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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
1. Em 14 de Junho de 2003, A, residente em Macau, pediu um empréstimo a B, residente em Zhuhai, Interior da China, no montante de HK$273,000.00, comprometendo-se a pagá-lo até 30 de Dezembro de 2003, tendo o acordo sido titulado por escrito.
Com fundamento no não pagamento do empréstimo, veio o B intentar acção executiva no Tribunal Judicial de Base, pedindo a execução coerciva.
A Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial de Base, por despacho de 13 de Janeiro de 2006, declarou o Tribunal incompetente para a execução, com os seguintes fundamentos:
- A competência dos tribunais de Macau para a execução depende de a obrigação dever ser cumprida em Macau, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 25.º do Código de Processo Civil;
- Nos termos do art. 763.º do Código Civil, se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento;
- Tendo o credor residência no Interior da China e não tendo sido estipulado pelas partes qualquer lugar para a prestação, o lugar do cumprimento é no domicílio do credor;
- Logo, não têm os tribunais de Macau competência para a execução.
Por Acórdão de 5 de Outubro de 2006, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pelo exequente, com os seguintes fundamentos:
- O art. 16.º, alínea a) não se aplica à acção executiva, mas apenas à acção declarativa;
- A competência dos tribunais de Macau para a execução depende de a obrigação dever ser cumprida em Macau, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 25.º do Código de Processo Civil;
- Nos termos do art. 41.º do Código Civil, na falta de determinação da lei competente, aplica-se a lei do lugar com o qual o negócio se ache mais estreitamente conexo;
- Tendo o credor residência no Interior da China e o devedor residência em Macau, tanto a lei da China, como a de Macau, estabelecem que a obrigação deva ser cumprida no domicílio do credor;
- Devendo a obrigação ser cumprida no Interior da China, não têm os tribunais de Macau competência para execução.
Inconformado, ainda, recorre o exequente para este Tribunal de Última Instância.
Para tal, formulou as seguintes conclusões:
   I. A decisão do Tribunal "a quo" de julgar improcedente o recurso do Recorrente vem do erro na delimitação do âmbito de aplicação dos arts. 13.° a 20.º do C.P.C. e erro na aplicação do art. 25.°, n.º 1 do C.P.C.;
   II. A aplicabilidade das normas constantes das "Disposições Gerais" à acção executiva é entendimento pacífico ou pelo menos maioritário na doutrina jurídica;
   III. Caso fosse intenção real do legislador limitar as normas constantes das "Disposições Gerais" meramente à acção declarativa, devia o mesmo denominar esta secção “Competência em matéria de acções declarativas”, o que não se aconteceu;
   IV. O art. 25.°, n.º 1 do C.P.C., tem intenção de ampliar, o máximo possível, o poder de jurisdição dos tribunais de Macau em matéria de execuções, mas não o de o reduzir;
   V. Portanto, a não verificação do pressuposto previsto no art.º 25.°, n.º 1 do C.P.C. não preclude a aplicação do art.º 15.°, c) ou do art.º 17.°, a) do C.P.C.;
   VI. Pode também entender-se que os artigos 15° a 20° do CPC regulam a competência dos tribunais da RAEM face a outras ordens jurídicas, hipótese em que, mais uma vez, nada têm a ver com o tipo (declarativo ou executivo) de acção;
   VII. Na realidade, por causa de necessidade real neste caso concreto, a acção em questão só será viável e fazerá sentido quando proposta no tribunal de Macau porque só aqui o Executado tem residência e bens a penhorar;
   VIII. Uma vez que neste caso se verificam simultaneamente os pressupostos previstos nos art.º 15.°, c) e art.º 17.°, a) do C.P.C., os Tribunal de Macau são competentes para conhecer.

II – O Direito
1. A questão a resolver
A questão a resolver é apenas a de saber se os tribunais de Macau têm jurisdição para executar o empréstimo.
Para decidir a questão, há que considerar as seguintes subquestões:
i) Se à chamada competência externa dos tribunais de Macau são apenas aplicáveis os arts. 21.º a 25.º do Código de Processo Civil; ou
ii) se serão aplicáveis igualmente, directamente ou por analogia, os arts. 15.º a 17.º do mesmo diploma legal.
