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Processo nº 201/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 29 de Maio de 2014
Recorrentes: - A (Autor)
- Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorridos: Os Mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
Por sentença de 15/01/2014, julgou-se a acção parcialmente procedente e em consequência condenou-se a Ré Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. a pagar ao Autor A na quantia de MOP$214,686.40, com os juros de mora legais.
Dessa decisão vêm recorrer a Ré e o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
A. O Autor, A:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Autor, ora Recorrente, a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Ré a pagar ao ora Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, salvo melhor opinião, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Ademais, ao condenar a Ré a pagar ao Autor, ora Recorrente, apenas e tão-só o "equivalente a um dia de trabalho", o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2);
5. Ao que acresce que, a própria Recorrida - ainda que a título subsidiário - aceita no artigo 64.º da sua Contestação a fórmula de cálculo utilizada pelo Autor na sua Petição Inicial (isto é, 2 X o salário normal diário X o número de dias de descanso semanal não gozados), apenas divergindo quanto ao concreto montante do salário diário devido;
6. De onde, resultando provado que o Recorrente, durante todo o período da relação laboral prestou trabalho todos os dias de descanso semanal, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao mesmo a quantia de MOP$100,084.80, e não apenas a quantia de Mop$50.042,40 conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
  B. A Ré, Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.:
a) O julgamento que incidiu sobre o ponto 32) da matéria de facto escorou-se no depoimento da testemunhas XXX, gravado no ficheiro "Recorded on 10-Dec-2013 at 10.39.08 (0^6D2GOW05811270).WAV";
b) Sucede que, como se comprova pela audição de tal depoimento (que se inicia a 21m10s da gravação acima referida), nada foi perguntado ou dito pela testemunha a respeito de eventual conhecimento ou autorização pela R. das faltas dadas pelo A.;
c) O depoimento é assim completamente omisso a tal respeito, do mesmo modo que nenhum outro elemento probatório nos autos permite demonstrar a matéria em apreço;
d) Levando a que se considere errado o julgamento que o Tribunal a quo proferiu sobre o ponto 32) da matéria de facto;
e) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha XXX, gravado no ficheiro "Recorded on 10-Dec-2013 at 10.39.08 (0^6D2GOW05811270).WAV", deverá ser alterada a resposta ao facto contido no ponto 32) da matéria de facto provada, julgando-se aquele não provado, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A.;
f) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
g) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
h) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
i) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
j) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
k) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
l) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
m) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
n) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
o) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R;
p) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
q) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
r) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
s) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
t) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
u) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
v) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
w) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
x) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
y) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
z) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
aa) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
bb) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
cc) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
dd) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initío ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
ee) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
ff) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
gg) Por outro lado, quanto ao regime previsto nos Contratos para o cálculo da remuneração do trabalho extraordinário, deverá entender-se que o mesmo remete para o art. 11°/2 do Decreto-Lei n° 24/89/M, em cujo art. 11°/2, o qual deixa ao critério das partes o ajuste, em sede de contrato individual de trabalho, dos termos dessa remuneração;
hh) Cabia pois ao A. alegar os termos desse ajuste contratual, o que não fez;
ii) Como tal, conclui-se que o A não demonstrou ser-lhe devida qualquer quantia adicional às que, como ficou provado nos pontos 17) e 18), lhe foram oportunamente pagas pela R. como remuneração do trabalho extraordinário prestado;
jj) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido violou o art. 228°/1 do Código Civil;
kk) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
ll) Por outro lado, como se viu supra, considera a R. que o A. não provou jamais ter faltado ao trabalho sem justificação ou autorização;
mm) E ainda que o tivesse feito, tal prova não seria de molde a demonstrar o número de dias de trabalho efectivo que prestou;
nn) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
