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Proc. nº 625/2013
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Junho de 2014
Descritores:
-Princípio da proporcionalidade
-Controlo judicial
-Particular Interesse da RAEM
(Regulamento Administrativo 3/2005)
-Princípio da Boa fé
-Audiência dos interessados

SUMÁRIO:

I - A proporcionalidade, enquanto princípio vazado no art. 5º, nº2, do CPA, acolhe a noção de solução plúrima, isto é, transmite a ideia de que só é desproporcional a medida se outra pudesse ter sido tomada com menor gravame ao interesse privado conflituante, se, diferente e com melhor equidade de meios e de resultados, pudesse ser a resolução do caso concreto.

II - A Administração goza do amplo poder discricionário e só está sujeito ao controlo judicial nos casos de erro grosseiro manifesto ou total desrazoabilidade do exercício.

III - A Administração não tem que ficar amarrada para todo o sempre a uma decisão de deferimento inicial se as circunstâncias pessoais ou profissionais do interessado se vierem a alterar entretanto. Podem, efectivamente, as razões de “particular interesse” para a RAEM (art. 1º, al. 3), do citado Regulamento 3/2005) que levaram ao deferimento inicial da autorização de residência ter desaparecido face à alteração da situação do requerente. A análise da manutenção desse interesse cabe, obviamente, à Administração no quadro da sua discricionariedade.

IV - O princípio da boa fé plasmado no art. 8º do CPA significa que devem ser considerados os valores fundamentais do direito relevantes em cada caso concreto, em face da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (nº2, al. a)), ou em face do objectivo a alcançar com a actuação empreendida (al. b)).

V- A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.

VI - Até mesmo nos casos em que Administração levar o particular a confiar na prática (ou não prática) ou no conteúdo de um acto, que depois não praticou (ou praticou), não se está perante uma invalidade fundada no invocado princípio da boa fé, a não ser nos casos em que lei, ou a natureza do acto, impuserem a vinculatividade jurídico-administrativa da expectativa criada.

VII - A audiência dos interessados mostra-se imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas a Administração não deve apenas “deixar falar” os interessados; deve também “escutá-los” e considerar e ponderar as razões por eles adiantadas na sua resposta.
Proc. nº 625/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, casado, de nacionalidade paquistanesa, com residência na XXXX, Macau, recorre contenciosamente do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 30/07/2013, que a si e ao seu agregado familiar indeferiu o pedido de renovação de residência temporária.
Na petição inicial, apresentou as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por base o despacho de indeferimento do pedido de renovação de Autorização de Residência na R.A.E.M. do ora Recorrente.
2. É certo que “o direito à família” e à “unidade familiar”, estabilidade familiar, frustração de expectativas de direito não podem ser interpretados como “direitos absolutos” de quem os invoca como motivo para ser autorizado a residir na R.A.E.M..
3. No entanto, a condução de um processo moroso e indiciador da aceitação de certos e determinados actos ao longo do processo cria uma legítima expectativa com consequências legais e que se podem ser imensuráveis e que não podem ser tidos como direitos descartáveis, salvo o devido respeito.
4. Cada caso é um caso, e no caso do Recorrente, e mesmo sabendo da grande margem de discricionariedade do poder de decisão da Administração, não parece adequado, salvo o devido respeito, que essa decisão seja proferida com base numa mera descrição de factos e de leis sem haver uma adequada justificação e fundamentação, pois caso contrário, não se perceberá que critérios foram tidos em conta, para essa decisão.
5. A Administração, encontra-se vinculada a diversos princípios, como legalidade e dever geral de fundamentação das decisões segundo o qual “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas” (Artigo 8º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).
6. A decisão de renovação de autorização de residência não é automática, exige claramente que seja efectuada uma avaliação de vários requisitos e circunstâncias, nomeadamente o grau de afectação dos interesses públicos e de segurança da sociedade, que logicamente como se poderá entender, têm primazia; contudo, salvo o devido respeito, o Recorrente não conseguiu encontrar qualquer ponderação na decisão de que o seu pedido foi alvo.
