Processo nº 775/2010
Data do Acórdão: 29MAIO2014
Assuntos:
Contrato a favor de terceiro
SUMÁRIO
Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a C Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a C Lda.(promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 775/2010
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº CV3-09-0007-LAC, do 3º Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
A, melhor identificado nos autos, vem instaurar a presente acção de processo comum do trabalho contra B – Limitada, com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$295.011,00, acrescida de juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alega o A. o seguinte:
- A R. celebrou com a C Lda. vários contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais esta sociedade recrutaria mão de obra não residente em Macau para trabalhar para a Ré;
- Aqueles contratos de prestação de serviços estabelecem o regime de recrutamento dos trabalhadores e determinadas cláusulas quanto a despesas relativas à admissão de trabalhadores, remuneração, horário de trabalho, alojamento, assistência, deveres dos trabalhadores, causas de cessação do contrato e repatriamento , prazo do contrato, entre outras.
- Foi ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços que o A. foi recrutado por aquela sociedade para prestar trabalho para a R.
- Contudo, os contratos de trabalho celebrados com a Ré contêm cláusulas menos favoráveis ao A. do que as que constam dos contratos de prestação de serviços celebrados entre a R. e a C Lda.
- Mais invoca que a R. ao abrigo do despacho de autorização de importação de mão-de-obra estava vinculada às cláusulas constantes do contrato de prestação de serviços.
- Com base na diferença entre as cláusulas constantes desse contrato de prestação de serviços e as que constavam do contrato de trabalho celebrado entre a R. e o A. vem este pedir a condenação daquela no pagamento do que se encontra em falta.
- Finalmente alega que prestou trabalho em dia de descanso semanal sem que a R. lhe tenha pago a compensação legal.
A R. contestou alegando em síntese que:
- O A. não é parte no contrato celebrado entre a R. e a C Macau, pelo que, não é o mesmo eficaz relativamente àquele.
- Os requisitos mínimos exigíveis decorrentes da alínea d) do nº 9 do Despacho nº 12/GM/88 constituem pressupostos meramente formais.
- A R. sempre cumpriu as obrigações assumidas em relação ao A. decorrentes do contrato individual de trabalho outorgado consigo.
- Era da vontade do A. não gozar o dia descanso semanal para auferir salário superior, sendo remunerado pela R. à hora ou seja, em função do período de trabalho efectivamente prestado, pelo que, não tem direito ao crédito que reclama.
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente.
Por despacho de fls. 180/182 foi indeferida a intervenção provocada da C, Lda..
Foi proferido despacho saneador, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a discussão da causa.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
Nestes autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
a) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores;
b) Desde o ano de 1993, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior»;
c) Desde 1992, a Ré celebrou com a C Lda., os «contratos de prestação de serviços»: n.° 9/92, de 29/06/1992; nº 6/93, de 01/03/1993; nº 2/94, de 03/01/1994; nº 29/94, de 11/05/1994; nº 45/94, de 27/12/1994;
d) O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 02/94”;
e) Do contrato referido em D) cuja cópia está a de fls. 33 a 38 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau;
f) A Ré sempre apresentou junto da entidade competente, maxime junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE), cópia dos «contratos de prestação de serviço» supra referidos, para efeitos de contratação de trabalhadores não residentes;
g) Entre 31.03.1995 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
h) Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré;
i) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades;
j) Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor;
k) A Ré apresentou ao Autor um contrato individual de trabalho o qual foi assinado pelo Autor, assim como outros cinco contratos individuais de trabalho, cujas cópias constam de fls. 47 a 71 e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;
l) Entre Abril de 1995 e Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário mensal, a quantia de MOP$1,500.00;
m) Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,700.00 mensais;
n) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00 mensais;
o) Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais;
p) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00 mensais;
q) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00 mensais;
r) Entre Abril de 1995 e Junho de 1997 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora;
s) Entre Julho de 1997 e Junho de 1999 a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
t) Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora;
u) Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$10.00 por hora;
v) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.00 por hora;
w) Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.30 por hora.
x) Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11.50 por hora.
