Processo nº 512/2013
Data do Acórdão: 08MAIO2014
Assuntos:
Imposto do selo
Recorribilidade do acto
SUMÁRIO
Na matéria do imposto do selo, é irrecorrível o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que decide a impugnação graciosa da liquidação oficiosa efectuada pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças, desde que a impugnação graciosa não tenha por fundamento a discordância com o valor atribuído à transmissão, uma vez que aquela liquidação oficiosa já é definitiva e portanto contenciosamente impugnável.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 512/2013
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão da Directora dos Serviços de Finanças que lhe indeferiu a reclamação da liquidação oficiosa do imposto do selo, alegando, concluindo e pedindo que:
A, casado, residente XXX em Macau, portador do B.I.R nº XXXXXXX(X), emitido em XX-XX-XXXX, devidamente notificado do despacho de indeferimento do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 28 de Maio de 2013, porque não se conforma com esta decisão da Administração, vem, nos termos do nº8 da Lei nº9/1999, considerando as suas republicações posteriores, e Lei nº15/96/M, de 12 de Agosto,
Interpor Recurso Contencioso,
O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1.º
Vem a Direcção dos Serviços de Finanças de Macau pretender penalizar o ora recorrente, com a aplicação de imposto de selo, que no seu entendimento não foi devidamente pago, em tempo oportuno.
2.°
E refere que este (recorrente) não cumpriu com as obrigações fiscais impostas pelo artigo 51 ° nº1 alínea a), conjugado com o nº3 alínea a) do regulamento do imposto de Selo (RIS) aprovado pela Lei nº2/78/M, com as alterações introduzidas pelo artigo 1° da Lei nº4/2011.
3.°
E a Direcção dos Serviços de Finanças pretende que o ora recorrente pague o imposto de selo, pelo facto de ter intervido no contrato promessa de compra e venda da Fracção X do XX°andar da XXX, Torre X, XXX, Taipa.
4.°
O valor da compra e venda, conforme consta nos documentos em anexo ao presente recurso, foi se HKD$18.150.000.00(Dezoito Milhões Cento e Cinquenta Mil Patacas).
5.°
Entende a Direcçaõ dos Serviços de Finança que o recorrente não apresentou a declaração modelo M/1, referente às transmissões onerosas de bens imóveis.
6.°
Por esse motivo, notificaram o ora recorrente, para efectuar o pagamento em dívida, nos termos dos normativos aplicáveis às aquisições onerosas em Macau.
7.°
Efectivamente o ora recorrente não nega que tenha assinado o referido contrato promessa para a aquisição onerosa da referida fracção autónoma.
8.°
Mas também já explicou à Administração de Macau, quer na reclamacão que apresentou, quer no Recurso Hierárquico que antecedeu este recurso contencioso, que assinou o referido contrato promessa apenas para assegurar a compra e venda, em nome dos seus amigos, que àquela data não estavam em Macau, e pretendiam adquirir o imóvel.
9.°
O ora recorrente apenas serviu de garante à concretização do negócio de compra e venda de referida fracção autónoma.
10.°
Não é verdade, como referem os pareceres e despacho final da autoridade recorrida, que Existiram Dois Contratos, e por isso mesmo o recorrente deve também ser taxado quanto ao imposto de selo.
11.°
O recorrente já explicou à Administração de Macau que apenas actuou no interesse dos seus amigos, segurando a casa que estes pretendiam comprar.
12.°
Não pode, nem deve a Administração de Macau, vir agora pretender cobrar em dobro o imposto de selo, alegando que houve dois contratos com pessoas diferentes.
13°
O ora recorrente actuou como "GESTOR DE NEGÓCIOS" dos seus amigos, que efectivamente acabaram poucos dias depois por adquirir a fracção autónoma e formalizar a referida compra e venda.
14°
Basta uma leitura atenta, dos documentos que se juntam ao presente recurso, para facilmente se perceber que não existem dois contratos.
15°
O primeiro contrato que foi assinado pelo ora recorrente refere claramente em chinês que a aquisição é para terceiras pessoas.
