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Processo n.º 298/2013
(Recurso Jurisdicional)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 29/Maio/2014

Assuntos:
- Pagamento voluntário do imposto
- Aceitação tácita do acto
- Ilegitimidade; factos de que se pode servir o tribunal para conhecimento da excepção

   SUMÁRIO :

1. A legitimidade é de conhecimento oficioso e o juiz pode servir-se de facto documentalmente resultantes dos autos, como seja o pagamento de um imposto, ainda que não alegado, para conhecer dessa excepção.

2. A aceitação tácita é aquela que deriva de actos e factos concludentes que apontam inequivocamente no sentido de que alguém se conformou com o acto e assim se mostram incompatíveis com a vontade de recorrer.

3. Não é de considerar que o administrado aceitou tacitamente o acto tributário que veio a impugnar, resultando dos autos que nunca se conformou com a fixação do valor, na certeza de que se sujeitaria a juros de mora e a cobrança coerciva se não fizesse tal pagamento em prazo inferior ao da impugnação.


            O Relator,
            João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 298/2013
(Recurso de Decisões jurisdicionais)

Data : 29 de Maio de 2014

Recorrente:
- Companhia de Construção e Engenharia A Limitada.

Entidade Recorrida:
- Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos (B) da D.S.F.

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    "COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA A LIMITADA", vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo, alegando, em síntese conclusiva:
     1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 328 e ss. dos autos pelo Mmo. Juiz do Tribunal do Tribunal Administrativo que decidiu, a final, com base no disposto no artigo 34° do CPAC, julgar improcedente o recurso contencioso por alegada falta de legitimidade da aqui Recorrente para recorrer em virtude de ter pretensamente aceite o acto recorrido.
    2. O acto administrativo em crise neste recurso, conforme resulta dos presentes autos, é a uma deliberação datada de 14/12/2010 da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos "B" da Direcção dos Serviços de Finanças, através da qual essa Comissão decidiu pelo indeferimento total de uma Reclamação da Recorrente de 26/10/2010, sobre a fixação do seu rendimento colectável para cada um dos exercícios de 2007 e 2008.
    3. Dessa decisão resultou a manutenção, para cada um desses exercícios, do valor de MOP$26.049.500,00 como lucro tributável a ter em conta para efeitos de cálculo do Imposto Complementar de Rendimentos ("ICR"), agravado de 0,1% na colecta, com base no artigo 47° do Regulamento de ICR ("RICR").
    4. Em consequência, o tributo devido pela Recorrente a título de ICR foi fixado em MOP$3,098,940.00, para cada um dos anos de exercício de 2007 e 2008.
    5. Ora, a aqui Recorrente não se pode conformar com a referida sentença, uma vez que, salvo o devido respeito, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou diversas questões deduzidas pela Recorrente, apreciou outras que não lhe competia apreciar, ignorou documentação junta aos autos, e, bem assim, violou diversos princípios e disposições legais aplicáveis à actividade da Administração Fiscal os quais, evidentemente, devidamente ponderados e analisados, sempre impunham a procedência da pretensão da Recorrente e, consequentemente, do seu recurso.
    6. A primeira e principal questão em análise neste recurso prende-se, logicamente, com a decisão final da sentença que julgou improcedente o recurso da Recorrente por alegada ilegitimidade desta em recorrer, e como tal, não se pronunciou sobre o seu mérito.
    7. Sustenta o Tribunal a quo que o facto "P." dado como provado na sentença recorrida revela que após a Recorrente ter sido notificada da deliberação que consubstancia o acto administrativo sub judice (o que sucedeu na verdade em 08/01/2011 conforme resulta dos autos) e antes de interpor o respectivo recurso contencioso para aquele tribunal (22/02/2011), por sua iniciativa, pagou o montante de imposto que a autoridade administrativa fiscal lhe exigia sem ter feito qualquer reserva, o que, no seu entendimento, aplicando o artigo 34° do CPAC, resulta ter a Recorrente aceite o acto administrativo em crise, daí decorrendo a sua ilegitimidade para recorrer contenciosamente contra o mesmo.
    8. Para alicerçar essa sua tese, o Tribunal a quo invocou um entendimento vertido por este Venerando Tribunal de Segunda Instância no acórdão n.º 188/2005, de 6/10/2005, no qual foi decidido que os particulares que não fizerem reserva ao proceder ao pagamento de multas, considera-se que aceitam tacitamente o acto recorrido nos termos do artigo 34° do CPAC.
    9. Obviamente, e com todo o respeito, a recorrente não pode partilhar tal entendimento, como aliás já havia exposto nestes autos, em 14/01/2013, quando notificada para se pronunciar sobre esta questão e sobre a posição do Ministério Público expressa no parecer de fls. 272 a 273 dos autos.
    10. Em primeiro lugar porque o pagamento, sem reserva expressa, pela Recorrente, do imposto que lhe foi fixado ainda dentro do prazo de recurso contencioso, não pode significar renúncia expressa ao recurso contencioso da liquidação do imposto, dado o princípio da irrenunciabilidade das garantias do contribuinte, designadamente o recurso contencioso.
    11. Com efeito, o imposto é subjectivamente uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coactiva, devida por detentores de capacidade contributiva a favor de entidades que exerçam funções ou tarefas públicas. Trata-se de uma obrigação ex lege, isto é que resulta somente do preenchimento do facto tributário do imposto de acordo com a lei, independente da vontade das partes.
    12. Daí resulta que o imposto é uma obrigação indisponível e irrenunciável.
    13. Assim, sendo irrenunciável e inegociável o dever de pagar impostos, são também irrenunciáveis e inegociáveis as garantias dos contribuintes, designadamente, o de impugnar os impostos que julga não serem devidos, ainda que os tenha pago dentro do prazo que lhe foi fixado para o fazer, de modo a evitar as onerosas consequências decorrentes desse não pagamento.
    14. E note-se, que tais consequências não se resumem a meros juros de mora ou penalizações pecuniárias, mas a vários outros aspectos decorrentes da imperatividade do dever de pagar impostos, por exemplo, com interesse para a Recorrente, a impossibilidade de participar em concursos públicos para a adjudicação de obras públicas, uma vez que a regularidade da situação contributiva é sempre um dos requisitos exigidos.
    15. Destarte, o pagamento voluntário de um imposto não implica aceitação do acto de liquidação do mesmo, nem, tampouco a renúncia ao direito de o impugnar. E tal sucede porque o direito a recorrer de actos tributários é um direito irrenunciável que apenas se esgota por preclusão do respectivo prazo, ou, quando já exercido, por desistência, excepções que não se verificam in casu.
    16. Tem sido esse, o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que se cita a título de direito comparado, como demonstra o acórdão desse Tribunal, citado supra em sede de alegações.
    17. Conclui-se, pois que, em matéria tributária, o pagamento de um imposto durante o decurso do prazo de impugnação da sua fixação, jamais poderá configurar-se como uma renúncia tácita ao direito de impugnar contenciosamente a liquidação (e fixação) desse imposto, e por conseguinte, de aceitação do acto administrativo onde tal pagamento é exigido, pois trata-se de um direito irrenunciável do próprio contribuinte.
    18. Pelo exposto, deve a decisão contida na sentença recorrida que indeferiu o recurso da Recorrente por alegada ilegitimidade desta em recorrer, ser declarada nula, e em consequência, ser substituída por outra decisão que considere a Recorrente com legitimidade para recorrer contenciosamente do acto em crise, e ordene o prosseguimento dos presentes autos, proferindo-se a final decisão que conceda provimento ao presente recurso, anulando-se o acto recorrido, nos termos adiante melhor expostos e peticionados pela Recorrente.
    19. Ainda que assim não se entenda - o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio - sempre será de referir que jamais se poderá configurar o pagamento dos montantes de imposto em crise pela Recorrente como uma conformação inequívoca com a decisão recorrida e, portanto, com a prática de um acto que, pretensamente, se tornou incompatível com a sua vontade de recorrer.
    20. Com efeito, resulta do artigo 34°, n.º 2, do CPAC, que a aceitação tácita de um acto é aquela que deriva da prática espontânea de um facto incompatível com a vontade de recorrer,
    21. Ora, essa aceitação tácita do acto deve decorrer de actos e factos concludentes que apontem, inequivocamente, no sentido de que alguém se conformou com o acto e, assim, se mostrem incompatíveis com a sua vontade de recorrer.
    22. Ora, nem a Recorrente configurou alguma vez tal hipótese, nem a Recorrida tampouco entendeu o referido pagamento por parte daquela como uma conformação inequívoca com a decisão recorrida.
    23. Com efeito, a Recorrente sempre contestou os valores de lucro tributável fixados pela Administração Fiscal para os exercícios de 2007 e 2008, tendo por diversas vezes se disponibilizado para apresentar dados comprovativos do contrário (simples dados sobre receitas e despesas), i.e., que durante os períodos fiscais em causa não tinha obtido o lucro tributável que lhe era imputado pela Administração Fiscal, algo que foi sendo sempre ignorado por esta entidade.
    24. Este comportamento inconformado da Recorrente perante o acto administrativo em questão foi claramente descrito pelo MP no seu parecer final de fls. 267 a 270 verso dos autos, no qual, expondo o percurso e tramitação que levou à tomada do acto administrativo em crise, deu conta das diversas tentativas da Recorrente em demonstrar a sua efectiva e real situação tributária nos exercícios em questão, todas elas ignoradas pela Administração Fiscal, e que o levou a concluir ser de conceder provimento parcial a esse recurso, anulando-se o acto administrativo em crise, por violação de normas e princípios administrativos por parte da Recorrida (cfr. parecer do MP de parecer de fls. 267 a 270 verso dos autos).
    25. Resulta, assim, que todo o comportamento da Recorrente ao longo do processo revela que jamais se conformou com o acto administrativo em crise, tal era a diferença de montantes entre o lucro tributável fixado e os rendimentos reais da Recorrente.
    26. Por outro lado, após ter sido notificada, em 08/01/2011, da deliberação da supra referida Comissão que indeferiu totalmente a sua Reclamação, e que consubstancia o acto administrativo sub judice, a Recorrente foi igualmente notificada, para a sua sede social, de dois outros ofícios, ambos assinados pelo Subdirector do Serviços de Finanças, em 07/01/21011 - e referentes aos exercícios de 2007 e 2008, e cujas cópias foram juntas aos autos com a Resposta da Recorrente de 14/01/2013, como Docs. 1 e 2 - para que liquidasse em 10 (dez) dias, contados a partir da data de cada um desses ofícios, e conforme o disposto nos artigos 47° e 70°, n.º 1, do RICR, um montante relativo ao agravamento de colecta de 0,1 %, em resultado de ter sido totalmente desatendida a sua reclamação sobre fixação do Rendimento Colectável de Imposto Complementar de Rendimentos relativo aos exercícios de 2007 e 2008.
    27. Ou seja, durante o decurso dos prazos que a Recorrente dispunha para reclamar e, bem assim, para recorrer contenciosamente do acto administrativo em crise, é a própria Administração Fiscal que notifica a Recorrente para em 10 dias pagar determinadas importâncias relacionadas com a fixação desses rendimentos colectáveis, sendo certo que o valor e a forma de cálculo estavam ainda em prazo para serem impugnados, conforme a mesma Administração Fiscal deu discreta nota na deliberação em anexo ao acto administrativo ora em crise, ao invés de o fazer no corpo da notificação, como, de resto, lhe competia fazer ao abrigo do disposto no artigo 70°, alínea d), do CPA.
    28. Assim, atenta a ordem para (sem mais) proceder ao pagamento, em 10 dias, dos referidos montantes constantes dos ofícios enviados pela Administração Fiscal, atento ao facto de pretender evitar que mais custos (mais agravamentos fiscais à colecta de cada um dos exercícios de 2007 e 2008) pudessem vir a surgir pelo seu não pagamento dentro do prazo que lhe fora fixado, e atento ao facto da absoluta necessidade, dada a sua qualidade de construtora civil, de dever imperiosamente ter a sua situação fiscal regularizada sob pena de não poder participar em qualquer concurso público para adjudicação de obras públicas, os funcionários do departamento de contabilidade da Recorrente procederem ao pagamento do imposto fixado até então, acrescido dos respectivos agravamentos de colecta de 0,1 %, relativo a cada um dos exercícios de 2007 e 2008 ..
