Proc. nº 8/2012
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Maio de 2014
Descritores:
-Processo de divórcio litigioso
-Revelia relativa
-Exame e alegações
SUMÁRIO:
I – Se, num processo de divórcio litigioso, a ré não deduzir contestação, haverá lugar a audiência de julgamento com audição das testemunhas oferecidas pelo autor, nos termos do art. 955º, nº2, do CPC.
II – Sem contestar e sem ter constituído advogado para a representar, a ré, pessoalmente, não tem direito à prova, nem sequer à contradita, mesmo estando presente.
III – Igualmente, os arts. 556º e 560º do CPC só faz sentido nos exactos termos neles previstos. Quer dizer, a faculdade de exame do processo não pode ser conferida às próprias partes, mas apenas aos advogados que as representem e nessa fase dos autos.
IV – Não tinha o tribunal, por isso, que notificar a ré pessoalmente da matéria de facto dada por provada para exame e alegações, porque essas são formalidades que têm lugar naquele exacto momento, ou seja, no próprio acto, e apenas na pessoa dos mandatários ali presentes.
Proc. nº 8/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, casado, de nacionalidade chinesa, portador do BIRM nº XXX emitido em 13/1l/2008, residente na XXX, Macau, intentou no TJB acção de divórcio litigioso contra a mulher B, de nacionalidade chinesa, portadora do BIRM nº XXX, residente na XXX, Macau.
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A ré foi citada mas não contestou.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que decretou o divórcio entre A e R, com culpa exclusiva desta.
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È contra a sentença que a ré interpõe o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«1. No processo CV2-10-0009-CDL, a recorrente é ré e A é o autor.
2. Após julgamento do presente processo, o tribunal recorrido deu como provado os seguintes factos:
O autor A e a ré B contraíram casamento em 24/11/1988 na RPC.
Após o casamento, o autor e a ré deram à luz duas crianças respectivamente: C e D, nascidos em 03/09/1992 e 22/12/1996.
O autor e a ré discutiam com frequência, a ré agredia com frequência o autor e danificava os objectos da casa.
Em meados de Agosto de 2009, devido a assuntos insignificantes o autor e a ré entraram novamente em disputa, a ré correu com o autor da moradia sita na XXX.
A partir de então, o autor passou a viver sozinho na moradia sita na XXX.
Mais ou menos em 29/08/2009, a ré pegou num objecto contundente partiu os vidros do camião do autor
O autor ganha a vida conduzindo o referido camião, a conduta da ré causou directamente prejuízos no rendimento do autor.
A ré numa discussão com o autor, danificou o televisor da casa do bairro XXX
O autor e a ré pediram divórcio por mútuo consentimento no TJB.
O autor não tem intenção de continuar a vida em comum com a ré.
3. Com base nos factos provados, o Tribunal recorrido julgou a acção procedente por provada e, em consequência, declarou dissolvido o casamento entre o autor A e a recorrente B celebrado em 24/11/1988 na RPC, sendo a culpa única e exclusiva da recorrente, custas judiciais pela recorrente.
4. A recorrente não se conformou com a decisão do tribunal, com os fundamentos seguintes:
5. Conforme consta nos autos, a recorrente depois ter sido citada, chegou a requerer apoio judiciário para apresentar a sua contestação (vide fls. 32).
Dado que a recorrente não conseguiu apresentar certidão da sua situação económica emitido pelo IASM, pelo que, em 04/10/2010, pediu o cancelamento do pedido de apoio judiciário (vide fls. 51).
6. Em 12 de Outubro de 2010, a recorrente recebeu oficialmente notificação do tribunal que foi cancelado o apoio judiciário, bem como foi informada: “poderá apresentar contestação no prazo de 30 dias contados a partir da data do recebimento da presente notificação, a não apresentação da contestação, não significa que admite os factos supracitados, mas para contestar é obrigatório constituir advogado” (vide fls. 54)
7. Uma vez que a recorrente não tem capacidade económica suficiente para constituir advogado a fim de tratar da acção de divórcio, por isso desistiu do direito à apresentação da contestação e das provas.
8. No dia 2 de Março de 2011, a recorrente compareceu na audiência de julgamento (vide fls. 73).
9. Durante a audiência, a Juiz e o mandatário judicial do autor interrogaram as testemunhas do autor, posteriormente o mandatário do autor fez as alegações dos factos.
10. Por falta de mandatário por parte da recorrente, por isso não pôde interrogar as testemunhas do autor, nem teve o direito à palavra.
11. Terminado a audiência, a Juiz Presidente proferiu despacho, designou o dia 14/03/2011, pelas 14H30 para continuação da audiência e leitura do despacho.