7. E nesse sentido entende o Recorrente, salvo o devido respeito que é devido, que não foi observado o dever geral de fundamentação das decisões, bem como o princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação e razoabilidade, e consequentemente, o princípio da legalidade e o artigo 9º n.º 2, alínea 1) da lei n.º 4/2003, em virtude de não se ter demonstrado que houve uma ponderação da decisão, por não justificada.
8. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM indeferiu o pedido do Recorrente, fazendo uma mera alusão a um parecer que, salvo o devido respeito, peca por uma deficiente fundamentação, pelo uso de meros termos retirados de uma memória descritiva fáctica, sem formular um juízo concreto de adequação e razoabilidade sobre o caso concreto, omitindo factos, tais como as habilitações académicas do Recorrente que sustentam a aceitação do seu novo emprego.
9. Por outro lado, o referido acto, não define com exactidão a razão que levou ao indeferimento, se pelo facto de ter ultrapassado o prazo estipulado de 30 dias sobre a comunicação da alteração da situação laboral, ou se pela invocada diferença de natureza de empregos a que o Recorrente alegadamente incorreu, não se podendo deixar de fazer alusão aos direitos expectados criados pela orientação que o processo seguiu, pois nunca foi questionada, durante 4 anos, a justificação apresentada pelo Recorrente em 25 de Março de 2009.
10. Cada caso é um caso, e no caso do Recorrente, terá que se justificar melhor o facto do da natureza do seu emprego ter uma natureza diferente, uma vez que o Recorrente continua ligado unicamente à área do desporto, pondo em prática as suas habilitações de consultor de marketing da área do desporto, aliado aos seus conhecimentos técnico-desportivos.
11. Ora, um pintor, não poderá ser um consultor de artes; um treinador com o curso de ciências de comunicação não poderá ser consultor de marketing de desporto?
12. Será que as suas habilitações académicas foram devidamente avaliadas, uma vez que na decisão apenas se faz alusão apenas ao seu mestrado em educação física.
13. Pelo que se entende, salvo o devido respeito faltou uma razão de mérito para o indeferimento do seu pedido de renovação de autorização de residência.
14. Por outro lado, o Recorrente e a sua mulher estabeleceram a sua família em Macau, situação que não foi precipitada, mas antes tomada durante os longos 5 anos em Macau. A sua filha mais nova inclusivamente nasceu em Macau, e o seu filho mais velho cresceu em Macau, estando a esposa do Recorrente grávida do 3º filho do casal.
15. Ora, entende-se, salvo todo o respeito que é devido que houve uma manifesta desproporção e inadequação da decisão.
16. O despacho que ora se recorre, salvo todo o devido respeito, não nos parece totalmente claro, nem suficientemente fundamentado para se perceber com a razoabilidade necessária e o raciocínio condutor da resposta.
17. E embora se reconheça que o acto de que ora se recorre é um acto discricionário da Administração, esta encontra-se vinculada a diversos princípios legais - como legalidade e fundamentação segundo o qual “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas” (Artigo 8º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).
18. Pelo que entende o Recorrente que o acto administrativo de indeferimento de autorização de residência, violou os termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9º da Lei n.º 4/2003, bem como os artigos 8º, n.ºs 1 e 2 do CPA, e os artigos 3º e 5º do CPA, o princípio legalidade, proporcionalidade e dever de fundamentação das decisões, ao entender que não são suficientes os factos alegados pelo Recorrente, sem fazer qualquer juízo de raciocínio.
19. E nesse sentido se remete para a argumentação exposta nas suas alegações iniciais, entendendo o Recorrente, salvo o devido respeito que é devido, que não foi observado o dever geral de fundamentação das decisões, bem como o princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação, e consequentemente, o princípio da legalidade e o artigo 9º n.º2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, bem como bem como os artigos 8º, n.ºs 1 e 2 do CPA, e os artigos 3º e 5º do CPA, por não se ter demonstrado que houve uma ponderação da decisão, por não justificada e por se ter demonstrado inexistir uma linha orientadora capaz de produzir legais expectativas e demonstrativa da colaboração entre a Administração e o Administrado, ou pelo menos não causar ambiguidades, com o devido respeito que é devido.
