Processo nº 261/2012
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 29/Maio/2014
Assunto: Anulação de registo de marca
Falta de notificação dos Serviços da Economia
Junção de documentos
Concorrência desleal
Direitos de autor
SUMÁRIO
- Na acção de anulação de registo de marca, a Direcção dos Serviços da Economia não tem legitimidade para intervir como parte, e por esta razão não é citada para contestar, apenas é notificada pela secretaria do Tribunal da interposição da acção e, quando a decisão transitar em julgado, é-lhe remetida cópia da decisão para efeitos de cumprimento da sentença judicial.
- Não obstante se verificar a falta de cumprimento do disposto no artigo 49º, nº 3 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, traduzido na falta de notificação da Direcção dos Serviços da Economia pela secretaria do Tribunal da interposição da acção, não se deve enquadrar em nulidade prevista no nº 1 do artigo 147º do Código de Processo Civil, se esta irregularidade cometida não é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
- Em princípio, as partes só podem juntar com as alegações de recurso os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os documentos destinados a provar factos supervenientes ou os documentos cuja junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
- Apresentado um pedido de registo de determinada marca junto das autoridades administrativas, e se estas reconhecerem que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção, aquelas entidades públicas terão o dever de recusar o seu registo, nos termos do artigo 214º, nº 1, alínea a), em conjugação com o artigo 9º, nº 1, alínea d), ambos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
- Mas já não podem os interessados, contra uma marca registada, pedir a anulação ou a reversão do título de registo em seu favor, com base naquele mesmo fundamento, por falta de previsão legal.
- Uma vez incorporado o “design” na marca, o que passa a estar visível e a representar a sua verdadeira função é a marca propriamente dita. Quer dizer, a criação perde autonomia e emerge o papel da marca.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 261/2012
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 29/Maio/2014
Recorrente:
- A Limited (Ré)
Recorrida:
- B Lda (Autora)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Limited, Ré nos autos da acção ordinária que correu seus termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da Autora quanto à anulação da marca N/49886 e improcedente a reconvenção, vem interpor o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O Tribunal de primeira instância não se debruçou sobre vários factos importantes para a descoberta da verdade.
2. O Tribunal não se debruçou sobre questões jurídicas importantes levantadas pela Ré na sua contestação-reconvenção.
3. A Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância é nula na medida em que o juiz não se pronunciou sobre questões sobre as quais se devia ter pronunciado, nos termos do artigo 571º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
4. O juiz cingiu a sua fundamentação à questão da prioridade das marcas do ponto de vista da lei de Macau, abstendo-se de conhecer sobre os factos e as normas jurídicas referidas pela Ré, ora Recorrente.
5. O Tribunal a quo devia ter dado como provado que a marca encontra-se registada desde 20 de Janeiro de 1971 em Hong Kong sob o número 1990B2560 na classe 30 para assinalar bolos, pães, e confeitarias.
6. A Ré não impugnou o alegado no artigo 85º da contestação, razão pela qual tal facto deveria ter sido considerado como provado.
7. O thema decidendum dos presentes autos não se resume à questão da prioridade da apresentação dos pedidos das marcas, à luz das regras de prioridade de registo de acordo com o RJPI e a Convenção de Paris (artigos 15º a 18º, 202º e 215º do RJPI).
8. O uso e registo dos sinais Maxim’s e 美心 por parte da Recorrida em Macau no âmbito da sua actividade comercial de padaria e pastelaria são considerados um acto de clara má fé, já que tais sinais distintivos foram criados pela Recorrente no ano de 1956.
9. O uso e registo dos sinais Maxim’s e 美心 por parte da Recorrida em Macau no âmbito da sua actividade comercial de padaria e pastelaria constituem um acto contrário aos usos honestos do comércio e consequentemente um acto de concorrência desleal, nos termos do artigo 158º do Código Comercial.
10. O uso dos sinais distintivos Maxim’s e 美心 por parte da Recorrida gera confusão nos consumidores que associam os serviços e produtos vendidos por esta à Recorrente, o que também é considerado um acto de concorrência desleal nos termos do artigo 159º do Código Comercial.