y) O Autor só teve conhecimento do efectivo e concreto conteúdo de um «contrato de prestação de serviços» assinado entre a Ré e C, já depois de cessada a relação de trabalho com a Ré, mediante informação por escrito prestada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), a pedido do Autor em 2008;
z) Entre Abril de 1995 e Junho de 1999, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia;
aa) Entre Abril de 1995 e Junho de 1999, o Autor prestou 4 horas de trabalho extraordinário por dia;
bb) Entre 01.07.1999 e 30.06.2002 o A. prestou 2455 horas de trabalho extraordinário;
cc) Entre 01.07.2002 e 31.12.2002 o A. prestou 432 horas de trabalho extraordinário;
dd) Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o A. prestou 1811.5 horas de trabalho extraordinário;
ee) Entre 01.03.2005 e 28.02.2006 o A. prestou 295 horas de trabalho extraordinário;
ff) Entre 01.03.2006 e 31.12.2006 o A. prestou 522 horas de trabalho extraordinário;
gg) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
hh) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
ii) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»;
jj) Entre 05/01/2000 e 18/01/2002 o Autor gozou 37 dias de descanso semanal;
kk) Pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório.
As questões a decidir nesta sede processual consistem em conhecer da:
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a C e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
4. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
5. Dos juros moratórios pedidos;
1. Caracterização do contrato celebrado entre A. e R.;
«Diz-se contrato de trabalho aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade ou direcção desta» - Cit. de António de Lemos Monteiro Fernandes em Direito de Trabalho, Vol. I, 6ª Ed., 1987, pág. 48 -.
Ficou demonstrado nas alíneas g) que entre 31.03.1995 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de segurança trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré.
Destarte, embora a questão não seja posta em crise pelas partes, duvidas não subsistem que entre o A. e a R. foi celebrado um contrato de trabalho.
Considerando que o A. trabalhou para a R. entre 31.03.1995 e 31.05.2008 impõe-se definir quais as disposições legais aplicáveis, dado que o Decreto-Lei nº 24/89/M de 3 de Abril (artº 3º nº 3 al. d) se aplica apenas a trabalhadores residentes.
O Despacho nº 12/GM/88 veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos.
A Lei nº 4/98/M de 29 de Julho define as bases da política de emprego e dos direitos laborais. Embora no seu artigo 9º se definam as condições de contratação de trabalhadores não residentes não se exclui em momento algum a aplicação dos princípios ali consagrados à generalidade dos trabalhadores, sejam eles residentes ou não.
Contudo, até à publicação da recente Lei nº 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes.
Destarte, à mingua de legislação a definir os direitos e deveres da mão-de-obra não residente, resta-nos recorrer aos princípios consagrados na indicada Lei nº 4/98/M.
Na alínea e) do nº 1 do artº 5º da Lei nº 4/98/M consagra-se que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade ou território de origem, têm direito (...) a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados».
Ora, não havendo até à publicação da Lei nº 21/2009 diploma a definir o limite máximo da jornada de trabalho, o direito ao descanso semanal e a férias periódicas pagas nem a remuneração do trabalho prestado em dias feriados, impõe-se suprir a lacuna existente nos termos consagrados no artº 9º do C.Civ., isto é, por recurso à norma aplicável aos casos análogos.
Destarte, dando cumprimento ao principio de igualdade consagrado no corpo do nº 1 do artº 5º da Lei nº 4/98/M impõe-se aplicar analógicamente aos trabalhadores não residentes o regime legal consagrado para os trabalhadores residentes que ao tempo a que se reportam os factos em apreciação nestes autos era o que resultava do Regime Jurídico das Relações de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/89/M.
Caracterizado o contrato celebrado entre A. e R. como contrato de trabalho e definido o regime legal que lhe é aplicável, importa agora dirimir a segunda questão colocada.
2. Natureza jurídica do contrato celebrado entre a R. e a C e se o mesmo produz efeitos na esfera jurídica do A.
Relativamente a esta matéria o que resulta das alíneas c) a e) da factualidade assente é que a R. celebrou vários contratos que apelidou de prestação de serviços com a C. Foi com base num desses contratos, o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 02/94” que a R. outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor. Daquele contrato, cuja cópia está a de fls. 33 a 38 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a titulo de subsidio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, sendo o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau.
Qual será a natureza jurídica deste contrato?
Contrato de trabalho face ao referido supra não será de certeza uma vez que ninguém, nomeadamente o A., se obriga a prestar determinada actividade intelectual ou manual a outra pessoa.
Uma figura que se poderia equacionar seria a do contrato para pessoa a nomear, o qual consiste em uma das partes se reservar a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta ultima.
