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Processo nº 687/2013
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Abril de 2014
Recorrentes: - A (Autor)
- B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorridos: Os Mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por despacho de 25/02/2013, foi decidido indeferir a prestação de depoimento de parte pelo Autor e o pedido de informação aos Serviços de Migração da RAEM sobre as entradas e saídas do Autor da RAEM durante o período que durou a sua relação laboral com a Ré.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) O Tribunal a quo indeferiu o requerimento da recorrente para prestação de depoimento pelo A. à matéria do ponto 19°, com o fundamento de que o factos em causa não é pessoal do A., ora recorrido;
b) No entender da recorrente, o facto que se procura indagar através do ponto 19° da base instrutória é um facto pessoal do A., por respeitar à sua situação laboral individual;
c) Ou, no mínimo, é um facto de que o A. deve ter - e efectivamente tem conhecimento, por respeitar ao enquadramento jurídico-administrativo da sua entrada, permanência e prestação da actividade profissional RAEM;
d) Ao indeferir o requerido depoimento de parte, o douto Tribunal a quo violou o disposto no art. 479°, n° 1 do CPC;
e) O Tribunal recorrido indeferiu também o requerimento da R. para que os Serviços de Migração informassem nos autos sobre todos os movimentos de entrada e saída do A. da RAEM, com indicação das respectivas datas, no período em que durou a relação laboral entre A. e R., pretendendo com isso fazer prova negativa da matéria dos pontos 10°, 11°, 13° e 15° da base instrutória, com o fundamento de que "a informação pedida não permite a conclusão que a Ré pretende" e que "os elementos que ora se ordenou a notificação da Ré para os juntar serem o meio adequado para aquele efeito;
f) O A. assenta os seus pedidos no pressuposto fáctico de ter trabalhado, ao longo de mais de 6 anos, todos os dias, 12 horas por dia, sem gozar férias ou descanso semanal;
g) Assim, bastará que do seu registo de entradas e saídas conste que o R. (que deve ser o A.) permaneceu 24 horas fora do território da RAEM, para que fique imediatamente beliscada a veracidade daquela sua alegação;
h) Por outro lado, fundamentação segundo a qual os elementos adequados à prova pretendida serão os documentos cuja junção, noutro segmento do mesmo despacho, foi ordenada à R., não merece acolhimento, na medida em que a recorrente não possui os documentos em causa e não poderá apresentá-los;
i) Face ao exposto, ao indeferir a requerida diligência de prova, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 462º do CPC.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 301 a 305, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Por sentença de 28/05/2013, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$169.267,37, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vêm recorrer a Ré e o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
A. O Autor, A:
1. Ao condenar a Ré a pagar ao Autor, ora Recorrente, apenas o equivalente a um dia de trabalho pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do disposto no art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
2. Com efeito, salvo melhor opinião, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
3. Ademais, ao condenar a Ré a pagar ao Autor, ora Recorrente, apenas e tão-só o "equivalente a um dia de trabalho", o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
4. Assim, resultado provado que o Autor, ora Recorrente, durante todo o período da relação laboral (isto é, entre 1/01/1996 a 31/03/2002) prestou trabalho em todos os dias de descanso semanal, tendo direito a gozar 325 dias de descanso semanal o que não fez, sendo que até 15/01/2002 o valor dia do salário a atender é de Mop$90,00, e que entre 16/01/2002 a 31/03/2002 o valor do salário diário a atender é de Mop$66,67 (2.000/30), a Ré deve ser condenada a pagar ao Autor, ora Recorrente, a quantia de Mop$57,986.76 - e não de Mop$28.993,37 conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
  B. A Ré, B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.:
a) Quanto aos pontos o) e p) da matéria de facto, o Tribunal recorrido atendeu ao depoimento da testemunha C, do qual concluiu o número de horas diárias que o A. trabalhava;
b) A testemunha C não apresenta qualquer razão de. ciência que lhe permita atestar sobre o número de horas que o A. trabalhava por dia;
c) Com tão frágil suporte probatório, não é possível dar-se por provado qual o número de horas que o A. trabalhava por dia;
d) O julgamento que incidiu sobre o ponto r) da matéria de facto escorou-se também no depoimento da mesma testemunha;
e) Também quanto a este facto a testemunha se revelou falha de razão de ciência ou riqueza de detalhe, por não avançar qualquer circunstância de facto que a habilitasse a atestar que o A. nunca faltou ao trabalho sem justificação ou autorização;
