Processo n.º 627/2013
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 29/Maio/2014
ASSUNTOS:
- Impugnação da matéria de facto
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre empregador e uma empresa agenciadora de mão- de- obra
- Contrato a favor de terceiro
- Subsídio de alimentação
- Subsídio de efectividade
SUMÁRIO :
1. Há que ser muito prudente na reapreciação da matéria de facto, sendo de privilegiar a imediação vivenciada pelo Juiz do julgamento em 1ª Instância, havendo que contextualizar o depoimento da testemunha e tentar abarcar tudo aquilo que os monossílabos, se não os silêncios, encerram. Terá sido essa sensibilidade que o juiz na sua imediação não deixou de ter em relação a um certo depoimento, formalmente curto, mas substancialmente fazendo perceber toda a realidade que importaria abarcar.
2. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
3. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
4. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
5. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
6. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
7. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
8. O subsídio de alimentação, vista a natureza e os fins a que se destina, deve estar dependente do trabalho efectivamente prestado.
9. Já o denominado subsídio de efectividade, não obstante a sua designação, tem uma natureza mais retributiva e, vistos os termos em que é concebido, atribuído por um mês sem faltas, as ausências autorizadas não o devem excluir.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 627/2013
(Recurso Civil)
Data : 29 de Maio de 2014
RECORRENTES :
Recursos Finais
- A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. A(澳門)有限公司
- B
Recurso Interlocutório
- A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. A(澳門)有限公司
RECORRIDOS :
Os Mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A - A (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA LIMITADA, R. mais bem identificada nos autos em epígrafe, em que é A. B, tendo sido notificada do despacho de fls. 153, que indeferiu (a) a prestação de depoimento de parte pelo A. e (b) o pedido de informação aos Serviços de Migração da RAEM sobre as entradas e saídas do A. do território durante o período que durou a sua relação laboral com a R., não se conformando com o mesmo, dele veio interpor RECURSO para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
a) O Tribunal a quo indeferiu o requerimento da recorrente para prestação de depoimento pelo A à matéria do ponto 19°, com o fundamento de que o factos em causa não é pessoal do A, ora recorrido;
b) No entender da recorrente, o facto que se procura indagar através do ponto 19° da base instrutória é um facto pessoal do A, por respeitar à sua situação laboral individual;
c) Ou, no mínimo, é um facto de que o A deve ter - e efectivamente tem conhecimento, por respeitar ao enquadramento jurídico-administrativo da sua entrada, permanência e prestação da actividade profissional RAEM;
d) Ao indeferir o requerido depoimento de parte, o douto Tribunal a quo violou o disposto no art. 479°, n° 1 do CPC;
e) O Tribunal recorrido indeferiu também o requerimento da R. para que os Serviços de Migração informassem nos autos sobre todos os movimentos de entrada e saída do A da RAEM, com indicação das respectivas datas, no período em que durou a relação laboral entre A e R., pretendendo com isso fazer prova negativa da matéria dos pontos 8º a 11º, 13° e 15° da base instrutória, com o fundamento de que "a informação pedida não permite a conclusão que a Ré pretende" e que "os elementos que ora se ordenou a notificação da Ré para os juntar serem o meio adequado para aquele efeito;
f) O A assenta os seus pedidos no pressuposto fáctico de ter trabalhado, ao longo de mais de 17 anos, todos os dias, 12 horas por dia, sem gozar férias ou descanso semanal;
g) Assim, bastará que do seu registo de entradas e saídas conste que o R. permaneceu 24 horas fora do território da RAEM, para que fique imediatamente beliscada a veracidade daquela sua alegação;
h) Por outro lado, fundamentação segundo a qual os elementos adequados à prova pretendida serão os documentos cuja junção, noutro segmento do mesmo despacho, foi ordenada à R., não merece acolhimento, na medida em que a recorrente não possui os documentos em causa e não poderá apresentá-los;
i) Face ao exposto, ao indeferir a requerida diligência de prova, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 462º do CPC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que defira as diligências probatórias requeridas pela recorrente.
B, contra-alega, em síntese:
a) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não é verdade que o Recorrido conhecesse ou tivesse obrigação de conhecer os Contratos de Prestação de Serviços n.º 1/1 e 14/1, porquanto os mesmos em nada respeitam à sua situação laboral individual;
b) Trata-se, com efeito, de Contratos que foram alegados pela própria Recorrente e nunca pelo Recorrido;
c) O único Contrato de Prestação de Serviço que o Autor conhece e efectivamente tem conhecimento do seu conteúdo é o Contrato de Prestação de Serviço n.º 2/94, ao abrigo do qual foi contratado e exerceu a sua actividade laboral para a Recorrente;
d) Com efeito, a Recorrente nunca forneceu ao Recorrido uma cópia Contratos de Prestação de Serviços n.º 1/1 e 14/1;
Ou melhor,
e) A ser verdade que se trata de contratos que "respeitam ao enquadramento jurídico-administrativo da entrada e permanência e prestação de actividade profissional do Autor na RAEM", não se vê razão para que a Recorrente nunca tenha disponibilizado ao Recorrido uma simples cópia de tais contratos;
Em segundo lugar,
f) O pedido de movimentos de entrada e saída do Autor no Território não se encontra devidamente fundamentado.
g) Por esta razão, bem se percebe o sentido do indeferimento do mesmo, pelo que a decisão do Tribunal a quo se deverá manter, por correcta e isenta de qualquer vício.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve a decisão posta em crise pela Recorrente manter-se, porque é correcta e isenta de qualquer erro ou vício.
