Processo nº 41/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Maio de 2014
ASSUNTO
- Extinção da instância por inutilidade superveniente
SUMÁRIO
- É de declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente, do recurso que tem por objecto a decisão de indeferimento do pedido da suspensão da instância para se aguardar pela decisão judicial a proferir noutro processo, através do qual a ora Recorrente pretende ser reconhecida como unida de facto do falecido XX, para efeitos de sucessão nos termos do art° 1985º do CCM, se no entretanto todos os bens do inventaria foram adjudicados, por sentença transitada em julgado, à cônjuge sobreviva do de cujus.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 41/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Maio de 2014
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu o pedido de suspensão dos autos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho de 06/09/2012, foi indeferido o pedido da suspensão da instância da Recorrente, A.
Dessa decisão vêm recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O despacho ora recorrido ao indeferir o pedido de suspensão dos autos enquanto a Recorrente faz prova do seu estado civil, implica a negação dos seus direitos como herdeira de acordo com o artigo 1985.º do Código Civil.
2. A Recorrente entende que o esclarecimento do seu estado civil para além de restituir a verdade também lhe honra, pois, ela sabe o que viveu e como viveu com o de cujus por mais de 10 anos!
3. A Recorrente apenas pretende que a Justiça lhe conceda um prazo, um tempo razoável para provar que era mulher do falecido.
4. A verdade pessoal corresponde a um direito de personalidade que merece proteção jurídica de acordo com o artigo 81.º do Código Civil.
5. A Recorrente pretende assim ver reconhecida na Lei a sua verdade pessoal, que aliás, é do conhecimento das pessoas que com ela e com o falecido conviviam.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
- Nos autos de inventário para partilha da herança aberta por óbito de XX, vem A, ora Recorrente, invocou a sua qualidade de herdeira porquanto vivia com aquele em união de facto cerca de dez anos.
- Por sentença de 19/07/2012, decidiu-se em não se reconhecer à mesma tal qualidade, julgando-se consequentemente improcedente o seu chamamento à sucessão como tal, sem prejuízo dos legados que a seu favor são instituídos pelo de cujus no testamento.
- Notificada da supra decisão, a Recorrente, em vez de recorrer dela, veio requerer a suspensão da instância a fim de provar o seu estado de unido de facto com o de cujus através de acção declarativa a intentar no tribunal.
- Por despacho de 06/09/2012, o Tribunal a quo decidiu pela forma seguinte:
“Na decisão de folhas 76 a 78 não se relegou para os meios comuns a apreciação da questão da união de facto, mas antes, sim, proferiu-se decisão em que a questão foi definitivamente resolvida – cf. artº 971º do CPC -.
Destarte, por falta de fundamento legal vai indeferido o requerido a fls. 81/83.
Notifique. ”
- Inconformada, a Recorrente, esta vez, veio recorrer dessa última decisão.
- Por sentença proferida a fls. 38 do processo n° CV3-11-0066-CAO, todos os bens do referido inventariado foram adjudicados ao seu cônjuge sobrevivo de nome XXX, por ser considerada como única herdeira do de cujus.
- A aludida sentença foi notificada a todos os intervenientes processuais, incluindo a ora Recorrente, e não foi objecto de qualquer recurso jurisdicional, pelo que já transitou em julgado.
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Por despacho do Relator, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a eventual extinção da instância por inutilidade superveniente, face ao trânsito em julgado da sentença que adjudicou todos os bens do inventariado XX ao seu cônjuge sobrevivo de nome XXX.
Em consequência, a Recorrente pronunciou-se pela forma seguinte:
“A, Recorrente nos autos de processo à margem referenciados e neles melhor identificada notificada do despacho de fls. 49 e 49v, vem expor e finalmente requerer o seguinte:
Facto 1.º: Nos termos do disposto nas fls. dos autos CV3-11-006-CAO a fls. 138 e 141 a XXX, declarou que o inventariado XX havia saído de casa há menos de 10 anos antes do seu falecimento, o que se aceita como verdadeiro.
Facto 2.º: Nos termos do disposto nas fls. dos autos CV3-11-006-CAO a fls. 172 a XXX, confessa no seu requerimento nos números quatro e cinco, viver conjugalmente com o inventariado há mais de vinte anos e ainda nunca se terem separado.
Estes dois factos contraditórios entre si emanados da mesma interessada em ser considerada a única herdeira revela uma atitude dolosa na alteração da verdade prejudicando não só a ora Recorrente como a verdade dos factos para haver uma justa composição do litígio.