Termos em que devem considerar-se procedentes todas as Conclusões formuladas pelo ora Recorrente e em consequência anular-se o acto administrativo de que ora se recorre, fazendo-se JUSTIÇA!».
*
A entidade recorrida apresentou contestação, que concluiu da seguinte maneira:
«a) O acto administrativo fundamentou-se em factos verdadeiros e provados;
b) Só os motivos de facto do acto administrativo devem figurar na sua fundamentação;
c) Da leitura do acto recorrido resulta de forma clara quais os factos em que se fundamentou;
d) Os pressupostos de facto do acto recorrido não são contraditórios;
e) Na determinação do particular interesse para a RAEM, previsto no art. 1º, al. 3), do RA 3/2005, é necessário levar em conta as funções a exercer pelo requerente da autorização de residência;
f) Não é desrazoável indeferir o pedido de renovação de autorização de residência quando tenha ocorrido uma alteração radical das funções exercidas, pois nesse caso não foi mantida “a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização” (art. 18º, nº 1, do RA 3/2005).
Nestes termos, não se verificando os vícios arguidos pelo recorrente, terá o presente recurso de ser julgado improcedente.».
*
Houve alegações facultativas, em que o recorrente manteve no essencial a posição inicialmente assumida e a entidade recorrida se limitou a oferecer o merecimento dos autos.
*
O digno magistrado do MP opinou no sentido do indeferimento do recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos processuais
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
Por confissão e por documentos, julga-se assente a seguinte factualidade:
1. O ora recorrente requereu em 28 de Junho de 2006 junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau autorização para fixação de residência temporária, ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 de 4 de Abril. (Doc. n.º 1 junto com a p.i)
2. Em 15 de Fevereiro de 2007 foi concedida ao recorrente, estendida aos seus familiares em 11 de Setembro de 2008 (cônjuge B e filho menor C), a autorização de residência temporária na RAEM, com validade até 15/02/2010 (Docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a p.i. e fls. 4 do apenso “traduções”).
3. Pelo ofício nº 3329/GJFR/2007, de 9/03/2007 que lhe comunicou aquela decisão, foi também o recorrente advertido de que deveria comunicar ao IPIM a alteração do contrato de trabalho que fundamentou o pedido de residência (fls. 30 do p.a. e 4 do apenso “traduções”)
4. O recorrente apresentou os comprovativos das suas habilitações e experiência profissional.
5. O recorrente concluiu o curso de Bacharelato em XXXX. (Docs n.º 4, 5 e 6)
6. Tendo apresentado também comprovativo da sua experiência profissional (Doc. n.º 7)
7. Durante o período em que trabalhou na F participou em muitas iniciativas promovidas pelo Governo de Macau, tendo sido inclusivamente convidado para participar no “Macao 2007, 2nd Asian Indoor Games”, fazendo parte do Comité Olímpico da Equipa Oficial de Macau. (Doc. n.º 8)
8. Em 28/10/2008, nasceu a sua filha mais nova D (Doc. n.º 9)
9. Em 22 de Janeiro de 2009, o recorrente recebeu uma comunicação da sua entidade patronal, informando-o que o seu contrato de trabalho terminaria em 31 de Janeiro de 2009. (Doc. n.º 10).
10. Face a esta comunicação, o ora recorrente tentou agendar uma reunião com a sua entidade patronal a fim de esclarecer os motivos de tal cessação do contrato.
11. O seu pedido foi atendido, tendo sido agendada uma reunião não oficial, apenas para o final do mês de Fevereiro de 2009, em virtude das férias prolongadas do ano novo chinês.
12. Em 7 de Março de 2009, o recorrente foi chamado por parte da direcção do F, para receber o cheque, no valor de MOP$ 46,000.00, referente ao trabalho prestado durante os meses de Dezembro 2008 e Janeiro 2009, (Doc. n.º 11)
13. Tendo sido, nessa data informado que a F iria reapreciar a “manutenção do seu contrato de trabalho”, no entanto nada poderia ser decidido até que todos os responsáveis reunissem conjuntamente.