Porém, no contrato para pessoa a nomear o que ocorre antes da nomeação do amicus electus é que o contrato tem eficácia relativa, ou seja, ele é eficaz entre as partes1.
Ora, face à sua definição esta figura tem de ser afastada pois, no caso em apreço entre a R. e a C não foi celebrado nenhum contrato para pessoa a nomear. O que ocorreu, foi que a Sociedade em causa se obrigou a recrutar pessoal.
Por outro lado, ainda que teoricamente se pudesse conceber a celebração de um contrato de trabalho para pessoa a nomear, era necessário que entre os contraentes originais, in casu a R. e a C, se tivesse celebrado um contrato de trabalho, em que uma das partes se obrigava a prestar determinada actividade intelectual ou manual para outra, com a cláusula de em sua substituição poder indicar outra pessoa que assumiria as suas obrigações e direitos.
Ora, a C não se obrigou a prestar qualquer actividade intelectual ou manual, mas antes um serviço, o recrutamento de pessoal.
Finalmente, sendo o contrato de trabalho por natureza uma espécie que exige a existência de uma pessoa singular concretamente determinada e identificada no lado do trabalhador, nunca os contratos celebrados com a C poderiam ser classificados como contratos de trabalho.
Logo, a hipótese estaria completamente arredada.
Uma outra figura que poderia aqui estar presente seria a do contrato a favor de terceiro o qual ocorre quando um dos «contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à relação contratual».2
Consagra o artº 437º do C.Civ a noção de contrato a favor de terceiro definindo-o nos seguintes termos: «Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita».
Neste tipo de contrato, segundo a definição legal e doutrinal a obrigação “é de efectuar uma prestação”. Os contraentes atribuem «através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário»3
Distingue Antunes Varela na obra citada este tipo de contrato daqueles outros, obrigacionais, «cuja prestação principal se destina a terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o próprio conteúdo do contrato, qualquer direito (de crédito) à prestação.4
No contrato a favor de terceiro a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um outro contrato.
Ora, no caso dos autos do teor do contrato celebrado entre a R. e a C o que resulta é que esta ultima se comprometia a recrutar determinado numero de pessoas para virem a ser contratadas pela R. para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições. Não há aqui a obrigação de prestar, de atribuir determinada vantagem patrimonial imediata para o beneficiário, mas sim a obrigação de celebrar um outro contrato, a saber, o contrato de trabalho.
Finalmente refere ainda Antunes Varela na obra já citada a pág. 334 que destes contratos «não podiam nascer obrigações para terceiro, como também não podiam surgir direitos para quem não era parte no acordo contratual».
Ou seja, pela natureza do contrato a favor de terceiros, nunca esta figura poderia servir para caracterizar o contrato celebrado entre a R. e a empresa que recrutou o A.
Poderíamos ainda equacionar a figura do contrato de cedência de trabalhadores.
Nestes tipo de situações o que ocorre é que determinada empresa cede a outra os seus trabalhadores, ficando muitas das vezes a obrigação de pagar a remuneração a cargo da cessionária bem como a definição dos termos e condições em que a actividade é prestada, mantendo-se o poder disciplinar na empresa cedente.
O ponto fulcral desta figura exige que entre a empresa cedente e o trabalhador se tenha celebrado um contrato de trabalho.
Ora, no caso em apreço é alegado e ficou provado que os trabalhadores desconheciam quando contrataram com a R. a existência do contrato celebrado entre a C e a R.
E não alegam em momento algum que tivessem celebrado um contrato de trabalho com a C. Logo, se não eram funcionários desta empresa, nem tal se alega, nunca poderia verificar-se a figura do contrato de cedência de mão de obra.
Finalmente, resta-nos a figura do contrato de promessa, porém o contrato de promessa é aquele em que as partes ou apenas uma delas se obrigam a contratar em determinados termos5.
Não repugna que no caso em apreço a R. se tenha obrigado a contratar, a celebrar contratos de trabalho em determinados termos.
Mas essa obrigação foi assumida perante a C e não perante o aqui A. ou outrem.
Destarte, nunca poderia o aqui A. reclamar o que quer que fosse da R. pois esta perante si não assumiu obrigação alguma.
Mas ainda que se pudesse entender que tinha havido uma promessa de contratar com pessoa a nomear, o que ocorreria não seria a violação do contrato de trabalho mas do contrato de promessa.