    29. Mas, com tal pagamento a Recorrente nunca pensou, nem tal pode ser concluído, que o mesmo pudesse vir a constituir um obstáculo à sua firme vontade de impugnar contenciosamente o acto administrativo em crise, tanto mais que os prazos de impugnação contra esse acto estavam ainda em curso.
    30. Na verdade, como consequência do acima exposto quanto a irrenunciabilidade e indisponibilidade das relações fiscais, é consabido que em matéria fiscal a regra é, paga-se primeiro, reclama-se depois. Tanto assim que nem a impugnação graciosa, nem o recurso contencioso suspendem o pagamento (vide, por exemplo, artigos 79° e 85° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos).
    31. Ora, de todo o exposto resulta assim evidente, e como está fácil de ver, que, ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo na sentença em crise, o pagamento em questão não foi, nem poderá jamais ser considerado como tendo sido, um acto totalmente livre, voluntário e espontâneo da Recorrente e do qual se pode concluir, inequivocamente, uma aceitação tácita, conforme é exigido pelo artigo 34° do CPAC.
    32. A este respeito, entende-se que valem para o presente caso, sobretudo considerando que se está perante matéria fiscal, matéria como se disse, acima, onde a regra é a da indisponibilidade e inegociabilidade de direitos e deveres, os argumentos supra citados, vertidos na declaração de voto de vencido do acórdão no qual o tribunal se baseou para decidir como decidiu, n.º 188/2005, de 6/10/2005, proferido por este Venerando Tribunal, em que estava em causa o pagamento sem reserva e perda de legitimidade para recorrer de uma multa imposta pelos Serviços de Saúde.
    33. Prova inquestionável que o pagamento efectuado pela recorrente sem reserva expressa não pode ser entendido inequivocamente como uma aceitação do acto de liquidação é o facto de a própria Administração Fiscal não ter assim entendido. Isto é, a própria Administração Fiscal não entendeu o pagamento sem reserva expressa como uma aceitação tácita do acto de liquidação e consequente perda do direito ao recurso.
    34. Tanto assim, é que, em sede de contestação, nunca alegou tal facto como impeditivo do direito da Recorrente impugnar o acto.
    35. Ora, se a Administração Fiscal tivesse entendido o pagamento da Recorrente como uma aceitação tácita do acto de liquidação, familiarizada como naturalmente está com essa matéria e essas situações, não teria deixado de o invocar na sua defesa, considerando a Recorrente como não tendo legitimidade para o impugnar.
    36. Logicamente, se tal não alegou, é porque perfilha o entendimento acima exposto quanto à irrenunciabilidade das garantias dos contribuintes ou porque considerou que, dadas as circunstâncias do caso concreto, o pagamento do imposto sem reserva expressa, não poderia ser configurado uma aceitação inequívoca do acto de liquidação.
    37. Ora se a própria entidade recorrida, perante a qual foi praticado o acto - pagamento do imposto - que alegadamente consubstancia a aceitação tácita de um acto por ela praticado - liquidação. assim não entendeu é porque, necessariamente, não se pode concluir que o pagamento constituiu uma inequívoca aceitação do acto recorrido,
    38. Termos em que, por tudo o exposto, deverá ser revogada a decisão contida na sentença recorrida, por este Venerando Tribunal, e em consequência, prosseguirem os presentes autos quanto à análise do seu mérito, porquanto nenhuma questão existe que obste ao seu conhecimento, sendo proferida, a final, decisão que conceda provimento ao presente recurso, anulando-se o acto administrativo recorrido.
    39. Ainda que assim não se entenda - o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio - sempre se dirá que o pagamento, pela Recorrente, ser reserva expressa, do imposto antes de terminado o prazo de recurso contencioso do acto de liquidação é uma questão que não era do conhecimento oficioso do Tribunal a quo, pelo que nunca poderia ter sido utilizado pelo mesmo para não conhecer do recurso.
    40. Com efeito, a ser entendido que o pagamento do imposto sem reserva expressa caso equivaleria a renúncia ao direito de recorrer por aceitação tácita do acto, tal facto deveria ter sido invocado pela entidade recorrida na sua contestação, tendo em conta o disposto no artigo 53° do CPAC, o que não fez.
    41. Esta norma, ao dispor que na contestação deve a entidade recorrida deduzir toda a matéria da defesa, consagra para o processo administrativo o princípio da preclusão da defesa, que já decorria aliás do Código de Processo Civil.
    42. O próprio Ministério Público, no seu douto parecer de 8 de Novembro de 2012, de fls. 267 a 270V, no qual pugna pelo provimento parcial do recurso, não suscita a questão, como poderia ter feito ao abrigo do artigo 58° do CPAC, exactamente porque o pagamento sem reserva expressa não tinha sido alegado pela entidade recorrida.
    43. Foi o tribunal quem oficiosamente tomou conhecimento do facto e concluiu que tal obstava ao conhecimento do recurso, sendo depois acompanhado pelo Ministério Público.
    44. Não pode ser o tribunal a indagar factos em defesa da entidade recorrida quando esta não os alega, tanto mais que em causa está a questão de saber se, de um acto praticado perante a entidade recorrida, se pode extrair inequivocamente a aceitação tácita de outro praticado por essa mesma entidade.
    45. O facto da ilegitimidade ou outra excepção ser de conhecimento oficioso não se confunde com o conhecimento dos factos que ela se baseia. Estes. têm que ser alegados pelas partes, ao abrigo do princípio dispositivo, limitando-se o juiz a extrair deles a consequência jurídica própria da excepção.
    46. De resto, a razão pela qual a entidade recorrida não invocou o pagamento efectuado sem reserva expressa só se pode dever ao facto de a mesma ter entendido, e bem, como se disse acima, por princípio geral dado se estar perante matéria fiscal, ou dadas as circunstâncias do caso concreto, que o pagamento era - como de facto é -, irrelevante para o recurso contencioso.
    47. É que se o desconhecimento dessa discutível interpretação da lei não aproveita à recorrente (e assim, embora desconhecendo a necessidade de reserva expressa no acto de pagamento de forma a manter o seu direito ao recurso perde esse direito) muito menos deve beneficiar a entidade recorrida (que, por desconhecimento, ou não, não invocou o pagamento como renúncia ao direito de recorrer).
    48. Assim só se pode concluir que a entidade recorrida não alegou o pagamento sem reserva expressa efectuado pelo autor por ter entendido que o mesmo era irrelevante para a sua defesa, pelo que não poderia o tribunal ter indagado tal facto para dele extrair uma consequência jurídica em defesa da entidade recorrida e em prejuízo da recorrente.
    49. E ao fazê-lo, entende a Recorrente, além de todo o mais, que a sentença ora posta em crise padece do vício referido na alínea d), 2ª parte do n° 1 do artigo 571° do CPC ex vi do artigo 1° do CPAC excesso de pronúncia por ter decidido sobre uma questão que não lhe cabia apreciar - vício esse que a torna nula, e que desde já se invoca.
    50. Assim, por todo o supra exposto, deverá a decisão contida na sentença ora recorrida ser revogada por este Venerando Tribunal, e em consequência, prosseguirem os presentes autos quanto à análise do seu mérito, porquanto nenhuma questão existe que obste ao seu conhecimento, sendo proferida, a final, decisão que conceda provimento ao presente recurso, anulando-se o acto administrativo recorrido.
    51. Apesar da decisão principal ser de não conhecimento do recurso, um pouco de passagem, o tribunal recorrido acaba por apreciar do mérito, decidindo sobre a validade do acto recorrido.
    52. Assim, por mera cautela de patrocínio - pois numa situação normal seria de aplicar o disposto no artigo 159°, n.º 1, do CPAC, o que levaria a que os presentes autos baixassem ao Tribunal a quo para decisão sobre o seu mérito -, cumpre à Recorrente defender o mérito do recurso, pese embora, em rigor técnico, não tenha existido decisão de mértio.
    53. Por requerimento datado de 11/06/2012, a Recorrente juntou aos presentes autos documentação da qual resulta, de forma clara e inequívoca, que no exercício de 2007 a Recorrente obteve apenas um lucro de MOP$4.878.122 (quatro milhões oitocentas e setenta e oito mil cento e vinte e duas patacas) e no de 2008 um prejuízo de MOP$2.158.126 (dois milhões cento e cinquenta e oito mil cento e vinte e seis patacas) (vide requerimento da Recorrente de 11/06/2012 e documentos anexos).
    54. A junção dessa documentação aos presentes autos havia sido solicitada pela Recorrente quando apresentou o recurso contencioso junto do Tribunal a quo, em 22/01/02/2011, e, mais tarde, solicitada pelo próprio tribunal.
    55. Porém, contrariamente ao que seria de esperar, veio o Tribunal a quo dar conta que não iria atender a essas declarações com o argumento que o recurso contencioso é de mera legalidade e que as informações posteriores ao acto administrativo não podem ser usadas para prova da ilegalidade desse acto, caso contrário, seria injusto para a autoridade administrativa ora Recorrida.
    56. Como é evidente, a junção de tais documentos, como se depreende do articulado de recurso contencioso, visava apenas provar os rendimentos efectivos, e assim, a disparidade entre o rendimento fixado e o rendimento efectivo, que é, em última análise, a questão está em causa nestes autos.
    57. De resto, em rigor, já em sede da Reclamação apresentada pela Recorrente junto da Comissão de Revisão do ICR (e portanto antes de ter sido proferido o acto administrativo ora em crise), a Recorrente havia-se disponibilizado a apresentar imediatamente elementos simples, e, em certo prazo, elementos contabilísticos de acordo com as regras de escrita, necessários a uma fixação de rendimentos mais consentânea com a realidade dos factos, e, portanto, mais justa.
    58. A referida Comissão de Revisão rejeitou essa possibilidade, sem a devida fundamentação, como o Ministério Público, no seu douto parecer dá conta, impossibilitando assim a correcção, por recurso a elementos factuais, da errada fixação realizada pela Comissão de Fixação (vide deliberação da Comissão de Revisão do ICR que consubstancia o acto administrativo em apreço neste recurso).
    59. Assim, os documentos em causa não visavam qualquer facto novo mas apenas factos que alegou e que a Administração poderia ter tomado conhecimento caso atendesse ao pedido da Recorrente de aceitar elementos que lhe permitissem fixar um tributo justo, consentâneo com os rendimentos efectivamente auferidos.
    60. Como é óbvio, considerar um acto administrativo ilegal quando o seja, jamais pode ser visto como uma injustiça ou penalização para a Administração, antes deve ser visto como prevalecimento da justiça e legalidade administrativa consagrados de forma emblemática no CPA (3° e 14°) e que qualquer estado de direito se deve orgulhar.
    61. Como é também evidente, injustiça é taxar a um contribuinte com base num rendimento que manifestamente não teve.
    62. Resulta assim do exposto que o tribunal deveria ter considerado e dado como provado na sentença, com base nos elementos contabilísticos junto aos autos, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, juntamente com declarações de rendimentos relativos aos mesmos anos de exercício entregues na Direcção dos Serviços de Finanças em 4/06/2012, que, no exercício de 2007 a Recorrente obteve um lucro de MOP$ 4.878.122 e no de 2008 um prejuízo de MOP$ 2.158.126 (vide requerimento da Recorrente de 11/06/2012 junto aos autos e documentação a ele anexa).
    63. E, sendo este facto dado como provado, conjugado com os factos provados nos pontos H., K. e L. da sentença, dos quais resulta que a Comissão de Fixação de ICR, pretensamente, atendeu à situação real da Recorrente para fixar a matéria colectável - o que manifestamente não corresponde à verdade -, o tribunal deveria ter concluído pela existência do vício de erro nos pressupostos de facto, vício esse que a torna o acto administrativo de liquidação do imposto em causa anulável, nos termos do disposto no artigo 124º do CPA e que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