f) Razão por que o julgamento que incidiu sobre o referido ponto r) se mostra também equivocado;
g) Os pontos t) e u) da matéria de facto, relativos à ausência de gozo pelo A. de descanso semanal e de concessão pela R. de descanso compensatório, suportamse também no depoimento da testemunha C;
h) Também quanto aos respectivos factos as respostas da testemunha são lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize;
i) O que leva a que se considere errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre estes pontos da matéria de facto;
j) As provas têm por função demonstrar a realidade dos factos (art. 3340 do Código Civil), e visam apurar factos relevantes para a decisão da causa (art. 433º do CPC);
k) A prova faz-se vencendo a resistência da dúvida e introduzindo no mundo jurídico elementos que possam razoavelmente suportar um juízo sobre a realidade do facto sobre o qual se indaga;
l) Se essa dúvida não é vencida, ela resolve-se contra quem invocou o facto (art. 437º do CPC);
m) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha C (gravado sob o ficheiro denominado "Recorded on 13-May-2013 at 15.33.09 (0T@MP)#105411270).WAV", deverá ser alterada a resposta aos factos contidos nos pontos o), p), r) t) e u) da matéria de facto provada, julgando-se aqueles não provados, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A;
n) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
o) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
p) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
q) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
r) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
s) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
t) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
u) Nesta lógica, o A apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
v) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaramnos como "contratos de prestação de serviços";
w) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R;
x) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
y) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
z) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
aa) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
bb) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
cc) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
dd) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
ee) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
ff) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliís neque nocet neque prodest);
gg) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
hh) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
ii) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A, sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
jj) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
kk) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
ll) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
mm) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
nn) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
oo) Acresce que, procedente a reapreciação dos pontos o) e p) da matéria de facto, deverá igualmente ruir, por falta de suporte factual, o pedido deduzido pelo A. a título de trabalho extraordinário;
pp) Em todo o caso, quanto ao regime previsto nos Contratos para o cálculo da remuneração do trabalho extraordinário, deverá entender-se que o mesmo remete para o art. 11°/2 do Decreto-Lei n° 24/89/M, em cujo art. 11°/2, o qual deixa ao critério das partes o ajuste, em sede de contrato individual de trabalho, dos termos dessa remuneração;
qq) Cabia pois ao A. alegar os termos desse ajuste contratual, o que não fez;
rr) Como tal, na falta de suporte de facto quanto aos termos de remuneração de trabalho extraordinário acordados entre as partes conclui-se que o A. não demonstrou ser-lhe devida qualquer quantia adicional às que, como ficou provado nos pontos o) e p), lhe foram oportunamente pagas pela R. como remuneração do trabalho extraordinário prestado;
ss) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido violou o art. 228°/1 do Código Civil;
tt) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
uu) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de refeição depende da prestação efectiva de trabalho;
vv) Porém, na decisão recorrida propugnou-se o entendimento de que o A. terá direito a subsídio de alimentação em todos os dias de calendário que durou a sua relação laboral;
ww) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°/1 do Código Civil;
xx) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
yy) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto r) da matéria de facto, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
zz) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho;
aaa) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia;
bbb) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas - que o A. reconhece terem ocorrido - não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228°/1 do Código Civil.