16°
E o valor de compra e venda, ao contrário do que é dito nos pareceres da Administração, foi sempre de HK$18.150.000,00 e não de HK$15.881.250,00.
Aliás,
17°
O recorrente segurou a referida fracção autónoma para o seu amigo "XXX" e este posteriormente pretendeu que a aquisição fosse feita em nome da esposa e do seu filho - "XXX" e "XXX".
18°
Pela lógica da Administração provavelmente estaríamos perante 3 contratos em vez de dois.
19°
Como já se referiu não hà dois contratos distintos, com pessoas distintas, pois o ora recorrente actuou como representante e como "GESTOR DE NEGÓCIOS" do seu amigo "XXX", que posteriormente confirmou o negócio celebrado, ao aceitar a compra e venda e formalizar o negócio.
20°
O recorrente ao actuar como gestor de negócios, não pode ser tributado em sede de imposto de selo, pois não adquiriu para si.
21°
Os factos podem ser confirmados pelas datas dos documentos que se juntam ao presente recurso contencioso, e pelas declarações das pessoas que estiveram envolvidas na compra e venda da referida fracção autónoma.
Em Conclusão e Síntese
1 ° Não houve celebração de dois contratos promessa de Compra e Venda da referida fracção autónoma, como pretende a Administração de Macau(D. Serviços de Finanças).
2° O ora recorrente actuou apenas para segurar a referida fracção autónoma que viria depois, em período de apenas alguns dias, a ser adquirida pelos familiares do seu amigo("XXX" e "XXX").
3° Nos termos do artº 458° do Código Civil e Seguintes, o negócio celebrado nestas condições a que se referem os factos, não pode ser considerado negócio próprio. A sua celebração é sempre em nome e por conta do respectivo dono.
4° Assim sendo, não pode a Administração de Macau(D. Serviços de Finanças) pretender efectuar aquilo que se pode designar por "Dupla tributação".
Vem o ora recorrente junto de V. Exas Venerandos Juízes, clarificar os factos e requerer que esse Tribunal Superior anule o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de que agora se recorre, e determine que não há lugar ao pagamento do imposto de selo por parte do ora recorrente, e pretendido pela Administração de Macau(D. Serviços de Finanças), pois apenas há lugar a um pagamento, o qual já ocorreu em tempo oportuno.
Assim decidindo farão V.as Exas a necessária e esperada Justiça!
Por despacho do Relator originário, foi suscitada a questão da irrecorribilidade do acto ora recorrido, por se tratar de uma decisão tomada em sede de recurso hierárquico facultativo e determinada a notificação do recorrente para se pronunciar sobre a irrecorribilidade do acto.
Notificado desse despacho, veio o recorrente insistir na prossecução do recurso – vide fls. 29 a 30 dos p. autos.
Em sede de vista aberta para o efeito, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer defendendo que é recorrível o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, dado que foi proferido em sede de recurso hierárquico necessário, em não facultativo, que tem por objecto a decisão da Directora dos Serviços de Finanças.
Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* No decurso de uma inspecção de rotina efectuada pela DSF, foi detectado um caso de falta de cumprimento da obrigação de liquidar por parte do sujeito passivo, que consiste na apresentação da declaração no modelo M/1 referente a um contrato promessa de compra de um bem imóvel, nos termos prescritos no Regulamento do Imposto do Selo (RIS);
* Na sequência disso, foi efectuada pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças a liquidação oficiosa do imposto do selo, ao abrigo do disposto no artº 60º do RIS;
* O ora recorrente foi notificado da liquidação oficiosa;
* Inconformado com a obrigação de pagamento do imposto, o ora recorrente reclamou para a Senhora Directora dos Serviços de Finanças;
* Reclamação essa que acabou por ser indeferida;
* Novamente inconformado, o ora recorrente interpôs o recurso hierárquico dessa decisão negatória da reclamação para o Senhor Secretário para a Economia e Finanças;
* Recurso hierárquico esse que acabou por ser julgado improcedente; e
* Não se conformando com esse despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, o ora recorrente interpôs o recurso contencioso para este TSI.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer esta questão da irrecorribilidade ex oficio suscitada.