    64. Uma vez que o Tribunal a quo não procedeu a tal apreciação, como lhe era devido na sentença em crise, poderá este Venerando Tribunal fazê-lo, nos termos do disposto no artigo 629º do CPC ex vi do artigo 1º do CPAC, modificando a matéria de facto, pois dos autos constam todos os documentos de prova para o efeito, e, em consequência, conhecer do seu mérito, por via do disposto no artigo 630º ex vi do artigo 1º do CPAC, algo que desde já se requer, e que tem apoio na jurisprudência, conforme resulta, a título meramente exemplificativo, do acórdão proferido por este Venerando Tribunal, em 15/11/2012, com o número de processo n.º 451/2012.
    65. Defende o Tribunal a quo que não houve qualquer erro notório da administração fiscal na escolha do método de determinação do rendimento colectável da Recorrente, paras os exercícios de 2007 e 2008, pois, na sua tese, a autoridade fiscal tem margem de discricionariedade para optar entre os métodos de determinação do rendimento colectável previstos no artigo 36°, n.º 3, do RICR, ainda para mais quando a Recorrente alegou não ter contas demonstrativas dos exercícios em crise.
    66. Defende também o mesmo tribunal que não se verificou qualquer violação do dever de instrução por parte autoridade administrativa no apuramento do lucro tributável da Recorrente, na medida em que, conforme acusa, a Recorrente foi negligente ao não ter apresentado a documentação fiscal que lhe foi exigida, não tendo cumprindo assim o seu dever de cooperação, o que levou a Recorrida a fixar o montante que julgou correcto, tanto mais que a Recorrente, alegadamente, nunca indicou que concretos documentos fiscais que poderia disponibilizar, pelo que não seria possível uma revisão da decisão que lhe fixou o rendimento colectável.
    67. A este propósito, cumpre salientar mais uma vez, que ao contrário do que fez o Ministério Público, o tribunal, sempre com o devido respeito, fez tábua rasa de todos os factos (referidos no ponto c2. 27 supra) invocados e provados, por prova testemunhal abundante, sendo que muitos deles eram públicos e conhecidos de quase todo Macau, justificativos da impossibilidade de apresentar atempadamente escrita organizada como sempre antes fizera, e das razões pelas quais jamais poderia, em 2007 e 2008 ter os rendimentos que a Administração fiscal lhe fixara.
    68. Tais factos, a serem considerados como deveriam ter sido, impunham também uma decisão diversa pois demonstram que não foi por mera negligência que não apresentou elementos contabilísticos atempadamente e que jamais poderia ter para os exercícios de 2007 e 2008 o rendimento fixado pela Administração Fiscal e que esta deveria ou poderia assim concluir com um mínimo de diligência.
    69. Por Último, sustenta ainda a sentença que a Recorrida, na fixação do imposto para os exercícios de 2007 e 2008, utilizou ambos os métodos consagrados no artigo 19° do RICR, conjugando as informações que recebeu da Direcção de Solos Obras Públicas e Transporte ("DSSOPT) sobre obras da Recorrente nos anos de 2007 e 2008, com os dados de que dispunha em relação ao exercício de 2006, pelo que não considera que tenha havido erro notório na determinação do rendimento da Recorrente para os exercícios em questão.
    70. É inquestionável que o procedimento de fixação da matéria colectável no caso concreto aqui em análise teve início pela falta de apresentação, justificada por parte da Recorrente, das suas declarações de rendimentos modelo M/1, referentes aos exercícios de . 2006, 2007 e 2008, conforme invocou por diversas vezes, e que a própria sentença recorrida acaba por reconhecer, designadamente no que diz respeito, directo e indirecto, às investigações judicias de que foi alvo em razão do caso de corrupção que envolveu o ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, XXX.
    71. Assim, também não se questiona que, conforme decorre do n.º 2 do artigo 19°, a Comissão poderia fixar o rendimento colectável da Recorrente por aplicação do chamado método presuntivo, tendo em conta os rendimentos auferidos nos anos anteriores, em especial, os anteriores a 2006.
    72. Mas esta aplicação não pode ser "livre", desde logo, porque a Administração está vinculada aos princípios cons1ãntes do Código de Procedimento Administrativo, os quais regem toda a actuação da Administração em geral.
    73. No âmbito da fiscalidade, assumem particular relevância os princípios da equidade, proporcionalidade e verdade material, como forma de alcançar a justa tributação dos sujeitos passivos, de acordo com a sua situação real, ou seja, com os rendimentos efectivamente auferidos e sujeitos à tributação - Princípio da tributação justa.
    74. A actuação da Administração Fiscal no presente caso não foi conforme tais princípios.
    75. Se numa primeira fase, no momento da fixação, se admite que a Comissão pudesse, seguindo a prática habitual, ter fixado o rendimento colectável apenas tendo por base o rendimento dos anos anteriores, numa segunda fase, após a reclamação apresentada, crê-se que a Administração não poderia ter insistido nessa posição, conforme erradamente se defende na sentença recorrida.
    76. Face às razões apresentadas pela Recorrente, algumas delas públicas e notórias, que justificavam a não apresentação de uma escrita rigorosa por um lado, e, por outro, a impossibilidade da Recorrente ter obtido o rendimento que lhe havia sido fixado para os exercícios em causa, como se disse e que sentença recorrida acaba por dar conta, outras das quais eram do conhecimento directo da Administração Fiscal, esta, em obediência ao princípio da verdade tributária e da justa tributação, e até da boa fé, deveria ter optado por um exame à escrita, ou deveria ter concedido um prazo à Recorrente para apresentação dos elementos contabilísticos conforme solicitado, ou ainda, deveria ter recorrido ao método indiciário de modo a fixar um rendimento colectável adequado,
    77. Esta, aliás, foi a posição defendia pelo Ministério Público no parecer que consta dos autos a fls. 267 e ss., que pugnou, a final, pela anulação do acto administrativo em crise, no qual se defendeu que "A omissão não justificada de qualquer dessas diligências com a imediata deliberação de manter a decisão da Comissão de fixação, traduz-se numa violação por parte da entidade Recorrida, do seu dever de investigação ou, pelo menos, configura uma falta de fundamentação do acto recorrido, nomeadamente sobre a opção pelo n.º 2 do artigo 19° do RICR, e não pelo n.º 3 do mesmo artigo" (vide parecer do Ministério público de fls. 267 e ss. dos autos).
    78. Como já se referiu, na sua Reclamação, a Recorrente disponibilizou-se a apresentar, em certo prazo, os elementos necessários a uma fixação de rendimentos mais consentânea com a realidade dos factos, em conformidade com os princípios da participação, cooperação e boa-fé nos termos dos artigos 8.° a 10.° do CPA.
    79. A Comissão de Revisão, porém, rejeitou tal possibilidade, pondo assim de parte a possibilidade de corrigir, por recurso a elementos factuais, a errada fixação realizada pela Comissão de Fixação, violando desta forma, os deveres e as competências que a lei lhe impõe, o que fere o acto em causa de anulabilidade.
    80. Assim, o recurso à norma do artigo do 19°, n.º 3 - método indiciário -, ou ao do artigo 40°, n.º 1 alínea a), seria sempre mais concordante com aqueles que devem ser os princípios reguladores da actuação da Administração Fiscal.
    81. Estas normas - tais como muitas outras que pretendem regular a determinação do rendimento colectável e a actuação da Administração Fiscal - pretendem obedecer, o mais possível, ao princípio da verdade tributária e da justa tributação.
    82. De resto, como resulta do artigo 25° da Lei 30/99/M (Lei Orgânica da D.S.F.), uma das competências da Administração Fiscal é a de efectuar as diligências necessárias de modo a apurar a real situação tributária do contribuinte.
    83. Tem sido esta, de resto a jurisprudência deste Venerando Tribunal, como resulta Acórdão do T81, exarado no processo de recurso com o n.º 212/2002)
    84. É também unânime que a finalidade essencial do procedimento tributário é a investigação dos factos tributáveis, com vista à sua comprovação, sendo tal investigação inteiramente dominada pelo princípio do inquisitório e da verdade material, razão pela qual a Administração Fiscal não está vinculada às provas facultadas pelo contribuinte, devendo proceder às diligências probatórias legalmente consagradas (veja-se, neste sentido, o douto parecer do Ministério Público exarado no processo de recurso n.º 15/2004 do TSI).
    85. Assim, antes de mais, para que haja tributo ou para que a Administração Fiscal possa tributar um rendimento, necessário é que prove a existência do facto tributário.
    86. Ou seja, cabia à Administração Fiscal o ónus da prova relativo à existência efectiva dos rendimentos a tributar - cfr. o citado Acórdão do TSI exarado no processo de recurso n.º 212/2002.
    87. O que se põe, pois, em causa neste caso é a actuação e a "escolha" do método utilizado pela Administração Fiscal para a fixação do rendimento colectável, quando a mesma tinha elementos que apontavam que esse método traduzir-se-ia numa evidente injustiça tributária, a qual se veio a confirmar.
    88. Porém, na deliberação que consubstancia o acto administrativo aqui em causa, é expressamente referido na conclusão n.º 3 que a Comissão de Fixação atendeu à situação real da Recorrente para fixar a matéria colectável, o que manifestamente não correspondeu à verdade.
    89. Pelo que, ao fundamentar essa decisão em factos que se verificaram não serem verdadeiros, a decisão em causa encontra-se ferida de um vício de erro nos pressupostos de facto, vício esse que torna a mesma anulável, nos termos do disposto no artigo 124° do CPA e que ora se invoca, novamente, para todos os devidos e legais efeitos, de onde resulta que sempre deveria ser julgado procedente este recurso com a consequente anulação o acto administrativo aqui em crise ...
    90. Já no diz respeito o facto de a Comissão de Fixação ter optado pelo método errado de fixação da matéria tributável, por ser aquele que menos é consentâneo com os princípios que devem reger a actuação da Administração Fiscal, e o de não cuidar pela devida averiguação da situação real da Recorrente em tal sede, constituem uma violação ao estipulado no artigo 86° do CPA, violação essa que traduz num vício de preterição de formalidade legal no procedimento adoptado, sendo também por este motivo anulável a deliberação ora em causa, nos termos do disposto no art. 124.º do C.P.A., o que ora novamente se invoca como fundamento para a procedência do presente recurso.
    91. Acresce ainda referir que o acto administrativo em questão viola, igualmente, o princípio dá legalidade, porquanto a Administração Fiscal deveria ter agido na procura da tributação justa, princípio que é decorrente daquele.
    92. Ora, tal como os restantes serviços da Administração Fiscal, também a Comissão se encontra sujeita aos princípios da legalidade e da justa tributação e aos princípios do inquisitório e da verdade material, no exercício das funções que lhe estão atribuídas.
    93. Como concluiu o Ministério Público no parecer dado nos presentes autos, no qual pugnou pela anulação do acto administrativo, tendo a recorrente exposto a situação do exercício e a disponibilidade de apresentação dos dados simples sobre receitas e despesas, seria razoável supor, segundo o ponto de vista de um bom pai de família, que alguma diligência seria tomada pela entidade Recorrida, antes da decisão sobre a reclamação" (vide parecer do Ministério Público de fls. 267 e ss. dos autos).
    94. Porém, ao não procurar obter, por si ou por dados que a recorrente se disponibilizou a fornecer, um rendimento mais próximo do real ª deliberação em causa violou os princípios da legalidade, proporcionalidade e boa fé, sendo anulável também por este fundamento, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
    95. O acto recorrido também padece do vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 115°, acompanhando-se os argumentos invocados pelo Ministério Público no parecer de fls. 267 e seguintes, o que o torna anulável, nos termos do artigo 124° do CPA.
    96. Destarte, por tudo o exposto nesta hipótese cautelar, deverá ser julgado procedente o presente recurso, e, em consequência, ser anulado o acto administrativo em causa, o que desde já se requer, devendo a Administração Fiscal proceder a nova fixação do rendimento colectável da Recorrente. relativo aos anos de 2007 e 2008.
    Nestes termos, pede, deve a sentença recorrida ser revogada e substituta por outra que permita o conhecimento de mérito do recurso, e caso este Venerando Tribunal entenda que está em condições de o fazer, proferir ele própria a decisão de mérito.
    
