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Proc. nº 560/2012
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Abril de 2014
Descritores:
- Audiência de interessados
- Aposentação
- Pensionistas de sobrevivência
- Subsídio de residência

SUMÁRIO:

I - A realização da audiência de interessados só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução de que fala o art. 93º do CPA.

II - Tal formalidade mostra-se imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei.

III - Tanto o objecto, como o âmbito pessoal da lei nº 2/2011 estão inexoravelmente definidos no art. 1º e 2º. Ela aplica-se aos trabalhadores dos serviços da Administração Pública vivos, em efectividade de funções, aposentados ou desligados do serviço para efeito de aposentação (art. 7º, 10º, nº1; 12, nº1) e nenhum dos direitos ali regulados tem algo que ver com o regime da sobrevivência dos seus familiares.

IV - Ainda que se pensasse que tal direito não precisaria de ali estar previsto por ser o sucedâneo do direito à pensão de aposentação e, portanto, recebendo deste as suas melhores virtudes jurídicas, nem por isso os pensionistas de sobrevivência poderiam ter acesso ao subsídio de residência tal como o não teriam os seus cônjuges aposentados se vivos fossem que hajam transferido para a CGA a responsabilidade pelo pagamento das respectivas pensões de aposentação.








Proc. nº 560/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
B, viúva, residente em Macau, na Estrada ......, nº...-..., ...º-“...”, recorre contenciosamente do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 12/04/2012 que, na sequência de recurso hierárquico, confirmou o despacho da Directora dos Serviços de Finanças de, que à recorrente indeferiu o requerimento de atribuição de subsídio de residência.
Na sua petição, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. Por acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 12/04/2012, exarado na Informação n.º 138/NAJ/LRB/2012 e notificado a coberto do Ofício n.º 200/NAJ/LRB/2012, foi indeferido o abono do subsídio de residência à ora recorrente, que havia sido requerido ao abrigo do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
2. A recorrente nunca se pronunciou no procedimento de 1.º grau, que culminou com o acto da Senhora Directora dos Serviços que naquele procedimento indeferiu o pedido formulado pela recorrente.
3. A violação do direito de audiência da recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º e seguintes, todos do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
4. A falta de audiência, naquele procedimento, da APOMAC, organismo representativo dos trabalhadores aposentados e pensionistas, detentora de legitimidade para esse efeito, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55.º do CPA, viola o disposto no artigo 10.º do mesmo Código, que adicionalmente assegura a intervenção das Associações que defendam os interesses dos interessados, quando envolvidos em procedimentos administrativos, violação de lei que fere de invalidade o acto recorrido, devendo por isso ser anulado.
5. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
6. Não existe no procedimento administrativo qualquer decisão da Senhora Directora da DSF, que dispense a audiência de interessados e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
7. No conceito lato de pensionista enquadram-se todos os beneficiários de pensões, de acordo com a finalidade que estas visam - de aposentação, de sobrevivência, por preço de sangue ou por serviços excepcionais ou relevantes prestados à comunidade.
8. O termo pensionista abrange todos os beneficiários de uma pensão, independentemente das suas modalidades.
9. Pensionista é a pessoa singular que está abrangida pelo regime de aposentação e que adquiriu o direito a uma pensão, seja na qualidade de titular da pensão de aposentação ou na de titular da pensão de sobrevivência.
10. Os herdeiros hábeis, titulares da pensão de sobrevivência enquadram-se no conceito de pensionista, detendo todos os direitos concedidos a essa qualidade (de pensionista).
11. Não existe no ordenamento jurídico da Região previsão legal que consagre duas modalidades de pensionistas.
12. Não existe no ordenamento jurídico da Região previsão legal que distinga e defina quais os direitos dos pensionistas que recebem uma pensão de aposentação e quais os direitos dos pensionistas que recebem uma pensão de sobrevivência.
13. O acto recorrido, sustentando-se numa distinção sem previsão legal incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, conducente à sua anulação.
14. O acto recorrido sustenta o indeferimento do subsídio previsto na Lei n.º 2/2011 por aplicação da interpretação que era adoptada na vigência do artigo 203.º do ETAPM, norma que se encontra revogada pela identificada Lei de 2011.
15. O acto recorrido decidiu indeferir a atribuição do subsídio de residência também com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do DL n.º 96/99/M.
16. A Lei n.º 2/2011 não contém qualquer ressalva que permita excluir o direito ao subsídio de residência aos pensionistas que transferiram a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão para a CGA.
17. A Lei n.º 2/2011 não contém qualquer ressalva que permita excluir o direito ao subsídio de residência a quem não era anteriormente processado, por errada aplicação da lei anteriormente vigente.
18. A entidade recorrida indeferiu a atribuição do subsídio de residência com fundamento no DL 96/99/M, diploma que em Macau, em conjunto com o DL 14/94/M e DL 38/95/M, executavam o DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, que definiu várias componentes para o denominado processo de integração, para aferir dos requisitos de acesso a um direito previsto em legislação da RAEM - a Lei n.º 2/2011.
19. A faculdade de transferir a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA para aqueles que exerceram funções na administração pública do Território de Macau e se aposentaram antes de 19 de Dezembro de 1999, decorreu do Ponto VI do Anexo I da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, assinado em Pequim em 13/04/1987.
20. Na Declaração Conjunta a Parte Chinesa só se responsabiliza pelo pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência dos trabalhadores da administração pública que se aposentassem depois de 19 de Dezembro de 1999.
21. A Parte Portuguesa assegurou o pagamento das pensões aos aposentados de Macau até 19/12/1999 pelo DL n.º 357/93, de 14 de Outubro, com a consequente regulamentação no Território de Macau, através do DL n.º 14/94/M, do DL n.º 38/95/M e do DL n.º 96/99/M.
22. Havendo aposentados que transferiram o pagamento das pensões para a CGA que permaneceram em Macau, o DL n.º 38/95/M e o DL n.º 96/99/M concede-lhes o direito ao subsídio de residência.
23. Transferiu-se a responsabilidade pelo pagamento de pensões de pessoas que permaneceram como aposentados de Macau após 20 de Dezembro de 1999, com todos os direitos inerentes a essa condição, salientando-se o acesso a assistência médica e medicamentosa: os cuidados de saúde.
24. Foi regulada a forma de pagamento das suas contribuições para efeitos de acesso aos cuidados de saúde, nos termos do regime geral em vigor à data da transferência da pensão de aposentação para a CGA, a efectuar directamente junto dos Serviços de Saúde de Macau, por iniciativa de cada um dos interessados
25. Situação que ainda hoje se mantém para todos os aposentados, independentemente de terem ou não transferido a responsabilidade pelo pagamento das suas pensões para a CGA e independentemente da modalidade de pensão que auferem.
26. Mesmo que o recorrente não estivesse abrangido pelo direito ao subsídio de residência previsto naqueles diplomas, a aferição dos pressupostos de acesso a esse mesmo direito definido, ex novo, na Lei n.º 2/2011, só pode ser feita com base na previsão do artigo 10.º desta Lei, única lei vigente na matéria no ordenamento jurídico da RAEM.
27. O acto recorrido, aferindo dos pressupostos ao subsídio requerido com base no artigo 203.º do ETAPM e no DL n.º 96/99/M, incorre em violação do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, vício que o invalida.
28. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
29. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
30. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto do artigo 203.º do ETAPM nem da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 12 de Abril de 2012 que indeferiu ao ora recorrente a atribuição do subsídio de residência, nos termos consentidos pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC:
a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
c) em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica do recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º».