14. O recorrente não informou o IPIM de que tinha cessado o seu contrato de trabalho com a F.
15. O recorrente procurou outras hipóteses de trabalho e tentou contactar com algumas empresas a fim de conseguir um trabalho que se adequasse às suas habilitações.
16. E conseguiu emprego numa empresa que se dedica a comercializar acessórios de desporto.
17. Tendo sido enviada para o recorrente, pela empresa E Limited, uma confirmação de trabalho em 9 de Março de 2013 para o exercício das funções de gerente de vendas e consultor de marketing de artigos de desporto. (Doc. n.º 12)
18. Sendo o contrato de trabalho assinado apenas mais tarde, em virtude do responsável da empresa ter estado ausente do território de Macau, por motivos de trabalho.
19. Apenas em 25 de Março de 2009 o recorrente comunicou a alteração da sua relação laboral, após ter recebido uma carta do IPIM, em virtude de uma carta enviada pela sua entidade patronal a informar o termo do seu contrato de trabalho, ao mesmo que tempo.
20. Em 15 de Junho de 2009 foi enviada uma carta pelo IPIM para o recorrente requerendo a junção ao seu processo de uma certidão do Registo Comercial da Entidade Empregadora E, Lda. e ainda um exemplar do portfólio da referida empresa. (Doc. n.º 13).
21. Tendo o recorrente juntado o requerido ao seu processo.
22. Em 17/11/2009, a Direcção dos Serviços de Identificação notificou o recorrente de que o prazo de validade do seu BIR estava a terminar e que seria necessário diligenciar pela sua renovação (cfr. fls. 329 do p.a.).
23. Entretanto, desde 25 de Março de 2009, várias têm sido as comunicações entre o IPIM e o recorrente.
24. Em 23/02/2010 o recorrente requereu ao IPIM a renovação da autorização de residência (fls. 178 e 370 do p.a.).
25. Em 28 de Maio de 2010 o IPIM enviou uma carta ao recorrente, alegando que, após ter estado a estudar o processo do Recorrente, necessitava que o Recorrente apresentasse mais documentos sobre a empresa empregadora, nomeadamente, os balancetes da nova empresa E, Lda., demonstrativo dos respectivos lucros, preparado por auditor local ou contabilista registado relativamente aos anos de 2008 e 2009, bem como o recibo do pagamento da segurança social do último semestre} bem como a certidão de rendimentos do Recorrente referente ao ano de 2009. (Doc. n.º 14)
26. O recorrente juntou os documentos pedidos.
27. Em 24 de Maio de 2011, na sequência de outra carta enviada pelo IPIM, o Recorrente junta ainda ao seu processo os comprovativos do pagamento do seu salário durante os meses de Fevereiro, Março e Abril de 2011 e ainda o pagamento das contribuições para o Fundo de Segurança Social referente ao 1º trimestre de 2011, bem como o pagamento do imposto profissional referente ao 4º trimestre de 2010.
28. Em 19 de Agosto de 2011, o IPIM volta a requerer a junção de mais documentos, nomeadamente, da cópia da caderneta bancária, demonstrando a transferência do salário pago pela entidade empregadora E, Lda. ao recorrente, desde 2009 a 2011 e ainda Balancete da referida empresa referente ao ano de 2010, demonstrativo dos respectivos lucros, preparado auditor local ou contabilista registado, bem como certidão de rendimentos do Recorrente referente ao ano de 2010. (Doc. n.º 15)
29. Tendo o recorrente apresentado os documentos exigidos.
30. Em 17 de Outubro de 2011, o IPIM volta a enviar uma carta para o Recorrente solicitando certidão comercial actualizada da empresa empregadora E, Lda. (Doc. n.º 16)
31. Tendo o recorrente apresentado o referido documentos exigido.
32. Em 5 de Março de 2012, o recorrente comunicou por sua iniciativa ao IPIM que procedeu à renovação do seu contrato de trabalho, com a especificação do aumento do seu salário, apresentando ainda comprovativo do pagamento das contribuições para o Fundo de Segurança Social, bem como o comprovativo do pagamento do imposto profissional referente ao 4º trimestre de 2011.