Sobre esta questão veja-se o que a propósito escreve António de Lemos Monteiro Fernandes na Obra já citada a pág. 245:
«A promessa pode ser, frequentemente, confundida com o próprio contrato de trabalho, visto que, não raro, fica entendido entre os contraentes que só em momento posterior ao da celebração do negócio começarão a produzir-se os seus efeitos (início do trabalho, crédito retributivo). Existem, com efeito, situações em que, após o estabelecimento de consenso acerca da futura admissão do trabalhador ao serviço de um empregador, umas das partes aparece a denunciar tal consenso, pretendendo que, assim, se opera a frustração de uma promessa de contrato e não a rescisão de um contrato já celebrado. Quando tal iniciativa pertence ao empregador, a opção entre essas duas qualificações assume particular relevo: o não cumprimento da promessa é, decerto, indutor de responsabilidade por prejuízos, mas não judicialmente suprível, dada a inaplicabilidade do art. 830.º; C.Civ o efeito prático-jurídico visado (neutralização do vínculo) consuma-se. Mas se, ao invés, a situação for encarada como de ruptura do contrato de trabalho, haverá despedimento individual que, nos termos da lei, pode ser declarado nulo e ver inutilizados os seus efeitos, mediante a reintegração do trabalhador (art. 12.º LDesp.)».
Tudo visto, o que se impõe concluir é que entre a R. e a C não foi celebrado nenhum contrato de trabalho, nem contrato de pessoa a nomear ou a favor de terceiros.
O que dali resulta é que a referida sociedade recrutaria pessoal que a R. depois contrataria para trabalharem para si, prometendo esta contratá-los em determinadas condições que não cumpriu.
Sendo assim, o que houve por banda da R. foi uma promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear em determinadas condições que não tendo sido cumprida, salvo melhor opinião, apenas poderia legitimar o beneficiário da promessa – a C – a reclamar os prejuízos em que haja incorrido pelo incumprimento.
Situação que seria de cariz meramente obrigacional, excluída da jurisdição do direito de trabalho, e em que o eventual lesado seria a C, caso desse incumprimento tenham resultado prejuízos para si. Prejuízos que teria de alegar e provar.
Mas essa relação obrigacional entre a C não importa aqui tratar, uma vez que, o A. tal como configura a acção vem reclamar do incumprimento do contrato de trabalho celebrado com a R. E aquando da celebração desse contrato de trabalho o A. nem sequer sabia do que havia sido contratado entre a R. e a C, relação jurídica à qual é completamente alheio e que por não ser sujeito dela nem a conhecer nunca lhe criou a expectativa de vir a ser beneficiário da mesma.
Para que o trabalhador pudesse eventualmente reclamar de algum prejuízo que para si tivesse resultado por a R. não ter contratado consigo como prometeu fazer C, estaríamos, como já referimos no âmbito de uma relação jurídica obrigacional e não laboral, havia litisconsórcio necessário quanto aos Autores que teriam de ser a dita sociedade e o actual A. e apenas podiam pedir a condenação da R. no pagamento da indemnização dos prejuízos sofridos por força do incumprimento do prometido, caso tivessem existido prejuízos.
Assim sendo, somos forçados a concluir que consistindo a causa de pedir na violação das clausulas do contrato de trabalho, sendo o contrato de trabalho aquele que foi celebrado entre A. e R. e não integrando a relação contratual de trabalho o contrato celebrado entre a R. e a C, não pode o R. vir aqui invocar este outro contrato do qual nem sequer é sujeito.
Isto é, o contrato celebrado entre a R. e a C não produz qualquer efeito na relação laboral contratada entre A. e R. não tendo assim qualquer fundamento legal os pedidos formulados com base no mesmo.
Finalmente, e quanto a toda a matéria que se alega relativamente às condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau, relativamente à contratação de mão de obra estrangeira, para não nos alongarmos mais, cabe apenas referir que daquelas não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, sendo certo que, ainda que o fizesse a consequência apenas poderia ser a de revogação de autorização de contratação de mão de obra estrangeira, não tendo qualquer reflexo, por também esta ser extra partes, na relação contratual de trabalho celebrada entre A. e R., pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos e caso se entendesse – o que não se concede – que havia um acto administrativo a impor a contratação em determinados termos, à semelhança do que ocorreria com a violação do contrato de promessa de contratar, também aqui, estaríamos perante a violação do acto administrativo e suas consequências, mas nunca no âmbito de incumprimento do contrato de trabalho.