*
A entidade recorrida deduziu contestação, nas quais formulou as seguintes conclusões:
«I. Na RAEM, a audiência dos interessados, regulada nos artigos 93.º e ss. do Código do Procedimento Administrativo (CPA), é uma decorrência do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares e do princípio da participação, plasmados nos artigos 9.º e 10.º do referido Código.
II. A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos fora do procedimento. Daí a importância de que se reveste a audiência dos interessados.
III. Que se concretiza mediante a possibilidade do interessado participar de forma útil no procedimento. A audiência dos interessados serve para obter factos e interesses relevantes para a decisão. Ou seja, não é uma mera formalidade procedimental. A audiência dos interessados há-de revestir-se de alguma utilidade. Existe uma teleologia inerente à sua realização. Não se trata de uma mera pronúncia do interessado, mas sim de um pronúncia útil.
IV. Quando as questões que importem à decisão e as provas já foram fornecidas pelo interessado ou são de conhecimento oficial ou oficioso da Administração a audiência dos interessados pode e deve ser dispensada, por constituir mera duplicação.
V. Caberia à recorrente o ónus de demonstrar, ou pelo menos sugerir, a insuficiência desses elementos ou que outros poderiam ter sido carreados para o procedimento pela audiência dos interessados. Nunca a recorrente mencionou sequer tais elementos.
VI. Não se vislumbra na legislação em vigor, nem a recorrente cita, qualquer norma que preveja a necessidade de um despacho que dispense a audiência prévia, como pretende a recorrente. Ou a audiência é indispensável e a sua não realização implica pelo menos a anulabilidade do acto, ou é dispensável e o acto é legítimo, salvo outra causa de invalidade.
VII. A audição de associações que defendem os interesses dos particulares aqui em causa, seria importante na decisão de conceder ou não subsídio a esse grupo de cidadãos. Ora não é isso que está em apreço. O que se questiona é a interpretação e aplicação que se faz da Lei n.º 2/2011, que segundo a recorrente autoriza o pagamento de um subsídio e segundo a Administração não.
VIII. Inexiste preterição de audiência dos interessados quando todos os elementos relevantes para a tomada de decisão são do conhecimento da Administração. Sendo certo que nunca a recorrente mencionou, sequer, que contribuição poderia ter carreado para o procedimento.
IX. Não se verifica, in casu, violação de lei por preterição da audiência dos interessados, soçobrando toda a argumentação da requerente.
X. Os aposentados fazem parte do conjunto dos pensionistas, que compreende os pensionistas de sobrevivência, mas não se confunde com estes, tendo regimes jurídicos diferenciados.
XI. Manda o Código Civil e a boa doutrina que o intérprete presuma que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Quando o legislador refere uma parte de um todo, forçoso é concluir que é a essa parte que se quer referir e não ao todo.
XII. Pelo que quando o Lei n.º 2/2011 se refere aos aposentados da RAEM, quer mesmo referir-se a eles e não a todos pensionistas, incluindo os de sobrevivência.
XIII. Assim sendo, os pensionistas de sobrevivência não estão abrangidos pelo direito a subsídio de residência, deferido pela referida lei aos aposentados.
XIV. Sendo certo que nunca tiveram esse direito e a nova lei não veio alterar este facto.
XV. Para a concessão de subsídio de residência irreleva o facto de ter se ter transferido ou não a pensão de sobrevivência para a CGA.
Termos em que nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as deve ser negado provimento ao presente recurso, por inexistência dos vícios de forma, violação de lei, por que pugna o recorrente, mantendo-se o acto recorrido».
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Houve lugar a alegações facultativas, tendo a recorrente alterado as conclusões da petição inicial a partir da 28ª pela forma que segue:
«28. O Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade aqui recorrida, decidiu em 24/07/2001 que os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento da sua pensão para a CGA tinham direito ao subsídio de residência, de acordo com um parecer da sua assessoria jurídica elaborado em 23/07/2001.
29. O conteúdo do conceito de pensionista de sobrevivência encontra-se sedimentado através do acto administrativo do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que aderiu ao parecer da sua assessoria jurídica em 2001, preenchendo a situação da recorrente todas as condições que, na lei vigente, lhe conferem o direito ao subsídio de residência.
30. Os SAFP emitiram Parecer, em Fevereiro de 2002, afirmando que são aposentados de Macau, para todos os efeitos legais segundo o regime jurídico fixado pelas normas legais aplicáveis, aqueles que transferiram a responsabilidade do pagamento das suas pensões para a CGA.
31. Os SAFP, em Maio de 2011, através do ofício n.º 1105120001/DIR, defenderam que o pessoal abrangido pelo DL n.º 96/99/M continua a beneficiar do regime de residência previsto na Lei n.º 2/2011, desde que não esteja abrangido por nenhuma das situações indicadas no n.º 2 do seu artigo 10.º.
32. O Comissariado contra a Corrupção, em Parecer elaborado em 24/08/2011, conclui que os aposentados que transferiram as suas pensões para a CGA têm direito ao subsídio de residência, de acordo com o teor do artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
33. Não existe qualquer obrigação de continuidade no acesso ao subsídio de residência a coberto do artigo 203.º do ETAPM nem da legislação de 1994, 1995, 1999 e 2011.
34. Encontra-se provado nos presentes Autos que a Recorrente nunca beneficiou de qualquer direito a transporte ao abrigo da referida legislação.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 12 de Abril de 2012 que indeferiu ao ora recorrente a atribuição do subsídio de residência, nos termos consentidos pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC:
a) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência do interessado, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
b) em vício de violação de lei por ofensa ao artigo 10.º da Lei n.º 2/2011;
c) em vício de violação de lei na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que os diplomas em que se sustentou a decisão recorrida não impunham que o direito ao subsídio de residência se encontrasse constituído na esfera jurídica do recorrente à data da entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, nem este diploma exige qualquer outro requisito que não os previstos no seu artigo 10.º».
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Também a entidade recorrida apresentou alegações, que concluiu assim:
«I. O que está em causa no presente recurso é o despacho do SEF de 24 de Abril de 2012, exarado na Informação n.º 132/NAJ/LRB/2012, sendo os fundamentos da decisão os vertidos na própria informação.
II. No âmbito de actos discricionários a Administração decide pela conveniência ou não do deferimento de uma pretensão do particular. E se para tanto se funda em informação fornecida por outra entidade, esta deve ser levada ao conhecimento do particular, sendo a audiência prévia formalidade essencial indispensável.
III. Já não quando no procedimento o particular haja manifestado tudo o que havia para dizer em relação a todas as questões importantes à decisão e a todas as provas produzidas. Deste modo a audiência prévia torna-se numa desnecessidade e a omissão desta formalidade aparece como simples remédio para prevenir actos inúteis, tempo perdido e gastos escusados.
IV. São os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão que podem ser impugnados contenciosamente, ou a sua inexistência ou inadequação, e não a sua proveniência.
V. O legislador estabeleceu nas alíneas a) e b) do artigo 97.º do CPA as condições cuja verificação permite, de per se, dispensar a audiência prévia.
VI. A aposentação é privativa de quem tem uma relação jurídica de emprego público com a Administração, diferentemente do que acontece com os pensionistas de sobrevivência. São duas figuras jurídicas distintas, fundadas em factos jurídicos dissemelhantes - relação laboral e morte, respectivamente - que compreende regimes e conjuntos de direitos distintos.
