3
A referida decisão determinou ainda que a dissolução do casamento só seria efectiva se, decorrido o prazo de seis semanas contados a partir da data da notificação, não fosse apresentada, naquele tribunal, qualquer instância que pudesse impedir que a dissolução se tornasse definitiva - doc. no. 3.
4
Não se tendo verificado esta última hipótese, a sentença passou a ser definitiva e plenamente eficaz, a partir de 19 de Fevereiro de 2011, transitando, assim em julgado, segundo a lei de Hong Kong, local da prolação da decisão, para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 1200° do C.P.C. - vide doc. no. 3.
5
Do matrimónio nasceu um filho XXX(XXX).
6
O exercício do poder paternal relativo ao filho referida no artigo anterior, encontra-se regulado pela mesma sentença. - vide doc. no. 2.
7
Não existem quaisquer dúvidas sobre a autenticidade do documento que constitui a sentença de dissolução do matrimónio nem daquele que certifica o trânsito em julgado, para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 1200º do C.P.C.
8
E tão pouco sobre a intangibilidade da decisão, a qual é perfeitamente perceptível, para efeitos do disposto na mesma disposição legal.
9
Não se verificam “in casu” nenhuma das hipóteses de competência exclusiva dos tribunais de Macau, previstas quer no artigo 65º-A do anterior Código, quer no artigo 20º do actual C.P.C.
10
Contra a sentença, cuja revisão e confirmação ora se pretende, não podem ser invocadas as excepções de litispendência ou de caso julgado.
11
A sentença que decretou o divórcio mostra-se em inteira conformidade com os princípios de Ordem Pública de Macau.
12
Os princípios do Contraditório e da Igualdade Processual das Partes foram perfeitamente garantidos na sentença cuja revisão e confirmação ora se requer.
13
O presente pedido de revisão e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal, em Hong Kong, visa a sua plena eficácia na ordem jurídica da RAEM,
14
Território onde a autora é natural, necessitando, por isso, de regularizar a sua situação junto dos respectivos serviços públicos.
15
Verificando-se assim todos os pressupostos legais para que a decisão proferida pelo tribunal a 05 de Janeiro de 2011, transitada em julgado a partir de 19 de Fevereiro de 2011, seja revista e confirmada, para efeitos de a mesma obter eficácia em Macau, o que se requer ao abrigo do disposto nos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil de Macau.
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O réu não contestou.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido do deferimento do pedido.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III - Os Factos
1- A autora e o réu celebraram casamento civil na Região Administrativa Especial de Hong Kong em 20/11/2003 (doc. fls. dos autos e 2 do apenso “traduções”).
2- No tribunal distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong (proc. nº XXX de 2010), no dia 11 de Outubro de 2010, foi proferida sentença provisória de divórcio nos seguintes termos:
Decisão provisória de divórcio
No dia 11 de Outubro de 2010, o Juiz homologa a separação efectuada pelas partes, pelo menos um ano, antes da apresentação do requerimento de divórcio; e o casamento estabelecido em CITY HALL MARRIAGE REGISTRY (BB0XXX) de Hong Kong no dia 20 de Novembro de 2003 e contraído entre
A(XXX) 1ª requerente
E
B (XXX) 2º requerente
Estava em fracasso, sendo irrecuperável a relação conjugal, e que foi decidido dissolvido o referido casamento, com excepção de apresentação de razões suficientes dentro de 6 semanas contadas a partir da declaração de decisão, para impedir a sua transferência para decisão absoluta.
Data: 11 de Outubro de 2010
Magistrado Judicial Permanente
(carimbo) Tribunal Comarca
3- Esta decisão transitou no dia 19 de Fevereiro de 2011, conforme certidão de fls. 10 dos autos (fls. 9 do apenso “traduções”).
4- O exercício do poder paternal em relação ao filho comum de ambos, de nome XXX, ficou regulado assim (fls 7 e 22 dos autos):
«(1) A guarda do filho da família relativa, XXX (XXX), foi concedida à 1ª requerente, e o direito de visita razoável ao 2º requerente, até que seja proferido novo mandado pelo Tribunal. Aqui se emite as seguintes instruções: antes de o filho completar 18 anos, ninguém pode levar este filho fora de Hong Kong sem autorização. No entanto, quando um dos pais apresentar uma promessa escrita geral junto do Tribunal, comprometendo-se a levar o filho de volta a Hong Kong conforme a exigência, salvo instruções específicas pode levar o filho fora de Hong Kong durante o período indicado na promessa escrita e com consentimento de outro dos pais (fls. 7 dos autos e fls. do apenso traduções…
1. O 2º requerente paga alimentos no valor mensal de HKD3.000 ao filho da família XXX(XXX). A primeira prestação efectua-se no dia 7 de Fevereiro de 2011 e outras prestações são pagas no dia 7 de cada mês até que o filho completa 18 anos ou até que o mesmo deixa de receber o ensino escolar a tempo inteiro, dependendo da duração maior.
2. O Tribunal não decreta nada sobre custas judiciais.
Declarou o Juiz que: O Tribunal acredita e aceita que o referido filho da família é o único filho da família estipulado no artigo 18º da Matrimonial Proceedings and Property Ordinance (Capítulo 192), cujas regalias são fixadas de forma satisfatória, ou da melhor forma possível na situação actual.
***
IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos ex-cônjuges.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta do documento de fls. 10 dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong de 11/10/2010, que decretou o divórcio entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
TSI, 08 de Maio de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong