Processo nº 211/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 29 de Maio de 2014
ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- Tanto “COTAI” como “COTAI STRIP” indicam uma determinada zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hotelaria, lazer e entretenimento.
- As marcas nominativas contêm as expressões “COTAI DOLLARS”, “金光奖赏钱”e “金光奬賞錢” não possuem capacidade distintiva, pelo que não pode serem objecto do registo.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 211/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 29 de Maio de 2014
Recorrente: A
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 27/11/2013, julgou-se improcedente a acção intentada pela Recorrente A, e, em consequência, confirmou-se o despacho recorrido que recusou do pedido do registo das marcas N/40698, N/40699 e N/40700, destinadas a serviços da classe 35ª.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) As marcas COTAI DOLLARS, 金光奖赏钱e 金光奬賞錢a que se reportam os pedidos de registo N/40698 a N/40700 são marcas nominativas complexas.
b) Se COTAI ou金光são designações geográficas, DOLLARS, 奖赏钱e奬賞錢 são expressões que aludem a dinheiro ou a prémios pecuniários.
c) Trata-se de marcas alusivas aos serviços assinalados mas não descritivas, sendo que impedimento nenhum legal existe ao registo de marcas sugestivas.
d) As marcas COTAI DOLLARS, 金光奖赏钱e 金光奬賞錢possuem, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os serviços da Recorrente dos serviços de outros comerciantes.
e) Ao considerar que as marcas COTAI DOLLARS, 金光奖赏钱e 金光奬賞錢são destituídas de capacidade distintiva, a sentença recorrida procede a uma errada aplicação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Em 09/03/2010, a Recorrente requereu o registo das marcas COTAI DOLLARS que tomou o n.º N/40698, 金光奖赏钱N/40699 e 金光奬賞錢N/40700, para assinalar serviços na classe 35.ª.
2. Por despachos de 01/07/2013 foram os pedidos de registo recusados pela DSE, tendo tais factos sido publicados no BORAEM, n.º 32, II Série, de 07/08/2013.
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III – Fundamentos
O presente recurso consiste em saber se as marcas N/40698, N/40699 e N/40700 possuem capacidade distintiva, susceptíveis de serem objecto de protecção pelo registo.
Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras.
A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI)
Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca que tem de ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
Assim, a marca não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
Referem-se aqui, nas palavras do Prof. Ferrer Correia, os chamados sinais descritivos dos produtos.
Para o mesmo autor, os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo.
No caso em apreço, o Tribunal a quo negou o registo da mesma pelas seguintes razões:
“...
A questão em debate neste recurso, relativa à capacidade distintiva de uma marca composta pela palavra COTAI acompanhada de uma outra palavra, seja ela descritiva ou imaginativa, tem sido alvo de extensa análise jurisprudencial nos tribunais da RAEM.
A signatária, em processos congéneres, defendeu ser possível registar as marcas COTAI Ticketing, COTAI Arena, COTAI Strip, entre outras marcas semelhantes que incluíam a denominação COTAI aliada a uma ou mais expressões que se consideraram ser fantasiosas e, como tal, constituiriam uma designação nova, de fantasia, com capacidade distintiva para os serviços que se destinava assinalar.
A recente jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância, unanimemente, tem julgado irregistáveis tais marcas, em regra, por não lhes atribuir capacidade distintiva.
Ora, no vertente caso, a DSE assenta a sua decisão de recusa nessa mesma jurisprudência, posição que a ora recorrente contesta argumentando que no sistema de Macau não vigora a regra do precedente e, como tal, essa jurisprudência não é vinculativa, tanto mais porque não interpreta correctamente as normas e princípios que regem o direito das marcas.
É certa a asserção da recorrente mas não podemos deixar de ter presente a regra prevista no artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil, segundo a qual, nas decisões que proferir, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Para assegurar os valores da certeza e da segurança jurídica, numa região em que o direito de marcas é um importante motor de desenvolvimento e concorrência económicos, pode justificar-se uma inflexão nessas anteriores decisões.
Analisemos a lei.
Preceitua o artigo 197.o do RJPI que “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Por sua vez, o artigo 199.º do regime legal em apreço refere que:
1. Não são susceptíveis de protecção:
a)(...)
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) (...)
d) (...)
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente.
Como refere Américo da Silva Carvalho o sinal genérico é aquele que define não directamente o objecto em causa, mas a categoria, espécie ou género aos quais pertencem os objectos enquanto que o sinal descritivo é aquele que define, indica ou evoca o objecto em causa, na sua natureza, nas suas propriedades ou nas suas qualidades.
E acrescenta este Autor que o protótipo dos sinais carentes de capacidade distintiva é, a todas as luzes, o sinal ou denominação genérica; isto é, a denominação com a qual costuma designar-se o género de produtos ou serviços dentro do qual se enquadra – como espécie singular – o produto ou serviço ao qual se pretende aplicar a marca. O nome genérico de um produto ou serviço não pode operar como sinal distintivo do mesmo em atenção à sua origem empresarial porque – bem vistas as coisas – uma denominação genérica é a antítese de uma marca.