11. A criação das obras artísticas e encontra-se protegida por direitos de Autor nos termos do Decreto-Lei n.º 43/99/M de 16 de Agosto vigente em Macau.
12. O uso dos sinais distintivos e 美心 por parte da recorrida constitui uma clara violação dos direitos de Autor da Recorrente.
13. O Tribunal a quo ao julgar procedente o pedido de anulação de registo da marca número N/49886 em nome da Recorrente interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 15º a 18º, 202º e 215º do RJPI e o artigo 4º da Convenção de Paris.
14. Ao aplicar os factos às normas jurídicas o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 15º a 18º, 48º, n.º 3, 215º, 214º, n.º 2, alínea b), 230º, n.º 2 todos do RJPI e ainda o artigo 4º da Convenção de Paris.
15. Ao não julgar procedentes os pedidos da reconvenção, o tribunal fez uma errada interpretação dos artigos 16º, 21º, 34º, n.º 1 e n.º 3, artigo 16º, 158º, 159º, 164º, n.º 1º, 165º e 171º do Código Comercial e artigo 222º, n.º 1 e 48º, n.º 1 do RJPI.
Conclui, pedindo a revogação da sentença para que seja substituída por outra que julgue improcedente o pedido de anulação da marca da recorrente N/49886 e procedentes todos os pedidos reconvencionais.
*
Notificada a recorrida das alegações, foi apresentada resposta, pugnando pelo não provimento do recurso.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto pertinente para a decisão da causa:
Pela apresentação nº 21/04031993 foi inscrita na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº 7185 (SO) a fls. 110v. do Livro C18 a firma XXX CONG SI, em Português B, LIMITADA, e em Inglês C LIMITED, com início de operações em 23.10.1992 da qual eram sócios XXX e sua mulher XXX, tudo conforme documento de folhas 19 a 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (a)
Pela apresentação nº 11/28082009 à inscrição referida na alínea anterior foi aditado o nome da firma em Chinês XXX有限公司, tudo conforme documento de folhas 19 a 24 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (b)
XXX pagou contribuição industrial em 1977 por um estabelecimento com a designação Mei Sam ou Maxim´s e em 1982 e 1987 com a designação Mei Sam – cf. fls. 25, 28 a 31. (c)
A A. é também, titular do registo de Nome ou Insígnia de estabelecimento n.º E/000131, “”, com validade até 08/01/2020, cujo pedido foi feito em 01.09.2009 e concedido em 08.01.2010, tudo conforme consta do documento de folhas 53 e 54 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (d)
A A. é titular, em Macau, das marcas:
- N/04609 “” para a classe 30 (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria.) com registo válido até 25/09/2014, pedido em 02.06.1999 e concedido em 25.09.2000;
- N/005273 “” para a classe 30, (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitas) com registo válido até 29/09/2014, pedido em 16.12.1999 e concedido em 29.09.2009;
- N/010646 “” para a classe 30, com registo válido até 05/03/2017, pedido em 27.11.2002 e concedido em 05.03.2003.