Se se decidir no segundo sentido [ii)], designadamente pela aplicação do disposto na alínea a) do art. 16.º ou da alínea a) do art. 17.º, há que concluir pela jurisdição dos tribunais de Macau para a execução dos autos.
Se se decidir pela primeira das teses [i)], haverá que, de acordo com o estatuído no n.º 1 do art. 25.º, saber se a obrigação devia ser cumprida em Macau; para o que haverá que recorrer às normas de conflitos, uma vez que a situação é externa, no sentido de que existe uma elemento de conexão que se refere ao exterior de Macau, e que é a residência do exequente no Interior da China.
Então, se a obrigação devia ser cumprida em Macau, os tribunais de Macau serão competentes para a execução. Se a obrigação devia ser cumprida fora de Macau, os tribunais de Macau não terão jurisdição na matéria.

2. Execução. Competência externa. Normas aplicáveis.
Comecemos pela primeira subquestão.
Nos presentes autos está em causa a chamada competência externa dos tribunais de Macau, aquilo que normalmente se designa por competência internacional, termo que não é adequado utilizar no nosso sistema jurídico, uma vez que não está apenas em causa a competência dos tribunais de Macau relativamente a outros Estados, mas também a territórios do mesmo Estado, a República Popular da China.
Cabe apurar quais as normas sobre a competência externa dos tribunais de Macau aplicáveis quando é requerida uma execução nos tribunais de Macau - o caso dos autos - em que existe um elemento de conexão com o exterior, que é a residência do exequente, no Interior da China.
A matéria da competência externa dos tribunais de Macau está prevista nos arts. 13.º a 25.º do Código de Processo Civil e integra duas secções do Capítulo I, dedicado à Competência, do Título II – Dos tribunais, do Livro I – Da acção.
A Secção I do Capítulo I designa-se “Disposições gerais” e consta dos arts. 13.º a 20.º.
A Secção II do Capítulo I designa-se “Competência em matéria de execuções” e consta dos arts. 21.º a 25.º.
No art. 21.º prevê-se a competência dos tribunais de Macau para executar as sentenças proferidas por tribunais ou árbitros de Macau.
Nos arts. 22.º a 24.º estabelecem-se a competência interna e externa em outras situações em que o título executivo são decisões judiciais ou arbitrais proferidas em Macau.
O artigo 25.º é do seguinte teor:
“Artigo 25.º
(Outras execuções)

1. Em todos os outros casos não previstos especialmente, os tribunais de Macau são competentes para a execução quando a obrigação deva ser cumprida em Macau.
2. Tratando-se, porém, de execução para entrega de coisa certa ou pagamento de dívida com garantia real, os tribunais de Macau são competentes quando a coisa ou os bens onerados se encontrem em Macau”.

Quer isto dizer que, nas disposições especificamente consagradas às execuções, os tribunais de Macau só têm jurisdição para executar as sentenças proferidas por tribunais ou árbitros de Macau (compreendendo-se aqui as sentenças de revisão de decisões judiciais do exterior), bem como, relativamente a outros títulos executivos, quando a obrigação deva ser cumprida em Macau ou, tratando-se de execução para entrega de coisa certa ou pagamento de dívida com garantia real, quando a coisa ou os bens onerados se encontrem em Macau.
  Tem-se, por isso, posto a questão de saber se as disposições gerais dos arts. 13.º a 20.º também se aplicarão às execuções.
  No art. 15.º prevêem-se as circunstâncias gerais determinantes da competência externa dos tribunais de Macau, com base em três princípios:
  Na alínea a) está previsto o critério da causalidade: os tribunais de Macau terão jurisdição desde que tenha sido praticado em Macau o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram.
  Na alínea b) consagra-se o princípio da reciprocidade, pelo qual se dá aos residentes de Macau a faculdade de demandarem perante os tribunais de Macau não residentes, desde que, em situação inversa, os residentes de Macau pudessem ser demandados nos tribunais do Estado ou da Região a que pertence o não residente.
Na alínea c) aplica o princípio da necessidade: os tribunais de Macau terão jurisdição desde que não possa o direito tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em Macau, com a condição de que exista qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real. A ratio legis está em evitar que o direito fique sem garantia judiciária.
