Processo nº 158/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 29 de Maio de 2014
Recorrente: A (Autora)
Recorrida: B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 06/01/2014, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. a pagar à Autora A a quantia total de MOP$13,654.12, acrescida de juros de mora legais.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da Sentença na qual o Tribunal a quo procedeu a um julgamento incorrecto quanto ao questo 3 da resposta à base instrutória e, em consequência, julgou parcialmente improcedente a favor da Recorrente a atribuição de uma determinada compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, em violação ao disposto nos artigos 17.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Da decisão sobre a matéria de facto (com reapreciação de prova gravada)
2. O julgamento de facto que incidiu sobre o quesito 3 da base instrutória mostra-se equivocado, porquanto uma correcta ponderação dos meios de prova constantes dos autos é apta a conduzir a uma outra decisão.
3. Com efeito, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, resulta do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pela testemunha arrolada pelo Autor que: Durante todo o tempo da relação laboral, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal remunerado.
Ao que acresce que,
4. Não tendo a Recorrida junto aos presentes autos um qualquer elemento de prova (testemunhal, ou documental), não se compreende a referência feita pelo Tribunal a quo aos "documentos constantes dos autos" com vista a fundamentar a resposta restritiva ao conteúdo do quesito 3 da base instrutória.
5. Com efeito, a "resposta restritiva" ao referido quesito não só se mostra em contradição com o "sério, credível e conhecedor" testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento e, porque, o ónus de prova sobre o gozo efectivo de dias de descanso semanal relativamente a tais períodos deveria recair sob a Recorrida (o que de todo em todo se não verificou) e nunca sob a ora Recorrente.
6. Pelo exposto, requer-se que o douto Tribunal ad quem proceda à reapreciação da matéria de facto assente e, em conformidade, altere a resposta ao facto contido no quesito 3 da base instrutória, julgandose integralmente provado que: "Desde o início da relação de trabalho entre a Autora e Ré, a primeira nunca gozou de qualquer dia de descanso semanal", com as devidas consequências quanto ao concreto pedido formulado pelo Recorrente.
Do Direito
7. Ao proceder ao desconto do valor pago em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação da al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, visto o preceito garantir o seu pagamento em dobro, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida em conformidade com o disposto na referida Lei das Relações Laborais.
8. Trata-se, de resto, de uma interpretação que se afasta da que reiteradamente tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância a respeito da mesma questão de Direito.
9. Em consequência, deve a Recorrida ser condenada a pagar à ora Recorrente a quantia de Mop$68,805.00 - e não apenas de Mop$6,827,06, conforme resulta da decisão ora posta em crise - em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos da a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Entre 12 de Junho de 1998 a 31 de Março de 2004, a Autora prestou para a Ré funções de "guarda de segurança", trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré, sendo esta quem lhe fixou o local e horário de trabalho de acordo com as necessidades da Ré. (alíneas A) dos factos assentes)
- Pelo trabalho prestado pela Autora, em dia de descanso semanal, a Ré remunerou a Autora com o salário correspondente a um dia em singelo. (alíneas B) dos factos assentes)
- Durante o período que esteve ao serviço da Ré a Autora auferiu daquela o seguinte valor anual de salário.
1998: MOP$29.765,00
1999: MOP$28.580,00
2000: MOP$54.998,00
2001: MOP$44.358,00
2002: MOP$35.532,00
2003: MOP$31.918,00
2004: MOP$61.385,00 (Quesito 1.° da base instrutória, aceite pelas partes)
- No período referido no item anterior a Autora auferiu da Ré o seguinte salário diário.