33. Em 27 de Março de 2013, o IPIM emitiu uma proposta de indeferimento da aplicação de renovação de autorização de residência do Recorrente, bem como da sua mulher e filho mais velho.
34. Notificado para tal, ele apresentou resposta em audiência prévia (fls. 190-199).
35. Em 21/05/2013 foi proferido pelo técnico-adjunto a seguinte informação:
«Assunto: Exame ao pedido de residência temporária Comissão Executivo:
1. Identificação dos interessados e proposta de aprovação de autorização de residência temporária do seguinte prazo:
Número de ordem
Nome
Parentesco
Documento/ Número
Prazo de validade de documento
Validade da autorização da residência temporária até
1.
A
Requerente
Passaporte de Paquistão XXXX
20/11/2013
15/02/2010

2
B
Cônjuge
Passaporte de Paquistão XXXX
01/04/2012
15/02/2010
3
C
Descendente
Passaporte de Paquistão XXXX
18/06/2012
15/02/2010
2. O requerente foi-lhe concedido de autorização de residência temporária pela primeira vez em 15 de Fevereiro de 2007.
Na altura, foi concedido de autorização de residência temporária por ser contratado pela seguinte entidade, demitiu-se a 1 de Fevereiro de 2009 (fls. 58):
Empregador: F
Cargo: COACH OF FIELD HOCKEY (Treinador de F em campo)
Salário anual: MOP20.000,00
Período de contrato: 2 anos, de validade contada desde a concessão de autorização de residência temporária
3. Com vista da renovação, o requerente juntou o documento comprovativo de relação laboral (a fls. 19 a 23), a provar que o requerente mudou a assumir o cargo na seguinte entidade e tinha declarado /pago o imposto profissional nos termos legais:
Entidade empregadora: E LIMITED
Cargo: SALES MANAGER AND MARKETING CONSULTANT (fls. 19)
Salário: MüP33.000,00 (fls. 19 e 24)
Data de admissão: 1 de Abril de 2009 (fls. 229)
Através da correspondência de 6 de Março de 2009 da aludida entidade (fls. 58), o nosso Instituto conheceu que a relação laboral entre o requerente e a aludida entidade terminou a 1 de Fevereiro de 2009, o requerente não nos notificou dentro de 30 dias após a demissão, nem juntou o documento comprovador de novo emprego; até 25 de Março de 2009, o requerente juntou o contrato celebrado com E LIMITED, que tomou válido a partir de 1 de Abril de 2009 (a tomar o cargo de Manager of Sales and Consultant of Marketing of Sports Goods), houve cerca de 2 meses que não foi contratado por empregador de Macau, após estudo cuidadoso aos documentos juntados desde 25 de Março de 2009 até 4 de Julho de 2012, entendem que a natureza do novo emprego não corresponde à natureza de emprego considerado no momento de concessão de autorização (Coach of Field Hockey), pelo que, nos termos do art.º 18º, noº2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a autorização da residência temporária do requerente deve ser cancelada. Pelo que, no dia 27 de Março de 2013, o nosso Instituto procedeu a audiência escrita através o oficio n.º 02615/GJFR/2013 (fls. 162), o requerente apresentou a contestação no dia 23 de Abril de 2013 (fls. 107 a 161), alegando que:
1. No dia 22 de Janeiro de 2009, recebeu a notificação da F, que o contrato seria resolvido a 31 de Janeiro de 2009, até 7 de Março de 2009 o requerente empenhou-se a conversar com o responsável para manter o emprego, mas por final, foi informado em 7 de Março de 2009 que o contrato mantinha resolvido;
2. Posteriormente, o requerente foi contratado por E LIMITED, embora o cargo não correspondesse à sua especialidade, mas é emprego que relaciona com a sua especialidade, de tomar o cargo de “GERENTE DE VENDAS E CONSULTOR DE MARKETING DA ÁREA DE ACESSÓRIOS DE DESPORTO”, de facto, muitos treinadores assumem o cargo relativo à venda de artigos de desporto, uma vez que o requerente tem experiência desta área, pode apresentar aos clientes e ajudar a companhia aumentar o volume de venda, pelo que, o empregador emitiu carta de recomendação, referindo que o conhecimento que o requerente possui na área de desporto vai favorecer o desenvolvimento da companhia, o requerente é activo da companhia;
3. Em virtude do desempenho do requerente, foi promovido no ano passado, também foi convidado ao seminário de área de desporto, o requerente também tem obrigação de ensinar F, a promover as actividades desportivas em Macau;