B - A (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA LIMITADA, R. nos autos em epígrafe, recorre da sentença, dizendo, em suma:
a) Quanto aos pontos p), q), r) e s) da matéria de facto, o Tribunal recorrido atendeu ao depoimento da testemunha C, do qual concluiu o número de horas diárias que o A. trabalhava;
b) A testemunha C não apresenta qualquer razão de ciência que lhe permita atestar sobre o número de horas que o A. trabalhava por dia;
c) Com tão frágil suporte probatório, não é possível dar-se por provado qual o número de horas que o A. trabalhava por dia;
d) O julgamento que incidiu sobre o ponto u) da matéria de facto escorou-se também no depoimento da mesma testemunha;
e) Também quanto a este facto a testemunha se revelou falha de razão de ciência ou riqueza de detalhe, por não avançar qualquer circunstância de facto que a habilitasse a atestar que o A. nunca faltou ao trabalho sem justificação ou autorização;
f) Razão por que o julgamento que indiciu sobre o referido ponto u) se mostra também equivocado;
g) Os pontos x) e z) da matéria de facto, relativos à ausência de gozo pelo A. de descanso semanal e de concessão pela R. de descanso compensatório, suportam-se também no depoimento da testemunha C;
h) Também quanto aos respectivos factos as respostas da testemunha são lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize;
i) O que leva a que se considere errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre estes pontos da matéria de facto;
j) As provas têm por função demonstrar a realidade dos factos (art. 334º do Código Civil), e visam apurar factos relevantes para a decisão da causa (art. 433º do CPC);
k) A prova faz-se vencendo a resistência da dúvida e introduzindo no mundo jurídico elementos que possam razoavelmente suportar um juízo sobre a realidade do facto sobre o qual se indaga;
I) Se essa dúvida não é vencida, ela resolve-se contra quem invocou o facto (art. 437º do CPC);
m) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha C (gravado sob o ficheiro denominado “Recorded on 13-May-2013 at 15.33.09 (OT@MP)#105411270).WAV”, deverá ser alterada a resposta aos factos contidos nos pontos p), q), r) s), u), x) e z) da matéria de facto provada, julgando-se aqueles não provados, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.;
n) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
o) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
p) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
q) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
r) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
s) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
t) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
u) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
v) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
w) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R;
x) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
y) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
z) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
aa) A obrigação da ora R é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
bb) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
cc) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
dd) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
ee) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A, que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
ff) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
gg) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
hh) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
ii) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A, sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
jj) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A, de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
kk) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
II) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
mm) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
nn) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
oo) Acresce que, procedente a reapreciação do ponto p) a s) da matéria de facto, deverá igualmente ruir, por falta de suporte factual, o pedido deduzido pelo A a título de trabalho extraordinário;
pp) Em todo o caso, quanto ao regime previsto nos Contratos para o cálculo da remuneração do trabalho extraordinário, deverá entender-se que o mesmo remete para o art. 11°/2 do Decreto-Lei n° 24/89/M, em cujo art. 11°/2, o qual deixa ao critério das partes o ajuste, em sede de contrato individual de trabalho, dos termos dessa remuneração;
qq) Cabia pois ao A. alegar os termos desse ajuste contratual, o que não fez;
rr) Como tal, na falta de suporte de facto quanto aos termos de remuneração de trabalho extraordinário acordados entre as partes conclui-se que o A. não demonstrou ser-lhe devida qualquer quantia adicional às que, como ficou provado nos pontos p) a s), lhe foram oportunamente pagas pela R. como remuneração do trabalho extraordinário prestado;
ss) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido violou o art. 228°/1 do Código Civil;
tt) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
uu) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de refeição depende da prestação efectiva de trabalho;
vv) Porém, na decisão recorrida propugnou-se o entendimento de que o A. terá direito a subsídio de alimentação em todos os dias de calendário que durou a sua relação laboral;
ww) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°/1 do Código Civil;
xx) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
yy) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto u) da matéria de facto, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
zz) Acresce que, nos termos dos Contratos, o subsídio de efectividade é um mecanismo destinado a premiar a efectiva prestação de trabalho;
aaa) Nesse sentido, é para o empregador irrelevante que o empregado, faltando, o faça por motivo atendível e justificado, ou até sob autorização prévia;
bbb) Assim, ao decidir no sentido de que as faltas justificadas ou autorizadas - que o A. reconhece terem ocorrido - não devem ser tidas em conta para a aferição do subsídio de efectividade, a decisão a quo violou uma vez mais o disposto no art. 228°/1 do Código Civil.
ccc) A modificação da decisão sobre o ponto z) da matéria de facto terá o efeito de absolver a R do pedido formulado a título de compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal, por via da inexistência do respectivo suporte factual;
ddd) Ainda assim, entende a R que sempre haverá que considerar que a decisão recorrida enferma de erro de Direito.;
eee) Por regular apenas as relações de trabalho com residentes da RAEM, o Decreto-Lei n° 24/89/M não é aplicável ao caso em apreço, devendo entender-se que a remuneração do descanso semanal era tema tratado de forma definitiva no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre A. e R;
fff) Ao decidir em sentido diverso, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 1°/2 e 3°/3/d) do Decreto-Lei n° 24/89M;
Nestes termos, entende dever a sentença ora posta em crise, ser revogada em conformidade com o que por si foi alegado.