A propósito da questão idêntica, este TSI já se pronunciou nos Acórdãos tirados em 28NOV2013 e16JAN2014, nos processos nºs 272/2013 e 20/2013, respectivamente, no sentido de que, no âmbito do imposto do selo, é irrecorrível o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que decide a impugnação graciosa da liquidação oficiosa efectuada pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças, desde que a impugnação graciosa não tenha por fundamento a discordância com o valor atribuído à transmissão.
E as razões em que se apoia essa conclusão no Acórdão do processo nº 20/2013 são o seguinte:
4.3.2. - Da recorribilidade
O problema equacionado consiste em saber se o acto impugnado nos presentes autos é recorrível contenciosamente. Parece-nos que não, pelo que se dirá.
Atente-se, em primeiro lugar, no que prescreve o diploma atinente especificamente ao imposto que aqui está em discussão, o imposto de selo. O art. 91º da Lei nº 17/88/M, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 4/2009 e 4/2001, que aprova o Regulamento do Imposto do Selo, diz textualmente que:
«1. É garantido ao contribuinte recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra a liquidação do imposto, as multas aplicadas e demais actos definitivos e executórios.
2. Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Regulamento da Contribuição Industrial, aprovado pela Lei n.º 15/77/M, de 31 de Dezembro».
Pois bem. Não obstante não ser este dispositivo legal um arquétipo de perfeição normativa, dá-nos ele, porém, logo nota no nº1 que todos os actos que liquidem imposto profissional são sujeitos a recurso contencioso imediato, por serem “definitivos” e “executórios”.
Claro, poderá dizer-se que esse nº1 não é bem ajustado à hipótese sub judice, já que se não trata da “liquidação do imposto profissional”, mas de liquidação oficiosa. Pois bem. Admitindo em abstracto que a intenção do legislador possa ter sido diferente consoante as ditas hipóteses, vejamos se o quadro legal modifica a estatuição.
Olhemos, então, para o art. 92º do mesmo diploma (Regulamento do Imposto de Selo ou RIS):
Artigo 92.º
1. A reclamação de actos de liquidação oficiosa ou adicional de imposto do selo sobre transmissões de bens imóveis, nos termos do capítulo XVII, quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, é obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão.
2. A reclamação referida no número anterior deve ser apresentada na Repartição de Finanças de Macau no prazo de 15 dias contados da notificação da liquidação.
3. Das deliberações da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso imediato nos termos gerais.
Ora, este artigo trata da reclamação de actos de liquidação adicional ou oficiosa, para afirmar duas coisas:
a) Se a reclamação se funda na discordância com o valor atribuído à transmissão, ela é dirigida à Comissão de Revisão. Nesse caso, a reclamação tem efeito suspensivo, tal como promana do art. 96º do diploma, sendo certo que da deliberação da Comissão “caberá recurso contencioso imediato nos termos gerais” (art. 92º, nº3). É bom de ver que estas disposições estão perfeitamente em linha com o preceituado no art. 150º do CPA, segundo o qual “a reclamação de acto de que não caiba recurso contencioso tem efeito suspensivo…”.
b) A contrario, se a reclamação tiver qualquer outro fundamento, então ela deixa de ser obrigatoriamente dirigida à Comissão de Revisão e perde o efeito suspensivo. O mesmo é dizer, a reclamação é facultativa e a decisão que vier a ser tomada não é impugnável contenciosamente, porque o acto definitivo é, precisamente, o acto de liquidação oficiosa administrativamente impugnado.
Temos assim que, no caso vertente, o Regulamento do Imposto de Selo dá a solução para a “vexata quaestio”, uma vez que a reclamação se não deveu à discordância com o valor atribuído à transmissão, nem foi dirigida à Comissão de Revisão.
*
Para quem entenda que isto não basta, importa recuar ao citado artigo 91º do RIS, desta vez ao nº2, segundo o qual “Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Regulamento da Contribuição Industrial, aprovado pela Lei n.º 15/77/M, de 31 de Dezembro”.