12. Conforme consta na acta de fls. 73v, “todos os presentes” foram notificados do teor do despacho, a recorrente era uma das pessoas que fazia parte de “todos os presentes”, mas como a recorrente não constituiu mandatário, portanto só podia estar sentada a ouvir, na realidade, não foi como consta na acta que “a recorrente foi notificada do despacho e estava ciente do teor”.
13. Como a recorrente não sabia que havia continuação da audiência no dia 14/03/2011, por isso não compareceu.
14. Todavia, na ausência da recorrente, o tribunal recorrido procedeu a continuação do julgamento, bem como a leitura do despacho.
15. Na continuação da audiência, o mandatário do autor depois de lido o despacho, disse nada tinha a requerer, bem como prescindiu o prazo para apresentação das alegações de direito por escrito.
16. Uma vez que a recorrente não compareceu na continuação do julgamento, por isso não foi notificada de que podia consultar o processo, nem informada de que podia desistir da discussão da matéria de direito por escrito, por outras palavras, neste processo, só o autor é que foi notificado e interrogado.
17. Durante esse período, a recorrente não constituiu mandatário, por isso não pôde obter apoio por parte do advogado sobre conhecimentos de direito, nem sabia que tinha o direito de consultar o processo para apresentar embargo ao despacho e alegações sobre a matéria de direito.
18. A recorrente não tinha conhecimento do teor do despacho, por isso não tomou qualquer posição ou apresentado desistência da discussão da matéria de direito por escrito.
19. Nos termos do artº 560º: “Se as partes não prescindirem da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, faculta o processo para exame ao advogado do autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um deles, a fim de alegarem, interpretando e aplicando a lei aos factos que tiverem ficado assentes.”
20. Se bem que a recorrente não constituiu advogado para apresentar a sua contestação, mas isto não impede que a recorrente numa outra fase possa constituir mandatário (por exemplo para proceder alegações à matéria de direito), nem significa que o tribunal pode fazer a discussão da matéria de direito, sem perguntar à recorrente se prescinde da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa, razão porque a recorrente nunca de forma alguma demonstrou que pretendia desistir o direito à consulta do processo e discussão por escrito do aspecto jurídico da causa nos termos do artº 560º do CPC.
21. O essencial aqui, segundo previstos no artº 201º do CC, o “silêncio” optado pela recorrente, não tem efeito de declaração negocial.
22. Isto é, o facto de a recorrente não ter constituído mandatário e não ter comparecido na continuação da audiência, não deveria entender como sendo uma forma clara, ambígua ou de silêncio da desistência do direito do procedimento da acção em causa.
23. Por outro lado, nos termos do artº 202º, nº 1 do CPC: “Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são-lhe feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários”.
24. Por outras palavras, embora a recorrente não constituiu mandatário, contudo nos termos da lei, o tribunal recorrido tem a obrigação de notificar à recorrente o teor do despacho, o direito à consulta do processo, embargo e alegações à matéria de direito.
25. De facto, se por causa da recorrente não ter constituído mandatário, desconsiderou os direitos a que ela deveria ter, bem como não lhe deu a oportunidade para alegações, foi bem nítido que violou o previsto no artº 3º, nº 3 do CPC, o princípio mais importante do Processo Civil - princípio do contraditório.
26. Conforme descrito no livro de M. TEIXEIRA DE SOUSA, “Introdução ao Processo Civil” (2000, 2ª edição, editora A.A.F.D.LISBOA Pags. 54 e 55), constitui nulidade do acto caso não cumprisse o princípio do contraditório, nos termos previstos no artº 1470, nº 1, esta omissão poderá eventualmente afectar a apreciação ou decisão do caso.
27. Por isso, devido a este acto do tribunal recorrido que violou o previsto nos artºs 3º, 202º e 560º do CPC, com base no artº 147º, nº 1 do mesmo código constitui nulidade do acto.
28. Ao mesmo tempo, tendo em conta que o artº 147º, nº 2 do CPC, “Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os actos subsequentes que dele dependam absolutamente;”, portanto deve também considerar nulo a decisão do tribunal recorrido
29. Primeiro, na sentença, a recorrente foi considerada a culpada por ter violado o dever de coabitação, sendo esta a descrição: “Face a este dever, o autor e a ré deveriam residir numa mesma casa, salvo se houvesse acordo entre os dois é que poderiam viver em lugares diferentes.
Com base nos factos assentes podemos ver que o autor desde Agosto de 2009 foi corrido da casa de família, tendo sido obrigado a viver fora sozinho.