1998: MOP$165.3611111
1999: MOP$79.38888889
2000: MOP$152.7722222
2001: MOP$123.2166667
2002: MOP$98.7
2003: MOP$88.66111111
2004: MOP$170.5138889 (Quesito 2.° da base instrutória, aceite pelas partes)
- Durante Janeiro de 2003 a Março de 2004, a Autora não gozou de qualquer dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3.° da base instrutória)
- Enquanto a Autora esteve ao serviço da Ré quando gozou de algum período de "não trabalho", tal correspondeu a dias de "dispensa", sempre e previamente autorizados pela Ré e que nunca foram por esta remunerados. (Resposta ao quesito 4.° da base instrutória)
- A Ré nunca conferiu à Autora em troca do trabalho prestado em dia de descanso semanal um qualquer outro dia de descanso compensatório. (Resposta ao quesito 5.° da base instrutória)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto
Vem a Autora impugnar a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo respeitante ao quesito 3º da Base Instrutória.
O quesito em causa é formulado pela forma seguinte:
3º
Desde o início da relação de trabalho entre a Autora e a Ré, a primeira nunca gozou de qualquer dia de descanso semanal?
Realizado o julgamento, o Tribunal a quo considerou provado apenas que “Durante Janeiro de 2003 a Março de 2004, a Autora não gozou de qualquer dia de descanso semanal”.
E justificou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos e no depoimento “sério, credível e conhecedor da testemunha C, ex-colega da A. e nas mesmas condições dela, serviu para dar como demonstrados restritivamente os quesitos 3º a 5°. A testemunha indicou o regulamento interno da Ré quanto à concessão da licença ou falta, presenciando que a A. trabalhava com ele no mesmo lugar durante o período acima referido sem concessão dum dia de descanso semanal. Acrescentou ainda que não foram concedido nenhum dia de descanso compensatório para o trabalho nos dias de descanso semanal...”.
Para a Autora, o referido quesito deveria ser considerado como provado na sua íntegra e não na forma restritiva.
Ouvida novamente a gravação do depoimento da testemunha, cremos que a Autora tenha razão.
Em primeiro lugar, a testemunha inquirida não declarou no sentido de que a Autora só a partir de Janeiro de 2003 é que não gozou qualquer dia de descanso semanal, bem pelo contrário, a instâncias do mandatário da Autora, respondeu que no período entre os anos de 1997 a 2005, nenhum trabalhador da Ré tinha gozado dias de descanso semanal.
Não ignoramos que a testemunha, respondeu também a instâncias do mandatário da Ré, só conhecer a Autora a partir do ano de 2003.
Contudo, tal facto em si não é suficiente para afastar o seu conhecimento relativo à política interna da Ré respeitante à forma de prestação de trabalho dos seus guardas de segurança ao longo dos anos, pois foi trabalhador da Ré desde a década de 90 do século passado
Em segundo lugar, não resulta dos autos qualquer prova documental que evidencia que a Autora gozava os dias de descanso semanal antes de 2003.
Por fim, ficou provado que “Enquanto a Autora esteve ao serviço da Ré quando gozou algum período de “não trabalho”, tal correspondeu a dias de “dispensa”, sempre e previamente autorizados pela Ré e que nunca foram por esta remunerados” (quesito 4º da Base Instrutória).
Uma vez provado o facto de que a Autora só gozou os dias de dispensa não remunerados enquanto esteve ao serviço da Ré, nunca o Tribunal a quo poderia restringir o âmbito do provado do quesito 3º, sob pena de existir contradição insanável.
Face ao exposto, é de conceder provimento ao recurso nesta parte e, em consequência, julga-se como provado o quesito 3º da Base Instrutória.
2. Da compensação dos dias de descanso semanal
Quanto à fórmula de compensação do descanso semanal, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida por este TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência uniforme deste Tribunal no sentido de que o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração correspondente, para além do singelo já recebido.
Assim e em consequência da supra procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, a Autora tem direito a receber, a título da compensação do não gozo dos dias de descanso semanal, as seguintes quantias:
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interposto;
- modificar a decisão da matéria de facto relativa ao quesito 3º da Base Instrutória, julgando o mesmo como provado na sua íntegra;
- revogar a sentença recorrida na parte respeitante à condenação do pagamento da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal;
- condenar a Ré a pagar à Autora, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$68,805.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto; e
- manter a sentença recorrida na restante parte.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaímento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido à Autora.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 29 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong (Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)
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158/2014