VII. Inexiste mudança de posição da entidade recorrida quanto à percepção pelos pensionistas de sobrevivência de subsídio de residência. Nunca tiveram direito à sua percepção. Além disso ao decidir, fundamentadamente, pode sempre a Administração fazê-lo adequando-se à realidade coeva.
VIII. Não cabe à Administração pronunciar-se no âmbito de um recurso contencioso sobre pareceres de outras entidades. Mormente pela sua extensão e por se destinar a fornecer aconselhamento a S. Ex.ª o Chefe do Executivo sobre política legislativa.
Termos em que, por não se verificar nenhum dos vícios arguidos pela recorrente, deve o recurso ser declarado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.».
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O digno Magistrado do MP opinou sobre o objecto do presente recurso da seguinte maneira:
«Tem o presente recurso por objecto o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 12/4/12 que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão da directora dos Serviços de Finanças de indeferimento de pretensão da recorrente, B, em receber subsídio de residência ao abrigo da Lei 2/2011, assacando aquela ao acto vícios de forma por falta de audiência prévia, violação de lei, por erro nos pressupostos e afronta do artº 10º da citada Lei 2/2011.
Vejamos:
O direito do interessado a ser ouvido no procedimento, consagrado no artº 93º, CPA, concretiza-se na possibilidade de aquele participar, de forma útil, no procedimento, utilidade essa atinente ao próprio, com a faculdade de apresentar a sua motivação e argumentos que possam, de algum modo, conformar a decisão a ser tomada, constituindo também específica forma de controlo preventivo relativamente à Administração, à qual, desta forma, é possibilitada uma mais ponderada e adequada decisão, mediante a recolha de elementos e dados porventura relevantes para a mesma, permitindo-se, pois, melhor ponderação dos interesses em presença.
Nestes parâmetros, resulta evidente que o direito conferido por lei para pronúncia dos interessados no procedimento há-de conter algum efeito útil não se justificando a mesma quando todos os dados pertinentes a boa decisão se encontram já na posse da Administração, sob pena de se estar a proceder a uma repetição desnecessária, sendo certo que aquela não deixa de se encontrar sujeita ao dever de celeridade, desburocratização e eficiência.
Terá sido precisamente isso que o legislador terá tido em vista ao consignar a dispensa de audiência se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importam à decisão - al a) do artº 97º, CPA.
Ora, no caso, ao formular a sua pretensão, a recorrente introduziu todos os dados e provas que julgou pertinentes e relevantes para o efeito, para além dos que sabia serem do conhecimento oficial e oficioso da Administração, não se vendo que os elementos constantes do procedimento não constituam fundamento suficiente para a decisão, nem que outros, relevantes, pudessem ter sido carreados para o efeito (os quais, aliás, a própria interessada não adianta), não se descortinando que na motivação do decidido se tenha lançado mão de prova ou elemento “surpresa”, pelo que forçosamente haverá que concluir que, a registar-se a almejada audiência, a mesma não poderia passar, no caso da mera duplicação do já devidamente registado no procedimento, razão por que a dispensa daquela terá plena justificação, não carecendo tal dispensa, como é óbvio, de qualquer acto administrativo prévio que a sustente, já que a audiência dos interessados constitui, em si, uma formalidade, um elemento do procedimento, dispensável ou indispensável, com as consequências inerentes.
Por último, não faz também qualquer sentido a argumentação sobre pretensa ofensa do artº 10º, CPA por falta de audição da APOMAC, por essa associação defender os interesses dos aposentados, reformados e pensionistas de Macau: não sendo crível que se pretendesse a audição de tal associação relativamente ao caso de cada aposentado, tal pronúncia destinar-se-ia à atribuição (genérica) do subsídio de residência aos pensionistas da RAEM, designadamente aos que transferiram a responsabilidade do pagamento das respectivas pensões para a CGA.
Só que, não é isso que aqui se encontra em causa, mas tão só a não concessão casuística do almejado subsídio de residência, na interpretação feita da Lei 2/2011, matéria para que, obviamente, se não impunha a pretendida consulta.
No que tange à pretensa violação de lei, cremos que não andaremos muito arredados da verdade ao entendermos que a questão fulcral a delucidar no caso presente será a de saber se a recorrente, enquanto pensionista de sobrevivência do então Território de Macau, tendo transferido a responsabilidade pelo pagamento da sua pensão para a Caixa Geral de Aposentações no processo de integração (tendo em conta a transferência da Administração da República Portuguesa para a República Popular da China em 20/12/99), terá ou não direito ao abono do subsídio mensal de residência a que se reporta o nº 1 do artº 10º da Lei 2/2011 de 1/4.
Cremos que não.
Sendo certo que todos os que recebem uma pensão são pensionistas, encontrando-se os aposentados inseridos nessa classe, a verdade é que se trata de duas realidades distintas: enquanto a pensão por aposentação é concedida a funcionário que detém relação jurídica de emprego com a Administração, após a prestação de determinado número de anos de serviço com os devidos descontos e atingida determinada idade, a pensão de sobrevivência é concedida a certos herdeiros do funcionário, por morte deste, satisfeitas determinadas condições, sendo que aqueles herdeiros podem ou não deter qualquer relação de emprego com a Administração, ou seja, dito por outras palavras, a pensão dos aposentados destina-se a garantir que, após determinado limite de idade, o funcionário continue a receber uma prestação pecuniária que lhe permita manter nos anos de vida que lhe restam a dignidade do estatuto concedido enquanto no activo, visando a pensão de sobrevivência manter prestação pecuniária a herdeiros do funcionário que não possam, por si próprios, manter-se, ou como ajuda ao cônjuge sobrevivo.
Ou seja, para o que aqui conta, existem, de facto, diferentes tipos de pensionistas, “alvos” de diferente regulamentação e direitos, assim sucedendo entre os aposentados e os pensionistas de sobrevivência como é o caso da recorrente, constatação que, por si só, desmonta a “parte de leão” da argumentação jurídica por esta empreendida.
A verdade é que, nunca tendo tido a visada, enquanto pensionista, direito a auferir subsídio de residência à luz do preceituado no nº 1 do artº 203º do ETAPM, não se vê que o mesmo lhe haja sido atribuído pelo contemplado no artº 10º da Lei 2/2011, reportando-se ambos os normativos, expressa e claramente, aos “aposentados”, realidade que, como se viu, difere e detém diferente estatuto jurídico dos pensionistas de sobrevivência.
E, perante esta realidade, toma-se irrelevante a tentativa do apoio jurídico buscado nos Dec Leis 14/94/M de 23/2, 38/95/M de 7/8 e 96/99/M de 29/11, matéria com reporte ao direito de integração nos serviços da República Portuguesa e à possibilidade de transferência da responsabilidade pelo pagamento das pensões para a CGA de Portugal e respectiva extensão após 19/12/99, pela simples razão de que, quer tivessem, ou não efectuado tal transferência, nunca os pensionistas de sobrevivência receberam (não se vendo que tivessem direito a recebê-lo) o subsídio de residência em questão, não se acreditando que a recorrente se queira arrogar ao recebimento de tal benefício, em detrimento dos pensionistas que nunca transferiram aquela responsabilidade...
Como irrelevante e inócua se toma, no caso, a invocação relativa à necessidade de prova de vida por parte dos pensionistas, ao “Parecer” datado de 2001 dos SAFP, ou ao parecer do C.C.A.C, desde logo porque aquela prova de vida se apresenta como normal e necessária, independentemente da atribuição do subsídio em questão, o “Parecer” referido se reportar há cerca de uma década atrás, com o necessário contexto e adaptações, sendo que, “malgré” o mesmo, nunca a recorrente ou similares obtiveram, por essa via o benefício almejado, acrescendo que, finalmente, o parecer do C.C.A.C., versando sobre política legislativa e propondo alterações neste domínio, reporta-se, na sua parte conclusiva, aos aposentados, sendo que, do todo o modo, tem, para os efeitos que agora nos ocupam, o valor de mera opinião daquele organismo, a vincular apenas os autores respectivos.