    XXX, na qualidade de Presidente da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, ora representada pela licenciada em Direito XXX, nos termos do despacho de nomeação junto aos autos, contra-alega, em síntese:
    I. O presente recurso tem por objecto a sentença do Tribunal Administrativo, de 31 de Janeiro de 2013, a qual julgou improcedente o recurso contencioso de anulação da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 14 de Dezembro de 2010, que decidiu manter o rendimento colectável fixado, para os exercícios de 2007 e 2008, no montante de MOP$26,049,500.00 para cada um daqueles exercícios.
    II. A recorrente alicerça a impossibilidade do conhecimento oficioso da falta de legitimidade, pelo Tribunal a quo, no artigo 5º n.º 1 do CPC (princípio dispositivo) que dispõe "Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções."
    III. O n.º 2 do artigo 5.º do CPC prevê "O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa."
    IV. Ou seja, o n.º 2 do artigo 5.º vem complementar o n.º 1, na parte em que estabelece que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º (do CPC), i.e., não carecem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral e os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 434º) e o juiz deve obstar ao uso anormal do processo pelas partes (art. 568º).
    V. Portanto, às partes pertence a alegação dos "factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções", só nesses factos podendo o juiz, em regra, fundar a decisão, com a excepção prevista no n.º 2 do artigo 5º do CPC e o "desvio" previsto no n.º 3 do artigo 5º do CPC.
    VI. Conforme o n.º 1 do artigo 55.° do CPAC a entidade recorrida com a contestação é obrigada a remeter o original do processo administrativo para ficar apenso aos autos como processo instrutor, onde constam, obviamente as guias de pagamento.
    VII. A fls. 15 do processo administrativo de 2007 e a fls. 12 do processo administrativo constam as guias de pagamento de receita eventual pagas pela recorrente a 26 de Janeiro de 2011 no montante de MOP$3,102,039.00, cada uma delas, referente ao imposto devido acrescido de 0.1 % de agravamento da colecta.
    VIII. Nos termos do artigo 5.° do CPC, por força do n.º 2 do artigo 434.°, como acima mencionado, não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções juntando ao processo documento que os comprove.
    IX. De acordo com o artigo 567.° do CPC "O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.°". (sublinhado nosso)
    X. Por todo o exposto a recorrente carece de legitimidade para interpor recurso o que constitui uma excepção dilatória, que o tribunal deve conhecer oficiosamente, obstando a mesma ao conhecimento do mérito da causa.
    XI. O artigo 62.° do CPA aplica-se, igualmente, no plano tributário impondo-se aos contribuintes, para além de cumprir a respectiva obrigação tributária stricto sensu, o dever de dar conhecimento à administração tributária de todas as situações de facto que lhe respeitam e devam ser enquadradas nas normas de incidência, visto que é o contribuinte que tem contacto directo com tais realidades.
    XII. Apenas na pendência do recurso contencioso, a 11 de Junho de 2012, a recorrente entregou as declarações de imposto complementar de rendimentos e elementos contabilísticos alegando serem esses os valores efectivos de lucros e prejuízos referentes aos exercícios de 2007 e 2008.
    XIII. "Estando em causa a anulação de um acto praticado em dada conjuntura temporal, em regra, a apreciação do mesmo e aferição da sua legalidade têm de ser apreciadas à luz dessa conjuntura, a não ser que se lhe aponte um vício existente e observável àquela data, não se podendo impor um comportamento a partir de dados que a entidade administrativa não dispunha, por falta de fornecimento dos mesmos por parte do contribuinte." (Acórdão do TSI, de 18 de Março de 2004 no Proc. 261/2003)
    XIV. A decisão do Tribunal recorrido de não ponderar as declarações de rendimentos de imposto complementar e elementos contabilísticos entregues na pendência do recurso contencioso, ou seja, após a prática do acto administrativo recorrido, não merece censura, inexistindo vício de erro nos pressupostos de facto do acto recorrido.
    XV. O valor da declaração dos contribuintes do grupo A é, em princípio, determinante do próprio valor da matéria colectável, uma vez que serve directamente de base ao lançamento. E a recorrente não apresentou, durante dois exercícios consecutivos, a declaração anual de rendimentos modelo Mil, dever de todos os contribuintes em sede de imposto complementar de rendimentos nos termos dos n.º 1 e 4 do artigo 10.° do RICR.
    XVI. O artigo 40.° n.º 1 alínea a) do RICR prevê a possibilidade do Chefe da Repartição de Finanças solicitar ao director dos Serviços a realização de exames à escrita dos contribuintes do Grupo A em caso de falta ou insuficiência das declarações não suprida pelos esclarecimentos prestados pelos contribuintes e seus contabilistas e auditores, "sem prejuízo da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 36º" do mesmo Regulamento.
    XVII. Após várias tentativas, por parte da administração fiscal, para obter esclarecimentos, a recorrente em resposta deu conta da impossibilidade de fornecer dados, incluindo a declaração modelo Mil, pela inexistência da respectiva escrituração referente aos exercícios de 2007 e 2008. (fls. 15 do processo administrativo do exercício de 2008)
    XVIII. A falta de entrega da declaração de rendimentos, bem como a inexistência de documentação dita de suporte, constituem pressupostos de aplicação de métodos indirectos de tributação, que a estarem preenchidos, permitem à Administração Fiscal a aplicação de métodos presuntivos visto serem estes o único mecanismo através do qual é possível determinar a matéria colectável.
    XIX. O n.º 3 do artigo 36.° do RICR estipula que na falta das declarações dos contribuintes do grupo A aplica-se as regras de fixação dos rendimentos dos contribuintes do grupo B, ou seja, segundo as regras dos n.ºs 2 e 3 do artigo 19.° do RICR.
    XX. Cabe à administração optar por um daqueles métodos. Neste sentido veja-se o douto Acórdão desse Tribunal "O recurso ao método indiciário não está dependente da impossibilidade de determinar a matéria colectável pelo método da avaliação administrativa, conclusão a que se chega não só pela falta de previsão de um critério de subsidiariedade, como pela disjuntiva "ou" que aponta para uma discricionariedade de escolha entre dois métodos possíveis de fixação dos lucros tributáveis." (Acórdão do TSI, de 18 de Março de 2004 no Proc. 261/2003)
    XXI. De todo o exposto resulta que a administração fiscal agiu em conformidade com os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da verdade material, da boa fé e da colaboração.
    XXII. Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação do acto recorrido, nos termos invocados pelo Ministério Público, cabe referir que nos termos estatuídos no artigo 115º n.º 1 do CPA, a fundamentação não precisa de ser exaustiva, com todas as razões que estiveram na base da decisão, bastando uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
    XXIII. O regime jurídico da fundamentação dos actos administrativos visa, entre outros objectivos, o perfeito esclarecimento dos administrados em ordem a permitir-lhes a sua impugnação, ou seja, a opção consciente entre a aceitação da sua legalidade e, em última instância, a justificação de um recurso contencioso.
    Nestes termos, entende que deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantida a sentença ora recorrida.