José Mota Maia dá exemplos concretos das indicações não distintivas que no comércio servem para designar:
- a espécie (a indicação “crédito” para serviços financeiros e de crédito, classe 36),
- a qualidade (a indicação “just for men” para produtos de toilette, classe 3),
- a quantidade (a indicação “vinte” para cigarros, classe 33),
- o destino (a indicação “for sun” para óculos, classe 9),
- a proveniência geográfica (a indicação “portuguese”, para vinhos, classe 33);
- a época ou o meio de produção do produto ou da prestação do serviço (a indicação “couvée de L`an 2000 para vinhos espumantes);
A marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva, podendo ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço, designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa;
A marca em questão, nominativa, é constituída por duas palavras: Cotai e dollars, em caracteres chineses tradicionais 金光獎賞錢 e em chinês simplificado金光奖赏钱, mas com o mesmo significado.
A primeira palavra é a indicação geográfica da zona dos aterros situada entre as ilhas da Taipa e de Coloane, na RAEM;
A segunda é uma palavra inglesa que corresponde a uma unidade monetária utilizada em vários países, em especial nos Estados Unidos e no Canadá, mas também em países ou regiões mais próximas de Macau, como Hong Kong, Singapura, Austrália e Nova Zelândia, entre outros.
Por ser uma referência monetária mundial quando se utiliza a expressão dólares ou dollars pensa-se imediatamente na moeda norte-americana, e no valor que a moeda que está em circulação tem relativamente ao dólar. Enfim, dollars é sinónimo de moeda, de dinheiro.
Como se pode ler no mais recente Acórdão do Tribunal de Segunda Instância “um sinal, para poder ser registado, como marca (…), deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados. […]”
“O carácter distintivo de uma marca só pode ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido e, por outro, em relação à percepção que dele tem o público consumidor ou utilizador final.”
Note-se, pois, que relativamente à expressão “CotaiArena” para a mesma classe 35.º, entendeu-se no citado aresto que não se trata de uma expressão usual e tem capacidade distintiva, podendo considera-se uma expressão de fantasia, admitindo-se, em tese, que tal marca seja complexa e que a expressão “Cotai” seja absorvida pelo conjunto dos sinais.
Há, pois, que ter em conta que na análise das marcas deve proceder-se por intuição sintética e não por dissecação analítica pelo que a marca registanda tem se ser apreciada “no seu conjunto”, e não “elemento por elemento”.
A função de um nome geográfico é, em primeiro lugar, identificar o país, a província, a cidade em questão, e não poderá substituir a função distintiva de uma marca que é identificar um objecto de indústria, comércio ou serviços, a não ser que, quando aplicado à designação de um objecto dessa natureza, ele não evoque qualquer proveniência, ou seja, seja uma designação de fantasia.
No nosso caso, tal como no caso da marca COTAIARENA, analisada no citado aresto, o elemento diferenciador deveria ser a palavra dollars, todavia, também aqui, tendo em mente o conjunto de produtos ou serviços que a marca se propõe assinalar –“publicidade, gestão de negócios comerciais e administração comercial da actividade, de empresas comerciais, relacionada com a promoção de programas de pontos de incentivos e concursos para clientes, para promover hotéis, casinos, jogos de fortuna ou azar e serviços hoteleiros, de viagens e de entretenimento; promoção de programas de pontos de incentivos e concursos para clientes, para promover hotéis, casinos, jogos de fortuna ou azar e serviços hoteleiros, de viagens e de entretenimento” - teremos de extrair idêntica conclusão no sentido de ser manifesto que é a expressão Cotai que assume predominância, sendo a palavra dollars um elemento marginal, com um cunho totalmente genérico e indeterminado perdendo em concreto essa capacidade distintiva, na medida que o público a poderá associar a qualquer outro operador comercial do Cotai.
Como se pode ler na fundamentação do citado acórdão, não são admissíveis os sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados.
É o caso da expressão dollars cujo significado é, como vimos, dinheiro, daí que uma marca composta pelos vocábulos COTAI + DOLLARS se apresente como equívoco, genérico e impreciso criando na mente do público consumidor a ideia de que o produto ou serviço associado à marca pode estar a ser prestado por qualquer operador de jogo daquele espaço territorial, dado que todos eles se situam no Cotai e têm como objectivo a criação de lucro, a acumulação de capital, dividendos, dinheiro, enfim, de dollars.
Assim, pelos fundamentos supra aduzidos, julgamos que no vertente caso as marcas objecto deste recurso não têm, efectivamente, capacidade distintiva e, como tal, não podem ser registadas, devendo ser mantido o respectivo despacho de recusa, com os fundamentos jurídicos nele aduzidos.....”.
Trata-se de uma decisão que aponta para a boa solução do caso e que está em conformidade com a jurisprudência que tem sido adoptada recentemente e de forma unânime por este Tribunal nos processos congéneres, nomeadamente nos Procs. nºs 127/2013, 43/2013, 172/2008 e 102/2013, em que a ora recorrente também era parte nos mesmos.
Assim, ao abrigo do disposto do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar provimento ao recurso, com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 29 de Maio de 2014.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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211/2014