Finalmente, o mero facto de, na sua motivação específica, o acto ter efectuado o reporte da não atribuição do direito em questão “...ao pessoal que transferiu a sua pensão de sobrevivência para a C.G.A. de Portugal”, revela apenas, em nosso critério, alguma imprecisão de conceitos, já que a verdadeira razão do indeferimento não repousa naquela transferência, mas sim no facto de todos os pensionistas, excepto os aposentados, não poderem, nos termos legais, almejar tal desiderato.
Seja como for, como já se salientou, cremos ser límpido e inequívoco que o normativo em que a recorrente funda a sua pretensão artº 10º da Lei 2/2011 - lhe não é aplicável, independentemente de ter ou não transferido a responsabilidade do pagamento da sua pensão para Portugal.
Razões, por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e cumpra desde já conhecer
***
III- Os Factos
1 - A recorrente, pensionista de sobrevivência, viúva do aposentado C, requereu a transferência da responsabilidade pelo pagamento da pensão de sobrevivência em 11/05/1995 para a CGA, o que foi deferido em 27/11/1996 (fls. 120 a 123 dos autos).
2 - Não requereu o pagamento do transporte de bens e pessoas para Portugal (fls. 6 a 8 do apenso “traduções”).
3 - A recorrente apresentou em 19/05/2011 uma declaração para efeitos de atribuição do subsídio mensal de residência, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 (fls. 21 do p.a.).
4 - A Directora dos Serviços de Finanças indeferiu o requerimento por despacho de 11/08/2011 (fls. 2 do apenso “traduções”).
5 - Desse despacho a recorrente apresentou recurso hierárquico para o Secretário para a Economia e Finanças.
6 - Foi lavrada a Informação nº 138/NAJ/LRB/12, de 20/03/2012, pelo jurista da DSF, nos com o seguinte conteúdo (fls. 2 a 13 do p.a.):
«Questão prévia
Insere-se o presente recurso numa série, que versa a mesma questão de facto, a decidir no âmbito de mesma legislação. A motivação consiste no indeferimento da pretensão a receber subsídio de residência, nos termos da Lei n.º 2/2011, apresentada por beneficiários de pensão de sobrevivência.
A questão de fundo, é a de saber se esses beneficiários que, quer tenham ou não, transferido a responsabilidade do pagamento das pensões se sobrevivência para a CGA, e beneficiado do direito a transporte de pessoas e bens para Portugal, na condição de aí fixarem residência, ao abrigo do estipulado nos n.º 3 e 4 do artigo 17.º do DL 14/94/M, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10º da Lei 2/2011, passam a ter direito a receber subsídio de residência.
Entendem os recorrentes que sim. Para tanto consideram que todos os pensionistas têm os mesmos direitos. E eliminada a condição da residência pela Lei 2/2011, passam todos a ter direito a subsídio de residência.
A Administração assim não entendeu e indeferiu todos os pedidos. Na verdade, sendo pensionistas da CGA e, presumidamente, residentes em Portugal, estão completamente desligados da Administração da RAEM. Excepcionalmente, por considerações de ordem social e justiça social, aos aposentados da CGA que decidiram manter a residência em Macau, não usufruindo das passagens previstas no DL 14/94/M, foi mantido o direito a subsídio de residência. Corno melhor se explica infra.
Por outro lado os pensionistas de sobrevivência nunca tiveram direito a subsídio de residência, e a nova Lei, n.º 2/2011 não criou um direito novo, a subsídio de residência.
Inconformados com a decisão, recorreram hierarquicamente, apresentando todos os recursos a mesma argumentação de fundo. Atendendo à identidade da questão de fundo e do enquadramento jurídico, em princípio, a decisão final deve ser a mesma para todos os recorrentes.
Recurso hierárquico necessário.
Deu entrada a 3 de Novembro de 2011 nestes Serviços recurso hierárquico necessário, interposto por B aí melhor identificada, do indeferimento da pretensão a subsídio de residência apresentado pela recorrente.
Objecto do recurso
Constitui objecto do presente recurso o despacho da Sr.ª Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, (DSF) de 11/08/2011 exarado na Informação n.º 059/DCP/2011, que indeferiu a pretensão a subsídio de residência da ora recorrente.
O Senhor Secretário para a Economia e Finanças é a entidade competente para decidir, nos termos do disposto no artigo 153.º e no n.º 2 do artigo 156.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo.
Dos factos
1. A ora recorrente apresentou uma declaração para efeito de atribuição de subsídio de residência nos termos do artigo 10.º n.º 1 da Lei n.º 2/2011, a que juntou documentação relevante.
2. A 11/08/2011 foi exarado despacho da Sr.ª Directora da DSF indeferindo o pedido.
3.Foi notificado a recorrente, através do ofício n.º 4487/SAP/DDP/DCP/2011 de 9/09/2011 da impossibilidade de proceder à atribuição do subsídio de residência visado.
Apreciação do recurso
A recorrente assaca ao despacho da Sr. a Directora supra mencionado, o acto administrativo em causa, três vícios:
I. Vício de forma, por preterição da audiência prévia
II. Vício de violação de lei - ofício n.º 1106010005/DIR dos SAFP artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 - pensionista: conceito e natureza jurídica
III. Vício de violação de lei - motivação do acto recorrido - artigos 10.º da Lei 2/2011
I. Sobre o pretenso vício de forma
1. Começa-se por analisar o vício de forma, uma vez que a confirmar-se a razão da recorrente o acto é anulável, ex vi do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), independentemente da conformidade ou não do seu conteúdo com a Lei.
2. Tem a recorrente absoluta razão quando diz que não foi chamado a pronunciar-se oralmente ou por escrito e que inexistem, in casu, os motivos elencados no artigo 96.º do CPA em que tal formalidade é dispensável.
3. Já não quando cita o aresto do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo 234/2003. Na própria citação constante do ponto 17 do recurso, diz-se “...nas circunstâncias concretas do caso...”. E, no caso, trata-se de um procedimento sancionatório, onde, é óbvio, a audição do interessado configura-se nos moldes de um direito de defesa, de contraditar. O que aqui não se aplica.
4. Cabe aqui dizer que, se a cada pretensão dos particulares fosse a Administração obrigado a promover audiências, os serviços ficariam paralisados. Importante como é, o direito que assiste aos particulares de serem ouvidos, artigo 10.º do CPA, não é um direito absoluto. Pelo que o legislador previu as situações em que a audiência é dispensável.
5. Crucial para aferir da eventual preterição desta formalidade essencial, é o disposto no artigo 97.º do CPA (sublinhados nossos):
Artigo 97.º
(Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
6. A questão é de saber se o interessado já se pronunciou ou não sobre as questões que importem ao procedimento.
7. Ora quando o interessado apresentou a declaração que consta do procedimento, todos os elementos pertinentes à decisão ficaram expressos.
8. Aliás, a recorrente não faz menção, nas suas doutas alegações, de qualquer elemento que pudesse ter carreado para o procedimento, que tivesse a virtualidade de alterar o sentido da decisão ou habilitar a lima melhor apreciação e decisão.
9. Compreende-se o equívoco da recorrente. A Administração bastou-se com uma declaração, acompanhada com cópias de documentos para iniciar o procedimento. Tivesse a recorrente apresentado um requerimento, claro se tornaria a inexistência da necessidade da audiência.