Nestes termos a ré violou o dever de coabitação.
30. De facto, na audiência, conforme disse o autor, foi provado que a recorrente correu com o autor da casa sita na XXX, em meados de Agosto de 2009.
31. Contudo, o tribunal recorrido não conseguiu provar o motivo da disputa, nem sabe quem teve ou não razão na discussão.
32. Portanto, não podemos excluir a hipótese de a culpa ter sido primeiro do autor e tendo em conta a gravidade e reiteração da situação, fez com que a recorrente achasse que é impossível de continuar a vida em comum com o autor, por isso correu com o autor da casa.
33. Caso não concorde com este entendimento, a recorrente acha que é normal haver disputa entre cônjuges, que muitas vezes é inevitável ambas as partes se exaltarem.
34. A recorrente depois dessa discussão correu com o autor da casa, porque, de facto estava zangada e exaltada. A recorrente nunca pensou que por raiva momentânea de ter dito isso, o autor abandonou a família, saiu de casa para viver sozinho.
35. Na verdade, depois dessa discussão a recorrente nunca impediu que o autor voltasse a casa.
36. Além disso, se o autor importasse a relação de casal, seja quem for o culpado, teria tomado iniciativa de arranjar forma para reparar a relação amorosa.
37. Todavia, conforme os factos assentes, o autor nunca de forma alguma contactou com a recorrente, nem teve a intenção de restabelecer a relação entre ambos.
38. Isto revela que o autor, de facto, não tem vontade de coabitar novamente com a recorrente.
39. O mais importante é, a recorrente por mera irritação momentânea, correu com o autor da casa, isto não significa que a recorrente violou o dever de coabitação, apenas demonstra que a discussão foi forte, fez com que a recorrente perdesse o controlo emocional.
40. Depois da disputa, quando ambas as partes se acalmaram e retomaram consciência, o autor continuou a viver sozinho fora, não tomou qualquer iniciativa de contactar com a recorrente para restabelecer a relação, nem quis voltar para casa, isto revela que o autor, de facto, por iniciativa própria recusou de coabitar com a recorrente.
41. Pelo contrário, acha a recorrente ser discutível a razão verdadeira do autor não querer voltar para casa e querer viver sozinho fora.
42. Além disso, o dever de coabitação dos cônjuges, não deveria entender apenas no sentido de “habitar na mesma casa”, deve também incluir “refeição juntos” e “comunhão de leito”.
43. Infelizmente, de acordo com os factos assentes, apenas conseguiu provar que, em meados de Agosto de 2009, os dois separaram, mas não sabemos se durante esse período os dois tinham ou não contacto, se “comiam juntos” e ou “dormiam juntos”, na sentença nada disso foi referido.
44. Caso os dois mantinham “refeição juntos” ou “comunhão de leito”, já não podemos determinar quem violou o dever de coabitação.
45. Quanto a este aspecto, nunca o tribunal recorrido ponderou, por isso os fundamentos constantes na sentença têm vícios.
46. Ao mesmo tempo, nos termos do artº 1635º do CC, “O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.”
47. A recorrente em meados de Agosto de 2009, correu com o autor da casa, esta foi a única vez que pôs o autor fora de casa, por isso, a conduta da recorrente não constitui “reiteração”.
48. Para avaliar a gravidade, deve ponderar se eventualmente existe culpa nos agentes, assim como, o grau de formação e consciência moral dos cônjuges.
49. Como antes tinha referido, o tribunal recorrido nunca procurou saber o motivo da disputa e por que razão a recorrente correu com o autor da casa, por isso não podemos excluir a hipótese de o autor ser o culpado, causando a impossibilidade da vida em comum entre os cônjuges.
50. Além disso, devemos ponderar que a recorrente tem pouca formação e com EQ baixo, a discussão foi por mera exaltação momentânea da recorrente, portanto não sabemos se o autor saiu de casa para viver sozinho foi por causa das palavras da recorrente ou por outros motivos pessoais.
51. Por isso, mesmo que a recorrente teve culpa, o grau de culpabilidade seria baixo, não deveria considerar “gravidade” que deu origem à impossibilidade da vida em comum entre os cônjuges.
52. Em suma, apenas com base dos simples factos assentes acima referidos, não é suficiente para acusar a recorrente como a única e exclusiva culpada por ter violado o dever de coabitação.