O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
Quanto à Rejeição por Ilegitimidade
    Na douta sentença em causa, o MMº Juiz a quo decidiu em rejeitar o recurso contencioso ao abrigo do art. 34° do CPAC, por ilegitimidade derivada da aceitação do acto contenciosamente impugnado. (綜上所述, 根據 «行政訴訟法典» 第34條的規定, 鍳於出現對行為的接受以至上訴人不具提起司法上訴的正當性,本院駁回本司法上訴)
    Interpretando o art.47° do RSTA em consonância com a doutrina e jurisprudência portuguesas, o ex-TSJM proclamou proficientemente (Ac. no Processo n.º 1139, in Jurisprudência 1999, II TOMO, pp.109 a 116): Sendo a aceitação tácita a que deriva da prática, espontânea e sem reserva, do facto incompatível com a vontade de recorrer, a lei exige que a conduta do recorrente, para além de ser de sua livre iniciativa, tem de ter um significado unívoco, de modo a que dela se depreenda, sem margem para dúvidas, o propósito de não recorrer, pelo acatamento da determinação contida no acto.
    No que diz respeito ao art. 34° do CPAC, leia-se no douto Acórdão proferido pelo TSI no Processo n.º 1722012: E para que se verifique a aceitação tácita, a conduta levada a cabo tem de ter um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto, não podendo ter esse efeito preclusivo aceitações ditadas por situações de necessidade ou premência.
    No caso sub judice, tendo em consideração o preceito no art. 59° do RICR, e que a deliberação objecto do recurso contencioso incide na reclamação da fixação do rendimento colectável, não nos parece inequívoco nem seguro presumir que sendo embora espontâneo e sem reserva, o pagamento das colectas liquidadas pela recorrente em 26/1/2011 representa a aceitação tácita.
    Nesta linha, sem prejuízo do respeito pela tese diferente, afigura-se-nos que tem razão o presente recurso jurisdicional relativa à rejeição determinada na douta sentença em questão.
*
2. Sobre Decisão dos Questões de Mérito
    Na pág.6 da própria sentença recorrida, o MM. Juiz a quo tomou a seguinte posição: 而假設上述問題不存在, 上訴人的理據亦不會成立. E depois procedeu à crítica análise dos fundamentos do recurso contencioso. Tudo isto consubstancia na decisão da improcedência do mesmo recurso.
    2.1 - Repare-se que em 11/06/2012 - já na pendência deste recurso jurisdicional, a recorrente forneceu os documentos de fls.159 a 184 dos autos. E o MMº. Juiz a quo decidiu não atender os mesmos, dizendo (pág.6 da sentença em crise) : 在我們如下的分析中, 我們不會考慮在司法上訴進行中附入卷宗的A組申報書. 一方面, 司法上訴乃審查行政行為的合理性, 故在行政行為作出後方出現的資料原則上不能用以證明行政行為違法, 否則對行政當局不公. 另一方面, 由於該申報書並非在 «所得補充稅規章» 所定的法定期間內提交, 故應否接納及如何評價應有行政當局再自行處理.
    Na Conclusão 64 das Alegações do Recurso Jurisdicional em apreço, a recorrente pediu, alegadamente ao abrigo do disposto nos arts. 629° do CPC ex vi 1º do CPAC, que o Venerando TSI valorizaria directamente tais documentos, modificando a matéria de facto fixada pelo MMº. Juiz a quo na sentença em escrutínio.
    Quid juris ?
    Ora bem, perante a absoluta falta das Declarações M/I relativas aos exercícios de 2007 e 2008, a Administração Fiscal enviou ofícios n.º 0073/MM/DIFT/DAIJ/10 e n.º 0552/MM/DIFT/DAIJ/10 à recorrente (doc. de fls.17 do P.A. de 2008, dado aqui por integralmente reproduzido), alertando-a para prestar dados e informações. A recorrente nunca respondeu a nenhum desses ofícios.
    Acontece que recebendo o Aviso n.º 31/NFE/DAIJ/IC/M (doe. de fls.16 do mesmo P.A.), a recorrente entregou, em 02/08/2010, a declaração de fls. 15 do citado P.A., onde se lê (sublinha nossa): 由於本公司 (A建築工程有限公司) 於2007年及2008年的財務資料不全, 無法進行財務處理, 故該兩年之所得補充稅A組 – 收益申報書亦無法提交, 故現貴中心來函要求提供的資料, 本公司實無法提供. 敬請見諒, 專此函達.
    E na sua Reclamação de 26/10/2010 (cfr. fls. 265 dos autos), a recorrente reconheceu expressamente que não poderia prestar toda a contabilidade sua, mas apenas simples registos de receitas e despesas (而本公司未能提供全盤帳目, 但可提供簡單的收支數據).
    O que acontece efectivamente é que até a 14/12/2010 - data da deliberação objecto do recurso contencioso e no longo período de quase 2 meses, a recorrente nunca prestou nenhum «registo de receitas e despesas» à Comissão de Revisão, ignorando o preceito no art. 156° n.º 1 do CPA.
    Tais condutas da recorrente - não apresentar declarações Mil, não responder aos aludidos ofícios, não prestar registos - delineiam, sem séria dúvida, a censurável negligência e a flagrante falta de colaboração dela como contribuinte do G-A.
    A apontada falta de colaboração por parte da recorrente legitima-nos a sufragar inteiramente a sensatíssima considerações do Venerando TSI no Acórdão decretado no Processo n. °261/2003:
    Aliás, na presente situação, está-se perante uma situação de flagrante falta de cooperação do contribuinte que, não obstante a saída do administrador e do contabilista, sempre tinha acesso às contas bancárias, não podendo ignorar os pagamentos feitos aos trabalhadores, pelo que, no âmbito da impugnação administrativa, sempre podia ter apresentado prova dos custos tidos o pessoal …….. para além da conclusão de que a falta de cooperação da parte não pode reverter em seu benefício, a seu belo talante, em nome do princípio da verdade material abstractamente considerado. O mesmo facto não pode ser valorado diferentemente no âmbito do mesmo processo, em termos de benefício do infractor…..
    Na verdade, o artigo 62°, n.º 2 do CPA estabelece que os interessados têm o dever de prestar a sua colaboração para o conveniente esclarecimento dos factos e a descoberta da verdade. E se a Administração tem que prestar colaboração com os particulares, também estes devem no seu relacionamento com aquela revelar lisura e rectidão de comportamentos, além da necessária colaboração para o esclarecimento cabal dos factos e a descoberta da verdade material.
    E no plano tributário, como diz XXX, cabe ao contribuinte, não apenas cumprir as obrigações de prestação pecuniária ou em espécie que correspondam ao seu dever contributivo, mas também o dever de dar conhecimento à administração tributária de todas as situações e realidades de facto que lhe respeitam e devam ser enquadradas na norma de incidência, bem como das fontes em que tais realidades assentem, já que, como é evidente, é o contribuinte que tem com elas contacto directo, enquanto que a Administração Fiscal só por formas indirectas, e nem sempre seguras, delas se apercebe e as pode qualificar e quantificar.
    Estando em causa a anulação de um acto praticado em dada conjuntura temporal, em regra, a apreciação do mesmo e aferição da sua legalidade tem de ser apreciadas à luz dessa conjuntura, a não ser que se lhe aponte um vício existente e observável àquela data, não se podendo impor um comportamento a partir de dados que a entidade administrativa não dispunha, por falta de fornecimento dos mesmos por parte do contribuinte.
    Em homenagem dessa brilhante jurisprudência extraída por unanimidade, temos tranquilamente por boa e sã a douta sentença na parte de decidir não atender a Declaração do G-A junta aos autos na pendência do recurso contencioso (在我們如下的分析中, 我們不會考慮在司法上訴進行中附入卷宗的A組申報書.)
    Deste modo, e também por a Comissão de Revisão nunca rejeitar a possibilidade de a recorrente apresentar os registos por si mencionados na sua reclamação (sendo falso tal facto alegado nas Conclusões 58 e 79 das alegações do recurso jurisdicional), afigura-se-nos concludente que não podem deixar de falecer os argumentos aduzidos pela recorrente nas Conclusões 53 a 64 das mesmas Alegações.
    2.2 - A recorrente criticou ainda a legalidade do método de fixação da matéria tributável utilizado sucessivamente pela Comissão de Fixação e Comissão de Revisão (cfr. Conclusões 65 a 72, 76, 80 e 90 da dita alegações), argumentando que o método indiciário seria in casu mais concordante com os princípios reguladores da actuação da Administração Fiscal.
    Perfilha o TSI que não há qualquer imposição de prioridade entre os critérios do n.º 2 do art. 19° do RICR, podendo a Administração Fiscal utilizar qualquer um deles, e a qual é livre em adoptar um ou outro dos métodos referidos nos nºs 2 e 3 do art. 19° do RICR, não estando o método indiciário dependente da impossibilidade de apurar a matéria colectável pelo método da avaliação administrativa. (Acórdãos nos Processos n.º 59/2001 e n.° 261/2003 )
    Em consonância com a citada jurisprudência, e considerando que a recorrente não demonstra por quê razão e em quê medida é que o método indiciário era mais equitativo e mais concordante com os princípios reguladores da actuação da Administração Fiscal, inclinamos a entender que não subsiste in casu o invocado erro na escolha do método de fixação da matéria colectável.
    2.3 - À deliberação contenciosamente recorria, a recorrente assacou também a permissão pelo Fisco de dar-lhe prazo para fornecer elemento, a violação do dever de instrução, a preterição de formalidade legal no procedimento adoptado por não proceder ao exame à escrita, e o erro nos pressupostos de facto (cfr. Conclusões 66, 76, 89 e 90 da dita alegações).
    Recorde-se que a DSF enviou à recorrente os ofícios n.º 0073/MM/DIFT/DAIJ/10 e n.º 0552/MM/DIFT/DAIJ/10 (doc. de fls. 17 do P.A. de 2008), e o Aviso n.º 31/NFE/DAIJ/IC/M (doc. de fls. 16 do mesmo P.A.), concedendo-lhe sucessivamente prazos para fornecer elementos para efeitos de fixação do rendimento colectável.
    Deste modo, e visto a recorrente não possuir contabilidade devidamente organizada, toma-se evidente e concludente que não se verificam a violação do dever de instrução, nem a preterição de formalidade legal no procedimento adoptado por não proceder ao exame à escrita. De igual modo, não há in casu o erro nos pressupostos de facto.
***
    Por todo o expendido acima, pugnamos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
A. O recorrente, enquanto contribuinte do grupo A, não apresentou oportunamente as declarações de rendimentos devidas dos anos 2007 e 2008 junto da DSF (vide fls. 12 a 14 do processo administrativo do ano 2007 e fls. 19 a 21 do processo administrativo do ano 2008).
B. Em 12 de Fevereiro e 13 de Maio de 2010, a DSF emitiu os ofícios n.ºs 0073/MM/DIFT/DAIJ/10 e 0552/MM/DIFT/DAIJ/10 ao recorrente respectivamente, notificando-lhe de fornecimento de matérias, sob pena de lhe aplicar, nos termos do art.º 36.º n.º 3 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, as regras de fixação próprias dos contribuintes do grupo B (método presuntivo e método indiciário) na determinação do rendimento colectável do ano 2008, em virtude da insuficiência das declarações (vide fls. 17 do processo administrativo do ano 2008).
C. Até 17 de Junho de 2010, a DSF ainda não recebeu resposta do recorrente aos dois ofícios referidos na alínea B) dos factos provados (vide fls. 17 do processo administrativo do ano 2008).
D. Em 26 de Julho de 2010, a DSF emitiu a notificação n.º 31/NFE/DAIJ/IC/M ao recorrente, pela qual lhe exigiu o fornecimento de valor “de bens não acabados e de trabalhos” dos anos 2007 e 2008 (valor resultante da parte de acréscimo destes anos), e de valor do rendimento global dos anos 2007 e 2008 (vide fls. 16 do processo administrativo do ano 2008).
E. Em 2 de Agosto de 2010, quanto à alínea D) dos factos provados, o recorrente declarou o seguinte (vide fls. 15 do processo administrativo do ano 2008, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“Assunto: resposta à notificação n.º 31/NFE/DEIJ/IC/M (sic.) de 26 de Julho de 2010
Por ser incompletos os elementos financeiros dos anos 2007 e 2008, a nossa Companhia (Companhia de Construção e Engenharia A Limitada) não conseguiu tratar de assuntos relativos à escrita e por isso, também não pode apresentar as declarações de rendimentos do grupo A destes dois anos. Então para os elementos exigidos, não conseguiu a nossa Companhia os apresentar, daí pedindo desculpa por eventual transtorno causado.”
F. Segundo o registo da DSF, o recorrente recebeu quantia dos projectos de obras públicas no ano 2007, no valor de MOP 144.269.296,80 (vide fls. 10 a 11 do processo administrativo do ano 2007).
G. Segundo o registo da DSF, o recorrente recebeu quantia dos projectos de obras públicas no ano 2008, no valor de MOP 96.796.351,93 (vide fls. 9 do processo administrativo do ano 2008).
H. Em 7 de Outubro de 2010, a Comissão de Fixação determinou os rendimentos colectáveis dos anos 2007 e 2008 do recorrente, no valor de MOP 26.049.500,00 respectivamente (vide fls. 8 a 9V do processo administrativo do ano 2007 e fls. 7 a 8V do processo administrativo do ano 2008).
I. Na “conta de fixação e liquidação do ICR” do ano 2007 constante na alínea H) dos factos provados, refere-se, na parte de observações, que: (vide fls. 8 do processo administrativo do ano 2007)
“N M/1
Ref: IC2/2916/NFE/DAIJ/2010
Inf n.º 0155/DIFT/DAIJ/2010
Dados: $ 144.269.296,80
Considerando que, para além do rendimento resultante das obras públicas, o contribuinte tem ainda rendimento proveniente das obras privadas, pelo que a determinação deste ano é feita por referência e na base dos elementos do ano anterior.”
J. Na “conta de fixação e liquidação do ICR” do ano 2008 constante na alínea H) dos factos provados, refere-se, na parte de observações, que: (vide fls. 7 do processo administrativo do ano 2008)
“N M/1
Ref: IC2/2916/NFE/DAIJ/2010
Inf n.º 0155/DIFT/DAIJ/2010
Dados: $ 96.796.351,93
Considerando que, para além do rendimento resultante das obras públicas, o contribuinte tem ainda rendimento proveniente das obras privadas, aliás, também não apresentou no ano 2007 a declaração de rendimentos ou elementos de rendimento/obras, pelo que, a determinação foi feita com referência aos elementos do ano 2006.”
K. Em 12 de Outubro de 2010, o Subdirector da DSF, usando das competências que lhe foram delegadas pelo Despacho n.º 3/DIR/2010, efectuou liquidação do imposto complementar de rendimentos dos anos 2007 e 2008, os respectivos rendimentos colectáveis são de valor de MOP 26.049.500,00 respectivamente, enquanto os impostos são de valor de MOP 3.098.940,00 respectivamente (vide fls. 7 do processo administrativo do ano 2007 e fls. 6 do processo administrativo do ano 2008).
L. Em 14 de Outubro de 2010, a DSF emitiu ao recorrente a notificação de fixação de rendimento - ICR dos anos 2007 e 2008 (vide fls. 41 e 42 dos autos).
M. Em 26 de Outubro de 2010, o recorrente declarou o seguinte (vide fls. 265 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido):
“Assunto: relativo à notificação de fixação de rendimento - ICR (impressos 2007-011621-01 e 2008-012587-01)
A COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA A LIMITADA, n.º de contribuinte 81343920, recebeu duas notificações de fixação de rendimento - ICR emitidas pela DSF em 14 de Outubro de 2010, os impostos foram realizados nos anos 2007 e 2008 e os rendimentos colectáveis foram determinados no valor de MOP 26.049.500,00 respectivamente, sendo igual ao valor apurado no ano 2006. É de crer que a Comissão de Fixação possa determinar os rendimentos colectáveis dos dois anos com referência aos anteriores. Por insuficiência dos elementos fiscais do ano 2006, a nossa Companhia não conseguiu declarar na qualidade de contribuinte do grupo A e consequentemente, nem conseguiu declarar nos anos 2007 e 2008 por falta do balanço de encerramento do exercício do ano 2006.
Desde do ano 2006, não conseguiu a nossa Companhia empreitar novas obras em virtude de determinados factores externos, só continuou as obras não acabadas e as respectivas manutenções, pelo que o rendimento diminui significativamente. Pede-se à Comissão de Revisão que possa fazer uma nova avaliação depois de considerar a situação actual da nossa Companhia e por parte da nossa Companhia, não conseguiu apresentar a escrita completa, mas, pode fornecer os simples elementos de ganhos e perdas. Em caso de necessidade, pode a nossa Companhia fornecer outras informações sempre que possível. Pede-se à Comissão de Revisão que seja aceite o requerimento de revisão.”
N. Em 14 de Dezembro de 2010, por deliberação “B”, a Comissão de Revisão da DSF decidiu não aceitar a reclamação do recorrente, mantendo os rendimentos colectáveis dos anos 2007 e 2008, no valor de MOP 26.049.500,00 respectivamente, e fixando, a título de custas, um agravamento da colecta em percentagem de 0,1% (vide fls. 38 a 39 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
O. Em 30 de Dezembro de 2010, a DSF notificou ao recorrente da deliberação supracitada através do ofício n.º 134/DAIJ/CRB/10 (vide fls. 37 a 39 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
P. Em 26 de Janeiro de 2011, o recorrente pagou os impostos complementares de rendimentos dos anos 2007 e 2008, bem como as custas devidas, sem fazer qualquer reserva (vide fls. 15 e 15V do processo administrativo do ano 2007 e fls. 12 e 12V do processo administrativo do ano 2008, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Q. Em 22 de Fevereiro de 2011, o recorrente interpôs recurso contencioso junto do presente Tribunal através de fax.
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. A primeira questão que se coloca nesta sede e da qual dependerá ou não o conhecimento das restantes, relativas ao mérito do recurso, passa por saber se o pagamento voluntário do imposto por parte da requerente pressupõe a aceitação tácita de que aquele imposto é devido e se mostra correctamente apurado e liquidado.
  