3. Caso seja dada resposta afirmativa à ultima parte da questão anterior saber se o A. tem créditos sobre a R. e seu montante;
Fica prejudicada a apreciação desta questão face à resposta dada à anterior uma vez que, para além do descanso semanal as demais quantias peticionadas o são com base no contrato celebrado entre a Ré e a empresa prestadora de serviços e não com o aqui A.
4. Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e respectiva compensação.
Resta-nos apreciar a questão do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
Dos contratos de trabalho celebrados entre o A. e R. está dado por assente que o salário pago era mensal.
Nos termos do artº 6º do Decreto-Lei 24/89/M não são admitidos acordos entre empregador e trabalhador dos quais resultem condições menos favoráveis para este do que as que resultam do referido diploma legal.
Nos termos do nº 1 do artº 17º do indicado Decreto-Lei «todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição».
Com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 32/90/M à alínea a) do nº 6 do indicado artº 17º o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago aos trabalhadores que auferem salário mensal pelo dobro da retribuição mensal.
Contudo o que resulta da factualidade assente é que o trabalhador foi pago pelo trabalho prestado nesses dias mas em singelo.
Logo terá apenas a receber o montante em falta, ou seja o equivalente a um dia de trabalho6.
Da alínea jj) o que resulta é que o trabalhador entre 05.01.2000 e 18.01.2002 gozou 37 dias de descanso semanal e tinha direito a gozar 106 dias, sendo que face à alínea o) o salário mensal nesse período era igual a MOP$2.000.
Logo, o valor de cada dia de trabalho prestado será igual a MOP$66,67 (2.000:30), sendo o valor da indemnização a pagar igual a MOP$4.600,23 (MOP$66,67x69), por não ter gozado 69 dias.
Destarte, deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de MOP$4.600,23 a titulo de compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, não tendo direito a quaisquer outras quantias peticionadas, sendo nessa parte julgada improcedente a acção.
5. Dos juros moratórios pedidos;
Dispõe o nº 4 do artº 794º do C.Civ. que «se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor».
Destarte, sem necessidade de outras considerações, face ao que tem vindo a ser entendido pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente Acórdão proferido no processo nº 426/2007, datado de 26.07.2007, tratando-se no caso em apreço de crédito ilíquido os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quanto indemnizatório.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência condena-se a R a pagara ao A. a quantia de MOP$4.600,23 acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar da presente data, sendo a R. absolvida do remanescente do pedido.
Custas a cargo da A. e R. na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.
Não se conformando com essa sentença, veio o Autor recorrer dela concluindo e pedindo que:
1. Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo não será correcto entender-se que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, veio definir os requisitos formais para a contratação de trabalhadores não residentes, contudo, não define o regime legal a que os respectivos contratos estão sujeitos;
2. Do mesmo modo, não será exacto afirmar que até à publicação da recente Lei n.º 21/2009 não tinha sido legalmente definido o regime da contratação dos não residentes;
3. Ao invés, basta ver que, desde 1988, o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, fixa(va) as condições de contratação (procedimento) e de trabalho (conteúdo) em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, assumindo claramente uma natureza normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes e que, em caso algum, poderá ser afastada pelas partes; .