Contra-alega o Réu trabalhador, em síntese:
1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
2. Partindo dos meios de prova existentes nos presentes autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, não existe um qualquer erro, contradição ou vício que possa inquinar o conteúdo da matéria de facto dada por provada;
3. Não é verdade que o testemunho levado a cabo pela testemunha arrolada pelo Autor/Recorrido não apresenta qualquer razão de ciência, ou que as suas respostas foram lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize;
4. Pelo contrário. A testemunha mostrou conhecer plenamente a matéria sobre a qual foi questionado, visto durante largos anos ter igualmente exercido funções de guarda de segurança para a Ré/Recorrente nas mesmas condições que o Autor e as centenas de trabalhadores de origem Filipina;
5. Assim, a testemunha é conhecedora do número de horas de trabalho diário prestado pelo Autor, do número de horas trabalho extraordinário prestado e do não gozo de dias de descanso semanal por parte do mesmo;
6. Não pode a Recorrente pôr em dúvida a credibilidade da testemunha arrolada pelo Autor, sabido que a mesma igualmente prestou funções para a Ré em condições de trabalho idênticas às do Autor e sendo que a Ré/Recorrente nada fez para infirmar o que se perguntava, ou sequer juntou qualquer documentação relativa a tais matérias, ou sequer apresentou uma qualquer outra testemunha que pudesse vir a suportar o alegado pela Recorrente;
7. Não é verdade que o testemunho prestado não tenha apresentado qualquer razão de ciência ou que as respostas tenham sido lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize;
8. Não resulta do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Recorrido foi autorizado a prestar trabalho para a Recorrente que a atribuição do subsídio de alimentação ou de refeição estivesse dependente da prestação efectiva de trabalho;
9. Não obstante, mesmo que assim fosse, nunca as faltas justificadas ou previamente autorizadas pela Recorrente poderiam ser aptas a justificar a não atribuição ao Recorrido do subsídio de alimentação, porquanto não é irrelevante que o trabalhador falte ao serviço com ou sem motivo ou mediante motivo atendível e justificado e precedido de autorização prévia por parte da respectiva entidade patronal, isto é, da Recorrente;
10. Idêntico raciocínio deve valer para a atribuição ao Recorrido do subsídio de efectividade constante do Contrato de Prestação de Serviço, tal qual decidido pelo Tribunal a quo;
11. Não é correcto concluir que o Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril não se aplica, sem mais, à situação dos presentes autos;
Do Direito:
12. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes;
13. De onde, a Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
14. Assim, o Recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.;
Por outro lado,
15. Constitui jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrido) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros;
16. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrido);
17. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do C. Civil de Macau) e, em consequência, possa exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
Nestes termos, entende dever ser o recurso apresentado pela recorrente julgado totalmente improcedente.
C - B, Autor nos autos à margem identificados, vem também interpor recurso da sentença, alegando em sede de conclusões:
1. Ao condenar a Ré a pagar ao Autor, ora Recorrente, apenas o equivalente a um dia de trabalho pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do disposto no art. 17,° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
2. Com efeito, salvo melhor opinião, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
3. Ademais, ao condenar a Ré a pagar ao Autor, ora Recorrente, apenas e tão-só o "equivalente a um dia de trabalho", o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
4. Provado que Recorrente, durante o período de 25.03.1995 a 31.12.2006 tinha direito a gozar 612 dias de descanso semanal o que não fez, sendo: "354 dias à razão de Mop$90,00 (23.01.1995 a 15.01.202); 162 dias à razão de Mop$66,67 (16.01.2002 a 28.02.2005); 52 dias à razão de Mop$70,00 (de Março de 2005 a Fevereiro de 2006) e 44 dias à razão de Mop$76,27 (de Março a Dezembro de 2006)", a Ré deve ser condenada a pagar ao Recorrente, a quantia de Mop$99,312.84 - e não de Mop$49.654,42 conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
Nestes termos, pede a revogação da sentença nos termos expostos.
Estes recursos interpostos da sentença foram oportunamente contra-alegados.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
1. O despacho objecto do recurso interlocutório é do seguinte teor:
“Fls. 149 : Deferido.
Fls. 151 :
Quando ao depoimento de parte do A. oque se verifica é que os factos relativamente aos quais é indicado ou são favoráveis ao Autor (não sendo admissível a confissão art. 345º do C. Civ.) ou não são factos pessoais ou de deva ter conhecimento.
Pelo que, nos termos do art. 479º do CPCD vai indeferido o depoimento de parte do Autor.
Oficie como se requer em 1.2 de folhas 151.
Vai indeferido o requerido em 1.3 de folhas 151 porquanto a informação pedida não permite a conclusão que a Ré pretende e os elementos que ora se ordenou a notificação da Ré para os juntar serem o meio adequado para aquele efeito.
Notifique.