ccc) A modificação da decisão sobre o ponto u) da matéria de facto terá o efeito de absolver a R. do pedido formulado a título de compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal, por via da inexistência do respectivo suporte factual;
ddd) Ainda assim, entende a R. que sempre haverá que considerar que a decisão recorrida enferma de erro de Direito;
eee) Por regular apenas as relações de trabalho com residentes da RAEM, o Decreto-Lei n° 24/89/M não é aplicável ao caso em apreço, devendo entender-se que a remuneração do descanso semanal era tema tratado de forma definitiva no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre A. e R.;
fff) Ao decidir em sentido diverso, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 1°/2 e 3°/3/d) do Decreto-Lei n° 24/89M;
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 422 a 433, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994 ; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O Autor trabalhou sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré, no local e horário de trabalho fixado pela Ré de acordo com as suas exclusivas necessidades, sendo a Ré quem pagou o salário ao Autor;
e) Entre 01.01.1996 e 31.03.2002 o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”.
f) Foi ao abrigo de um dos contratos de prestação de serviços referidos em C) com o nº 02/94 que a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor.
g) Do contrato de prestação de serviços referido em c) com o nº 02/94 consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias.
h) Do contrato de prestação de serviços referido em c) com o nº 02/94 consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação.
i) Do contrato de prestação de serviços referido em c) com o nº 02/94 consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
j) Do contrato de prestação de serviços referido em C) com o nº 02/94 consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.
k) Entre Janeiro de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00 mensais.
l) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,800.00 mensais.
m) Entre Abril de 1998 e Março de 2002 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,000.00 mensais.
n) Entre 01.01.1996 e 30.06.1997 o Autor trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora.
o) Entre Julho de 1997 e Março de 2002 o Autor trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora.
p) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
q) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho.
r) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».
s) O Autor nunca gozou dia de descanso semanal durante todo o período que esteve ao serviço da Ré.
t) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório.
u) Os contratos referidos em c) foram substituídos pelo contrato nº 1/1 em 15.01.2002, cuja cópia consta de folhas 224 a 228 e aqui se dá por reproduzido.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Do recurso interlocutório da Ré
1.1 Do indeferimento do depoimento de parte do Autor
A Ré pretendeu o depoimento de parte do Autor com vista a provar o facto vertido no quesito 19º da Base Instrutório, a saber:
19º
A partir de 15.01.2001 foi com base nos contratos referidos no item anterior (contratos nºs 1/1 e 14/1) que a R. outorgou o contrato individual de trabalho com o A.?
Na óptica da Ré, o facto em causa é do conhecimento pessoal do Autor, “por respeitar ao enquadramento jurídico-administrativo da sua entrada, permanência e prestação da actividade profissional RAEM”, pelo que o Tribunal a quo devia ter admitido o requerido depoimento de parte.
Não lhe assiste razão, na medida em que tais contratos são celebrados entre a Ré e a Sociedade Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., nos quais a Ré nunca teve intervenção.
Por outro lado, não é exigível, para um trabalhador não residente como é o Autor, conhecer o “enquadramento jurídico-administrativo da sua entrada, permanência e prestação da actividade profissional RAEM”.
Por fim, ainda que se considerasse como uma matéria do conhecimento pessoal do Autor, também não se nos afigura que o depoimento de parte do mesmo seja necessário, uma vez que já foi ordenado, a pedido da Ré, que se oficiasse ao Gabinete para os Recursos Humanos para informar sobre quais os contratos de prestação de serviço que serviram de base às sucessivas renovações da autorização de trabalho do Autor.
Nesta conformidade e sem necessidade de mais delongas, é de negar provimento ao recurso nesta parte.
1.2 Do indeferimento da solicitação do registo das entradas e saídas
A Ré requereu que se oficiasse aos Serviços da Migração da PSP para solicitar o registo das entradas e saídas da RAEM do Autor no período compreendido entre 01/01/1996 a 31/03/2002, para prova negativa dos quesitos 10º, 11º, 13º e 15º da Base Instrutória, a saber:
10º
Entre 01.08.1996 e 30.06.1997 o A. trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora?
11º
Entre Julho de 1997 e Março de 2002 o A. trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora?
13º
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho?
15º
O A. nunca gozou dia de descanso semanal durante todo o período esteve ao serviço da R.?