10. Porque, reitera-se, não é necessário que para todos os requerimentos se tenha de socorrer de audiência do interessado. No caso trata-se, apenas, de aplicar o que dispõe Lei ao pedido do interessado, concessão de subsídio de residência ao abrigo do estipulado no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, sendo conhecidos todos os dados jurídicos relevantes. Como prevê o artigo 97.º a) do CPA. Sendo certo que, ainda que se pretendesse dever a mesma ter sido observada, a sua preterição jamais teria caracter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
11. Pelo que soçobra a argumentação da recorrente.
12. Em conclusão, inexiste qualquer preterição de audiência prévia.
II. Do vício de violação de lei - ofício n.º 1106010005/DIR dos SAFP - artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 - pensionista: conceito e natureza jurídica
1. A origem da dissensão é a entrada em vigor da Lei n.º 2/2011, ou melhor, a interpretação que da mesma é feita pela recorrente e pela Administração. Aqui limitada ao subsídio de residência pretensamente devido aos pensionistas de sobrevivência.
2. Segundo a recorrente, contrariamente ao que julga a Administração, não existem duas figura jurídica, a saber, aposentados e pensionistas de sobrevivência. Tal distinção não encontra suporte na lei (sic).
3. Os aposentados são pensionistas, e existem vário tipos de pensionistas, consoante a sua finalidade (sic), a saber, de aposentação, por preço de sangue ou por serviços excepcionais ou relevantes prestados à comunidade.
4. Sendo todos pensionistas, só se distinguindo pela finalidade, usufruem todos dos mesmos conjunto de direito, nomeadamente, o direito a subsídio de residência.
5. Não se pode deixar de concordar com a recorrente quanto afirma que todos os que recebem uma pensão, são pensionistas. E os aposentados estão inseridos nesta classe. Também é verdade que o artigo 275.º do ETAPM requer a prova de vida para os pensionistas.
6. Mas as conclusões que a recorrente pretende retirar destas premissas são completamente ilógicas. Vejamos.
7. A recorrente confunde finalidade com causa. O que dá causa aos diferentes tipos de pensão são as razões que fundamentam a sua concessão. A pensão de aposentação é concedida ao funcionário, o que tem uma relação jurídica de emprego com a Administração, após a prestação de um determinado número de anos de serviço, com os devidos descontos, atingida uma celta idade, para nos referirmos aos requisitos mais comuns.
8. Já a pensão de sobrevivência é concedida a certos herdeiros do funcionário, por morte deste e satisfeitas certas condições. Os herdeiros podem não ter qualquer relação de emprego com a Administração. E o mesmo se diga dos outros tipos de pensões citados.
9. Ou seja, há diferentes tipos de pensões, concedidas a diversos títulos, por outras palavras, por motivos, razões distintas. Daí que o regime das pensões não seja único: depende do tipo de pensão.
10. Já a finalidade das pensões é distinta. Para os aposentados é a garantia que após ter atingido um limite de idade o funcionário continue a receber uma prestação pecuniária que lhe permita manter nos anos de vida que lhe restam a dignidade de estatuto que lhe foi exigida quando no activo. A de sobrevivência, é garantir ainda uma prestação pecuniária a herdeiros do funcionário que não possam por si próprios manter-se, ou como ajuda ao cônjuge sobrevivo, Atente-se na valor desta em comparação com a primeira (cfr. artigo 271.º do ETAPM).
11. Das outras pensões sempre se diga que assumem mais uma função de recompensa por motivos louváveis.
12. Como é óbvio, o artigo 275.º exige, como tinha que fazer, a prova de vida de todos os pensionistas. O pensionista, seja a que título o for, tem de estar vivo para ter direito a perceber a sua pensão. Mas como é claro, daí não se pode extrair a conclusão que todos os tipos de pensões são iguais e contêm os mesmos direitos.
13. Os aposentados são uma parte dos pensionistas. Quando o legislador se refere a aposentados, está a referir-se a uma parte de um todo, os pensionistas. Manda a boa doutrina e o Código Civil no artigo 8.º n.º 3 que:
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador...soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Quando o legislador refere uma parte de um todo, forçoso é concluir que é a essa parte que se quer referir e não ao todo. Sobretudo quando há coerência nessa referência e não são apresentadas razões, nem se vislumbram, pelas quais se deve concluir ter existido um erro tão grosseiro.
14. Pelo que forçoso é concluir que há diferentes tipos de pensionistas; que os regimes a que estão sujeitos também diferem, bem como os direitos de que são titulares. Inexiste qualquer suporte legal ou sequer interpretativo para justificar que se tome a parte pelo todo, isto é, que se considere que quando o legislador se refere a aposentados, quis dizer, pensionistas.
15. Pelo que não existe qualquer vício de violação de lei na aplicação da lei no caso vertentes.
III. Do vício de violação de lei - motivação do acto recorrido - artigos 10.º da Lei 2/2011
1. Com o fundamento da indistinguibilidade entre aposentados e outros pensionistas, conclui a recorrente que o artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 criou um novo direito, subsídio de residência para os beneficiários da pensão de sobrevivência.
2. Como ficou supra demonstrado trata-se de uma premissa completamente errada sem qualquer fundamento legal.
3. Pelo apenas se pode concluir que a o artigo 10.º da Lei n.º 2/2011 continua a deferir o direito a subsídio de residência apenas aos aposentados.
4. Para responder completamente aos argumentos da recorrente, cumpre fazer uma breve referência à questão da transferência da pensão de sobrevivência para a CGA. Muito embora, saliente-se, a questão seja irrelevante para o indeferimento da pretensão em causa.
5. Os aposentados que transferiram a responsabilidade do pagamento das pensões para a CGA, no quadro da integração na Administração Pública de Portugal, podiam optar por:
manter-se em Macau
regressar a Portugal ao abrigo do Decreto Lei n.º 14/94/M, artigo 17.º n.º 4, exercendo o direito a transporte por conta do então Território, na condição de aí fixarem residência.
6. Estes últimos cortaram, por isso, todos os laços com a Administração de Macau. São reformados da CGA e fixaram residência em Portugal. São reformados de Portugal. Irreleva se voltaram a residir ou não na RAEM.
7. Aos primeiros veio a ser garantido o subsídio de residência, excepcionalmente, tendo em conta a realidade social, económica, pelo DL 38/95/M, artigo 3.º n.º 2, até ao fim da vigência da Administração Portuguesa.
8. Mais tarde, vem o DL 96/99/M consagrar a manutenção desse direito sem um limite temporal, apenas condicionado à continuidade da residência em Macau, e submetido aos termos do artigo 203.º do ETAPM, que regulava, precisamente, a concessão do subsídio de residência. Mais uma vez como claramente se diz no preâmbulo, tendo em conta a realidade sócio económica destas aposentados.
9. Mas a percepção do subsídio de residência continuava sujeito às condições estabelecidas no artigo 203.º do ETAPM. Pelo que os pensionistas de sobrevivência estavam excluídos dos titulares ao direito a esse subsídio.
10. Pelo que ter transferido ou não a responsabilidade da responsabilidade pela pensão de sobrevivência é irrelevante, uma vez que não tinha esse direito e como ficou dito supra, continuam a não ter esse direito ao abrigo do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 2/2011.