53. Segundo, a recorrente foi acusada de ter violado o dever de respeito, “Os factos provados demonstram que o autor e a ré discutiam com frequência, a ré agredia com frequência o autor e danificava os objectos da casa. Em meados de Agosto de 2009, depois de uma disputa, a ré correu com o autor da casa, a partir de então, o autor passou a viver sozinho; no mesmo mês, a ré danificou o camião do autor, tendo assim afectado directamente o seu rendimento. Perante esta circunstância, a ré desprezara os direitos pessoais e dignidade do autor, violou gravemente o dever de respeito entre os cônjuges.”
54. Como tinha referido anteriormente, em 02/03/2011, o tribunal recorrido procedeu a audiência de discussão, a recorrente por falta de mandatário não teve direito à palavra, por isso, o tribunal recorrido só pôde, com base nas provas fornecidas pelo autor, ter tomado uma decisão não integral dos factos.
55. É obvio que, o autor com vista a tomar procedente a acção, tinha apresentado provas a seu favor, assim como tinha prevenido o máximo de contar aquilo que era prejudicial para si.
56. Mesmo assim, o tribunal recorrido foi aceitar as palavras do autor e das suas testemunhas, admitindo que foi a recorrente que agrediu o autor, esquecendo que nesta acção poderia eventualmente ter havido agressões mútuas como acontece em muitos casais.
57. Além disso, acha a recorrente que nesta acção não houve provas absolutas a excluir a hipótese de o autor ter ripostado.
58. Por isso, tendo o tribunal recorrido baseado apenas nas provas do autor, é evidente que não tomou uma decisão justa na globalidade dos factos, violando deste modo as regras gerais orgânicas (sig.), nestes termos, por constatar vícios deve a sentença ser anulada.
59. O autor com pretexto de que a recorrente violou os deveres de respeito e assistência requereu o divórcio, contudo, a recorrente acha que o autor pediu o divórcio porque conheceu uma “terceira pessoa”.
60. O autor aquando intentou acção de divórcio litigioso, apresentou 3 testemunhas, nomeadamente E, F e D (vide fls. 4 a 5), mas quando soube que a recorrente não constituiu mandatário, fez alteração do rol de testemunha, substituiu a testemunha E para G.
61. Do entendimento da recorrente, a testemunha G é a tal “terceira pessoa” que surgiu entre o casal.
62. O autor fez alteração do rol de testemunha porque a recorrente não constituiu mandatário, portanto não podia provar perante o tribunal que ele tinha uma “terceira pessoa”; esta testemunha como sendo a “terceira pessoa”, com certeza que seu depoimento não iria prejudicar o autor, por isso o autor fez esta alteração.
63. De facto, a recorrente tem fundamento suficiente para provar que o autor violou o dever de fidelidade, porque tinha contacto com a supracitada “terceira pessoa”.
64. Em 22 de Maio de 2011, a recorrente na ala do posto fronteiriço das Portas do Cerco viu o autor e a testemunha G juntos, por isso os 3 entraram em disputa.
65. Face a isto, a recorrente chegou a requerer ao tribunal recorrido para verificar os registos de entrada do dia 22/0512011, bem como a gravação de visionamento da ala do posto fronteiriço das Portas do Cerco, a fim de provar que o autor tinha contacto com “terceira pessoa” e violado o dever de fidelidade. (vide fis.74)
66. Pois, com vista à descoberta da verdade, para saber o verdadeiro motivo do divórcio requerido pelo autor e determinar quem foi o culpado, vem a recorrente requerer ao tribunal que ordene os SA para fornecimento dos registos e gravação do dia 22/05/2011 respeitantes aos 3, ou seja, a recorrente B, autor A e sua testemunha G.
67. Nos termos do artº 117ºv e conforme consta no despacho, a recorrente requereu apoio judiciário no TJB para nomeação de mandatário, a fim de tratar do divórcio litigioso, tal pedido foi já autorizado pelo tribunal.
68. Presentemente, a situação económica da recorrente está conforme a situação descrita de fls. 112 dos autos, ela não tem meios económicos suficientes para suportar as despesas da acção, ou seja, não houve qualquer alteração dos pressupostos do pedido de apoio judiciário requerida pela recorrente.
69. Nos termos do artº 5º, nº1 do DL nº 49/94/M de 1 de Agosto, foi concedida o apoio judiciário à recorrente.
70. Assim sendo, nos termos do artº 1º, nº 1 e 3º, al. a) do DL nº 49/94/M de I de Agosto, vem por este meio requerer a isenção do pagamento total dos preparos e custas judiciais.
Pelo exposto, vem a recorrente requerer ao Mmº Juiz que considere provados os fundamentos constantes no recurso interposto, que julgue procedente e com base do exposto anule a decisão do tribunal recorrido, bem como condene o recorrido o único e exclusivo culpado por ter sido ele quem violou os deveres conjugais, ao mesmo tempo, que seja deferido a isenção do pagamento total dos preparos e custas judiciais.