Macau, 25/02/2013 “
2. Os factos dados como provados na sentença final foram os seguintes:
“a)
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b)
Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c)
Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»: nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d)
O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/94”;
e)
Do contrato referido em D) cuja cópia está a de fls. 27 a 32 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f)
O A. Trabalhou sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré, no local e horário de trabalho fixado pela R. de acordo com as suas exclusivas necessidades;
g)
Durante a relação referida no item anterior foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
h)
Entre 23 de Março de 1995 e 31 de Maio de 2012, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”.
i)
Entre Março de 1995 e Setembro de 1995 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,500.00 mensais.
j)
Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,700.00 mensais.
l)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$1,800.00 mensais.
m)
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,000.00 mensais.
n)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,100.00 mensais.
o)
Entre Março a Dezembro de 2006 como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$2,288.00 mensais.
p)
Entre 23.03.1995 e 30.06.1997 o A. trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora.
q)
Entre Julho de 1997 e Junho de 2002 o A. trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9,30 por hora.
r)
Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o A. trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10,00 por hora.
s)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o A. trabalhou 12 horas por dia tendo a Ré remunerado as 4 horas de trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora.
t)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
u)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho.
v)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias».
x)
O A. nunca gozou dia de descanso semanal durante todo o período que esteve ao serviço da R.
z)
Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório.
aa)
Os contratos referidos em c) foram substituídos pelo contrato nº 1/1 em 15.01.2002, cuja cópia consta de folhas 80 a 84 e aqui se dá por integralmente reproduzido.
ab)
A partir de 15.01.2002 foi com base no contrato referido no item anterior que a R. renovou a contratação do Autor.
As questões a decidir nesta sede processual consistem em conhecer da:
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
4. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
5. Dos juros moratórios pedidos;”
III - FUNDAMENTOS
A - Recurso Interlocutório
1. Não tem razão a recorrente no que respeita ao pretenso depoimento de parte do A. que foi indeferido.
Insurge-se a Ré/Recorrente quanto ao facto de o Tribunal ter indeferido o seu pedido de prestação de depoimento de parte pelo Autor, além do mais, à matéria do ponto 19 da base Instrutória, alegando tratar-se de matéria que o Autor " tem que ter - e efectivamente tem - conhecimento".
O ponto 19 que a Ré/Recorrente alega ser do perfeito e efectivo conhecimento pessoal do Autor diz respeito a matéria de excepção invocada pela própria Ré na sua contestação e, nos termos da qual, a mesma afirma que o Contrato de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor foi recrutado e exerceu a sua actividade laboral para a Ré havia sido substituído pelos Contratos de Prestação de Serviços n.ºs 1/1 e 14/1.
Em concreto, pretende-se apurar se a partir de 15 de Janeiro de 2001, o Autor esteve ao serviço da Ré ao abrigo dos Contratos Prestação de Serviços n.ºs 1/1 e 14/1.
Ora, em lugar nenhum da sua petição inicial, ou da sua resposta à contestação, o Autor/Recorrido afirmou conhecer o conteúdo dos Contratos de Prestação de Serviços n.ºs 1/1 e 14/1.
Não se vê que o trabalhador conheça ou tenha obrigação de conhecer o conteúdo dos Contratos de Prestação de Serviços n.ºs 1/1 e 14/1, porquanto os mesmos em nada respeitam à sua situação laboral individual.
O único Contrato de Prestação de Serviço que o Autor alega conhecer é o Contrato de Prestação de Serviço n.º 2/94, ao abrigo do qual o Autor/Recorrido foi contratado e exerceu a sua actividade laboral para a Ré/Recorrente.
Com efeito, nunca a Ré/Recorrente forneceu ao Autor/Recorrido uma cópia dos Contratos de Prestação de Serviços n.ºs 1/1 e 14/1, que a mesma afirma ter o Autor/Recorrido pleno conhecimento.
Trata-se de matéria que deve ser comprovada documentalmente, estando a ré em melhores condições para a fornecer, tanto mais que foi com base nesses contratos que foi autorizada a contratar, tratando-se de contratos que "respeitam ao enquadramento jurídico-administrativo da entrada e permanência e prestação de actividade profissional do autor na RAEM", não se vê razão para que a recorrente nunca tivesse disponibilizado uma simples cópia integral de tais contratos quer ao Autor/Recorrido, quer ao próprio Tribunal.
Bem andou, pois, o Tribunal a quo em indeferir o pedido de prestação de depoimento de parte pelo Autor.
2. No que respeita ao pedido formulado aos Serviços de Migração sufraga-se o entendimento do Mmo Juiz a quo.
Desde logo, não se explicam as razões desse pedido, não obstante se indicar a matéria objecto de contraprova com tal diligência.
A iniciativa probatória incumbe, antes de mais, às partes, só devendo o Tribunal substituir ou suprir essa iniciativa quando ficarem bem claras as razões por que a parte não consegue angariar determinada prova, especialmente quando se trata de pedir elementos ou informações a outras entidades que não deixarão de ter, no mínimo, natureza reservada.
Ora o que se evidencia é um pedido de uma diligência tendente a demonstrar que o trabalhador não trabalhou em determinados dias e quantificá-los, ónus que cabe em primeira linha à parte, não se percebendo como é que uma empresa organizada e com a dimensão da recorrente não tem meios ou elementos demonstrativos dos dias de trabalho efectivo do seu pessoal.
Acresce que a impugnação da matéria concernente aos dias de trabalho do autor, enquanto alega que trabalhou todos os dias, não foi feita especificadamente, limitando-se a entidade patronal a dizer que não é verdade que assim tenha acontecido, o que nos parece não corresponder a uma litigância frontal. Sem se querer inverter o ónus da prova, já que se pretende fazer contraprova, não seria demais, repete-se, exigir que uma empresa como a recorrente não tenha controle exacto sobre o trabalho efectivo dos seus trabalhadores.