Tudo conforme documentos de folhas 55 a 66 que aqui se dão por reproduzidos. (e)
A A. requereu à Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo de Marca “” para a classe 30, a que foi dado o n.º N/56078 – cf. doc. fls. 67/68 -. (f)
Em 25/10/2010 foi concedida à Ré a Marca n.º N/49886
para a classe 30 e para os mesmos produtos (Café, café artificial, substituto de café; chá, folhas de chá e produtos afins; cacau, pó de cacau e produtos afins; preparado de sopa; pão; biscoitos; bolos; petiscos; bolachas; bolachas de água e sal; bolos chineses e bolos ocidentais; bolinhos recheados cozidos a vapor (dumplings); flocos de amêndoa; chocolate; pão-vara; panquecas; sobremesas; pudins; produtos de pastelaria e de confeitaria; macarrão, esparguete e outras massas; farinhas e preparados à base de cereais; mel; melaço; levedura; fermento em pó; sal; açúcar; vinagre; mostarda; pimenta; especiarias; molho de rábano; molhos (condimentos); molhos de salada; molho de tomate; caril; gelo; arroz; tapioca; sagu.) das marcas registadas da A . Marca esta que havia sido requerida em pela R. em 17.06.2010, tudo conforme consta do documento de folhas 205/206.(g)
A concessão da marca N/49886 por despacho de 25/10/2010 foi publicada em 17/11/2010 no B.O n.º 46/2010. (h)
Em 02/05/2000 a marca N/5951 constituída por , cujo registo foi requerido por Maxim's Limited, foi recusado em 02/04/2001, precisamente por:
“- A marca registada ter prioridade;
- Marcas registandas e registadas destinam-se a assinalar produtos da classe 30ª;
- E as mesmas marcas têm tal semelhança nominativa e fonética que induzem facilmente em erro e confusão de forma a que o consumidor, não possa distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.” Tudo conforme documento de folhas 211 e 212 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (i)
A R. é titular em Macau, entre outras, das seguintes marcas:
- N/35741 constituída por Mei Xin para a classe 16 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35742 constituída por Mei Xin para a classe 29 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35743 constituída por Mei Xin para a classe 30 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35744 constituída por Mei Xin para a classe 35 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35745 constituída por para a classe 16 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35746 constituída por para a classe 29 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35747 constituída por para a classe 30 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35748 constituída por para a classe 35 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35749 constituída por Mei Xin para a classe 16 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35750 constituída por Mei Xin para a classe 29 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35751 constituída por Mei Xin para a classe 30 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/35752 constituída por Mei Xin para a classe 35 pedida em 29.04.2008 e concedida em 28.04.2009 e válida até 28.04.2016;
- N/49869 constituída por Mei-Xin Hong Kong Day para a classe 16 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49870 constituída por Mei-Xin Hong Kong Day para a classe 29 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49871 constituída por Mei-Xin Hong Kong Day para a classe 30 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49872 constituída por Mei-Xin Hong Kong Day para a classe 35 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49873 constituída por Mei-Xin Hong Kong Day para a classe 43 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49879 constituída por 美心香港地 HONG KONG DAY para a classe 16 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49880 constituída por 美心香港地 HONG KONG DAY para a classe 29 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49881 constituída por 美心香港地 HONG KONG DAY para a classe 30 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49882 constituída por 美心香港地 HONG KONG DAY para a classe 35 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49883 constituída por 美心香港地 HONG KONG DAY para a classe 43 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49884 constituída por 美心香港地 para a classe 16 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49885 constituída por 美心香港地 para a classe 29 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49886 constituída por 美心香港地 para a classe 30 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49887 constituída por 美心香港地 para a classe 35 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- N/49888 constituída por 美心香港地 para a classe 43 pedida em 17.06.2010 e concedida em 25.10.2010 e válida até 25.10.2017;
- cf. fls. 273/289 e 295/304 -. (j)
No departamento de registos comerciais de Hong Kong consta que a sociedade Hong Kong XXX Limited se inscreveu neste registo no dia 3 de Outubro de 1956, com menção do nome sob o qual a sociedade exercia a actividade de restauração - MAXIM'S – cf. doc. fls. 1468/1479.(l)
*
É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
*
Da falta de intervenção dos Serviços da Economia da RAEM
Foi, em dada altura, suscitada pelo então Relator do processo a questão de eventual nulidade processual por falta de intervenção dos Serviços da Economia nos autos.
Notificadas as partes para se querendo pronunciar, defende a recorrente que havia nulidade processual, pedindo a remessa do processo à fase inicial para que sejam cumpridos os requisitos.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não concordamos com a tese da recorrente.
Diferentemente do que se passa nos recursos judiciais das decisões do Director dos Serviços da Economia, relativas a concessão ou recusa de direitos de propriedade industrial, nas acções de anulação a Direcção dos Serviços da Economia não tem legitimidade para intervir como parte, e por esta razão não é citada para contestar, apenas é notificada pela secretaria do Tribunal da interposição da acção e, quando a decisão transitar em julgado, é-lhe remetida cópia da decisão para efeitos de cumprimento da sentença judicial, ao abrigo do nº 3 do artigo 49º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
In casu, não obstante se verificar uma omissão traduzida na falta de notificação da Direcção dos Serviços da Economia da interposição da acção de anulação, prevista nos termos do artigo 49º, nº 3 do mesmo Regime, mas não se vislumbra que essa falta poderia ser considerada como nulidade por falta de citação prevista no artigo 140º do Código de Processo Civil, uma vez que, como já referiu, não há lugar a citação da Direcção dos Serviços da Economia para intervir como parte processual.