oo) Assim sucederá também pela procedência da reapreciação requerida quanto ao ponto 32) da matéria de facto, por falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do A. a perceber tal subsídio;
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 451 a 461, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
2. Desde 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3. Desde 1994, a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os «contratos de prestação de serviços»; n.º 02/94, em 03/01/1994; n.º 29/94, em 11/05/1994; n.º 45/94, em 27/12/1994. (C)
4. Os «contratos de prestação de serviço» referidas na alínea C) dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao a «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (D)
5. Entre 04/03/1994 e 21/02/2007, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança". (E)
6. Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (F)
7. Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (G)
8. Durante todo o período de tempo referido em E), foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (H)
9. O Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94. (I)
10. Ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias, acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade "igual ao salário de quatro dias", sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (J)
11. Entre Março de 1994 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a quantia de Mop$1.500,00, mensais. (M)
12. Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de Mop$1.700,00, mensais. (N)
13. Entre Julho de 1997 e Março 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de Mop$1.800,00, mensais. (O)
14. Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de Mop$2.000,00, mensais. (P)
15. Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de Mop$2.100,00, mensais. (Q)
16. Entre Março de 2006 e Fevereiro de 2007, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de Mop$2.288,00, mensais. (R)
17. Para o período de 4 de Março de 1994 e 30 de Junho de 1997, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de Mop$8,00, por hora. (S)
18. Para o período de Julho de 1997 e Junho de 2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de Mop$9,30, por hora. (T)
19. Para o período de Julho de 2002 e Dezembro de 2002, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de Mop$l0,00, por hora. (U)
20. Para o período de Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de Mop$11,00, por hora. (V)
21. Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio de alimentação». (W)
22. Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade». (X)
23. Pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo. (Z)
24. Na sequência do facto mencionado na alínea I) dos Factos Assentes, o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré. (1.º)
25. Entre 4 de Março de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (2.º)
26. Entre Julho de 1997 e Junho de 2002, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (3.º)
27. Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (4.º)
28. Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o Autor fez 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (5.º)
29. Por solicitação da Ré, entre 4 de Março de 1994 e 21 de Fevereiro de 2007, o Autor prestou serviço em todos os dias de descanso semanal. (7.º)
30. Pela prestação de serviço pelo Autor em dia de descanso semanal, a Ré nunca concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório. (8.º)
31. Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (8.º-A)
32. Durante toda a relação entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho. (8.º-C)
33. Os contratos de prestação referidos na alínea C) dos Factos Assentes estavam sujeitas a renovação periódica. (9.º)
34. A partir de Janeiro de 2001, os contratos de prestação de serviços n.ºs 02/94, 29/94 e 45/94, celebrados entre a A. e a sociedade comercial "Sociedade de Apoio às Empresas de Macau" não foram renovados. (10.º)
35. Esses contratos de prestação de serviços foram substituídos pelos contratos n.ºs 1/1 ou 14/1, que vigoraram pelo menos até 15 de Março de 2006, cujo teor consta dos documentos a fls. 147 a 156, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (11.º)
36. Ao abrigo dos contratos n.ºs 1/1 e 14/1, os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir o salário mensal, no mínimo, de Mop$2.000,00. (12.º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Do recurso da Ré
1.1 Da impugnação da decisão da matéria de facto
O Tribunal a quo considerou como provado o facto vertido no quesito 8º-C, a saber:
8º-C
Durante toda o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca este, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho.
Vem a Ré impugnar esta decisão da matéria de facto, com fundamento na falta de prova suficiente para o efeito, uma vez que o depoimento da única testemunha do Autor, que serviu como base da convicção do Tribunal a quo para a resposta do quesito em causa, é equívoco.
Ouvida novamente a gravação da audiência de julgamento, não cremos que a Ré tenha razão.
Em primeiro lugar, a testemunha ouvida foi colega do Autor, que chegou a trabalhar nas mesmas condições daquele, daí que o seu depoimento não deixa de ser credível.
Em segundo lugar, não obstante cada caso ser um caso autónomo, já temos vários processos congéneres, pelo que o Tribunal já não está alheio quanto à política interna da Ré respeitante à forma de prestação de trabalho dos seus guardas de segurança ao longo dos anos anteriores.