Para além de se poder dar o caso dessa diligência pretendida não se mostrar definitivamente relevante, para prova dos dias de trabalho efectivo, pois, no limite, até se pode configurar que a ausência foi em serviço.
Nesta conformidade, o recurso interlocutório, ainda nesta parte, não deixará de improceder.
B - Recurso da decisão final da GUARFORCE
1. Decisão sobre a matéria de facto
a) Da prova relativa aos pontos p), q), r) e s) da matéria provada.
Atentemos no que diz a recorrente, não se pondo em causa que o que vem transcrito foi exactamente aquilo que a testemunha – a única testemunha ouvida em julgamento – disse efectivamente :
“Ora, considera a R. que o julgamento de facto que incidiu sobre os referidos pontos se mostra equivocado, devendo a correcta ponderação dos meios de prova constantes dos autos conduzir a decisão bem distinta.
1.1 Pontos p), q), r) e s) da matéria provada
No tocante ao ponto p) da matéria de facto, o Tribunal recorrido atendeu ao depoimento da testemunha C, que, pela simples circunstância de ter sido "colega de trabalho" do A, permitiu ao Tribunal recorrido concluir que teria "conhecimento directo" dos factos em questão.
O depoimento da testemunha, com a respectiva tradução para português, encontra-se gravado sob o ficheiro denominado “Recorded on 13-May-2013 at 15.33.09 (OT@MP)#105411270).WAV”.
A sua audição não pode, salvo o devido respeito, deixar de causar verdadeira perplexidade quanto ao sentido e valoração que lhe foram dados pelo Tribunal recorrido.
Vejamos então o que trouxe aos autos a testemunha C:
Questionada pela Ilustre Mandatária do A sobre quando teria conhecido o A, a testemunha responde, a 10m48s da gravação acima referida:
“só em 1995, na altura do Grande Prémio é que eu o conheci”.
Questionada sobre quantas horas este trabalhava por dia durante os anos que permaneceu ao serviço da R, a testemunha responde laconicamente (a 22m39s da gravação acima referida) da seguinte forma:
"12 horas. Normalmente eram 12 horas."
Mais ainda, e a insistência da Mandatária do A sobre se tinha certeza se o A trabalhara sempre 12 horas por dia (a 25m45s da gravação referida), a testemunha, afirma simplesmente (a 25m54s da gravação referida) que:
"Sim."
E quando questionada pelo Mandatário da R sobre como podia ter a testemunha posição tão peremptória quanto às condições de trabalho do A quando havia deixado de trabalhar para a R quatro anos antes do A, este revela o seu "conhecimento directo" dos factos em todo o seu esplendor, afirmando (a 39m01s da gravação referida) que:
"A mulher do Joselito [o A.] e a minha irmã eram amigas, então nós sempre encontramos e conversamos"
Tendo no entanto subsequentemente alterado a sua versão para contar agora que o A lhe havia dito tudo sobre o facto em causa numa "conversa".
Mais ainda, o Mandatário da R. inquiriu especificamente a testemunha sobre como podia esta asseverar que o A tinha trabalhado todos os dias durante 13 anos 12 de horas por dia todos os dias, a testemunha respondeu (a 45m29s da gravação referida)
“Sim, eu não posso garantir”
Esclarecendo, a insistência do Mandatário da R. sobre o facto de não conseguir garantir que o A havia efectivamente trabalhado 12 horas por dia todos os dias que (a 46m13s da gravação referida):
"Sim, eu não consigo"
E assim se esgota o depoimento da testemunha C sobre este tema, em que o Tribunal recorrido tão confiantemente fundou a sua convicção quanto ao ponto ora em apreço da matéria provada ...
Em primeiro lugar, cumpre salientar que, de acordo com o que é admitido pela própria testemunha, esta só conheceu o A na altura do Grande Prémio de Macau, que, conforme é do conhecimento comum, decorre em Novembro. No entanto, e inexplicavelmente, o Tribunal recorrido considerou que ainda assim a testemunha tinha conhecimento directo do número de horas específico que o A trabalhava desde Março do mesmo ano, mesmo numa altura em que a testemunha não sabia quem era o A.
Mais ainda, a testemunha não apresenta qualquer particular razão de ciência que alicerce o que diz: não afirma se prestava trabalho nos mesmos locais que o A, se se deslocavam juntos entre esses locais e as respectivas residências, se tomavam as refeições juntos, por exemplo.
Por outro lado, o seu depoimento não dá também qualquer detalhe ou textura àquela resposta - a que horas o A. entrava e saía, que específicas instruções da R. existiriam a esse respeito, que interrupções de trabalho eram praticadas, enfim, qualquer pormenor que, revelando contacto efectivo da testemunha com a realidade da prestação de trabalho do A. e das condições em que esta decorria, seja apto a dar credibilidade e consistência ao seu depoimento.
Pelo contrário, a testemunha reconhece que obteve conhecimento indirecto sobre as condições de trabalho do A. e que não consegue garantir que o A. trabalhou 12 horas por dia todos os dias, o que desde logo derrota o conhecimento directo que pudesse possuir sobre o facto em causa, mas, e mais ainda, consubstancia um reconhecimento de que o seu depoimento não é idóneo a confirmar o alegado pelo A.