Aliás, nem se enquadra em nulidade prevista no nº 1 do artigo 147º do Código de Processo Civil, considerando que esta mera irregularidade cometida não é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
Não se deve ignorar que se trata de uma mera notificação, em que a Direcção dos Serviços da Economia não goza do direito a resposta, que só o terá em caso de recurso judicial previsto no artigo 275º e seguintes, daí que mesmo que aquele Serviço não tivesse sido notificado da propositura da acção, nada influiria no exame ou na decisão da causa.
Nestes termos, entendemos que não se verifica a nulidade apontada.
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A recorrente referiu ainda que, não obstante a recorrida ter requerido ao Tribunal a quo que a Direcção dos Serviços da Economia fosse notificada para remeter ao Tribunal o processo administrativo que concedeu as marcas que são objecto de pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade, mas como o pedido não chegou a ser apreciado, entende que constituía uma irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
Embora seja verdade que a falta de apreciação de um pedido formulado pela Autora ora recorrida pode constituir uma irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, mas a lei exige que, quanto a este tipo de nulidade, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, ao abrigo do nº 1 do artigo 151º do Código de Processo Civil.
No presente caso, as partes foram notificadas do despacho saneador-sentença, e mesmo que houvesse lugar àquela nulidade, a recorrente não chegou a suscitar a questão dentro do prazo legal, isso significa que a arguição feita agora, nesta Instância, não deixa de ser extemporânea, pelo que vai a mesma indeferida.
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Da junção de documento com as alegações de recurso
Pediu a recorrente a junção de um documento com as alegações de recurso para prova de um facto.
Salvo o devido respeito, entendemos que a sua junção deve ser indeferida.
Consagra-se no artigo 616º, nº 1 do Código de Processo Civil que “as partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”
Ao passo que nos termos do artigo 451º, estatui-se que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, e “os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior”.
Com base naquelas disposições legais, é forçoso concluir que as partes só podem juntar com as alegações de recurso os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os documentos destinados a provar factos supervenientes ou os documentos cuja junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
No presente caso, é de verificar que foi por lapso da recorrente que o documento não foi junto aos autos na primeira instância, sendo assim, por não se enquadrar em qualquer das situações acima elencadas, não resta outra alternativa senão o seu desentranhamento, e restituído à recorrente.
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Da nulidade da sentença
Entende a recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula na medida em que o juiz não se pronunciou sobre questões sobre as quais se devia ter pronunciado, nos termos do artigo 571º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com os seus argumentos.
Diz a recorrente que o Tribunal a quo cingiu a sua fundamentação à questão da prioridade das marcas, abstendo-se de conhecer sobre os factos e as normas jurídicas referidas pela recorrente.
Ora bem, embora seja verdade que a tramitação normal posterior aos articulados é seleccionar matéria de facto pertinente para a decisão da causa, mas o juiz não está impedido de conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
Isto é, o juiz, consoante a posição tomada pelas partes nos articulados quanto aos factos, tem que decidir se vai passar para a fase posterior, ou conhecer logo do mérito, se achar não haver necessidade de produção de mais provas.
In casu, uma vez que os factos essenciais já se encontravam provados documentalmente ou foram admitidos por acordo, pode o juiz apreciar já o mérito da causa.
No que respeita à falta de pronúncia sobre as questões de direito suscitadas pela recorrente na sua contestação, entende a recorrente que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões de extrema importância para a decisão da causa, tais como, a origem dos sinais, a flagrante imitação dos sinais de comércio em discussão, a questão da má fé, a questão dos direitos de autor, a questão da composição da firma da Ré e a questão da concorrência desleal.
Em regra, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 563º, nº 2 do Código de Processo Civil).