Para a Ré, desde que do registo de entradas e saídas conste que o Autor “permaneceu 24 horas fora do território da RAEM, para que fique imediatamente beliscada a veracidade daquela sua alegação”.
Quid iuris?
Aparentemente tem razão, mas só aparentemente e não na realidade.
Vejamos a sua razão de ser.
Ainda que o Autor tenha saído da RAEM por mais de 24 horas consecutivas, não significa que:
1- Não tenha trabalhado 12 horas por cada dia;
2- Tenha dado qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia da Ré; e
3- Tenha gozado os dias de descanso semanal.
Pois, as eventuais saídas da RAEM por mais de 24 horas consecutivas podem ser perfeitamente como resultado das faltas ao serviço não remuneradas com conhecimento e autorização prévia da Ré e não têm de ser necessariamente o gozo dos dias de descanso semanal.
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo em indeferir a pretensão formulada.
É de negar também provimento ao recurso nesta parte.
2. Do recurso final da Ré
2.1 Da impugnação da decisão da matéria de facto
O Tribunal a quo considerou provados os quesitos 10º, 11º, 13º, 15º, e 16º nos seguintes termos:
10º
Entre 01.01.1996 e 30.06.1997 o A. Trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora.
11º
Entre Julho de 1997 e Março de 2002 o A. Trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por dia.
13º
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho.
15º
O A. nunca gozou dia de descanso semanal durante todo o período esteve ao serviço da R..
16º
Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descando compensatório.
Vem a Ré impugnar esta decisão da matéria de facto, com fundamento na falta da prova suficiente para o efeito, uma vez que o depoimento da única testemunha do Autor, com base no qual se fundou a convicção do Tribunal a quo para a resposta dos quesitos em causa, “falha de razão de ciência ou riqueza de detalhe, por não avançar qualquer circunstância de facto que a habilitasse pronunciar” sobre a matéria de facto em causa.
Ouvida novamente a gravação da audiência de julgamento, não cremos que a Ré tenha a mínima razão.
Em primeiro lugar, a testemunha ouvida foi colega do Autor, que chegou a trabalhar nas mesmas condições daquele, daí que o seu depoimento não deixa de ser credível.
Em segundo lugar, não obstante cada caso ser um caso autónomo, já temos vários processos congéneres, pelo que o Tribunal já não está alheio quanto à política interna da Ré respeitante à forma de prestação de trabalho dos seus guardas de segurança ao longo dos anos anteriores.
A posição da Ré não deixa de ser um “ataque” infundado à livre convicção do julgador.
Improcede, portanto, este argumento do recurso.
2.2 Da imperatividade do Despacho nº 12/GM/88 e Da Natureza dos Contratos de Prestação de Serviço
Sobre as questões em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência já bem conhecida, especialmente por parte da Ré.
2.3 Das diferenças salariais e Do Trabalho Extraordinário
Com a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e dos argumentos do recurso referidos no ponto 2.2, não temos qualquer margem de dúvida em afirmar que o Autor tem direito a receber da Ré as quantias condenadas àqueles títulos.
2.4 Do subsídio de alimentação
Para além de invocar a ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio (matéria esta que já foi julgada improcedente nos termos anteriores), invoca ainda a Ré que o referido subsídio carece de uma efectividade de serviço, pelo que não estando provados os dias em que o trabalho foi efectivamente prestado, não podia a sentença tê-la condenado no pagamento de todos os dias por que durou a relação laboral.
Sobre esta questão, este Tribunal tem decidido em processos congéneres no sentido de que a atribuição do referido subsídio depende da prestação efectiva do serviço (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
No caso em apreço, o Tribunal a quo condenou a Ré a pagar a quantia de MOP$33.105,00, resultante do cálculo baseado no número total de 2207 dias respeitantes ao período entre 01/01/1996 e 15/01/2002, e não os dias de trabalho efectivo, o que urge reparar.