結論 Conclusão
當上訴人向當局遞交含作出決定的所有資料的申請書時,就不存在忽略預先聽證的形式瑕疵,因為《行政程序法典》第九十七條a項規定,當作出決定的所有資料已被提供時,免除預先聽證,這就如本個案。肯定上訴人沒有可證明預先聽證的任何理由或資料附入程序。除此之外,即使不是這樣理解,忽略絕沒有無效的特徵,因為採取的決定是唯一可依法而行的決定。
Quando a recorrente apresenta um requerimento à Administração onde constam todos os elementos pertinentes à tomada de uma decisão, inexiste vício de forma por preterição de audiência prévia, uma vez que o artigo 97.º alínea a) do CPA, dispensa a audiência prévia quando, como no caso, todos os elementos atinentes à decisão já foram fornecidos. Sendo certo que a recorrente não aduz qualquer razão ou elemento a carrear para o procedimento que pudesse justificar a audiência prévia. Além disso, ainda que assim se não entendesse, a preterição jamais teria carácter invalidante, uma vez que a decisão tomada é a única legalmente possível.
不同類別的受領人按因由享有定期金的權利。公務員若已提供足夠服務年限,符合條件及達退休年齡,是退休金的債權人,屬退休人士;而公務員的繼承人是因公務員死亡而收取撫恤金。兩者均為受領人,但制度不同。當法律僅述及其中一部份人士,即退休人士時,釋法者不可將為這部份人士而設的規則擴大至所有人。主要是沒有任何法律或解釋依據。根據法律字面含意和法律精神,行政當局認為僅退休人士享有房屋津貼權利,撫恤金受領人不享有這項權利,為此,不存在違返法律的瑕疵。
Existem diversos tipos de pensionistas, consoante o motivo pelo qual adquirem direito à pensão. O funcionário que atinge o limite de idade, após a prestação de determinado número de anos de serviço e satisfeitas algumas condições, é credor de uma pensão de aposentação. É um aposentado. Mas os herdeiros de um funcionário podem receber por morte deste uma pensão de sobrevivência. São ambos pensionistas, mas com regimes diferentes. Quando a Lei se refere a uma parte de um todo, os aposentados, não pode o intérprete alargar ao todo o que foi estabelecido para a parte. Mormente sem qualquer suporte legal ou interpretativo. Pelo que não existe vício de violação de lei, quando a Administração entende, de acordo com a letra e espírito da Lei, que apenas os aposentados têm direito a subsídio de residência e já não os pensionistas de sobrevivência.
撫恤金受領人有否將撫恤金支付責任轉往退休事務管理局及是否居於澳門是不重要的。將撫恤金支付責任轉往退休事務管理局並定居葡萄牙的受領人,屬葡萄牙的撫恤金受領人,與澳門特別行政區行政當局無關。留下的撫恤金受領人,當年受《澳門公共行政工作人員通則》第二百零三條規定規範,現受第2/2011號法律第十條規定規範,後者清晰規定所有受領人中僅退休人士有權享用房屋津貼。為此,這個理解不含有違返法律的瑕疵。
É irrelevante para os titulares de pensão de sobrevivência que tenham transferido ou não a responsabilidade da pensão para a CGA, e mantido ou não residência em Macau. Os que transferiram a responsabilidade para a CGA e fixaram residência em Portugal, são pensionistas de sobrevivência de Portugal e nada têm a ver com a Administração da RAEM. Os que permaneceram estavam sujeitos ao estipulado pelo artigo 203.º do ETAPM e agora pelo artigo 10.º da Lei n.º 2/2011, que claramente limita o direito a subsídio de residência aos aposentados, de entre todos os pensionistas. Pelo que este entendimento não configura qualquer vício de violação da lei.
建議駁回訴願,有關行為維持不變。
Pelo que se propõe o indeferimento do recurso e a manutenção do acto.».
7 - O Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho datado de 12/04/2012:
«Indefiro o recurso; mantenho a decisão recorrida» (fls. 2 do p.a.).
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IV - O Direito
1- Do vício de forma por falta de audição prévia
Defende a recorrente que o acto deveria ter sido precedido de audiência de interessados, nos termos do art. 97º, al. a), do CPA.
Entremos rapidamente na análise do vício. A audiência prévia constitui uma importante fase procedimental, por representar o momento em que a Administração realiza já uma ideia, tem já concebido o sentido provável de como vai ser a decisão a tomar, veiculando-a ao interessado para que ele mesmo possa manifestar-se sobre ela, aceitando-a ou, tendo-a por ilegal ou injusta, apresentando subsídios em ordem a fazer a Administração alterar o rumo da projectada solução administrativa sobre o caso concreto. Esta formalidade visa, pois, dotar a Administração do maior conjunto de elementos necessários à decisão, para que ela não venha a sofrer de algum vício que, nesse momento, a Administração não esteja, porventura, a vislumbrar. Portanto, tem esse duplo fim: assegurar o direito de contradição e defesa do interessado e procurar induzir a entidade administrativa a uma decisão acertada sob todos os pontos de vista. Por isso, ela é geralmente considerada formalidade essencial, cuja omissão pode levar à anulação do acto, salvo nos casos (de criação legal) de inexistência (art. 96º, do CPA) ou de dispensa (art. 97º do CPA), ou, ainda, nas situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro.
Todavia, o Código de Procedimento Administrativo, no seu art. 93º, faz depender a necessidade de audiência da existência prévia de uma acção procedimental instrutória (“…concluída a instrução…”). Quer isto dizer que a realização da audiência só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução. Na verdade, o conceito de “instrução” integra toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e dados relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres e realizações de diligências, necessários à prolação de tal decisão1. Daí que não seja sequer necessário proceder à formalidade em causa se, após o requerimento do interessado a Administração, o decide sem efectuar tais diligências instrutórias2.
É bom que se diga, por outro lado, que além dos casos de inexistência e de dispensa já referidos, nem sempre a omissão da formalidade conduz à invalidade do acto. Referimo-nos agora às situações (de criação doutrinal/jurisprudencial) de actividade vinculada em que a posteriori se venha a concluir que a falta da diligência em nada interferiu, nem podia interferir, com a validade do acto em virtude de o respectivo conteúdo decisório, em caso nenhum, não poder ser outro. Sem dúvida que a formalidade se mostra imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei3, caso em que se acciona o princípio do aproveitamento do acto administrativo.).
Ora, no caso em apreço, duas são as circunstâncias que obstam à procedência do vício.
A primeira é esta: se o recorrente acomete o acto primário, ou de 1º grau, parece claro que a circunstância de serem cerca de 150 os processos administrativos desencadeados por outros tantos aposentados permite formar a ideia de existência de processos em massa, o que levaria a entidade administrativa a não ter que efectuar a audiência. Assim o permite a 1ª parte da alínea c) do art. 96º do CPA.
A segunda é a seguinte: se a insurgência do recorrente é contra o acto administrativo impugnado (o acto do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças), então já estamos num procedimento de 2º grau4. Na medida em que o interessado teve oportunidade de se manifestar contra a bondade jurídica do acto decisório de 1º grau, desferindo-lhe os golpes que muito bem entendeu certeiros e pertinentes, os fundamentos que nesse sentido invocou haverão de ser avaliados pela entidade competente para a prática do acto secundário. Ou seja, aquilo que pode ter faltado no 1º grau do procedimento veio a ser suprido no próprio procedimento de 2º grau (recurso hierárquico), o que permitiria ao órgão decisor ficar inteirado das razões manifestadas pelo interessado no sentido de uma decisão diferente da recorrida, acolhendo-as ou rechaçando-as. Por isso se diz que a audiência de interessados apenas se refere ao acto final do procedimento de 1º grau e não às decisões ulteriores tomadas em sede de impugnação administrativa5.