   2. A Mma Juíza pronunciou-se no sentido de que o pagamento do imposto sem qualquer reserva significava que a recorrente aceitava tacitamente o acto tributário posto em crise. Para tanto desenvolveu a seguinte argumentação:
    “ Do Acórdão n.º 188/2005 de 6 de Outubro de 2005 do TSI resulta que quando o particular não formule reserva no momento de pagamento de multa, a sua prática deve ser considerada como aceitação tácita nos termos do art.º 34.º do CPAC.
    Afiguramo-nos que o presente caso, não obstante se encontra no âmbito fiscal, satisfaz o disposto supracitado. Antes de mais, quando o recorrente não aceite o acto no momento de pagamento do imposto, deve formular reserva por escrito. Em segundo, caso apenas para evitar as consequências de execução coactiva, pode também prestar caução ao abrigo do art.º 22.º do CPAC.
    Sendo assim, nos termos do art.º 34.º do CPAC, o recorrente não tem legitimidade de interpor recurso contencioso, negando provimento ao recurso.”
    
    3. A nossa resposta na linha das razões da recorrente e do douto parecer do Digno Magistrado do MP é, desde já, negativa.
    Antes, porém, importa indagar se esta questão é de conhecimento oficioso, isto é, se a Mma Juíza, dela podia ter conhecido, uma vez que não foi invocada pelas partes.
    A ilegitimidade é de conhecimento oficioso - art. 414- do CPC.
    Sustenta a recorrente que, muito embora a excepção em que se traduz a sua falta tem de assentar em factos que sejam alegados pelas partes, donde estar vedado ao Juiz, neste caso, o seu conhecimento.
    Não lhe assiste razão, na exacta medida em que esses factos são patentes e mostram-se documentalmente comprovados, desde logo, no processo administrativo instrutor.
    Na verdade, o n.º 2 do artigo 5.° do CPC complementa o n.º1, na parte em que estabelece que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434° e 568º (do CPC), i.e., não carecem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral e os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 434º), devendo o juiz obstar ao uso anormal do processo pelas partes (art. 568º).
    Não tem, pois, razão a recorrente nessa parte.
    