Dá para sentir a “mens legis”, o espírito do legislador! Ele quis que, tirando o caso excepcional previsto no art. 92º, a matéria do recurso contencioso observasse aquilo que está previsto no Regulamento da Contribuição Industrial (RCI). Ora, este diploma, no capítulo V, é muito claro ao afirmar o princípio da reclamação “graciosa” facultativa (art. 49º), de cuja decisão se permite o recurso hierárquico (art. 50º), sendo que nem uma, nem outro têm efeito suspensivo, mas apenas devolutivo (art. 51º). Portanto, e em sintonia com o CPA (arts. 150º e 157º), a decisão definitiva e recorrível é aquela que logo lesou o contribuinte com a liquidação oficiosa (art. 52º do RCI), porque não sujeita a impugnação administrativa necessária (art. 28º, nº1, do CPAC).
*
Trata-se de uma solução, de resto, perfeitamente harmonizável com os princípios expostos na Lei nº 15/96/M de 12 de Agosto (“clarificação de alguns aspectos em matéria fiscal”), diploma que, para além da impugnabilidade contenciosa fundada em actos lesivos (art. 1º), recorda e exprime aquilo que já promana do CPA: “Salvo menção expressa em contrário, são facultativos os recursos hierárquicos interpostos…”. Por conseguinte, sendo facultativos, obviamente a decisão tomada no seu seio não é recorrível contenciosamente.
*
E será que o art. 2º da Lei nº 12/2003, de 11/08 retira alguma força ao que acabou de se expor?
Vejamos o que ele dispõe.
Artigo 2.º
Competências em matéria fiscal
1. As competências para lançamento, liquidação, fixação, notificação e aplicação de penalidades que, nas leis ou regulamentos fiscais, se encontram atribuídas ao chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao chefe da Repartição de Finanças de Macau, seja directamente seja por, em virtude das leis orgânicas da Direcção dos Serviços de Finanças, lhes terem sido atribuídas implicitamente, são atribuídas ao director dos Serviços de Finanças.
2. O director dos Serviços de Finanças é a entidade competente para apreciar das reclamações de actos administrativos praticados no âmbito das competências referidas no número anterior, com excepção das que se refiram à impugnação da fixação da matéria colectável quando especialmente se preveja a reclamação para Comissões de Revisão, caso em que a competência se mantém nessas Comissões.
3. Da decisão do director dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo.
Em nossa opinião, a resposta à questão só pode ser negativa.
Antes de mais nada, este é um diploma que tem um objecto plasmado na sua epígrafe: “Altera o Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”. Esse é o seu objectivo específico! Não pretende intrometer-se em mais nenhuma área, nem introduzir modificações no regime concernente a outros impostos, nomeadamente o de selo e o da contribuição industrial.
Reconhecemos o embaraço que pode provocar no intérprete quando o nº1 do artigo faz uma referência às competências atribuídas pelas leis e regulamentos ao Chefe do Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária e ao Chefe da Repartição das Finanças. Cremos, todavia, que mesmo aí o legislador não se está a referir a todas as leis e a todos os regulamentos respeitantes aos mais diversos impostos, mas sim e somente aos diplomas (leis e regulamentos) atinentes aos impostos a que o diploma se refere expressamente no seu título, ou seja, o Profissional (Lei nº 2/78/M) e o Complementar de Rendimentos (Lei nº 21/78/M).
Assim é que, sempre que tais diplomas específicos cometerem competências ao Chefe da Repartição de Finanças (v.g., art. 18º, nº1, al. c, do RIP), ou ao Chefe de Repartição de Contribuições e Impostos (v.g. art. 36º, do RICR) ou ao Chefe do Departamento de Auditorias, Inspecção e Justiça Tributária (v.g., art. 18º, nº1, al. a), do RIP), elas devem agora ser entendidas para o Director do Serviço de Finanças. É isso o que o nº1, do art. 2º citado diz!