Não se sabe o número de dias de trabalho efectivo, mas isto não determina a absolvição da Ré tal como é pretendida, uma vez que não temos qualquer dúvida de que a Ré tem a obrigação de pagar, só que não sabemos, por falta de elementos nos autos, qual a sua quantia exacta.
Nesta conformidade e tendo em conta o disposto do nº 2 do artº 564º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT, a Ré deve ser condenada no que se liquidar em execução da sentença.
2.5 Do subsídio de efectividade
Entende a Ré que o Tribunal a quo não a podia ter condenado no pagamento do mesmo pelas seguintes razões:
- ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor direito a este subsídio;
- falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do Autor a perceber tal subsídio, como consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto; e
- por o Autor ter dado faltas, ainda que justificadas e autorizadas.
Para os primeiros dois argumentos, decidimos já que os mesmos são improcedentes nos termos invocados anteriormente.
Em relação ao último fundamento, é já jurisprudência assente ao nível deste TSI, no sentido de que a sua atribuição não está excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho.
Pois, “se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.” (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013)
Ora, tendo sido dado como provado que “durante todo o período da relação contratual entre Ré e A, nunca este, sem conhecimento e autorização prévia da Ré, deu qualquer falta ao trabalho”, andou bem o Tribunal a quo em reconhecer a sua atribuição.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
2.6 Da compensação dos dias de descanso semanal
É apreciada em conjunto com o recurso do Autor.
3. Do recurso final do Autor
Tanto o Autor como a Ré, ambos recorreram da sentença a quo na parte respeitante à condenação do pagamento da compensação pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, embora com vertentes opostas.
O Autor, com recurso à jurisprudência uniforme deste Tribunal, defende que tem o direito de receber o dobro da quantia condenada, ao passo que a Ré sustenta que nada é devido a esse título, com o fundamento quer na procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, quer na inaplicabilidade do DL nº 24/86/M ao caso sub justice.
Como já nos pronunciamos pela improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, vamos agora analisar a questão da aplicabilidade/inaplicabilidade do DL nº 24/89/M ao caso em apreço.
Como é sabido, o DL nº 24/89/M não é aplicável, em princípio, às relações laborais de trabalhadores não residentes, as quais são reguladas por normas especiais (artº 3º, nº 3, al. d) do citado diploma legal).
Porém, até à entrada em vigor da Lei nº 21/2009, não existiam no ordenamento jurídico de Macau as ditas normas especiais, pois, quer o Despacho nº 12/GM/88, quer o Despacho nº 49/GM/88, ambos regulam essencialmente a forma de contratação dos trabalhadores não residentes. Quanto às condições de trabalho, nada dizem a esse respeito, apenas estabelecendo que compete à DSTE verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito (al. d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 e b.4 do nº 2 do Despacho nº 49/GM/88).
Quid iuris?
Tem-se entendido, quer ao nível da jurisprudência, quer da doutrina, que o regime geral da relação laboral é susceptível de se aplicar, por analogia, aos casos especiais quando se verificar a falta de regulamentação específica para o efeito.
Por exemplo, o Prof. Jorge Leite, sustenta que são aplicáveis aos contratos de regime especial “as leis gerais que os excluem do seu âmbito de aplicação, quando não haja lei especial, na medida em que a falta de regulamentação se analise numa inconstitucionalidade por omissão ou mesmo numa inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade” (Direito do Trabalho, Serviços Sociais da U.C., Serviço de Textos, Coimbra, 1993, pág 145).
Trata-se duma questão jurídica que nada é de novo para este Tribunal, na medida em que já foi chamado para se pronunciar sobre ela em vários processos congéneres.
A título exemplificativo, citamos o Ac. deste Tribunal, de 17/11/2011, proferido no Proc. nº 491/2011, onde analisou, de forma pormenorizada e cuidadosa, a questão em causa:
“É verdade que do artº 3º/3-d) do D. L. Nº 24/89/M resulta que este diploma não se aplica às relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes, as quais são reguladas pelas normas especiais que se encontram em vigor.