Ora, perante um tão confrangedor suporte probatório, não pode a R. aceitar que se dê por provado qual o número de horas que o A. trabalhava por dia.
1.2 Ponto u) da matéria provada
Também o julgamento que incidiu sobre o ponto u) da matéria de facto se escorou simplesmente no depoimento do Sr. C, considerando-se provado que o A. nunca faltou ao trabalho sem justificação ou autorização da R..
Questionada pela Ilustre Mandatária do A. sobre se este teria dado qualquer falta fora daquelas circunstâncias, questão que, note-se, a própria Ilustre Mandatária temperou com as expressões "do que presenciou e do que é seu conhecimento" a aludida testemunha responde (a 28m14s da gravação acima referida) que:
"Não."
Igualmente neste particular a testemunha se revela totalmente falha de razão de ciência ou riqueza de detalhe, por não avançar qualquer circunstância de facto que a habilitasse a proclamar que, durante 17 anos, o A. nunca faltou sem justificação ou sem estar autorizado pela R. para esse efeito.
Terá a testemunha trabalhado permanentemente nos mesmos locais que o A, podendo assim detectar pessoalmente as suas faltas? E além disso, teria a testemunha conhecimento das comunicações entre A e R. a respeito de tais faltas, de modo a poder assegurar-se que nunca lhes faltou justificação ou autorização?
Nada disto a testemunha nos diz, levando pois à conclusão de que, para prova do facto em apreço, o Tribunal recorrido se bastou com um monossílabo, julgamento que uma vez mais se tem por clamorosamente equivocado.
1.3 Pontos x) e z) da matéria provada
O depoimento da testemunha C constitui também o suporte em que o Tribunal a quo assentou o seu julgamento sobre os pontos x) e z) da matéria de facto, respeitantes respectivamente ao trabalho prestado pelo A em dia de descanso semanal.
Questionado pela Ilustre Mandatária do A sobre se algum dia havia tido algum dia de descanso semanal, o Sr. C responde (a 30m31s da gravação acima referida):
"Não."
E em seguida, questionada sobre se a R. pagava alguma quantia adicional pelo trabalho prestado em dia de descanso, a mesma testemunha responde (a 30m56s da gravação acima referida) que:
"Não."
Uma vez mais as respostas são lacónicas e destituídas de qualquer detalhe que as credibilize, ficando por saber que espécie de conhecimento directo habilita a testemunha a produzir aquelas afirmações.
Uma vez mais, apenas uma grande proximidade com o A conferiria à testemunha um conhecimento apto a suportar aquelas suas respostas, proximidade que a testemunha não revela.
Tudo redundando em se considerar errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre estes pontos da matéria de facto.
Não pode a R. encerrar este capítulo sem consignar que, no seu modesto entendimento, as exigências probatórias de uma acção judicial não se bastam - não podem bastar-se - com singelas afirmações, simples vacuidades destituídas de razão de ciência que as enforme, debitadas - recitadas, dir-se-ia - por uma testemunha.
Como é bem sabido, as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos (art. 334º do Código Civil), e visam, em sede judicial, apurar factos relevantes para a decisão da causa (art. 433º do Código de Processo Civil).
Ora, demonstrar a realidade de um facto não equivale a fazer comparecer em juízo um indivíduo que mecânica e secamente afirme que o facto em questão aconteceu.
Pelo contrário, a prova faz-se vencendo a resistência da dúvida, introduzindo no mundo jurídico um qualquer elemento que, com razoável grau de certeza, possa suportar um juízo sobre a realidade do facto sobre o qual se indaga - e se essa dúvida não é vencida, ela resolve-se contra quem invocou o facto (art. 437º do Código de Processo Civil).
Neste contexto, tem a R. o firme entendimento de que um depoimento com as características do oferecido pela testemunha C - lacónico, árido de detalhes, despido de razão de ciência, um mero débito semi-automático de respostas é totalmente inapto a vencer qualquer dúvida probatória que se lhe oponha,
O que o douto Tribunal ad quem terá, pela reapreciação do referido meio de prova, a oportunidade de constatar e reparar.
Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha C (gravado sob o ficheiro denominado “Recorded on 13-May-2013 at 15.33.09 (OT@MP)#105411270).WAV”, os pontos p), q), r), s), u), x) e z) da matéria de facto provada, julgando-se aqueles não provados, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.”
À primeira vista, esta alegação parece impressionar.
Mas importa colocarmo-nos na particular posição da testemunha, também ele trabalhador, naturalmente condicionado, se não fragilizado, ao depor num ambiente que lhe é estranho, sobre uma relação laboral que ele próprio vivenciou em termos próximos àqueles em que depôs, numa acção movida contra a ex-entidade patronal.
Há que contextualizar aquele depoimento e tentar abarcar tudo aquilo que os monossílabos, se não os silêncios, encerram.
Terá sido essa sensibilidade que o Mmo Juiz na sua imediação não deixou de ter em relação àquele depoimento, formalmente curto, mas substancialmente fazendo perceber toda a realidade que importaria abarcar.
Realça-se essa imediação a atenção evidenciada pelo Mmo Juiz que a cada passo intervém, insta, pergunta e busca esclarecimentos, tal com resulta claramente da audição do CD junto aos autos.
