--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 09/05/2014 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo ----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 251/2014
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A (XXX), (3°) arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.
Efectuando-se o cúmulo jurídico desta pena com as que ao mesmo arguido foram decretadas no âmbito do Processo n.° CR4-12-0223-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 522 a 528-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Em sede da sua motivação produz, a final, seis conclusões onde diz que a mencionada decisão condenatória padece de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 539 a 543).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso deve ser objecto de rejeição; (cfr., fls. 550 a 553-v).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.539 a 543 dos autos, o recorrente solicitou a revogação do douto Acórdão de fls.522 a 528v. dos autos, assacando-lhe a «contradição insanável da fundamentação» e «erro notório na apreciação de prova», previstos respectivamente nas alís. b) e c) do n.°2 do art.400° do CPPM.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente todas as criteriosas explanações da Exma. Colega na Resposta (cfr. fls.550 a 552v. dos autos). E, com efeito, nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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Inculca reiterada e constantemente o Venerando TUI que como vício intrínseco da decisão, a "contradição insanável da fundamentação" consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. (vide. Acórdãos nos Processos n.°17/2000 e n.°52/2010)
Importa ainda reter que só se verifica tal vício quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão (Acórdãos do TSI no Processos n.°634/2010 e n.°656/2011).
Quer dizer, a contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum. (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.°17/2000 e n.°18/2002)
No caso sub iudice, os 2° e 3° factos provados constataram que o 1° arguido XXX tinha a intenção delituosa de obter para si próprio interesses ilegítimos, ao aceitar a "proposta" do recorrente de contrair casamento falso com uma senhora proveniente da China Interior.
Por sua vez, os três factos não provados referem ao o 3° arguido A (ora recorrente): dando por não provado que o 3° arguido A não tivesse comprometido "retribuição" ao 1 ° arguido, nem lhe pagasse a quantia de MÜP$10,000.00 a título de retribuição.
O que torna claro e incontroverso que não há contradição insanável entre os aludidos factos provados e os não provados. Pois bem, a regra de experiência comum aconselha que tais factos não provados signifiquem indubitavelmente a inexistência de acordo ou conluio tácitos.
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Quanto ao significado do «erro notório na apreciação de prova», é pacífica e consolidada" a jurisprudência de (por exemplo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009 e n.°52/2010): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Ora bem, os argumentos do recorrente a pretexto de «erro notório na apreciação de prova» mostram nitidamente que ele pôs em crise, no fundo, a apreciação e livre convicção do Tribunal a quo sobre os vários meios de prova, tentando sobrepor a sua valorização sobre a do Tribunal.
O que justifica que se recordar o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
De outro lado, interessa não olvidar (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°132/2004): A invocação do vício de erro notório na apreciação da prova não pode servir para pôr em causa a livre convicção do Tribunal, pois que o mesmo nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente.
E mais (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de; facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Em esteira das sensatas jurisprudências, temos por certo que não se verifica o invocado «erro notório na apreciação da prova», e a arguição do recorrente deste vício encontra-se legalmente proibida nos termos do art. 114° do CPP.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 571 a 572-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 523-v a 525, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o (3°) arguido recorrer do Acórdão que o condenou nos termos atrás já explicitados.
Das suas conclusões de recurso – que como se sabe, delimitam o thema decidendum do recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso, que no caso, não há – resulta que imputa ao decidido os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”. (Constata-se que em sede de motivação refere-se também o recorrente ao vício de “insuficiência da matéria de facto para a decisão” e à “suspensão da execução da pena”. Todavia, não se referindo a tais questões em sede das suas conclusões, evidente é que não se pode considerar aquelas como “questões colocadas”, sendo ainda de se consignar que, de qualquer modo, inexiste qualquer “insuficiência”).
Dito isto, vejamos.
Pois bem, os assacados “vícios” foram já objecto de repetida abordagem por parte deste T.S.I., sendo de se considerar que:
Só ocorre o vício de “contradição insanável quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 24.10.2013, Proc. n° 645/2013)”.
Por sua vez,: “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.02.2014, Proc. n.° 754/2013 do ora relator).
Esclarecido o sentido e alcance dos vícios pelo arguido imputados à decisão recorrida, sem esforço se conclui, (como já se deixou adiantado), que nenhuma razão tem o ora recorrente, aliás, como de forma clara e cabal já se pronunciou o Exmo. Representante do Ministério Público neste T.S.I., pouco havendo a acrescentar.
Seja como for, consigna-se o que segue.
No que toca à “contradição” diz o recorrente que esta se verifica dado que “provado” está que, a seu pedido, XXX aceitou celebrar um “casamento de conveniência”, (“falso”), com XXX, (como forma de permitir a esta a sua fixação de residência em Macau), “a fim de obter benefício ilegítimo”, certo sendo que se deu simultaneamente como “não provado” que o “recorrente comprometeu-se a pagar uma remuneração ao dito XXX” ou que “lhe entregou MOP$10.000,00”.
Ora, em nossa modesta opinião, só por equívoco se poderá dizer que é tal matéria “incompatível”.
De facto, e certo sendo que o “benefício ilegítimo”, (ou a mera intenção de o obter), não constitui elemento típico do crime pelo qual foi o recorrente condenado, importa ter presente que a intenção de obter tal alegado benefício por parte de XXX não implica, necessária e impreterivelmente, que o dito recorrente o tenha prometido ou concretizado.
Basta ver que o “verdadeiro interessado” no “casamento fictício” era a (arguida) XXX, pelo que, naturalmente, seria esta a pessoa a suportar os seus “custos”, aliás, como efectivamente, não deixou o T.J.B. de o consignar em sede de fundamentação da sua decisão.
Por sua vez, e quanto ao “erro”, diz o recorrente que não compreende como foi considerado arguido e condenado, se a (arguida) XXX não o conseguiu reconhecer em sede de audiência de julgamento.
Pois bem, independentemente do demais, mostra-se de dizer que ainda que assim tenha sido, não se pode olvidar que o arguido declarou em audiência que “esteve presente no local e momento do casamento”, e que a mesma arguida declarou também que, esta mesma pessoa, corresponde à que surge na foto de fls. 198 dos autos que lhe foi exibida, (que é do arguido), a quem, depois do “casamento pagou H.K.D.$30.000,00”; (cfr., fls. 525 a 525-v).
Nesta conformidade, e evidente se nos apresentando a improcedência dos fundamentos pelo recorrente apresentados, há que decidir em conformidade.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 9 de Maio de 2014
José Maria Dias Azedo
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