Portanto, pelas razões apontadas, improcede este vício.
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2 – Do vício de violação de lei: art. 10º da Lei nº 2/2011
Insurge-se, desta vez, a recorrente contra a tese que fez vencimento no seio da Administração quanto ao conceito de “pensionista”. Para a recorrente, a lei não estabelece qualquer distinção entre beneficiários que recebem uma pensão de aposentação e aqueles que recebem uma pensão de sobrevivência.
Dito isto assim desta maneira, e se por comodidade apelarmos às regras da semântica, parece que a recorrente não pode deixar de ter razão. Ou seja, afirmar que um pensionista é o beneficiário de uma pensão, tanto valerá para os casos em a pensão é de sobrevivência, como para aqueles em que ela é de aposentação.
Aliás, o próprio artigo 275º do ETAPM, integrado no mesmo Título V (“Da aposentação e sobrevivência”) vai ao encontro da tese da recorrente, na medida em que, ao referir-se à prova de vida a ser feita pelos “pensionistas”, tanto está, obviamente, a contemplar os aposentados, como aquelas pessoas que estejam a receber a pensão de sobrevivência (art. 271º).
Outrossim, não podemos rechaçar a posição da recorrente no que concerne à génese material da pensão de sobrevivência. Quer dizer, a pensão de sobrevivência é fruto de um reconhecimento vazado na lei aos familiares do trabalhador da Administração Pública em razão dos descontos que ele efectuou “para a pensão de sobrevivência” (art. 271º do ETAPM).
Por conseguinte, estamos, quanto a isso, de acordo com a recorrente. Daí para a frente, o enunciado da tese da recorrente é que já carece de correcção. Em boa verdade, se um aposentado é um pensionista e se esta qualidade jurídica também a tem o beneficiário da pensão de sobrevivência, constituirá silogismo preguiçoso a afirmação de que o pensionista de sobrevivência é aposentado, porque não são uma e a mesma coisa. Aposentado é o funcionário; pensionista de sobrevivência é, como a semântica de novo nos ensina, o familiar sobrevivo ao funcionário subscritor falecido. A pensão de sobrevivência só existe por causa do funcionário (aposentado ou em condições de vir a ser no momento da sua morte).
Ao pensionista sobrevivo, chamemos-lhe assim, para melhor diferenciação dos conceitos, acode a Administração com uma prestação pecuniária que lhe acautele uma “sobrevivência” condigna, numa aproximação possível à compatibilidade com o nível de vida que o funcionário, antes do seu decesso, lhe proporcionava. Ao aposentado, a prestação pecuniária visa garantir a continuação da qualidade de vida de que beneficiava enquanto trabalhador no activo, recompensando-o pelo esforço que durante todo o tempo de serviço dedicou à função pública.
Mas, precisamente por se constatar essa diferenciação na causa e no fim da atribuição destas pensões, também assim haverá que estabelecer a necessária distinção que a própria teleologia da Lei impõe.
Por outro lado, a circunstância de o trabalhador do activo efectuar descontos para a pensão de sobrevivência não o torna senhor de um direito à pensão. Ele, com a sua contribuição material, é apenas o garante de um direito futuro às pessoas que comprovem a relação de familiaridade capaz de lhes conferir a qualidade de titulares hábeis (art. 271º, nº3, ETAPM). Em nossa opinião, não é seu (do trabalhador) o direito a esse tipo de pensão, ao contrário do que parece sustentar a recorrente. Não é.
Mas ainda que fosse, nem por isso a solução haveria de ser diferente. Com efeito, não seria assim, eventualmente, se a pensão de sobrevivência fosse o resultado da aplicação de um coeficiente sobre um “quantum” que também cobrisse o valor de um subsídio que tivesse feito já parte em vida do direito do subscritor, por exemplo, o valor de subsídio de residência. Nessa hipótese, porventura o discurso poderia ser outro e haveria de passar por averiguar se o direito ao subsídio havia sido adquirido pelo trabalhador da Administração ainda em vida. Só que, de acordo com o art. 271ºdo ETAPM, a pensão de sobrevivência apenas incide sobre o valor da pensão de aposentação (nº1), pelo que qualquer solução que pretenda anexar estas prestações não tem o mais leve apoio literal.
De resto, sem precisarmos de ir mais longe na análise interpretativa do diploma de 2011 (Lei nº 2/2011), a verdade é que tanto o objecto, como o âmbito pessoal da lei estão inexoravelmente definidos no art. 1º e 2º. O que está sob a sua alçada previsional é o regime do “prémio de antiguidade”, do “subsídio de residência” e “subsídio de família” dos “trabalhadores dos serviços públicos da RAEM” (art. 1º) providos no regime de nomeação provisória ou definitiva ou em comissão de serviço e, bem assim, no regime de contrato de além do quadro, de assalariamento ou individual de trabalho (art. 2º).
Atente-se: este diploma, no seu âmbito pessoal, aplica-se aos trabalhadores dos serviços da Administração Pública vivos: em efectividade de funções, aposentados ou desligados do serviço para efeito de aposentação (art. 7º, 10º, nº1; 12, nº1). Nada do corpo de normas do diploma decorre, tampouco faz presumir, sequer, que nele esteja disciplinado qualquer direito que emane do falecimento do trabalhador, como é pressuposto, por exemplo, no direito que envolve a pensão de sobrevivência. Nenhum daqueles direitos ali regulados tem algo que ver com a sobrevivência dos familiares do trabalhador da Administração. Isso é seguro.
Portanto, se nele não está contemplado o regime de atribuição da pensão de sobrevivência, nem expressa, tampouco implicitamente, cremos não ser possível fazer-se a extensão do direito que o art. 271º confere aos respectivos beneficiários, de molde a torná-los simultaneamente titulares do subsídio de residência. E é por isso que o invocado art. 17º, nº3, al. c), do DL nº 14/94/M, de 23/02 se mostra imprestável como suporte da tese da recorrente. Isto é, o facto de o pessoal previsto no preceito continuar (nº3) ter direito a “acesso a cuidados de saúde mediante o pagamento da respectiva contribuição” (sic) não pode de modo nenhum significar que, por inerência, passem a dispor do direito ao subsídio de residência, porque são realidades jurídicas distintas assentes em diferentes pressupostos.
De resto, e se o que moveu a interessada recorrente na formulação do pedido foi o direito que viu consagrado no art. 10º da referida Lei nº 2/2011, e se esse direito apenas é concedido “nos termos da presente lei” (nº1), então parece certo que o não pode ter ela, que não é “trabalhadora dos serviços públicos em efectividade de funções, aposentada ou desligada do serviço para efeito de aposentação”. Ou seja, não pode ser judicialmente reconhecido aos familiares desses trabalhadores um direito ao subsídio que o legislador não quis atribuir. Acolher a posição da recorrente é ir muito para além do espectro da norma.
E, se isto é assim, damos por fechado o tema para concluir que nem sequer o elemento que começou por erigir sobre a largueza que entreviu no termo “pensionista” a defende na honra do seu enunciado. Realmente, se nem esse elemento literal faz parte do preceito, absolutamente irrelevante se torna a abrangência indiscriminada com que a recorrente defendeu a significância da palavra. Ou seja, ainda que o art. 10º tivesse eventualmente criado um direito novo, certamente dele não podia beneficiar a recorrente por não figurar expressamente no elenco dos beneficiários nele previstos: os aposentados.
Improcedem, pois, as citadas conclusões.