O nº2 do art. 2º e o nº3 do mesmo artigo, por outro lado, sem excluírem a competência das Comissões de Revisão no âmbito desses mesmos impostos Profissional e Complementar de Rendimentos (v.g., arts. 79º, nº9, do RIP ou 45º do RICR), prescrevem que as decisões tomadas pelo Director dos Serviços de Finanças em sede de reclamação estão sujeitas a recurso hierárquico necessário. Mas só essas!
Não vale a pena procurar encontrar razões para o legislador conferir ao Director nestes dois impostos (excepcionado, repita-se, o caso das decisões praticadas pelas respectivas Comissões de Revisão) uma competência para a prática de actos não definitivos, enquanto para outros o legislador manteve para o mesmo Director uma competência para a prática de actos definitivos e imediatamente recorríveis contenciosamente. É assim que a lei se encontra escrita; nada há a fazer. Se existe quebra de uniformidade do sistema, é porque o legislador, ou não se apercebeu dela, ou quis efectivamente estabelecer diferenças assentes em desigualdades que entreviu na natureza diversa dos impostos. E para quem se preocupa com estas questões de uniformização do sistema fiscal, mais do que bradar contra o quadro “de constituto”, o que deve fazer é canalizar a energia para uma nova ordem “de constituendo”, um novo quadro legal unitário e de boa ordem sistemática.
Portanto, o regime da impugnabilidade das decisões referentes a estes dois impostos (Profissional e Complementar de Rendimentos) foi modificado pelo artigo 2º da referida Lei nº 12/2003, sem dúvida, de forma a conferir ao Director do Serviço de Finanças uma competência que pertencia a outras entidades até então e a interferir no regime da reclamação “graciosa” e no recurso hierárquico que vinha dos diplomas respectivos (Lei nº 2/78/M e Lei nº 21/78/M). Não se estranhe, porém, esta alteração, cujos fundamentos assentam na autonomia e soberania do legislador.
É por isso que não vemos nesta atitude do legislador nenhum intuito de revogar o regime de impugnabilidade das decisões respeitantes aos restantes impostos.
Se o legislador da referida Lei nº 12/2003 tivesse querido abolir o regime de todos os restantes impostos nesse capítulo, nem haveria de dar o nome que deu ao diploma, nem se teria esquecido de revogar as normas que entendesse adequadas para conformar o regime da impugnabilidade de todos os outros impostos ao ali “ex novo” explanado. Contudo, como se pode ver do seu art. 5º, a revogação a que procedeu limitou-se a algumas normas dos diplomas que foram objecto da sua atenção: o imposto profissional e o imposto complementar de rendimentos. Ao fazer uma revogação expressa sobre uma determinada matéria, não se aceita que não tivesse feito o mesmo em relação a outras se essa fosse a sua intenção.
É certo que a revogação também pode ser implícita, mas nesse caso fala-se de revogação de uma lei por outra com o mesmo enquadramento ou contexto, sendo isso particularmente aceite entre leis que se sucedem com o mesmo objecto de regulação (art. 6º, nº2, do Código Civil). Por exemplo, uma lei de inquilinato pode ser revogada por outra lei do inquilinato; o regime constante das expropriações pode ser revogado por uma lei nova com outra regulação outra lei que verse sobre o mesmo assunto específico. Portanto, se uma lei tem um enquadramento mais vasto e geral, dificilmente se pode dizer que revogue implicitamente o regime exposto em várias outras leis, a não ser que tal resulte inequivocamente do seu texto, através, por exemplo, de expressões do tipo “São revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais”1.
Ora, no caso, estamos perante uma lei (12/2003) que, versando sobre as alterações do Regulamento do Imposto Profissional e do Imposto Complementar de Rendimentos, por isso especial, dificilmente poderia apagar o regime da impugnação de decisões concernentes a outros impostos, sem que isso resultasse inequivocamente do seu texto.
*
Tudo isto para concluir que o acto da Entidade recorrida, que foi eleito como objecto do presente recurso contencioso, não era sindicável, na medida em que recorrível, porque definitivo, era o do Director do Serviço de Finanças, tal como de resto foi decidido no Ac. deste TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 272/2013 acima citado. O acto sindicado do Ex.mo Secretário, nada inova na sua dispositividade; nessa medida, limita-se a confirmar o acto primário e definitivo anterior2.
