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Processo nº 230/2014 Data: 24.04.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto qualificado”.
Restituição (art. 201° do C.P.M.).
Atenuação especial.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. Só pode haver lugar a atenuação especial da pena nos termos do art. 201° do C.P.M., quando a coisa furtada é restituída por iniciativa do arguido, de forma livre e espontânea, (reveladora de uma culpa mais mitigada, da inadequação do crime à sua personalidade e da necessidade de prevenção especial), e não, “pressionada” por factores ou incentivos exógenos.



O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 230/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. datado de 14.02.2014, decidiu-se condenar B (B), arguido com os sinais dos autos, como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 237 a 242 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, vem o arguido recorrer para, em síntese, dizer que excessiva é a pena, que devia ser “especialmente atenuada” e suspensa na sua execução; (cfr., fls. 250 a 266-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso apenas merece parcial provimento, devendo-se fixar ao arguido uma pena não inferior a 1 ano e 6 meses de prisão (efectiva); (cfr., fls. 269 a 272).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 280 a 281).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados e não provados os factos como tal elencados a fls. 238 a 239-v do Acórdão recorrido e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

Em sede das suas conclusões de recurso, diz que excessiva é a pena aplicada, afirmando que devia ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução.

Sendo as conclusões pelo recorrente apresentadas na sua motivação de recurso que delimitam o seu thema decidendum, vejamos.

Tendo presente a factualidade dada como provada, (que não vem posta em causa nem merece qualquer censura), evidente é que cometeu o arguido ora recorrente o crime de “furto qualificado”, tal como decidido foi no Acórdão ora recorrido, certo sendo também que ao mesmo cabe a “pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias”; (cfr., art. 198°, n. 1, al. a), b) e e) do C.P.M.).

Atento o estatuído no art. 64° do mesmo C.P.M., (onde se preceitua sobre o “critério de escolha da pena”), entendeu o Colectivo do T.J.B. que a pena não privativa da liberdade – multa – não realizava, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Tendo presente o tipo de crime em questão, e ponderando nas (fortes) necessidades de prevenção, especialmente, geral, mostra-se de subscrever o assim entendido, (notando-se, também, que nem o ora recorrente considera violado o art. 64° do C.P.M.).

Continuemos.

Vejamos agora da “medida da pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, preceitua o art. 65° do mesmo C.P.M. que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
 a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
 b) A intensidade do dolo ou da negligência;
 c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
 d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
 e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
 f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

No que a este comando legal diz respeito, tem esta Instância entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 14.11.2013, Proc. n° 549/2013).

E então, “quid iuris”?

Diz o ora recorrente que ele foi descoberto pouco após o cometimento do “furto”, ainda com o produto deste (H.K.D.$100.000,00), e que, de imediato o “devolveu” ao ofendido, merecendo assim uma atenuação especial da pena ao abrigo do art. 66°, n.° 1, al. c) do C.P.M..

Ora, sobre esta matéria (da “atenuação especial da pena”) tem este T.S.I. vindo a entender que a mesma “só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 05.12.2013, Proc. n° 715/2013).

No caso, a mencionada factualidade não permite concluir que o arguido tenha praticado “actos demonstrativos de arrependimento sincero, reparando os danos causados”.

É verdade que ele acabou por “devolver” o dinheiro furtado ao ofendido.

Porém, não se pode olvidar que o fez para tentar ocultar a sua autoria do crime, após ser descoberto, por ter medo de ser “apanhado” e para não ser objecto de procedimento criminal, e não por se ter “arrependido” da sua conduta.

Todavia, outra questão aqui se coloca, sendo a seguinte:

Nos termos do art. 201° do C.P.M.:

“1. Quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou o agente reparar o prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
2. Se a restituição ou reparação for parcial, a pena pode ser especialmente atenuada”.

E, na sua resposta, diz o Ministério Público ser esta a situação.

Será de se acompanhar o assim opinado?

Com ressalva do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos que afirmativa não pode ser a resposta.

De facto, afigurando-se-nos que a mencionada “restituição” ou “reparação” deve provir de “acto livre, voluntário e espontâneo” do agente do crime, (reveladora de uma culpa mais mitigada, da inadequação do crime à sua personalidade e da necessidade de prevenção especial), e não, “pressionada” por factores ou incentivos exógenos, ou como no caso sucedeu, para se ocultar a autoria do crime, após ser-se descoberto, e para evitar procedimento criminal; (neste sentido, cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 05.01.1994, in C.J., Ano II, T. I, pág. 183 e segs., de 07.05.1997, in B.M.J. n.° 467 – 268 e segs., e de 13.01.2000, in C.J., Ano VIII, T. I, pág. 188 e segs., onde se decidiu também, e expressamente, que a atenuante em questão só se verifica quando o arguido restitui o objecto subtraído “por sua iniciativa, livre e espontaneamente, e não quando o faz apenas por ter sido descoberto”).

Nesta conformidade, motivos não havendo para se atenuar especialmente a pena, e ponderando na moldura penal em questão (pena de prisão até 5 anos), nos critérios atrás referidos do art. 40° e 65° do CPM, e não se olvidando também que “prejudicado” não ficou o ofendido, afigura-se-nos mais adequada uma pena de 2 anos de prisão, que não se mostra de suspender na sua execução, pois que verificados não estão os pressupostos do art. 48° do C.PM..

Com efeito, temos entendido que “o artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. de 01.03.2011, Proc. n° 837/2011, do ora relator, e, mais recentemente, de 23.01.2014, Proc. n° 756/2013).

E no caso, sendo, como são, fortes as necessidades de prevenção do tipo de crime em questão, (especialmente, geral), bem se vê que improcede o recurso no que toca ao pedido de suspensão da execução da pena única decretada.

4. Em face do exposto, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, pagando o recorrente pelo seu decaimento a taxa de justiça de 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 24 de Abril de 2014

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 230/2014 Pág. 14

Proc. 230/2014 Pág. 1