Processo n.º 197/2014 Data do acórdão: 2014-5-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– revogação da pena suspensa
– art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal
– tratamento da toxicodependência
– falta aos testes de urina
S U M Á R I O
Considerando que no pleno período de suspensão da execução da sua pena de prisão então decretada sob condição de sujeição ao tratamento da sua toxicodependência, e mesmo após a advertência judicial anterior, o recorrente voltou a consumir droga e faltou efectivamente aos testes de urina organizados pelo Departamento de Reinserção Social executor de tal tratamento, é de revogar a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por ele não ser sincero em prestar colaboração activa na questão de sujeição aos testes de urina.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 197/2014
(Recurso em processo penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fl. 282 dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR1-12-0183-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena única de um ano e oito meses de prisão, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nesses autos, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação desse despacho revogatório da pena suspensa, alegando, para o efeito, e na sua essência, que essa decisão judicial padecia do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), por a M.ma Juíza autora do mesmo ter qualificado, mas erroneamente, a não ida do ora recorrente (apenas por motivo de trabalho) aos testes de urina como uma conduta materialmente violadora da condição da suspensão da execução da pena de prisão para os efeitos a relevar do disposto no art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 286 a 289 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 293 a 296v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 304 a 305, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão de 3 de Maio de 2013 (que transitou em julgado em 13 de Maio de 2013) do Processo Comum Colectivo n.o CR1-12-0183-PCC do 1.º Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, o ora recorrente A foi condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de um ano e seis meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e em cúmulo jurídico dessas duas penas com a pena de dois meses de prisão outrora aplicada por um crime de consumo ilícito de estupefaciente no âmbito do Processo Sumário n.º CR1-13-0028-PSM, finalmente na pena única de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e seis meses, sob condição de sujeição, durante o período da suspensão, ao tratamento acompanhado de toxicodependência do Departamento de Reinserção Social (cfr. o acórdão de fls. 184 a 187v e a nota de trânsito em julgado de fl. 193 dos presentes autos correspondentes);
– Por despacho judicial de 10 de Outubro de 2013 (que transitou em julgado em 21 de Outubro de 2013), foi advertido o ora recorrente (que até essa altura não tinha vindo a prestar activamente colaboração ao pessoal assistente social na matéria de sujeição ao tratamento da sua toxicopendência, com a agravante de que tinha voltado a consumir droga em Agosto de 2013) da necessidade de se sujeitar ao tratamento acompanhado de toxicodependência (cfr. o teor desse despacho constante de fls. 260 a 260v, e a nota de trânsito em julgado lavrada a fl. 261);
– Posteriormente, no relatório elaborado em 18 de Dezembro de 2013 pelo Senhor Técnico do Departamento de Reinserção Social, foi informado que em teste de urina feito ao recorrente no dia 2 desse mês, foi logo detectada a reacção positiva à droga, que o recorrente faltou injustificadamente aos testes de urina dos dias 13 e 16 desse mês, que quanto ao teste de urina inicialmente agendado para o dia 10 desse mês, já foi dito ao recorrente que a gente podia fazer este teste em segunda via no dia 11, até antes das oito horas da noite, mas o recorrente pediu que fosse adiada a data deste teste, pedido este que não foi aceite, pelo que o recorrente acabou por faltar a este teste também (cfr. o relatório de fls. 272 a 273v, e a lista de resultados de testes anexa ao mesmo, a fl. 274v);
– perante o conhecimento desse último relatório, a M.ma Juíza agora titular do subjacente Processo acabou por decidir, em 20 de Fevereiro de 2014, em revogar, nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP, a suspensão da execução da pena única de prisão do recorrente, por entender que este não acatou a condição da suspensão da pena, com a agravante de que os resultados dos testes de urina eram todos insatisfatórios (cfr. o teor do auto de fls. 281 a 282v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o recorrente assaca materialmente ao impugnado despacho judicial de 20 de Fevereiro de 2014, a violação do disposto no art.o 54.o, n.º 1, alínea a), do CP, com conexa arguição do vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
Assim sendo, é de aquilatar da rectidão, ou não, da decisão de revogação da pena suspensa, sendo de frisar que tal vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP foi mal invocado pelo recorrente, porquanto as razões da discordância dele se prendem com a questão da (boa ou má) qualificação da sua não ida aos testes de urina como conduta violadora da condição da pena suspensa.
Ora, dos dados acima coligidos dos autos, resulta claro que no pleno período de suspensão da execução da pena única de prisão (por que tinha ficado condenado nos subjacentes autos penais), e mesmo após a advertência judicial anterior, o recorrente voltou a consumir droga (o que se comprova no resultado do teste de urina feito no dia 2 de Dezembro de 2013), e faltou efectivamente aos testes de urina organizados pelo Departamento de Reinserção Social, havendo de improceder, pois, a tese do recorrente de que ele faltou aos testes apenas por motivo de trabalho, já que quanto a isto, o pessoal desse Departamento já chegou a tentar adiar o teste de urina do dia 10 de Dezembro de 2013 para o dia 11 desse mês, antes das oito horas da noite, para o recorrente fazer o teste em segunda via, mas este insistiu em adiar a data desse teste, e como não logrou ver satisfeita essa sua pretensão, acabou por faltar a esse teste, por aí se vê que ele não era sincero em prestar colaboração activa na questão de sujeição aos testes de urina, problema este que já tinha sido constatado no despacho judicial anterior, datado de 10 de Outubro de 2013.
Desta feita, é de louvar a decisão judicial recorrida, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça, e duas mil e trezentas patacas de honorários ao seu Ilustre Defensor Oficioso.
Comunique ao Departamento de Reinserção Social.
E comunique ao processo penal à ordem do qual se encontra actualmente preso o recorrente.
Macau, 29 de Maio de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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