4. O requerente e os seus familiares estão integrados na comunidade de Macau;
5. O requerente respeita a lei;
6. Pelo que, pede aprovar-lhe o pedido da renovação.
Em relação à contestação do requerente, ora faz a seguinte análise:
1. Ainda em 9 de Março de 2007, o nosso Instituto, através o oficio n.º3329/GJFR/2007, notificou o requerente que “ao abrigo do art.º 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a V. Ex. deve manter, durante o período de pedido ou após aprovar o pedido, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. Caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos, deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 3 O dias, contados desde a data da extinção ou alteração, sob pena de poder ser cancelada a autorização de residência temporária.” A comunicação atrasada causada pela conversa com ex empregador como alegado pelo requerente, trata-se do problema do requerente de mal organizar o seu tempo, pelo que, a sua explicação não se justifica.
2.O pedido do requerente da primeira vez é fundado do cargo de treinador de F, a sua especialidade é “MASTER OF ARTS, PHISICAL EDUCATION”, foi concedida a autorização de residência, caso fosse concedida a autorização ou a renovação da residência quando o cargo do requerente não corresponde à sua especialidade e às suas habilitações, então não impõe a exigência relativa às habilitações e especialidade;
3. As actividades que o requerente prática no tempo livre são escolha de passatempo predilecto pessoal, respeitar a lei é obrigação básica de cada cidadão, não é contribuição relevante.
4. Uma vez que o requerente não notificou o nosso Instituto e juntou novo documento comprovativo de emprego dentro de 30 dias após a demissão, a sua explicação não se justifica; houve cerca de 2 meses que não foi contratado por empregador de Macau, a natureza do novo emprego não corresponde à do empregado considerado no momento da concessão da autorização, pelo que, nos termos do art.º 18º, noº2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, promove que não atende a nova situação jurídica do requerente; promove que, ao abrigo do art.º 18º e art.º 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não aprovar o pedido de renovação de autorização da residência temporária do requerente.
À vista do superior!»
Técnico-adjunto
(Ass.) XXX
Aos 21 de Maio de 2013
36. Em 17/06/2013, o chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência concordou com a sugestão daquela informação (fls. 15 do apenso “Traduções”).
37. Em 20/06/2013, o presidente da Comissão Executiva do IPIM emitiu o seguinte parecer:
«Parecer do Presidente da Comissão Executiva do IPIM Exmo. Secretário para a Economia e Finanças:
Após o estudo e a análise no presente parecer, uma vez que o requerente não notificou por escrito o nosso Instituto e não juntou o documento comprovativo de nova função dentro de 30 dias após a demissão, a explicação não é justificada; houve cerca de dois meses que não foi contratado por empregador de Macau, a natureza do novo trabalho não corresponde à natureza de trabalho considerada no momento de autorização, pelo que, apresento o parecer desfavorável à concessão da autorização de residência temporária dos seguintes interessados, ora promovo que seja não aprovado o respectivo pedido.

Número de ordem
Nome
Parentesco
1
A
Requerente
2
B
Cônjuge
3
C
Descendente
Não obstante, depende da decisão da V. Ex..»
(ass.) XXX
Presidente
20/JUN/2013
38. Em 30/07/2013 o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“A promoção é aprovada” (fls. 55 dos autos e 14 do apenso “Traduções”)
39. O IPIM comunicou através do Ofício de Notificação nº 08504/GJFR/2013 a referida decisão de indeferir a renovação de residência (doc. 17: fls. 54-58 dos autos e 12 do apenso “traduções”).