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3 – Do erro nos pressupostos de facto e de direito
A recorrente aduz este vício baseado na circunstância de o acto se ter referido à circunstância de o direito não estar constituído na sua esfera à data da entrada em vigor da Lei nº 2/2011.
Bem. Antes de mais, a invocação deste vício parece-nos desfocada, pois se estamos ante uma actuação administrativa vinculada, o que conta é saber se os pressupostos de facto e de direito em que o acto se fundou são verdadeiros. Sendo-o, o acto teria obedecido à lei, tê-la-ia respeitado: Não o sendo, então o vício perderia autonomia com essa designação (mais consentânea com uma actuação discricionária da Administração) e, em vez dele, a anulação impor-se-ia a título de violação de lei.
Mas, enfim, independentemente disso, agora o que interessa é ver se essa fundamentação do acto obedece às premissas da norma, para que se possa tirar a devida conclusão a propósito do acerto da sua aplicação.
Ora, não há dúvida que o art. 203º do ETAPM nunca lho reconheceu nessas circunstâncias. A recorrente, sabe-lo bem, pois nunca o recebeu até à saída da lei nº 2/2011.
É claro que lei posterior não estaria impedida de criar um direito que antes inexistisse. Podia muito bem fazê-lo, sim, para este caso. E se este argumento o chamamos à colação é apenas por uma razão de ordem histórica, não para fundamentar o indeferimento acobertado numa lei posterior, mas para integrar a situação num ambiente contextual. Esse foi, aliás, também o sentido da fundamentação incluída no acto e por isso não se pode dizer que o vício do “erro nos pressupostos de facto e de direito” invocado na alínea c), do pedido formulado na petição inicial ou na mesma alínea c) do pedido integrado nas alegações facultativas, possa vingar.
Quer dizer, a razão para a não aplicação da lei nº 2/2011 não foi a circunstância de o art. 203º do ETAPM também não ter anteriormente reconhecido este direito. Nem foi fundamento do acto, nem é fundamento do presente aresto. Se também o convocamos a nossa intenção é apenas a de ilustrar um quadro legal de continuidade num certo ambiente restritivo, isto é, no sentido da exclusão dos pensionistas de sobrevivência do âmbito pessoal de incidência normativa ao longo do tempo. Nada mais do que isso.
Neste capítulo, vem a recorrente trazer à colação argumentos que, em sua óptica, servem como revelação da errada forma como foram interpretadas certas disposições de diversos diplomas, como é o caso do DL nº 14/94/M, de 23/02, DL nº 38/95/M, de 7/08 e do DL nº 96/99/M, de 29/11.
Não cremos, porém, que esta invocação tenha qualquer eficácia invalidante, face ao que atrás se disse sobre o objecto e âmbito pessoal da Lei nº 2/2001. Com efeito, se nem a sua situação objectiva, nem a sua qualidade pessoal, cabem na previsão legal dos destinatários bafejados com o direito ao subsídio, não se crê que interesse possa ter para si qualquer fundamentação que pudéssemos manifestar a propósito de outros recorrentes que sejam efectivamente pensionistas aposentados.
De qualquer maneira, ainda que se pensasse que tal direito não precisaria de ali estar previsto por ser o sucedâneo do direito à pensão de aposentação e, portanto, recebendo deste as suas melhores virtudes jurídicas, nem por isso lhe poderíamos reconhecer razão. Em tal hipótese, valeria a fundamentação vertida em arestos anteriores deste TSI referentes ao subsídio pedido pelos aposentados, para os quais remetemos, datados de 27/02/2014, Processos nº 339/2012, 317/2012, de 6/03/2014, Proc. nº 357/2012, 358/2012, de 27/03/2014, Processos nºs 310/2012, 316/2012, 332/2012, 335/2012, 333/2012, entre outros, onde o assunto acabou por merecer a devida atenção.
Efectivamente, como resulta destes acórdãos, em termos que de uma maneira ou outra confluem no mesmo resultado negatório da pretensão, a Lei nº 2/2011 nunca se aplica aos requerentes que tenham requerido a transferência da pensão para Portugal antes da transferência da administração para a República Popular da China, precisamente no pressuposto indiscutível de se terem aposentado antes dessa data (19/12/1999), circunstância que a Lei em causa já por assente definitivamente, tanto em termos implícitos, como explícitos, face ao teor dos arts. 1º e 10º.
É, aliás, o que resulta, a título de exemplo, do acórdão do TSI, de 27/02/2014, Proc. nº 339/2012, cujo conteúdo, na parte aplicável, aqui fazemos nosso para ao presente servir de fundamentação ad remissionem, mas do qual, por comodidade e economia, aqui nos limitamos a transcrever o respectivo sumário:
«I -…; II…; III - Transpira do art. 98º da Lei Básica que a RAEM apenas garante o pagamento das pensões aos funcionários que tenham mantido o vínculo funcional e adquirido posteriormente à transferência da administração o direito à aposentação. IV - Se a Lei nº 2/11 tem por destinatários/beneficiários os trabalhadores dos serviços públicos da RAEM, maior evidência não pode haver no sentido de que não pode o legislador ter pensado nos trabalhadores que se aposentaram ao serviço da Administração Pública do Território de Macau (portanto, até 19/12/1999) para efeito da atribuição do subsídio de residência, independentemente do local de residência. V - Qualquer interpretação que se queira fazer do art. 10º daquela Lei atentaria contra o comando do art. 98º referido, se nele se descortinasse o asseguramento indistinto do subsídio de residência a todos os aposentados, independentemente do momento da aposentação».
Neste sentido, o vício tem que improceder, necessariamente.
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No sentido, também, de que a Lei nº 2/2011 não pode abranger os beneficiários de pensão de sobrevivência, podemos ver os Acórdãos deste TSI de 3/04/2014, nos Processos nºs 533/2012, 562/2012, 946/2012, 820/2010, 535/2012, 556/2012, 786/2012, 944/2012, entre outros.
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4 – Nota final
A recorrente aproveitou as alegações facultativas para alterar a ordem das conclusões e aditar às primitivas algumas novas.
Não são, porém, relevantes, quer por não passarem de reforço da posição já antes manifestada, quer por não introduzirem uma nova discussão justificada supervenientemente pelo aporte aos autos ou ao processo administrativo de elementos anteriormente desconhecidos pela recorrente, como era pressuposto da sua invocação à luz do art. 68º do CPAC.
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De tudo o que se disse resulta a sucumbência do presente recurso.
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V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 4 UC, com ¼ de procuradoria.
TSI, 24 de Abril de 2014
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
Fui presente Mai Man Ieng
1 Ver no direito comparado: Ac. STA de 18/01/2001, Proc. nº 046766,25/10/2001, Proc. nº 046934; 28/11/2001, Proc. nº 046586, 16/02/2006, Proc. nº 0684/05, entre outros.
2 Ac. STA, de 16/02/1994, Proc. nº 32.033, in Apêndice ao DR, Vol. II, págs. 1158 e segs.; de 30/11/2011, Proc. nº 0983/11.
3 Ac. deste TSI de 21/07/2011, Proc. nº 344/2009; do STA de 16/02/2006 cit; também Ac. 25/06/2008, Proc. nº 0392/08, 11/05/2011, Proc. nº 833/10.
4 Esta distinção vem estabelecida por Freitas do Amaral, Curso De Direito Administrativo, Vol. II, pag. 311 e 336.
5 Neste sentido, no direito comparado, Ac. STA de 24/04/1996, Proc. nº 37432; de 9/06/1998, Proc. nº 039004; de 15/10/1998, Proc. nº 036508; 22/04/1999, Proc. nº 42386.
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