E há quem defenda que o ideal seria que o Tribunal a quo tivesse apreciado todos os argumentos utilizados pela recorrente, não só assim se alcança melhor a solução justa, mas também se exerce uma actividade de convencimento das partes indispensável à dignidade do tribunal e à função de restabelecimento da paz jurídica.2
De acordo com o que foi consignado na sentença recorrida, entendeu o Tribunal a quo que por não gozar a recorrente de prioridade de registo, ficou prejudicada a apreciação das demais questões relativamente a tal matéria.
Embora seja de boa prática o juiz examinar detidamente os vários argumentos utilizados pelas partes desde que razoável e seriamente deduzido, mas a obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão.3
No mesmo sentido, citam-se os Acórdãos deste TSI, nos Processos 1244, 127/2000, 51/2002.
No caso em apreço, podemos verificar que as questões formuladas nos pedidos reconvencionais da recorrente foram todos apreciadas, embora o Tribunal a quo tenha dado maior relevância à questão de prioridade de registo.
Nesta conformidade, julgamos improcedente o recurso quanto a esta parte.
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Da impugnação da matéria de facto
Alega a recorrente que, partindo dos meios de prova existentes nos autos, os artigos 85º e 86º da contestação deviam ser dados como provados.
Quanto a este aspecto, entendemos ter razão a recorrente.
Consagra-se no artigo 85º o seguinte:
“As marcas Maxim´s, Mei-Xin, MX, Maxim´s, 美心, entre outras, encontram-se registadas na classe 30 em nome da Ré em várias jurisdições como Austrália, Canadá, China, Hong Kong, Japão, Singapura, Taiwan, Estados Unidos da América e na União Europeia, conforme cópias dos registos que aqui se juntam como págs. 356 a 565 do Anexo 1 ao Doc. nº 50.”
E diz o artigo 86º da contestação que “Vale a pena referir que a marca Maxim´s e o logotipo que inclui os caracteres 美心, tal como estão reproduzidos nos artigos 6º e 10º desta peça processual, está registada na classe 30 em Hong Kong desde o dia 20 de Janeiro de 1971.”
Ora bem, uma vez que a prova desses factos está dependente da existência de prova documental, e considerando que o tal suporte documental já se encontrava junto aos autos, nomeadamente fls. 673, 674 e 683 a 892 dos autos, o qual não foi impugnado, pelo que podemos dar como provados os referidos dois factos, nos seguintes termos:
“As marcas Maxim´s, Mei-Xin, MX, Maxim´s, 美心, entre outras, encontram-se registadas na classe 30 em nome da Ré em várias jurisdições como Austrália, Canadá, China, Hong Kong, Japão, Singapura, Taiwan, Estados Unidos da América e na União Europeia, conforme cópias de fls. 683 a 892 dos autos.”
“Encontra-se registada a favor da recorrente em Hong Kong na classe 30 desde o dia 20 de Janeiro de 1971, para assinalar bolos, pães e confeitarias, a seguinte marca sob o nº 1990B2560:
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Da má fé e da concorrência desleal
Alega a recorrente que a recorrida agiu com má fé, no sentido de esta ter copiado o sinal distintivo criado pelo sócio fundador da recorrente, apesar de a recorrente ter vindo a usar em Hong Kong ininterruptamente desde a data da sua criação até a presente data.
Também diz que a recorrida ao longo dos anos tem vindo a praticar actos de concorrência desleal, na medida em que os consumidores associam os estabelecimentos de padaria e pastelaria abertos ao público em Macau à recorrente, por isso há risco de confusão e de associação por parte dos consumidores.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgo que o recurso quanto a esta parte não deixa de improceder.
Em boa verdade, o que está em causa nos presentes autos é saber quem é o titular da marca e como deve ser protegido como tal.
Pede a recorrente que sejam anuladas as marcas e firma registadas a favor da recorrida.
Quanto ao regime de anulação do registo da marca, preceitua o artigo 230º, nº 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial o seguinte:
“1. Os registos de marca são anuláveis nos casos previstos no artigo 48º e, ainda, quando o título for concedido:
a)sem a apresentação dos documentos comprovativos e autorizações exigíveis;
b)em violação das normas contidas nas alíneas b) e c) do nº 1 e no nº 2 do artigo 214º.”