4. Neste sentido, a fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
5. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
6. Assim, da natureza "especial" do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, não deveria ter resultado qualquer dúvida ou receio por parte do Tribunal a quo quanto à sua directa aplicabilidade à relação sub judice e, bem assim, quanto à circunstância de se tratar de um regime imperativo que respeita à contratação de trabalhadores não residentes, afastando as regras gerais que o contrariem e que se encontrem estabelecidas no Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Sem prescindir, sempre se dirá que,
7. Mesmo que aos autos se entende ser de aplicar as disposições do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - por analogia - haveria então que retirar daquela aplicação todas as suas legais consequências, maxime em matéria de descanso semanal, feriados obrigatórios, férias, salário justo e, bem assim, de indemnização rescisória por denúncia unilateral por parte da Ré, porquanto em causa estariam preceitos inderrogáveis constantes do Regime Jurídico das Relações Laborais, o que igualmente não terá sido feito;
8. A construção jurídico-civilistica constante da Sentença revela-se desnecessária em face da relação material controvertida apresentada pelo Autor, pelo que a decisão se revela incorrecta, por errada qualificação jurídica;
9. Porém, caso se entenda que a qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo se revelava necessária, ainda assim a conclusão enferma de um vício de raciocínio, visto que, em qualquer dos casos, os únicos beneficiários da promessa seriam os trabalhadores e, in casu o Autor, ora Recorrente, e nunca a C;
10. Ao contrário do que terá entendido o Tribunal a quo, a questão central dos presentes autos traduz-se no desrespeito pela Ré do procedimento legal e positivo, designadamente o constante do Despacho n.º 12/GM/ 88, de 1 de Fevereiro e, bem assim o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças que in casu autorizou a Ré a admitir trabalhadores não residentes, nos quais se incluiu O Autor, ora Recorrente;
11. Assim, a premissa na qual se fundou a decisão do Tribunal a quo para julgar os presentes autos é incorrecta e em muito se afasia dos factos e fundamentos trazidos aos autos quer pelo Autor, quer pela Ré, sendo a mesma nula nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 571.º do Código do Processo Civil;
12. Por outro lado, ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal a quo, em caso algum é verdade que a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor tenha consistido na violação das cláusulas do contrato de trabalho;
13. Assim, tendo o Tribunal a quo se afastado do quid decisório, sem que para tal apresente as razões de facto ou de Direito, é a Sentença nula por ausência de fundamento legal;
14. Não é correcto concluir que das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau relativamente à contratação de mão de obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregado de contratar em determinados termos;
15. Pelo contrário - uma vez mais se sublinha - o Despacho n.º 12/GM/ 88, de 1 de Fevereiro, toma de forma clara expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes, obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (Cfr. neste exacto sentido, o Ac. do TSI, de 15 de Dezembro de 2009, Processo de Recurso n.º 739/2009);
16. Tendo na Sentença ficado prejudicada a análise da matéria relativa ao subsídio de alimentação e subsídio de efectividade e constante da matéria de facto dada por provada e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a totalidade do pedido, a decisão deverá ser nula, por violação da al. d) do n.º 1 do art. 571.º do Código de Processo Civil.
17. Na concreta forma de cálculo utilizada para compensar o Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, a douta decisão procede a uma errada aplicação quer do disposto na al. a) do n.º 6, quer do n.º 4 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Nestes termos, e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deverá a Sentença do 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base ser declarada nula pelas razões supra expostas e substituída por outra que julgue nos termos pedidos pelo Autor na sua Petição Inicial, porquanto só assim se fará a já costumada JUSTIÇA!
Notificada a Ré, ora recorrida, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e da arguição da nulidade de sentença (vide as fls. 283 a 306 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso e reiteradas nas alegações facultativas, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a C, Limitada;
2. Da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal; e
3. Da nulidade da sentença;
Passemos então a apreciá-las.
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a C, Limitada
Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.
Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.
Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada.
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela C Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela C Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a C Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.
Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a C Limitada., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a C Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
2. Da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal
O Tribunal a quo entende que é aplicável o Decreto-Lei nº 24/89/M na matéria da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, por remissão expressa do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
O que não foi impugnado por via de recurso pelo Autor.
Ao abrigo do disposto do mesmo decreto, a título de compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o Tribunal a quo arbitrou a favor do Autor a quantia no valor de MOP$4.600,23, calculado de acordo com a seguinte fórmula:
MOP$66,67(MOP$2.000,00/30, isto é, o salário diário médio) X 69 (nº dos dias de descanso semanal em que trabalhou o Autor) = MOP$4.600,23.
Não foi impugnado o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou, aqui tomado em conta pelo Tribunal a quo.
O Autor reagiu sim contra:
* a aplicação do multiplicar X 1;
* a aplicação do salário diário médio apurado de acordo com o valor do salário mensal fixado no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, pois para o Autor ora recorrente, o valor diário a ser tido em conta para o efeito deve ser o fixado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, isto é, MOP$90,00; e
* o não arbitramento da compensação do dia compensatório a que se refere o artº 17º/4 do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Quanto ao multiplicar a aplicar, tem razão o recorrente.
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, aqui aplicável, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a um acréscimo correspondente ao dobro da retribuição normal.
Isto é, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo do acréscimo a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Assim, pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o trabalhador tem direito a receber um acréscimo que corresponde ao dobro do salário de um dia normal de trabalho.
Ficou provado que “pela prestação de trabalho pelo Autor nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerada pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório” – vide o ponto kk) da matéria de facto provada.