    4. Em declaração de voto vencido no acórdão citado na sentença recorrida avançam-se algumas razões que ora se actualizam e que vão no sentido de não se ter o pagamento do imposto efectuado como aceitação tácita para efeitos do art. 34º do CPAC.
    Tal como se decidiu em acórdão deste TSI no Processo n.º 172/2012, para que se verifique a aceitação tácita, a conduta levada a cabo tem de ter um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto, não podendo ter esse efeito preclusivo aceitações ditadas por situações de necessidade ou premência.
    Há que atentar que da notificação que foi efectuada à recorrente constava que podia pagar a “multa em 15 dias, conforme o disposto no artigo 60º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, conjugado com o n.º 3 do artigo 2º do Decreto-lei n.º 16/84/M, de 24 de Março, findo o qual se procederá ao débito ao Recebedor de acordo com o n.º 2 do já citado artigo 60º.”
    Temos assim que o prazo para o pagamento era de 15 dias e 30 o prazo de recurso hierárquico - passando para 45 dias o prazo do recurso contencioso (cfr. art. 7º da Lei 15/96/M, de 12 de Agosto) – e em qualquer das situações nunca teria efeito suspensivo. A interposição de recurso, mesmo dentro do prazo do pagamento, com supressão de 15 dias do prazo não suspendia o pagamento se a recorrente não o fizesse (79° e 85° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos), agravando-se a colecta com juros de 3%, procedendo-se ao respectivo relaxe da dívida e cobrança coerciva.
    Perante estas consequências será de considerar que o pagamento foi livre, espontâneo e faz pressupor aceitação do acto tributário, mesmo sem a declaração de reserva?
    Afigura-se que não.
    5. Serve aqui, mutatis mutandis, o que escrevemos num outro acórdão deste TSI1, ainda que em sede de pagamento voluntário de uma multa:
    “Desde logo a interpretação no sentido da aceitação tácita do acto administrativo consubstanciada no pagamento voluntário da multa contende com o princípio da tutela jurisdicional efectiva - artigo 2º do CPAC-, pois que, havendo um prazo para o pagamento da multa e outro para o recurso contencioso, tal obrigaria a que o particular interessado visse reduzido um prazo estabelecido em seu favor para poder ponderar se lhe interessaria o recurso à via contenciosa, requerendo a prestação da caução a que alude o artigo 22º do CPAC, o que teria de ser feito no prazo do pagamento da multa.
    Por outro lado, sustenta-se que houve pagamento sem qualquer reserva, o que releva no sentido de reforçar o entendimento da aceitação tácita do acto.
    Se a reserva pode abranger a substancialidade da multa, os pressupostos da sua aplicação ou o seu quantitativo, de qualquer modo, para que haja aceitação relevante do acto, ela deve ser feita nos termos do n.º 2 do artigo 34º do CPAC devendo derivar da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer.
    A aceitação tácita é aquela que deriva de actos e factos concludentes que apontam inequivocamente no sentido de que alguém se conformou com o acto e assim se mostram incompatíveis com a vontade de recorrer2 - cfr. art. 209º do CC.
    Ora, esta vontade de recorrer do acto, globalmente considerado, foi expressa e efectiva, por via do recurso interposto no momento e lugar próprio.
    Tal intenção foi denunciada nas posições que a interessada foi tomando ao longo do procedimento e com as impugnações a que procedeu.
    Retirar do pagamento voluntário de uma multa, pagamento esse que, sendo voluntário não é espontâneo, - o cumprimento da sanção só pode considerar-se espontâneo quando o administrado pode escolher a oportunidade da execução -, na contingência de se enfrentar uma execução coerciva, a concordância com todo o acto, parece forçado.
    Imagine-se até que a execução era instaurada e na pendência dessa execução sobrevinha o pagamento voluntário. Ter-se-ia de considerar que esse pagamento, eventualmente tendente a evitar a penhora e venda de bens, significava concordância com a cominação da multa?
Ora, não se vê diferença, para os efeitos que nos interessam, num pagamento efectuado na iminência ou na pendência da execução.