Pede habitual justiça!».
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O autor da acção respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões alegatórias:
«1. Em 21 de Março de 2011, o Tribunal Colectivo a quo proferiu sentença, deu como provado maior parte dos factos apresentados pelo autor, por isso aceitou o pedido de A, declarou dissolvido o casamento entre o autor e a ré, sendo a culpa única e exclusiva da ré.
2. O Tribunal a quo declarou como sendo a ré a parte que violou os deveres de respeito e coabitação, bem como reconheceu que a situação dos dois reúne os requisitos de impossibilidade de restabelecer a vida em comum, o recorrido entende que o Tribunal a quo aplicou a lei de forma correcta e justa, concorda com a sentença do Tribunal a quo.
3. A recorrente alegou que durante o procedimento da acção, foi citada, chegou pedir apoio judiciário para apresentar a sua contestação, mas conforme consta nos autos, por a recorrente não conseguir apresentar a certidão da sua situação económica emitida pelo IASM, por isso pessoalmente cancelou o pedido de apoio judiciário em 04/10/2010.
4. A recorrente disse que por insuficiência económica não foi capaz de constituir advogado para tratar do divórcio, na falta de mandatário a recorrente desistiu do direito de apresentação da sua contestação e das provas.
5. Conforme consta no ponto 7, a recorrente em 12/10/2010 recebeu oficialmente notificação do tribunal de que foi cancelado o apoio judiciário e “poderá apresentar contestação no prazo de 30 dias contados a partir da data do recebimento da presente notificação, a não apresentação da contestação, não significa que admite os factos supracitados, mas para contestar é necessário constituir advogado…”
6. A recorrente sabia que existe regime de apoio judiciário, que pode nomear mandatário para ajudar as pessoas com dificuldades económicas, a fim de salvaguardar os seus direitos, mas ela por razões pessoais não conseguiu apresentar certidão para provar a sua insuficiência económica, por isso cancelou voluntariamente o pedido de apoio judiciário.
7. O recorrido entende que esta conduta da recorrente prova que ela na situação de gozar plena protecção dos seus direitos, desistiu voluntariamente o direito à contestação, assim como sabia perfeitamente o resultado se não contestasse.
8. Nos termos do artº 74º do CPC, para interpor recurso ordinário é obrigatório constituir advogado.
9. Nos termos do artº 75º se é obrigatório constituir advogado e se a parte não constituir advogado, o tribunal, oficialmente ou a requerimento da parte contrária, fá-la notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de, consoante os casos, o réu ser absolvido da instância, não ter seguimento o recurso ou ficar sem efeito.
10. O recorrido entende que nos termos dos dois artigos acima referidos, a recorrente era obrigatório constituir advogado e quando desistiu voluntariamente do apoio judiciário o funcionário do tribunal informou que: “poderá apresentar contestação no prazo de 30 dias contados a partir da data do recebimento da presente notificação, a não apresentação da contestação, não significa que admite os factos supracitados, mas para contestar é necessário constituir advogado…”
11. Portanto, a recorrente sabia perfeitamente que para tratar do respectivo processo e assegurar a sua defesa tinha de constituir advogado, ela tentou procurar ajuda através do pedido de apoio judiciário, mas enfim, ela própria optou por cancelar o pedido, desistindo do direito à contestação.
12. Deste modo podemos ver que nunca foi retirada à recorrente o seu direito de defesa, ela sabia perfeitamente que tinha esse direito, entretanto foi ela própria quem desistiu voluntariamente esse direito.
13. Além disso, o recorrido considera que o princípio do contraditório foi procedido em conformidade com as disposições legais, a recorrente foi citada nos termos da lei, foi-lhe informada dos direitos que possuía, todavia ela cancelou voluntariamente o pedido de apoio judiciário, desistindo do seu direito.
14. Por isso, a recorrente não tem razão alguma de alegar que o Tribunal Aquo proferiu sentença contra o princípio do contraditório.
15. Quanto à apreciação dos factos, face aos pontos 31 a 61, a recorrente indica que o tribunal recorrido não conseguiu provar o motivo da discussão, nem sabe quem teve ou não razão, portanto não poderá excluir a hipótese de que foi o recorrido o culpado, devido à gravidade e reiteração fez com que a recorrente achasse que não podia continuar a vida em comum, por isso correu com o recorrido da casa.
16. A recorrente indicou ainda que depois do recorrido ter corrido da casa, se importasse com a relação de casal, seja quem for o culpado, deveria ter actuado de forma activa para reparar a relação amorosa.