A posição da Ré não deixa de ser um “ataque” infundado à livre convicção do julgador.
Improcede, portanto, esta parte do recurso.
1.2 Da imperatividade do Despacho nº 12/GM/88 e Da Natureza dos Contratos de Prestação de Serviço
Sobre as questões em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência já bem conhecida, especialmente por parte da Ré.
1.3 Das diferenças salariais e Do Trabalho Extraordinário
Com a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto e dos argumentos do recurso referidos nos pontos 1.1 e 1.2, não temos qualquer margem de dúvida em afirmar que o Autor tem direito a receber da Ré as quantias condenadas àqueles títulos.
1.4 Do subsídio de alimentação
Para além de invocar a ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio (matéria esta que já foi julgada improcedente nos termos anteriores), invoca ainda a Ré que o referido subsídio carece de uma efectividade de serviço, pelo que não estando provados os dias em que o trabalho foi efectivamente prestado, não podia a sentença tê-la condenado no pagamento de todos os dias em que durou a relação laboral.
Sobre esta questão, este Tribunal tem decidido em processos congéneres no sentido de que a atribuição do referido subsídio depende da prestação efectiva do serviço (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
No caso em apreço, o Autor pediu que lhe fosse atribuído o montante de MOP$71.070,00, a título de subsídio de alimentação, calculado em função do nº total dos dias da relação laboral (MOP$15,00 X 4738 dias).
No entanto, o Tribunal a quo, sem justificar a razão de ser, só condenou a Ré a pagar a quantia de MOP$37.425,00, resultante do cálculo baseado no número total de 2495 dias, ou seja, descontou 2243 dias.
Dessa decisão não foi objecto de impugnação por parte do Autor.
Nesta conformidade e tendo em conta o desconto significativo do nº de dias, não cremos que a Ré seja vencida/prejudicada nesta parte, bem pelo contrário, é beneficiária da mesma, pois, ainda que o Autor tenha dado faltas, o nº total dessas faltas é certamente inferior ao nº de dias descontados.
1.5 Do subsídio de efectividade
Entende a Ré que o Tribunal a quo não a podia ter condenado no pagamento do mesmo pelas seguintes razões:
- ineficácia do Despacho nº 12/GM/88 e dos Contratos de Prestação de Serviço para atribuir ao Autor o direito a este subsídio;
- falta de suporte factual susceptível de integrar o direito do Autor a perceber tal subsídio, como consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto; e
- por o Autor ter dado faltas, ainda que justificadas e autorizadas.
Para os primeiros dois argumentos, decidimos já que os mesmos são improcedentes nos termos invocados anteriormente.
Em relação ao último fundamento, é já jurisprudência assente ao nível deste TSI, no sentido de que a sua atribuição não está excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho.
Pois, “se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.” (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013)
Ora, tendo sido dado como provado que “durante todo o período da relação contratual entre Ré e A, nunca este, sem conhecimento e autorização prévia da Ré, deu qualquer falta ao trabalho”, andou bem o Tribunal a quo em reconhecer a sua atribuição.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
2. Do recurso final do Autor
O Autor, com recurso à jurisprudência uniforme deste Tribunal, defende que tem o direito de receber o dobro da quantia condenada.
Quanto à fórmula de compensação do descanso semanal, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida por este TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência uniforme deste Tribunal no sentido de que o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração correspondente, para além do singelo já recebido.
Assim, o Autor tem o direito de receber a quantia peticionada a esse título, e não apenas a sua metade.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso da Ré; e
- conceder provimento ao recurso do Autor, revogando a sentença recorrida na parte correspondente, e, em consequência, fica a Ré condenada a pagar ao Autor, a título da compensação da prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$100.084,80, com juros de mora a partir da data do presente aresto; e
- confirmar a sentença recorrida na parte restante.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaímento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.
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Notifique e D.N.
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RAEM, aos 29 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong (Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal)



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