  No art. 16.º, em 12 alíneas, regulam-se circunstâncias determinantes da atribuição de jurisdição aos tribunais de Macau em casos particulares.
  Na alínea a) deste artigo prevê-se a competência externa dos tribunais de Macau para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, ou a resolução do contrato por falta de cumprimento, quando a obrigação devesse ser cumprida em Macau ou o réu aqui tenha domicílio.
  No art. 17.º faz-se apelo ao critério do domicilio do réu (ou da sede da pessoa colectiva) para atribuir jurisdição aos tribunais de Macau, nos casos não previstos no art. 16.º. E não o tendo o réu residência habitual ou sendo incerto ou ausente, os tribunais de Macau terão competência quando o autor tenha domicílio ou residência em Macau.
  No art. 18.º está prevista a competência dos tribunais de Macau para os procedimentos cautelares e as diligências antecipadas de produção de prova quando a acção respectiva possa aqui ser proposta ou aqui esteja pendente.
  No art. 19.º admite-se a possibilidade de as notificações avulsas podem ser requeridas nos tribunais de Macau, quando a pessoa a notificar tenha aqui residência ou domicílio.
  No art. 20.º está consagrada a competência exclusiva dos tribunais de Macau para conhecer de algumas causas, significando que a lei não admite que outras jurisdições possam conhecer destas causas, o que é efectivado pela impossibilidade de revisão e confirmação de decisões judiciais do exterior que versem sobre tais matérias [art. 1199.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil].
  
  3. Estamos em condições de conhecer da questão.
  Como se sabe, um Código legislativo obedece a princípios científicos de sistematização. Parte-se do geral para o particular, formulam-se disposições gerais e comuns aplicáveis a vários institutos e, seguidamente, formulam-se regras especiais aplicáveis a este ou àquele sector.
  Relativamente às normas em apreciação, o Capítulo I prevê uma secção (I) com disposições gerais nos arts. 13.º a 20.º e outra secção (II) com disposições privativas das execuções (arts. 21.º a 25.º). Assim, por uma questão de princípio, e a menos que se mostre o contrário, as disposições gerais, exactamente porque o são, deverão tendencialmente aplicar-se tanto às acções declarativas como às acções executivas. Já as normas da segunda secção, porque privativas das execuções não se aplicarão às acções declarativas.
  Mas há outras razões para defender este entendimento.
  O próprio art. 25.º, n.º 1 refere que “Em todos os outros casos não previstos especialmente, os tribunais de Macau são competentes para a execução quando a obrigação deva ser cumprida em Macau”.
  Ora, “os outros casos não previstos especialmente” só podem ser os casos previstos nos artigos anteriores, pois não se conhecem outras normas que prevejam a competência externa dos tribunais de Macau.
Por outro lado, relativamente aos títulos executivos não judiciais [alíneas b), c) e d) do art. 677.º do Código de Processo Civil], as normas atributivas de jurisdição aos tribunais de Macau apenas prevêem que estes executem títulos quando a obrigação deva ser cumprida em Macau e tratando-se de execução para entrega de coisa certa ou pagamento de dívida com garantia real, quando a coisa ou os bens onerados se encontrem em Macau.
Ora seria incompreensível que os tribunais de Macau não pudessem executar decisões com base nas várias hipóteses do art. 15.º, com as devidas adaptações ou por analogia, por isso que estão em causa valores que são particularmente importantes para o legislador da Região Administrativa Especial de Macau.
  Relativamente à alínea a) do art. 15.º, como é que os tribunais de Macau poderiam deixar de ser competentes para a execução se foi praticado em Macau o facto que está na base na pretensão?
  E a que título é que o legislador preveria na alínea b), o princípio da reciprocidade quanto à jurisdição dos tribunais de Macau, para as acções declarativas - pelo qual se dá aos residentes de Macau a faculdade de demandarem perante os tribunais de Macau não residentes, desde que, em situação inversa, os residentes de Macau pudessem ser demandados nos tribunais do Estado ou da Região a que pertence o não residente – e não estenderia às execuções a mesma protecção?