Todavia, o problema é que não existe normas especiais reguladoras das relações de trabalho entre empregados e trabalhadores não residentes durante o período a que se reportam os factos dos presentes autos.
Para a recorrente, na circunstância da falta das normas especiais, será aplicado o regime contratualmente assumido e aceite pelas partes e bem assim os princípios gerais de direito de trabalho assumidos pelo nosso direito, como sejam, nomeadamente os previstos no artº 5º da Lei nº 4/98/M.
Na esteira desse raciocínio, defende que in casu o cálculo da remuneração a pagar ao trabalhador pelo trabalho extraordinário e pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal ser aplicado de acordo com aquilo que as partes acordaram, ou seja, o pagamento do mesmo como se um dia de trabalho normal se tratasse, o qual se encontra já pago, devendo a Ré, ora Recorrente ser absolvida do pedido.
Para nós, a boa solução quanto ao regime aplicável só poderá ser encontrada mediante a cuidadosa averiguação da razão de ser subjacente ao acima referido artº 3º/3-e) do D.L. nº 24/89/M.
Ou seja, temos de procurar saber primeiro qual é a razão que levou o nosso legislador a decidir a retirar a aplicabilidade do decreto às relações de trabalho entre empregados e trabalhadores Ac. 491/2011-36 não residentes e remetê-las para a lei especial.
A resposta está expressamente dita na Lei nº 4/98/M de 27JUL.
Essa lei, intitulada “Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais”, estabelece no seu artº 9º que:
(Complemento dos recursos humanos locais)
1. A contratação de trabalhadores não residentes apenas é admitida quando, cumulativamente, vise suprir a inexistência ou insuficiência de trabalhadores residentes aptos a prestar trabalho em condições de igualdade de custos e de eficiência e seja limitada temporalmente.
2. A contratação de trabalhadores não residentes não é admitida quando, apesar de verificados os requisitos constantes do número anterior, contribua de forma significativa para a redução dos direitos laborais ou provoque, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, de contratos de trabalho.
3. A contratação de trabalhadores não residentes depende de autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O recurso à prestação de trabalho por trabalhadores não residentes pode ser definida por sectores de actividade económica, consoante as necessidades do mercado, a conjuntura económica e as tendências de crescimento sectoriais.
É bem óbvia a intenção do legislador no sentido de que a contratação dos trabalhadores não residentes tem sempre natureza complementar dos recursos humanos locais.
O que justifica que a sua regulação seja remetida para uma lei especial e a diferenciação no tratamento dos trabalhadores locais e dos não residentes.
Da leitura dos normativos desse artº 9º, nota-se que não é admissível o recurso à importação da mão-de-obra por motivo da redução de custos na produção ou na exploração, mas sim por razões estritas da falta de recursos humanos locais disponíveis.
Assim, se o recurso a trabalhadores não residente não puder ter por objectivo reduzir custos da entidade patronal a fim de aumentar a sua competitividade no mercado ou maximizar os seus lucros, a diferenciação no tratamento dos trabalhadores locais e dos não residentes só se justifica no que diz respeito à sua contratação ou importação, e nunca aos seus direitos, deveres e garantias fundamentais.
Aliás estas ideias estão bem patenteadas no texto do artº 9º/1 da mesma lei de base, pois ai estão enfatizadas as condições de igualdade de custos na contratação de trabalhadores não residentes.
Por outro lado, a Lei Básica manda no seu artº 40º a continuação da aplicação das disposições constantes do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau.
Nos termos do artº 7º do Pacto, estabelece-se que os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa gozar de condições de trabalho equitativas e satisfatórias que assegurem, em especial:
a) Uma remuneração que proporcione como mínimo a todos os trabalhadores:
i) Um salário igual pelo trabalho de igual valor, sem distinções de nenhuma espécie; em particular, deve assegurar-se às mulheres condições de trabalho não inferiores às dos homens, com salário igual para trabalho igual;
ii) Condições de vida dignas para eles e para as suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto.
b) Segurança e higiene no trabalho;
c) Iguais oportunidades de promoção no trabalho à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que não sejam os factores de tempo de serviço e capacidade;
d) O descanso, usufruir do tempo livre, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, assim como a remuneração dos dias feriados.