Por sua vez, o artigo 48º estatui o seguinte:
“1. Os títulos de propriedade industrial são total ou parcialmente anuláveis quando forem violadas as disposições que definem a quem pertence o direito de propriedade industrial e, em geral, quando tiverem sido concedidos com preterição dos direitos de terceiros, fundados em prioridade ou outro título legal.
2. Se reunir as condições legais, o interessado pode pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor.
3. Salvo disposição em contrário, as acções de anulação devem ser propostas no Tribunal de Competência Genérica no prazo de 1 ano a contar do conhecimento do facto que a fundamente.
4. O direito de pedir a anulação de título obtido de má fé não prescreve.”
De acordo com as disposições acima expostas, pergunta-se, poderá uma marca registada em Macau ser anulada com fundamento na má fé ou na concorrência desleal?
Salvo o devido respeito por opinião contrária, julgamos que não.
Se tentarmos fazer uma comparação com o regime de Portugal, citado em termos de direito comparado para efeitos de interpretação, podemos verificar que a resposta não está inquinada de dúvidas.
Consagra-se no artigo 266º do Código da Propriedade Industrial de Portugal o seguinte:
“1. Para além do que se dispõe no artigo 34º, o registo da marca é anulável quando, na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos artigos 239º a 242º.
2. O interessado na anulação do registo das marcas, com fundamento no disposto nos artigos 241º ou 242º, deve requerer o registo da marca que dá origem ao pedido de anulação para os produtos ou serviços que lhe deram notoriedade ou prestígio, respectivamente.
3. O registo não pode ser anulado se a marca anterior, invocada em oposição, não satisfizer a condição de uo sério, nos termos do artigo 268º.
4. As acções de anulação devem ser propostas no prazo de 10 anos a contar da data do despacho de concessão do registo, sem prejuízo do direito de pedir a anulação de marca registada de má fé que é imprescritível.”
E nesse artigo 239º, ao falar-se de fundamentos de recusa, estatui-se que “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção” é uma das causas de anulabilidade da marca.
Contudo, voltamos ao regime de Macau, atenta a redacção da alínea b) do nº 1 do artigo 230º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, podemos verificar de forma clara que a intenção do legislador é afastar a aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 214º do diploma legal em caso de anulação de registo da marca, nos termos da qual faz remeter ao artigo 9º, nº 1, onde se prevê que um dos fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial é “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
Assim, podemos concluir que, sempre que alguém apresenta um pedido de registo da marca junto das autoridades administrativas, e se estas reconhecerem que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção, aquelas entidades públicas terão o dever de recusar o seu registo, nos termos do artigo 214º, nº 1, alínea a), em conjugação com o artigo 9º, nº 1, alínea d), ambos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Entretanto, já não podem os interessados, contra uma marca registada, pedir a anulação ou a reversão do título de registo em seu favor, com base naquele mesmo fundamento, por falta de previsão legal.
É difícil compreender a sua razão de ser, talvez por que se depositava maior confiança nos serviços públicos ou que se pretendia dar maior estabilidade e certeza jurídica aos actos registrais de direitos de propriedade industrial, mas de qualquer modo, trata-se de uma opção do legislador.
Mas mesmo que se considerasse a concorrência desleal ainda como fundamento de anulação de marca, a solução não deixaria de ser a mesma.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 158º do Código Comercial de Macau que “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica”.
Nestes termos, um acto de concorrência desleal pressupõe três requisitos: um acto de concorrência, sendo este contrário às normas e usos honestos e que podendo surgir em qualquer ramo de actividade económica.
E segundo o artigo 159º do mesmo Código, “considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes”; e “o risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática”.
Ademais, a concorrência pressupõe conquista da clientela de um determinado mercado, quer em termos de serviços ou produtos colocados em circulação quer em termos da existência de um espaço físico onde se situa o respectivo mercado, ou seja, para poder afirmar a existência da concorrência desleal, é necessário que haja num determinado espaço físico serviços ou produtos em concurso.
No vertente caso, não se vislumbra a prática de actos de confusão pela recorrida, acresce ainda que a actividade comercial da recorrida tem sido exercida em Macau, pelo contrário a recorrente fornece os seus serviços fora da Região, pelo que difícil é dizer que há efectiva concorrência no mercado de Macau.