A testemunha mostrou conhecer a matéria sobre a qual foi questionado, visto durante largos anos ter igualmente exercido funções de guarda de segurança para a Ré/Recorrente nas mesmas condições que o autor e as demais centenas de trabalhadores de origem Filipina.
As suspeições avançadas pela recorrente não se confirmam e as ligações existentes não são de molde a afectar a credibilidade da testemunha, pelo que, em concreto, no que diz respeito ao número de horas de trabalho diário prestado, ao número de horas trabalho extraordinário prestado e ao não gozo de dias de descanso semanal por parte do autor.
Na linha do que já noutro passo se avançou e sem querer inverter as regras do ónus da prova importa registar que também por seu lado a ré, ora recorrente, nada fez para infirmar o que se perguntava, ou sequer se dignou a juntar documentação relativa a tais matérias, ou sequer apresentou uma qualquer outra testemunha que pudesse vir a infirmar o afirmado pela parte e sustentado pela testemunha ouvida, sendo que lhe cabia, ao nível da impugnação ter tomado posição marcada, definida, especificada sobre uma questão que também ela não podia ignorar.
Há dois detalhes que não queremos deixar passar sem comentário.
Finca-se a recorrente no facto de a testemunha, a páginas tantas, a instância do seu mandatário, ter dito que certezas absolutas não podia ter. Não nos impressiona sobremaneira essa afirmação, bastando referir que a personalidade de determinadas pessoas é menos afirmativa e tal afirmação pode ser entendida como a dúvida socrática base do conhecimento, no sentido de que, mesmo embora se tenha conhecimento de um facto, resguarda-se uma margem de erro e de falha, exactamente por se reconhecer a fabilidade humana. Exactamente na medida em que não há certeza absoluta, se a testemunha afirma que tem a certeza absoluta, convicta que está certa e se verifica que falha. Aliás, a propósito dessa insistência do ilustre mandatário da ré, num primeiro momento a testemunha não deixa de afirmar que não pode ter a certeza mas sabe que ele até trabalhou mais de 12 horas.
O outro detalhe refere-se ao facto de a recorrente tentar descredibilizar o depoimento da testemunha, referindo o conhecimento travado entre ela e o autor como tendo ocorrido apenas em Novembro de 1995 em desconexão com o início da relação laboral do autor.
Sobre isto, passe ao exagero aparente de quanto aqui se afirma, diremos apenas que para se ter conhecimento de uma determinada prestação laboral não é preciso estar lado a lado do trabalhador em causa em todos os minutos para se ter conhecimento da situação.
Há até um passo muito curioso em que durante a legítima instância do Ilustre Advogado da ré, este pergunta à testemunha se num determinado dia, de um determinado mês, de um determinado ano, se ela se recorda que o trabalhador esteve ao serviço. Tal questão, assim colocada, mereceu a intervenção do Mmo Juiz que chamou a atenção para o facto de a questão não dever assim ser colocada, pois que uma prova dessas incumbiria até à Ré perante a exibição das folhas de assiduidade.
Esta alegação é muito demonstrativa do cuidado que há que pôr na reapreciação da matéria de facto. Na verdade, a recorrente omite que a testemunha diz que começou a trabalhar em 1994 e só em Novembro de 1995 conheceu o autor. Se pretendesse ser parcial e não fosse objectivo não tinha necessidade de referir esse aspecto, sendo uma afirmação que muito dificilmente podia ser infirmada.
Mostra a testemunha à saciedade que tinha bem conhecimento do funcionamento, horários, pagamentos e das práticas na empresa.
Não se deixa de notar mais uma vez a preocupação do Mmo Juiz em saber dos horários, períodos de trabalho e das faltas do autor.
Aliás, a este propósito, não se deixa aqui de referir o entendimento que vem sendo sustentado neste Tribunal de Segunda Instância, a propósito da reapreciação da matéria de facto em matéria cível:1
“Ora, é certo que o princípio da livre apreciação da prova (art. 558º, do CPC) não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Mas, por outro lado, também é certo que a convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita (Ac. do TSI, de 18/07/2013, Proc. nº 50/2013).
Por isso se diz que, geralmente, o princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita o Tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu (Ac. TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).”
Razão, ainda aqui, por que, face aos dados adquiridos no caso concreto, inclusive a partir da prova testemunhal reproduzida, decidir em sentido contrário ao seguido na 1ª Instância.
Assim, sem mais, improcede todo o alegado pela recorrente a respeito da decisão sobre a matéria de facto.
b) Do regime aplicável à relação laboral em presença, da imperatividade do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e da configuração de um contrato a favor de terceiros
b.1. Sobre esta questão é conhecida a posição dominante nos Tribunais de Macau no sentido de que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes.
Assim, qualquer entidade interessada - e in casu a recorrente - tão só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a recorrente) e uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.).
Daí que o recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está, como já se deixou dito, sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
b.2. Vamos repetir o que já noutros acórdãos aqui se tem afirmado.2
Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.
Convém aqui fazer um parêntesis e analisar uma pretensa invalidade desse Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
Esse Despacho foi proferido pelo então Governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo a natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal de lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa3 - e não tem razão quem pretende ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
b.3. Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho em presença.