*
E não se diga que diferente haverá de ser a natureza deste recurso hierárquico, apenas porque foi interposto, não do acto de liquidação adicional, mas do acto que indefere uma reclamação sobre o referido acto de liquidação oficiosa (ver doc. fls. 47 e sgs, junto com a petição do recurso), tal como vem defendido na resposta de fls. 234 e sgs. e no parecer de fls. 336.
Na verdade, em nossa opinião – salvo o devido respeito, que muito é -, a natureza não se modifica, apenas porque entre a decisão que procede à liquidação adicional e a decisão do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, aqui sindicado, se interpôs uma “reclamação graciosa”. Esta, pelo que acima se viu, é meramente facultativa, face ao art. 51º, nº1 do RCI, “ex vi” art. 92º do RIS (só tem efeito suspensivo aquela que é dirigida à Comissão de Revisão e quando fundamentada em discordância com o valor atribuído à transmissão, tal como emerge do nº1 deste art. 92º. E esse não é o caso!
Ou seja, se a reclamação é facultativa, se o seu efeito é devolutivo e se a decisão que no seu âmbito vier a ser tomada não é acto definitivo - porque esse carácter definitivo e executório apenas o tem o acto reclamado - então dela não pode ser interposto recurso hierárquico necessário, sob pena de aberrante contradição. O que queremos dizer é que a natureza facultativa da reclamação vai estender os seus efeitos devolutivos até à própria decisão de eventual recurso hierárquico, que como se compreenderá, apenas poderá ter também natureza facultativa e não necessária.
Então, e o nº3, do art. 2º da Lei nº 12/2003, não terá qualquer préstimo? Terá, mas não para este processo. Sublinhe-se isto: se o nº3 do art. 2º da referida Lei nº 12/2003 confere natureza necessária ao recurso hierárquico interposto da decisão da reclamação “graciosa”, a sua estatuição deverá ser decifrada no âmbito objectivo da própria Lei. Isto é, apenas se deverá interpretar como reportado ao caso de reclamação concernente a uma decisão do Director dos Serviços de Finanças em matéria fiscal referente aos impostos profissional e complementar de rendimentos. Ora, o que está em causa é, diferentemente, um imposto de selo! Significa que o nº3, do art. 2º da Lei em apreço não serve para proteger a posição dos recorrentes, manifestada a fls. 236, e do MP expendida a fls. 336.
*
A irrecorribilidade com este fundamento constitui matéria exceptiva que obsta ao conhecimento de mérito do recurso contencioso (arts. 28º, nº1, 31º, do CPAC), circunstância que podia ter levado à rejeição liminar (art. 46º do CPAC). Não tendo, porém, sido tomada tal decisão liminar, cremos que agora, constituindo a irrecorribilidade uma excepção dilatória inominada (art. 413º do CPC), a solução adequada ao caso, pese embora o disposto no art. 62º, nº4, do CPAC, deve ser a absolvição da instância, com assento no art. 230º, nº1, al. e), do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC.
Concordamos inteiramente com a fundamentação nessa parte do Acórdão do processo nº 20/2013 e é por nós dada aqui por integralmente reproduzida para rejeitar liminarmente o presente recurso.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência rejeitar liminarmente o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 2 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 08MAIO2014
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias, em «Cadernos de Ciência da Legislação», INA, nº7, 1993, pág. 17 e sgs., citado por Abílio Neto, em Código Civil anotado, 17ª ed., pág. 18.
2 Sendo a decisão do Director já definitiva e executória (portanto, recorrível contenciosamente), a decisão que os recorrentes aqui censuram nada àquela acrescenta ou tira e, assim, não passa de acto meramente confirmativo. Neste sentido, ver M. Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, pág. 452; tb. M. Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo anotado, 2ª ed., pág. 770; na jurisprudência comparada, entre outros, os Acs. do STA de 24/02/99, Rec. n° 31160 e de 23/01/2001, Rec. n° 46653.
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512/2013-17