Ou seja, a verdade é como o azeite em água, quando a mentira se mistura com a verdade somente uma vem acima e é sempre a verdade.
O Objecto deste Recurso é pertinente as questões de facto e de direito apontadas no requerimento de Recurso reiteram-se, pois, a verdade pessoal corresponde a um direito de personalidade que merece protecção jurídica de acordo com o art. 81.º do Código Civil.
O despacho ora recorrido ao indeferir o pedido de suspensão dos autos enquanto a Recorrente faz prova do seu estado civil é relevante, pois, além de não permitir a restituição da verdade pessoal, também, não permite à Recorrente garantir os seus direitos como herdeira do ora inventariado nos termos do art. 1985.º do Código Cívil.
Só o provimento do presente Recurso de suspensão dos autos pode ter efeito e anulação do restante processado nos autos , ainda mais, porque conforme os dois factos acima realçados toda a decisão enferma em nulidade a qual pode ser invocada a todo o tempo e declarada mesmo em sede de Recurso, o que se requer.
Finalizando-se nos mesmos termos peticionados no articulado de Recurso, requer-se ainda seja declarada a nulidade da adjudicação dos bens a título de única herdeira por manifesta nulidade da prova, facto que apenas ocorreu porque o despacho ora recorrido ao indeferir o pedido de suspensão dos autos enquanto a Recorrente fazia prova do seu estado civil, implicou a negação dos direitos da Recorrente como herdeira do inventariado nos termos do artigo 1985.º do Código Civil.
E, como, no modesto entendimento da Recorrente e salvo respeito por outro legal entendimento, a verdade dos factos em concreto não só a prejudica legalmente como impede que seja reposta a sua verdade pessoal no que respeita à união de facto que manteve com o inventariado, por vários anos em vida do mesmo...”.
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III – Fundamentação
O objecto do presente recurso é o despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância no sentido de se aguardar pela decisão judicial a proferir no processo n° CV2-12-0061-CAO, através do qual a ora Recorrente pretende ser reconhecida como unida de facto do falecido XX, para efeitos de sucessão nos termos do art° 1985º do CCM.
No entanto, por sentença proferida a fls. 38 do processo n° CV3-11-0066-CAO, todos os bens do referido inventariado foram adjudicados ao seu cônjuge sobrevivo de nome XXX, por aí ser considerada como única herdeira do de cujus.
A aludida sentença foi notificada a todos os intervenientes processuais, incluindo a ora Recorrente, e não foi objecto de qualquer recurso jurisdicional, pelo que já transitou em julgado.
Nesta conformidade, deixa de ter qualquer utilidade a apreciação do recurso ora interposto na medida em que a própria Recorrente conformou-se com a decisão da adjudicação dos bens ao cônjuge sobrevivo do de cujus.
Ou seja, ainda que seja reconhecida judicialmente a sua qualidade como unida de facto do de cujus na acção própria, tal sentença é inútil para efeitos da sucessão da herança do inventariado XX.
Pois, havendo cônjuge sobrevivo (1ª classe de sucessíveis), o unido de facto (3ª classe de sucessíveis) nunca é chamado à sucessão legal, já que os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes imediatas (cfr. artºs 1973º e 1974º do CCM).
Por outro lado, cumpre realçar ainda que a sua qualidade como unida de facto do de cujus já foi negada pela sentença de 19/07/2012 e a ora Recorrente também dela não recorreu.
Nesta conformidade, não se compreende por que razão a ora Recorrente ainda pretende requerer a suspensão da instância para provar o seu estado de unida de facto com o de cujus através de acção declarativa a intentar no tribunal.
Por fim, queriamos deixar aqui a nossa observação relativa à resposta da ora Recorrente na sequência do despacho do Relator que determinou a sua notificação para se pronunciar sobre a eventual extinção da instância.
Na referida peça, a ora Recorrente, em vez de se pronunciar sobre a questão da extinção da instância por inutilidade superveniente, requereu a declaração da nulidade da adjudicação dos bens a favor do cônjuge sobrevivo do inventariado.
Ora, a sentença da adjudicação dos bens é uma decisão autónoma em relação à decisão que indeferiu o pedido da suspensão, pelo que em si constitui objecto de impugnação autónoma.
Sinceramente, não nos é possível compreender como é que um pedido daquele possa ser formulado num recurso em que o objecto é a decisão de indeferimento do pedido da suspensão da instância, contrariando todas as regras processuais.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar extinta a instância do presente recurso por inutilidade superveniente.
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Custas do recurso pela Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 15 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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41/2014