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que se sabe que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
b.4. É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.4
b.5. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrente, da exclusão, em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., da natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo como contrato a favor de terceiro não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Daqui cai por terra o argumento avançado na douta alegação da recorrente quanto à falta do interesse atendível na celebração de um contrato a favor de terceiro por parte da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, sendo evidente que a sua intervenção na importação de mão de obra é um instrumento de condicionamento das regras a aplicar à mão de obra não residente, só assim sendo admitida a tal importação.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.5
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.6
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar do Prof. Pessoa Jorge.7
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.8
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.9
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).10
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”11
Quanto ao argumento que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
b.6. Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
Posto isto, somos a sufragar o entendimento acolhido na douta sentença recorrida.
c) Das diferenças salariais
Face à posição acima assumida, as diferenças salariais levadas em conta na sentença recorrida não merecem qualquer reparo.
d) Do trabalho extraordinário
Ainda aqui não merece reparo a quantia arbitrada, não se podendo admitir que o trabalhador ganhasse pelo serviço extraordinário menos do que pelo serviço normal.
Serve aqui a posição expressa no acórdão 737/2010, deste TSI:
“O Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, não prevê sobre a forma ou o modo de fixação do acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário, nem sobre o montante mínimo desse acréscimo salarial, mas isto não representa que a “livre” fixação, em sede do art. 11.º, n.º 2, desse diploma legal, do valor remuneratório de cada hora extra de trabalho possa nomeadamente prejudicar as condições de trabalho mais favoráveis já observadas e praticadas entre a própria sociedade comercial arguida e os trabalhadores ofendidos então ao seu serviço (cfr. A norma do n.º 1 do art. 5.º do próprio Decreto-Lei).
Na verdade, não se pode admitir, ao arrepio do senso comum das pessoas, como fosse concretamente mais favorável a esses trabalhadores o facto de o valor da remuneração de cada hora extra do trabalho ser ainda inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.”
e) Do subsídio de alimentação e de efectividade
Não se abalando a matéria dada como provada, de que o trabalhador prestou serviço todos os dias por que perdurou a relação laboral, ainda aqui não merece qualquer censura o que foi decidido, reafirmando-se a posição já anteriormente assumida neste TSI de que o subsídio de alimentação só é devido quando o trabalhador presta serviço12 e já não assim com o serviço de efectividade13.
O subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6, onde se fez constar:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva.14
E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”.15 Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso).16
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (…), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão.17”
Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado e daí incorrectos estariam os cálculos no sentido de se terem contabilizado todos os dias por que perdurou a relação laboral para os cálculos efectuados. Esse facto pode ser compatibilizado com esse cálculo se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade.
Quanto ao subsídio de efectividade, trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas, pois assim o dizem os contratos.Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade. 18
f) Do trabalho prestado em dia de descanso semanal
O mesmo raciocínio é válido para a compensação dos descansos semanais não gozados.
A recorrente está equivocada quando afirma que o DL 24/89/M, de 3 de Abril não é aplicável aos presentes autos, pois sobre a aplicação analógica do DL24/89/M aos casos do trabalho por trabalhadores não residentes também já este Tribunal se pronunciou sobejamente e para aí nos remetemos.19
A este propósito e na esteira da Jurisprudência quase unânime deste Tribunal haverá que corrigir a fórmula usada na sentença em face do recurso interposto pelo trabalhador.
C- Recurso final do Autor
Tem razão o Autor.
Igualmente na esteira das posições anteriormente assumidas a fórmula correcta deve ser x2 para o cálculo das compensações pelo não descanso semanal.
Considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
Resta, pois, proceder aos cálculos em função do pedido e dos valores que lhes servirão de padrão, a partir dos montantes definidos, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Ou seja, o cálculo apurado deve ser pelo dobro: MOP$49.656,42 x= MOP$99.312,84
Tudo visto e ponderado, resta decidir
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedentes os recursos interlocutório e final, interpostos pela Ré A (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada e conceder provimento ao recurso final do A. B, revogando parcialmente o decidido, condenando-se agora a Ré a pagar ao A. a quantia de MOP$99.312,84 (noventa e nove mil trezentos e doze patacas e oitenta e quatro avos), acrescida dos juros a contar da presente data, relativamente ao período levado em conta na sentença recorrida, sentença esta que em tudo o mais se confirma.
Custas pela Ré nos recursos por si interpostos.
Custas pela Ré no recurso interposto pelo A. e na proporção dos decaimentos nas custas da acção.
Macau, 29 de Maio de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira (Vencido, no que respeita ao recurso interlocutório da Ré, pedido formulado aos Serviços de Migração; deferiria o pedido em face do disposto no artigo 6º, n.º 3 do CPC, de forma ao melhor apuramento da verdade).
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. do TSI, Proc. n.º 562/2013, de 8/5/2014
2 - V.g., A. do TSI, Proc. 574/2010, de 12/5/2011
3 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
4 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
5 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
6 - Leite de Campos, ob. cit., 17
7 - Obrigações, 1966, 55
8 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
9 - Leite de Campos, ob. cit.27
10 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
11 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
12 - Ac. 376/2012, 322/2013, 78/2012 e 414/2012
13 - Ac. 322/2013
14 - Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
15 - Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
16 - Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
17 - A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
18 - Ac. deste TSI, Proc. n.º 322/2013, de 2577/2013
19 - Acs. do TSI, Processos n.º 596/2010; 737/2010; 805/2010
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627/2013 61/61