O que foi justamente concretizado no artº 5º da Lei de Base acima referida.
Reza esse artº 5º com a epígrafe Direitos Laborais que:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade;
b) À igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual;
c) À prestação do trabalho em condições de higiene e segurança;
d) À assistência na doença;
e) A um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados;
f) À filiação em associação representativa dos seus interesses.
2. É garantida especial protecção às mulheres trabalhadoras, nomeadamente durante a gravidez e depois do parto, aos menores e aos deficientes em situação de trabalho.
Por força dessas normas de origem constitucional e da lei ordinária que vimos supra, temos sempre a obrigação de salvaguardar o princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual.
  Defende agora a recorrente que na falta das normas especiais reguladoras da forma da compensação de trabalho prestado pelo Autor, enquanto trabalhador não residente, em dias de descanso semanal, deve aplicar-se o acordo contratualmente estipulado, isto é, o pagamento como se um dia de trabalho normal se tratasse.
  Só aceitariamos essa tese se do contratualmente acordo resultasse uma forma da compensação mais favorável ao Autor do que o mínimo exigido pela lei geral.
  Comparando a forma hipotética de compensações à luz do estabelecido no D. L. nº 24/89/M e a forma defendida pela Ré, nomeadamente no que diz respeito às compensações do trabalho extraordinário e do trabalho prestado em dias de descanso semanal, salta à vista que o preconizado pela ora recorrente se mostra menos favorável ao Autor, o que viola o acima citado princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual.
Portanto não é de aceitar a tese da recorrente.
Então como é que vamos preencher a lacuna da lei, resultante da falta das normas especiais a que se refere o artº 3º/3 do D. L. nº 24/89/M.
A este propósito diz o Código Civil no seu artº 9º que:
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Ora, in casu, com respeito pelo princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual, entendemos que as razões subjacentes ao citado artº 17º do D. L. nº 24/89/M e justificativas da atribuição de uma compensação pelo dobro da retribuição normal valem perfeitamente para a regulação, ora omissa na lei vigente, da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal pelo trabalhadores não residentes.
Nem se diga que a essa solução obsta a circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.
Não se verificando essa condição, naturalmente nada obsta a aplicação analógica.
Ademais, mesmo que não se recorresse à aplicação analógica do artº 17º do mesmo decreto para a integração da lacuna, a solução seria a mesma, pois pegando do princípio da igualdade de salário entre trabalho igual ou de valor igual, estamos sempre habilitados para criar uma norma de teor igual a fim de a aplicar ao caso sub judice, ao abrigo do disposto no artº 9º/3 do Código Civil”.
É a jurisprudência bem fundamentada que aponta a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso.
Encontrado o regime jurídico aplicável, vamos agora determinar o quantum compensatório.
Nos termos da al. a) do nº 6 artº 17º do DL nº 24/89/M, o trabalho prestado em dias de descanso semanal deve ser pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que auferem salário mensal, que é o caso.
Assim, o Autor tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido.
Pelo exposto, é de negar provimento ao recurso da Ré nesta parte e conceder provimento ao recurso do Autor.
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso interlocutório da Ré.
- conceder parcial provimento ao recurso final da Ré, revogando a sentença recorrida na parte que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$33.105,00, a título de subsídio de alimentação, passando, assim, a condená-la a pagar ao Autor o montante que vier a liquidar-se em execução de sentença;
- conceder provimento ao recurso final do Autor, revogando a sentença recorrida na parte correspondente, e, em consequência, fica a Ré condenada a pagar ao Autor, a título da compensação da prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$57.986,70, com juros de mora a partir da data do presente aresto; e
- confirmar a sentença recorrida na parte restante.
Custas do recurso interlocutório pela Ré.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.
Notifique e D.N.
*
RAEM, aos 24 de Abril de 2014.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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687/2013