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No que toca à questão da má fé alegada pela recorrente, o legislador não define o que se deve entender por “má fé”, para além de que não estabelece em que medida essa alegada “má fé” possa servir como fundamento de anulação do registo da marca.
Em boa verdade, não obstante a recorrente ser titular da marca nº 1990B2560, registada em Hong Kong desde 1971, e tê-la usado já por algum tempo em Hong Kong, mas como não efectuou o registo daquela marca em Macau antes da data de formulação pela recorrente do pedido de registo das respectivas marcas, nem que seja a sua marca notória ou de prestígio, pelo que dúvidas não há que goza a recorrida prioridade de registo.
Nesta conformidade, improcede o recurso quanto a esta parte.
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Dos direitos de autor
Alega a recorrente que o uso dos sinais distintivos Maxim´s e 美心 por parte da recorrida em Macau constitui uma clara violação dos direitos de autor da recorrente.
Nos termos do artigo 1º, nº 1 do Regime do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei nº 43/99/M, de 16 de Agosto, “são obras protegidas pelo direito de autor as criações intelectuais originais nos domínios literário, científico ou artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação ou o objectivo”.
O legislador visa proteger criações intelectuais originais, podendo ser obras literárias, científicas ou artísticas.
Enquanto no domínio de propriedade industrial, também há lugar a criações, podendo tais frutos ser agrupados em duas categorias: criação industrial e sinal distintivo. A primeira inclui invenções, topografias de produtos semicondutores, desenhos e modelos de utilidade, e a segunda abrange sinais distintivos de empresas, produtos ou serviços que podem ser nome e insígnia de estabelecimento, marca, denominações de origem, indicações geográficas e recompensas.
Para saber que relação existe entre direitos de autor e marca, vamos tentar procurar resposta no Acórdão deste TSI, no Processo 494/2011, que disse o seguinte:
“Isto não quer dizer que por detrás de uma marca não possa estar, algumas vezes, uma actividade de verdadeira criação artística. Uma empresa de design, por exemplo, pode ser contratada para criar um logótipo a fim de ser utilizado posteriormente numa marca própria de empresa com o objectivo de melhor divulgar o seu produto e mais eficazmente captar a atenção do público consumidor para ele. Mas, a verdade é que uma vez incorporado o design na marca, o que passa a estar visível e a representar a sua verdadeira função é a marca propriamente dita. Quer dizer, a criação perde autonomia e emerge o papel da marca, podendo dizer-se que aqui se passa algo parecido com a consumpção, em que o resultado final consome o trabalho preparatório. A partir do registo da marca, o que sobressai dela é a sua força distintiva. Mas, justamente por isso, a partir desse instante, o que se comparam são as marcas entre si, nem que para essa tarefa seja necessário elevar a atenção ao pormenor de determinado elemento gráfico, algum desenho, algum traço artístico em especial.
(…)
Embora a marca consuma a actividade artística, como já se disse acima, nada em princípio obstará a que uma acção com fim específico possa ser intentada em defesa do direito de autor subjacente a algum elemento gráfico da marca. Todavia, estaremos aí perante novos factos, novas causas de pedir em novas acções com outros e diferentes pressupostos. Para dizer que nunca poderia ser possível a acumulação de pedidos próprios de acções de anulação de marcas com outros que sejam próprios de acções de defesa de direitos de autor.”
Sendo assim, uma vez que o alegado “design” foi introduzido na marca, aquele já perdeu autonomia, e o que interessa agora é a tarefa de comparação das marcas em si, sob ponto de vista de confundibilidade e identidade.
Embora se encontre provado que está registada a favor da recorrente em Hong Kong a marca nº 1990B2560, na classe 30, desde o dia 20 de Janeiro de 1971, para assinalar bolos, pães e confeitarias, mas não se vislumbra em que termos que o alegado direito de autor sobre os elementos da marca é protegido pelo Regime dos Direitos de Autor.
Nesta conformidade, impõe-se a improcedência do recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Ré A Limited, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Ré ora recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C. pelo desentranhamento do documento junto com as alegações.
Registe e notifique.
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Macau, 29 de Maio de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, pág. 647
3 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 514
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Processo 261/2012 Página 30