Tendo a Ré pagado apenas ao Autor o valor de um salário diário em singelo como a remuneração pelo trabalho por ele prestado nos dias de descanso semanal, fica obrigada agora a pagar o acréscimo em falta que corresponde ao dobro da retribuição normal.
E no que diz respeito ao valor do salário diário, também tem razão o recorrente, uma vez que tendo em conta o decidido supra, no ponto 1, o Autor tinha direito ao salário fixado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, que é um contrato a favor de terceiro e que fixa o mínimo das condições de trabalho, nomeadamente remuneratórias, a integrar no clausulado no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
Finalmente no que respeita ao não arbitramento da compensação do dia compensatório a que se refere o artº 17º/4 do Decreto-Lei nº 24/89/M, assiste razão ao Autor tendo em conta o facto provado de que o Autor trabalhou nos 69 dias de descanso semanal sem que lhe tivesse sido concedido o dia compensatório nos termos prescritos no artº 17º/4 do Decreto-Lei nº 24/89/M.
Merece o Autor um dia de salário por não gozo de cada um desses descansos compensatórios.
Assim sendo, o Autor tem direito a receber, pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e pelo não gozo dos correspondentes descansos compensatórios, a seguinte quantia:
MOP$90 X 3 X 69 (nº dos dias de descanso semanal em que trabalhou o Autor) = MOP$18.630,00.
3. Da nulidade da sentença
O Autor imputou à sentença recorrida a nulidade por omissão de pronúncia sobre as questões relativas ao subsídio de alimentação e ao subsídio de efectividade.
Não tem razão o recorrente.
Vejamos.
É verdade que o Tribunal a quo não chegou a debruçar-se sobre estas questões, mas foi dito na pág. 34 da sentença recorrida que:
……
Fica prejudicada a apreciação desta questão face à resposta dada à anterior uma vez que, para além do descanso semanal as demais quantias peticionadas o são com base no contrato celebrado entre a Ré e a empresa prestadora de serviços e não com o aqui A.
……
Isto foi dito logo após a conclusão de que o contrato entre a Ré e a C não produz qualquer efeito na relação laboral contratada entre o Autor e a Ré e tendo em conta o contexto da sentença recorrida, “as demais quantias” referem-se precisamente aos subsídios de alimentação e de efectividade, reclamados pelo Autor.
Assim sendo, obviamente não estamos perante qualquer omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo considerou e julgou prejudicado o conhecimento dos pedidos sobre “as demais quantias”.
Todavia, face ao disposto no artº 630º/2 do CPC, “se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.”.
A situação hipotética prevista nessa norma é precisamente o que sucede neste caso.
Pois o Tribunal a quo não conheceu dos pedidos sobre os subsídios da alimentação e da efectividade formulados pelo Autor porque chegou à conclusão de que o contrato entre a Ré e a C não produz qualquer efeito na relação laboral contratada entre o Autor e a Ré.
E agora nós revogamos esta parte da sentença recorrida e consideramos que o tal contrato é um contrato a favor de terceiro e portanto fixa o mínimo das condições remuneratórias no contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré.
Portanto, temos de os conhecer.
Autor reclamou na petição inicial os subsídios nestes termos:
II - SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
99.º
Do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré – e , em concreto o Autor, - teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15.00 diárias, a título de subsídio de alimentação (cfr. 3.1. do Contrato de Prestação de Serviço n.º 02/94, junto anteriormente como doc. 2).
100.º
Acontece, porém, que ao longo de toda a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
101.º
Como anteriormente se disse, a relação de trabalho entre a Ré e o Autor durou 13 anos e dois meses, o que perfaz 4812 dias de trabalho.
102.º
Assim, é o Autor credor da Ré na quantia de MOP$72,180.00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento, a título de subsídio de alimentação contratualmente devido e não pago.
III - DO SUBSÍDIO DE EFECTIVIDADE
103.º
Do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré - e, em concreto o Autor, - teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
104.º
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho.
105.º
Porém, durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias», tal qual estava contratualmente obrigada.
106.º
Neste sentido, é o Autor credor da Ré na quantia de MOP$57,600.00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento, a título de subsídio de efectividade contratualmente devido e não pago.
Ao passo que a Ré contestou da seguinte maneira:
53.º
Acresce ainda, no que diz respeito ao subsídio de alimentação, apesar de constar do referido contrato de prestação de serviços, a verdade é que não foi acordado entre o Autor e a Ré, como decorre do contrato individual de trabalho (cfr. documentos n.ºs 5 a 11, juntos com a p.i.