  E o mesmo se diga quanto ao princípio da necessidade da alínea c). Seria incompreensível que só quanto às acções declarativas os tribunais de Macau tivessem jurisdição: quando não possa o direito tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em Macau, com a condição de que exista qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
  E o mesmo princípio se aplica às normas seguintes, dos arts. 16.º e 17.º, com as devidas adaptações: se estas acções são importantes de sorte a se prever a competência dos tribunais de Macau para conhecer das mesmas, qual a razão para não as aplicar, quando possível, às acções executivas?
  Quanto à do art. 18.º, em que se prevê a competência para os procedimentos cautelares e para as diligências antecipadas de prova, é evidente a sua aplicação às execuções. Então não pode haver procedimentos cautelares dependentes de execuções, como é o caso do arresto (cfr. o n.º 1 do art. 328.º do Código de Processo Civil)? E qual a razão para que os tribunais de Macau não tivessem jurisdição para as diligências antecipadas de prova relativas a processos declarativos no âmbito da acção executiva, como os embargos de executado, a oposição à penhora e os embargos de terceiro?
  Tocantemente à alínea a) do art. 16.º - que será aplicável à situação dos autos se se entender, como é o nosso caso, que os arts. 13.º a 20.º se aplicam também às execuções – há um outro argumento adicional.
  Prevê-se aí na alínea a) do art. 16.º que os tribunais de Macau tenham jurisdição para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, ou a resolução do contrato por falta de cumprimento, quando a obrigação devesse ser cumprida em Macau ou o réu aqui tenha domicílio.
  A aplicar-se esta norma à acção executiva – como pensamos ser o caso - é indubitável que ela se aplicará ao caso dos autos, pois se pretende exigir o cumprimento de obrigação, tendo o executado domicílio em Macau.
  Mas se se considerasse que esta norma não se adaptaria à acção executiva então a alínea a) do art. 17.º seria adequada pois aí se faz apelo ao critério do domicilio do réu (executado) para atribuir jurisdição aos tribunais de Macau, nos casos não previstos no art. 16.º.
Pois bem, os tribunais de Macau não podem deixar de ter jurisdição para as execuções quando o executado resida em Macau, por duas ordens de razões:
  - Em termos de direito comparado, a generalidade das legislações consagra o domicílio do réu (ou do executado) como critério atributivo de competência internacional aos seus tribunais, seja a título de atribuição geral ou principal, seja a título residual ou subsidiário. A favor desta solução invoca-se que se tutela “através dela tanto o interesse do autor como o do réu, pois que se possibilita ao primeiro a introdução da lide no país onde a execução da sentença provavelmente terá lugar, e onde por conseguinte a realização do seu direito será mais fácil, e se exime o segundo do ónus de conduzir a sua defesa em país estrangeiro”.1
  A não ser assim na Ordem Jurídica de Macau, haveria que invocar bons argumentos para tal. E eles não se vislumbram.
- Em segundo lugar, nas disposições privativas das execuções quanto à competência dos tribunais (arts. 21.º a 25.º) em nenhum lugar se prevê a atribuição de jurisdição aos tribunais de Macau quando o executado aqui tenha bens (apenas se prevê tal situação tratando-se de execução para entrega de coisa certa ou pagamento de dívida com garantia real, quando a coisa ou os bens onerados se encontrem em Macau).
Ora a existência de bens em determinado Estado ou território é o elemento de conexão mais poderoso para atribuir jurisdição aos tribunais desse lugar para a execução.
Recorde-se que em muitos sistemas jurídicos existe competência exclusiva dos respectivos tribunais para as execuções relativamente aos bens existentes nesses países, o que significa que, nessas jurisdições, não se admite que se possam requerer execuções de bens existentes nesses países nos tribunais de outros Estados. É o caso do Código de Processo Civil português [artigo 65.º-A, alínea e)] e da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial [artigo 16.º, alínea 5)], que vigora na maior parte dos países da União Europeia.
Pois bem. É certo que o exequente não alegou que o executado tem bens em Macau. Mas deve presumir-se tal circunstância, uma vez que o executado tem domicílio, isto é, residência habitual (art. 83.º, n.º 1 do Código Civil) em Macau. Pois, se o exequente não estivesse convencido de que o executado tem bens em Macau, a que título é que o vinha executar em Macau?