Importa até reter que o artigo 13º do DL 52/99/M, de 4/10 estabelece que “Dos actos da autoridade administrativa competente que, no decurso do processo, violem direitos, liberdades e garantias do infractor, nomeadamente dos de apreensão de bens, suspensão de actividade ou encerramento de estabelecimento, cabe recurso contencioso imediato para o Tribunal Administrativo, não deixando de se garantir ao infractor os direitos de audiência e defesa. (art. 11º).
E mesmo no que à aceitação da multa respeita, por via de uma pretensa aceitação tácita da mesma, não obstante uma divisão no seio da Jurisprudência Comparada, não se deixa de registar um segmento expressivo de decisões que vai no sentido de não considerar o pagamento voluntário como aceitação tácita do acto cominatório.
    É válida aqui, mutatis mutandis a doutrina expendida num desses arestos, enquanto se salvaguarda que a execução coerciva pode desencadear a penhora dos bens, não ocorrendo suspensão da execução e não eliminando os seus inconvenientes a possibilidade de prestação de caução, “pois o sujeito passivo da multa sempre pode optar pelo pagamento imediato daquela, de modo a obviar os encargos advenientes do não ganho de causa, nomeadamente juros de mora”.3
    Por todo o exposto somos a considerar que o interessado recorrente é parte legítima, devendo o despacho recorrido ser revogado em conformidade.”
    6. É que a declaração de reserva, se, por um lado, pode ser aposta, por outro, se o não for, não é condição sine qua non de admissibilidade da responsabilidade pela obrigação. Para que serve, então? Para facilitar tão somente a comprovação da intencionalidade ínsita do agente, para comprovação da exclusão da espontaneidade da conduta, como o exige o artº 34º do C.P.A.C.
    Ora, esta “espontaneidade” da conduta deve ser entendida no sentido de não dever ser praticada coactivamente, sob ameaça de sanção ou com o objectivo de evitar um prejuízo maior.
    Neste mesmo sentido se pronuncia a Doutrina autorizada da RAEM.4
    
    7. Na situação dos presentes autos terá sido isso precisamente o que sucedeu: a recorrente efectuou o pagamento da multa dentro do respectivo prazo, dado que, se não o fizesse, para além do pagamento de juros, teria que se sujeitar a cobrança coerciva e ver-se-ia na impossibilidade de participar em concursos públicos para a adjudicação de obras públicas, uma vez que a regularidade da situação contributiva é sempre um dos requisitos exigidos.
    Sendo irrenunciável e inegociável o dever de pagar impostos, são também irrenunciáveis e inegociáveis as garantias dos contribuintes, designadamente, o de impugnar os impostos que julga não serem devidos, ainda que os tenha pago dentro do prazo que lhe foi fixado para o fazer, de modo a evitar as onerosas consequências decorrentes desse não pagamento.


8. Também no mesmo sentido, em termos de Jurisprudência Comparada, se decidiu que “Não se verifica a espontaneidade do pagamento de multa aplicada sob pena de execução coerciva, na falta de pagamento voluntário no prazo legal, pelo que, não havendo aceitação tácita, o recurso contencioso deve prosseguir”.5
    Ainda, "Não é de presumir, em geral, que o pagamento de um imposto implique uma aceitação do acto de liquidação…Todas as compressões do direito de accionabilidade dos actos tributários têm de constar de lei formal… No contencioso tributário o direito de recorrer dos actos tributários será irrenunciável, apenas se esgotando por preclusão do respectivo prazo, ou, quando já exercido, por desistência". 6
Na verdade, o pagamento do imposto tem apenas a ver com a exigibilidade da dívida, com a sua cobrança, que não com a legalidade da liquidação impugnada.7
    9. Mas, para além do que se vem dizendo, sempre brotam dos autos elementos que, pela positiva, nos dão conta da não conformação da recorrente com o acto tributário em presença.
    A recorrente não deixou de contestar os valores de lucro tributável fixados pela Administração Fiscal para os exercícios em crise (2007 e 2008), tendo-se disponibilizado para apresentar dados comprovativos do contrário (simples dados sobre receitas e despesas).
    Destaca-se ainda um outro facto relevante e se traduz em que, após ter sido notificada, em 08/01/2011, da deliberação da Comissão que indeferiu totalmente a sua reclamação, e que consubstancia o acto administrativo sub judice, a recorrente foi igualmente notificada, para que liquidasse em 10 (dez) dias, contados a partir da data de cada um desses ofícios, e conforme o disposto nos artigos 47° e 70°, n.º 1, do RICR, um montante relativo ao agravamento de colecta de 0,1%, em resultado de ter sido totalmente desatendida a sua reclamação sobre fixação do Rendimento Colectável de Imposto Complementar de Rendimentos relativo aos exercícios de 2007 e 2008.
    
    10. Temos, pois, para nós, na esteira do douto parecer do Digno Magistrado do MP que no que diz respeito ao art. 34° do CPAC, no caso sub judice, tendo em consideração o preceito no art. 59° do RICR, e que a deliberação objecto do recurso contencioso incide na reclamação da fixação do rendimento colectável, não nos parece inequívoco nem seguro presumir que sendo embora espontâneo e sem reserva, o pagamento das colectas liquidadas pela recorrente em 26/1/2011 representa a aceitação tácita.
    Nesta linha, afigura-se-nos que tem razão a recorrente nesta particular questão, o que implica a remessa dos autos à 1ª Instância para apreciação das restantes questões, face ao disposto no artigo 159º, n.º 1 do CPAC.
    Não obstante o conhecimento das questões relativas ao fundo do recurso, o certo é que a decisão não levou em linha de conta os fundamentos avançados. Não se pode dizer, pois, que sobre essas questões se formou um juízo tendente a integrar um caso julgado formal, desde logo porque não houve decisão sobre o fundo, bem podendo acontecer que o mesmo ou outro juiz venham a tomar posição diferente sobre as mesmas. Mas mesmo que tal não aconteça, tem que sobrevir uma decisão expressa nesse sentido e a pronúncia vertida sobre tais matérias tem que se traduzir num resultado decisório, razões por que, sem embargo de uma aparente desconsideração pela economia processual, em nome da segurança, não pode deixar de sobrevir uma tomada de decisão sobre o mérito.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso e, revogando o decidido, entende-se ser a recorrente dotada de legitimidade, devendo os autos prosseguir no Tribunal Administrativo para conhecimento das restantes questões.
    Sem custas por não serem devidas.
                 Macau, 29 de Maio de 2014,
                 João A. G. Gil de Oliveira
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
                 
                 Fui presente
                 Mai Man Ieng
1 - Ac. do TSI, Proc. n.º 724/2008, de 14/5/2009
2 - Cândido de Pinho, CPA de Macau Anotado, 367
3 - Ac. STA, proc. 22021,de 3 711/88, DR, Apêndice de 23/9/94, pág. 5199; Ac. STA, proc. 22480, de 21/1/88
4 - José Cândido Pinho, Man. Form. Dto Proc.Adm. Contencioso, CFJJ, 2013, 70
5 - Ac. do Pleno do STA, de 21/1/1988, A.D. nº 317º, 666
6 - Ac. do STA de 12/03/1997, Proc. n.º. 020156, in www.dgsi.pt
7 - Ac. do STA de 26/05/2010, Proc. n.º. 0179, in www.dgsi.pt

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298/2013 48/48