17. Entende o recorrido que, se a recorrente acha que foi o recorrido o culpado, cuja gravidade e reiteração do recorrido causou a impossibilidade da vida em comum e lhe ter posto fora da casa, isto revela que a recorrente jamais tem intenção de coabitar com o recorrido, por isso correu com o recorrido da casa para nunca mais coabitar com ele.
18. Assim sendo, podemos concluir que quem violou o dever de coabitação foi a recorrente e não o recorrido, o recorrido antes deste acontecimento, discutia com frequência com a recorrente, mas com vista a manter a harmonia familiar, o recorrido muitas vezes aguentava, até que desta vez foi corrido da casa, chegou ao ponto de não poder mais aguentar.
19. Além disso, o recorrido não percebe porque diz a recorrente que não importa quem teve culpa, se ele importasse a relação de casal deveria ter arranjado forma para restabelecer a relação, mas ela própria nunca fez nada para salvar a relação, tal como, ir à procura do recorrente para reparar a relação.
20. Pelo contrário, após o acontecido, a recorrente tem continuado a perturbar o recorrido, até que em 29/08/2009 usou um objecto contundente para danificar as janelas do camião do recorrido para desafogo.
21. A partir de 10/10/2009, a ré pôs os dois filhos fora da casa.
22. O recorrido preocupado com o crescimento saudável dos 2 filhos menores, persuadiu-a várias vezes para autorizar o regresso dos filhos a casa.
23. Depois desses factos, como é possível o recorrido continuar a tolerar a recorrente com o pretexto de não ter muita formação, por mau humor ter actuado desta forma?
24. Quanto aos factos constantes nos pontos 69 a 72, o recorrido considera que a recorrente quis acusar-lhe falsamente, porque sem provas diz a recorrente que o recorrido pediu o divórcio por ter surgido uma “terceira pessoa”.
25. A recorrente esqueceu-se do problema que surgiu entre o casal, querendo deitar culpas para factos que não correspondem a verdade, de facto, o recorrido sente desapontado perante a conduta da recorrente.
26. A recorrente apenas indica que no dia 22/05/2011, viu o recorrido e a G “juntos”, considerou que o recorrido violou o dever de fidelidade.
27. A senhora acima referida é apenas amiga do recorrido, os dois encaminhavam juntos como amigos normais, mas isto fez com que a recorrente considerasse que o recorrido violou o dever de fidelidade, esta conduta da recorrente é realmente irracional.
28. Face ao exposto, a recorrente não tem fundamento algum para apresentar litígio face à sentença proferida pelo Tribunal Aquo sobre os factos apresentados pelo autor A, pelo que venho por este meio pedir a rejeição do recurso apresentado pela recorrente, mantendo a decisão do Tribunal a quo.».
*
Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- O autor A e B contraíram casamento em 24/11/1988 na RPC.
- Após o casamento, o autor e a ré tiveram duas crianças respectivamente, C e D, nascidas em 03/09/1992 e 22/12/1996.
- O autor e a ré discutiam com frequência, a ré agredia o autor com frequência e danificava os objectos da casa.
- Por volta de meados de Agosto de 2009, o autor e a ré entraram novamente em disputa, a ré correu com o autor da moradia sita na XXX.
- A partir de então, o autor passou a viver sozinho na moradia sita na XXX.
- Devido a questões de amor, mais ou menos em 29/08/2009, a ré pegou num objecto contundente partiu os vidros do camião do autor.
- O autor ganha a vida conduzindo o referido camião, a conduta da ré causou directamente prejuízos no rendimento do autor.
- A ré numa disputa com o autor danificou o televisor da casa do Bairro XXX.
- O autor e a ré chegaram a pedir divórcio por mútuo consentimento no TJB.
- O autor não tem intenção de continuar a vida em comum com a ré.
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Acrescenta-se ainda a seguinte factualidade, ao abrigo do art. 629º do CPC:
- A ré esteve pessoalmente presente na audiência de discussão e julgamento (fls. 73) e foi notificada oralmente, tal como os restantes intervenientes processuais presentes, da data designada para a leitura das respostas aos artigos da base Instrutória (fls, 73 vº), mas no dia aprazado não compareceu (fls. 79).
- A ré tinha formulado pedido de patrocínio oficioso (fls. 32), mas dele desistiu em 4/10/2010 (fls. 51 e 52).
***
III - O Direito
A acção de divórcio litigioso interposta pelo autor foi julgada procedente com base na violação, por parte da ré, dos deveres de respeito e de coabitação, e por o tribunal a quo ter entendido, concomitantemente, estar definitivamente comprometida a possibilidade de vida em comum entre as partes.