Ora, como explica M.TEIXEIRA DE SOUSA2 “Convém acentuar que entre os critérios do domicílio do executado e da situação dos bens penhoráveis não há uma diferença substancial. No fundo, o que verdadeiramente releva como factor atributivo da competência internacional é a existência de bens penhoráveis em Portugal, dado que, em regra, qualquer executado domiciliado em território português – isto é que tem a sua residência habitual em Portugal (cfr. art. 82.º, n.º 1, CC) – possui bens penhoráveis em território nacional”.
Na verdade, parece pouco menos que absurdo negar competência internacional ou externa aos tribunais de um país ou território para as execuções, quando nesse país ou território estejam os bens a penhorar. É que instaurando-se a execução em país ou território do exterior, de duas uma: ou sempre teriam de vir a ser praticados no país ou território da situação dos bens os actos executórios, como a penhora, por meio de carta rogatória; ou os actos executivos seriam praticados no Estado do foro, pretensamente produzindo efeitos directos no Estado da situação dos bens, embora não se veja muito bem como.

4. Em suma, supomos ter ficado demonstrado que as disposições dos arts. 13.º a 20.º se aplicam às execuções, directamente ou por analogia, e com as adaptações que se mostrem pertinentes.
É esse, aliás, o entendimento da maioria da doutrina na vigência do Código de 1961 – que se mantém basicamente actual pois os dados da questão não se alteraram de modo relevante – como também é essa a opinião da maioria dos actuais comentadores do Código de Processo Civil português, para normas semelhantes às de Macau, e mesmo sem entrar em conta com alteração ao art. 65.º-A (competência exclusiva dos tribunais portugueses para as execuções relativamente aos bens existentes em Portugal), a que fizemos atrás fizemos referência, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
É a doutrina de J. ALBERTO DOS REIS3 que ensina que o art. 65.º do Código de 1939 (semelhante ao art. 65.º do Código de 1961 e correspondente ao art. 15.º do Código de Macau) formula regras de carácter geral e comum, pelo que “tem de concluir-se que é lícito aplicá-las às execuções, até onde a aplicação seja possível.”
Também LEBRE DE FREITAS4 entende que a norma da competência exclusiva do art. 65.º-A, alínea e) não afasta as normas de competência não exclusiva do art. 65.º, no que se refere às execuções.
Igualmente AMÂNCIO FERREIRA5 defende que se deve fazer apelo ao art. 65.º que, apesar de arquitectado para a acção declarativa, reclama aplicação directa ou por analogia à acção executiva.
Há, é certo, alguma doutrina que considera não aplicável às execuções o art. 65.º do Código de 1961.
Mas estes autores – como ANSELMO DE CASTRO6 e M. TEIXEIRA DE SOUSA7 - consideram que os únicos elementos de conexão que o direito interno português considera relevantes para atribuir competência internacional aos tribunais nacionais, fora de qualquer coincidência territorial, são o domicílio do executado em território português ou, pelo menos, a existência de bens penhoráveis em Portugal.
Logo, a seguir a tese destes autores, sempre teriam os tribunais de Macau jurisdição para a execução dos autos visto que o executado reside em Macau, presumindo-se, portanto, que tenha aqui bens penhoráveis.
É, portanto, inquestionável a competência dos tribunais de Macau para a execução dos autos.

III - Decisão
Face ao expendido, declaram competentes os tribunais de Macau para a execução dos autos, revogando o Acórdão recorrido.
Custas pelo recorrido nas duas instâncias de recurso.
Macau, 14 de Março de 2007.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 DÁRIO MOURA VICENTE, A competência internacional no Código de Processo Civil revisto: aspectos gerais, em Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 83.
     2 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, p. 128.
3 J. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª ed., 1960, volume 1.º, p. 144 e 145.
4 J. LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, , 2.ª ed., 1997, p. 93 a 96 e 4.ª ed., 2004, p. 112 a 116.
5 AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, Coimbra, Almedina, 7.ª ed., 2004, p. 71 a 77.
6 A. ANSELMO DE CASTRO, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra, Coimbra Editora, , 3.ª ed., 1977, p. 66 a 68.
7 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção..., p. 126.
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18
Processo n.º 4/2007