54.º
O mesmo se dirá quanto ao subsídio de efectividade, porquanto apesar de previsto no supra referido contrato de prestação de serviços, a verdade é que não foi acordado entre o Autor e a Ré em sede de contrato individual de trabalho do Autor.
Ora, ficou provada na primeira instância a seguinte matéria com relevância à apreciação dos pedidos referentes aos subsídios da alimentação e da efectividade:
O contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o “Contrato de Prestação de Serviços n.º 02/94”;
Do contrato referido em D) cuja cópia está a de fls. 33 a 38 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam direito a auferir no mínimo MOP$90,00 diárias, acrescidas de MOP$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação, um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, ……;
Entre 31.02.1995 e 31.05.2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”;
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação;
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho;
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias»; e
Entre 05/01/2000 e 18/01/2002 o Autor gozou 37 dias de descanso semanal;
Comecemos pelo subsídio de alimentação.
Antes de mais, coloca-se a questão de saber se o subsídio de alimentação é devido apenas nos dias em que efectivamente trabalhou o Autor ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.
Nota-se que, in casu, o “quando” deve ser pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.
Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.
In casu, foi apenas estipulada a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
Para resolver esta questão, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.
Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é a retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.
Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.
Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
Mas ficamos sem saber se era devido enquanto a relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.
Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 3º/3-d), por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, como foi dito supra, por remissão expressa no ponto 10 do contrato individual de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.
Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.
Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
É o que se estabelece nos artº 17º, 19º e 21º do decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.
Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.
E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.
Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque a legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.
Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.
Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de obrigar a entidade patronal a pagar o subsídio de alimentação quer nos dias em que trabalha quer nos dias em que não trabalha.
Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.
Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.
Além disso, ficou também provado que a Ré recorreu todos os dias ao serviço em horas extraordinárias prestado pelo Autor, cerca de quatro horas por dia.
As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador, assim como a grande frequência do recurso por parte da Ré ao serviço prestado em horas extraordinárias, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.
Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.
Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.
Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o trabalhador efectivamente trabalha.
Então temos de ver agora o que ficou provado e para depois aplicar essa conclusão ao caso em apreço.
Ficou provado que o Autor gozou apenas 37 dias de descanso semanal entre 05JAN2000 e 18JAN2002.
E não foi demonstrado o gozo de mais dias de descanso, a qualquer que seja o título.
Assim, o Autor tinha direito a receber o subsídio de alimentação em todo o período de tempo em que durou a relação de trabalho com a Ré, à excepção daqueles 37 dias.
A relação de trabalho entre o Autor e a Ré tem a duração de 4841 dias.
Portanto tem direito a receber a quantia calculada pela seguinte fórmula:
MOP$15,00X(4841–37)dias=MOP$72.060,00.
Passemos ao subsídio da efectividade.
Ficou provado que:
O Autor tinha direito a receber um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço; e
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor - sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho.
A relação de trabalho entre o Autor e a Ré tem a duração de 158 meses.
Tirando o primeiro mês, o Autor tinha direito a receber em todos os restantes 157 meses o subsídio da efectividade.
Portanto tem direito a receber a quantia calculada pela seguinte fórmula:
MOP$90,00X4diasX157meses=MOP$56.520,00.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor A passando a condenar a Ré B Limitada, a pagar ao Autor a soma das seguintes quantias, com juros legais calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010:
* MOP$18.630,00, a título de compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e compensação do descanso compensatório;
* MOP$72.060,00, a título de subsídio da alimentação; e
* MOP$56.520,00, a título de subsídio da efectividade.
Custas pelo Autor recorrente e pela Ré recorrida, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido ao Autor.
Notifique.
RAEM, 29MAIO2014
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Veja-se João de Matos Antunes Varela em Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 348.
2 Antunes Varela na obra citada supra a pág. 329.
3 Antunes Varela na obra citada a pág. 329.
4 Antunes Varela na obra citada a pág. 330.
5 Antunes Varela na obra citada a pág. 262 e seguintes.
6 Sobre esta matéria o Tribunal de Ultima Instância de Macau já se pronunciou em vários Acórdãos, nomeadamente, processo nº 28/2007 de 21.09.2007, processo nº 29/2007 de 22.11.2007 e processo nº 58/2007 de 27.02.2008.
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