A ré, pela mão do patrono nomeado a fls. 117 vº, não concorda com tal decisão.
Considera, em primeiro lugar, que lhe não foi dada oportunidade de interrogar as testemunhas do autor, nem de usar da palavra em alegações sobre o aspecto jurídico da causa, nem de consultar o processo. E, por isso, defende que lhe deveria ter sido notificado o despacho a que respeita o art. 560º do CPC, nos termos do art. 202º do CPC.
Ora bem. Efectivamente, a recorrente não contestou, nem se fez representar por advogado durante a maior parte do processo em virtude de ter desistido do pedido de patrocínio judiciário inicialmente formulado, conforme resulta dos autos.
Mas, por assim ter acontecido, o processo prosseguiu até à fase de audiência de julgamento com audição das testemunhas oferecidas pelo autor da acção (art. 955º, nºs 2 e 3, do CPC.
Ora, a recorrente não apresentou prova testemunhal, pelo que apenas as testemunhas do autor podiam ser inquiridas (fls. 73), embora a ré tivesse estado presente na respectiva audiência. Portanto, a ré não tinha direito à prova por não ter apresentado defesa (art. 407º do CPC), nem, sequer, por si mesma, direito a contradita (art. 543º do CPC).
E uma vez inquiridas, o tribunal designou o dia 14/3/2011 para a continuação do julgamento com leitura do despacho sobre a matéria de facto (fls. 73). No dia aprazado, o tribunal deu a conhecer a matéria de facto tida por provada, sendo que a ré, desta vez, não se dignou comparecer (fls. 77 a 79).
A ré não compareceu, como se disse. Isso, porém, não pode reverter a seu favor. A ré sabia que qualquer intervenção da sua parte no processo só podia ser feita através de advogado. Porém, além de não ter constituído nenhum causídico, tinha ela desistido do pedido de patrocínio oficioso que apresentara oportunamente. Por conseguinte, o tribunal não podia fazer mais do que fez.
Aliás, o cumprimento do art. 560º do CPC só faz sentido nos exactos termos nele previstos. Quer dizer, a faculdade de exame do processo não pode ser conferida às próprias partes, mas apenas aos advogados que as representem e nessa fase dos autos: concluído o julgamento da matéria de facto. E porquê apenas aos senhores advogados (constituídos ou nomeados)? Porque esse exame tem uma função de carácter técnico: serve para eles prepararem juridicamente a sua intervenção na fase das alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa.
Assim sendo, foi a ré quem se colocou numa situação de impossibilidade de intervir a se processualmente, não tendo o tribunal que dar a oportunidade ao advogado posteriormente nomeado (fls. 117 vº), porque a nomeação se deu já na fase de recurso jurisdicional.
Isto significa que se não pode dar por violado o art. 560º do CPC.
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Por outro lado, não faz sentido chamar à colação o disposto no art. 210º do CC. Quer dizer, não é possível apelar a este dispositivo legal, para o dar por violado, como parece defender a recorrente. Na verdade, é a própria lei que comina a tramitação e o momento em que se deve observar a discussão do aspecto jurídico da causa. É um rito adjectivo que está fixado na lei e não se pode apelar ao art. 210º do CC, como se ele também pudesse aqui ser aplicável. O tribunal não fez uso daquele art. 210º, nem extraiu dele os efeitos ali previstos, antes se limitou a fazer cumprir a norma processual adequada ao caso. Aliás, tal preceito nem sequer tem para aqui qualquer préstimo, uma vez que ele tem em vista especialmente os efeitos substantivos do silêncio, enquanto o que ora se discute é a consequência da inacção processual. Coisas diferentes, pois.
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Também por isso achamos que o art. 202º do CPC não pode acudir à recorrente. Efectivamente, o despacho em causa que dá por provada a matéria de facto (fls. 77) apenas tinha que ser comunicado às partes presentes representadas pelos respectivos advogados, para exame que serviria tanto para eventual dedução de reclamações a que pudesse haver lugar, como para alegações sobre o aspecto jurídico da causa se delas as partes não prescindissem (cfr. tb. art. 556º, nºs 2, 5 e 6, do CPC). Trata-se de uma formalidade processual que tem que ser cumprida na hora, ali mesmo; não consubstancia nenhuma notificação em sentido estrito que, portanto, devesse merecer a observância do art. 202º do CPC.
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É, por essa razão, que igualmente não acompanhamos a recorrente quando garante ter sido violado o princípio do contraditório (art. 3º, nº3, do CPC). O juiz apenas tem que proceder como lhe impõe a regra dos arts. 556º e 560º do CPC. E isso foi feito.
Aliás, a questão em apreço não é diferente da detectada a propósito da revelia por falta de contestação e da tramitação que se lhe segue. Com efeito, para além dos casos de excepção previstos no art. 406º do CPC, aos quais se não atribui efeito cominatório pleno sempre que o réu citado não conteste, também no processo de divórcio litigioso haverá lugar a julgamento da matéria de facto invocada pelo autor, sem possibilidade de se dar por confessada a factualidade vertida na petição inicial, nos termos do art. 955º, nº2, do CPC.
Acontece que, mesmo nos casos em que haja revelia operante (com confissão dos factos alegados pelo autor), se deve dar a possibilidade aos advogados (incluindo ao do réu se o tiver constituído), em notificação apropriada de exame e alegações (art. 121º e 405º, nº2, do CPC). Ora, não deve ser pelo facto de o réu não se ter feito representar por advogado que o autor não possa consultar o processo e formular as suas alegações. Não podendo o réu fazê-lo (por não ter advogado que as faça), fá-lo-á o autor. Isto significa que a falta de advogado por parte do réu sibi imputet1.
Ora, como dizíamos, a semelhança com os efeitos da falta de advogado por parte da ré na fase do julgamento da matéria de facto é flagrante. O exame da decisão sobre a matéria de facto apenas é conferido aos advogados presentes e não há lugar a notificação às partes, pessoalmente, para posterior exame e alegações. É um acto processual que tem lugar ali mesmo e imediatamente na pessoa dos advogados, nunca na pessoa das partes. Por isso, não se pode falar em violação do princípio do contraditório se o réu revel e não representado por mandatário judicial não é notificado pessoalmente para exame e alegações nos termos e efeitos do art. 556º e 560º do CPC.
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Na 2ª parte das suas alegações, a recorrente vem suscitar aquilo a que chama de “vícios na apreciação dos factos”.
Todavia, nenhum dos argumentos ali vazados é apto a fazer inflectir o sentido do julgamento realizado na 1ª instância.
Com efeito, o que ficou provado foi que a ré “correu com o autor da moradia…”, expressão popular e de estilo que significa que expulsou o autor de casa. Isto é o bastante para se dar por densificada a violação do dever de coabitação a que alude o art. 1534º, nº1, do CC, tal como o afirmou a sentença.
A recorrente entende que deveria ter sido apurado o motivo pelo qual a autora assim agiu, isto é, deveria ter sido investigada a causa, e consequentemente a culpa, para o sucedido, uma vez que não se podia excluir a hipótese de a culpa dessa atitude caber ao autor. E para o efeito, vai adiantando agora, pela primeira vez, que estava “zangada e exaltada”, irritada momentaneamente, querendo dizer ter agido dessa maneira como reacção à “disputa” entre cônjuges.
Todavia, nada disso agora pode revelar. Todos os factos que a recorrente aqui aduz, nomeadamente os que concernem ao facto de o autor não ter tentado regressar a casa para restabelecer a relação conjugal, são factos novos que o tribunal de recurso não pode considerar, porque o julgamento foi feito sem atropelo às regras processuais vigentes, não se podendo relevar nesta fase aquilo que podia ser, mas não foi, arguido pela parte em sede própria e através de advogado, que não constituiu, nem quis ver nomeado.
Tudo, portanto, o que a recorrente invoca a esse respeito, incluindo o motivo das zangas, a gravidade da origem da impossibilidade da vida em comum, etc, não pode ser alegado com relevância e pertinência nesta fase.
O que importa é avaliar a prova feita na 1ª instância. E ela, sem dúvida, revela que a culpa da perda do dever de coabitação (art. 1533º, do CC) se ficou a dever exclusivamente à recorrente.
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O mesmo se diz quanto ao dever de respeito referido no citado preceito legal.
Na verdade, ficou provado que a esposa, ora recorrente, não só agredia o marido, recorrido, como lhe provocou danos com o seu comportamento. São estes os factos provados e não se pode aceitar outros que a recorrente vem invocar, como é o que ela traz aos autos informando a existência de uma “terceira pessoa” entre o casal, o que a leva a pensar que o autor violou o dever de fidelidade.
Como bem sabe a recorrente, essa matéria não foi objecto de julgamento e prova, pelo que é totalmente irrelevante a sua invocação tardia, que por isso não chega para infirmar a prova feita acerca dos factos constitutivos do direito invocado pelo autor.
Significa, pois, que a sentença não merece censura.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela ré, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
TSI, 15 de Maio de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, pág. 270.
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