***
IV – O Direito
1 – Introdução
1.1 - Cremos que se impõe uma nota prévia para se ficar a perceber, doravante, o que esteve em discussão no procedimento administrativo e aquilo que aqui, nos presentes autos de recurso contencioso, se aprecia.
Teve conhecimento o IPIM em 6 de Março de 2009, por carta enviada pela anterior empregadora do recorrente, que o contrato deste tinha terminado em 31/01/2009.
Logo aí, o IPIM se apercebeu que o recorrente não cumpriu o disposto no art. 18º, nº3, do Regulamento nº 3/2005, tanto mais que ele só fez a comunicação da titularidade de novo contrato em 25 desse mês (facto supra nº 19).
Face a isso, podia a Administração logo desencadear os mecanismos legais (através de audiência prévia) com vista ao cancelamento da autorização de residência, pois assim o permitia o art. 18º, nº4 do mesmo diploma.
Não o fez, porém. É verdade que a lei não lhe fixa prazo para o fazer. Uma coisa, contudo, não se pode esquecer. É que a autorização de residência havia sido concedida até 15/02/2010. Portanto, qualquer cessação da autorização pela força do cancelamento sempre teria que ser anterior ao termo deste prazo.
Acontece que a Administração nada fez e nenhuma decisão tomou até àquela data. Por conseguinte, assentemos neste primeiro ponto: Não foi cancelada a autorização de residência que o recorrente tinha até 15/02/2010!
.
1.2 - Temos, por outro lado, como certo que a Administração desde Março de 2009 até à data da decisão impugnada foi pedindo elementos ao recorrente, na sequência da comunicação deste, datada de 25/03/2009. Houve, com efeito, uma troca de correspondência entre ele e a Administração no sentido da obtenção de elementos instrutórios. A Administração queria municiar-se do maior número de dados referentes à nova entidade patronal e ao próprio recorrente.
E, neste vaivém de correspondência, a própria Administração avisa o recorrente de que está a aproximar-se o termo do prazo da autorização de residência, sugerindo-lhe as diligências com vista à renovação (facto supra nº 22).
O recorrente formulou o pedido de renovação em 23/02/2010. E foi sobre este pedido que recaiu a decisão objecto do presente recurso. Todavia, apenas datada de 30/07/2013!
Isto é, o facto de não ter o recorrente feito a comunicação a que alude a citada disposição normativa não levou a entidade recorrida a cancelar a autorização de residência.
E, por outro lado, se as renovações são concedidas por período de tempo igual ao da autorização inicial (art. 19º, nº2, cit. Regulamento 3/2005), a verdade é que um novo ciclo de três anos contados de 15/02/2010 terminaria em 15/02/2003. Ou seja, o recorrente acabou por permanecer em Macau pelo mesmo período de tempo que lhe permitiria uma renovação, mesmo sem esta ter sido expressamente concedida.
Claro que se pode dizer que ao pedido de 23/02/2010 se seguiu um indeferimento tácito, uma vez que não foi decidido no prazo legal (art. 102º do CPA). Todavia, nada impedia a Administração de vir a produzir a um acto expresso, mesmo muito para além do prazo de um ano previsto no art. 25º, nº2, al. c), do CPAC, o qual sempre pode ser objecto de recurso contencioso. E pode dizer-se ser este o caso.
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1.3 - Constata-se, por outro lado, que o acto se serviu dos arts. 18º, nº2 e 19º do referido Regulamento para indeferir o pedido de renovação feito em 23/02/2010.
A pergunta que agora se põe é esta: Podia esta decisão servir-se do disposto no art. 18º para o indeferimento? Ao servir-se desse dispositivo legal, será que estava a Administração a cancelar a autorização? Ou devia apenas servir-se do art. 19º, exclusivo da não renovação?
Bem. A questão tríplice merece uma resposta única. Na verdade, o acto limitou-se a indeferir o pedido de renovação de autorização. Simplesmente, também utilizou na sua fundamentação o disposto no art. 18º, porque a falta de comunicação a que alude o nº3 desse artigo serve tanto para as situações de cancelamento, como para as de não renovação. É, pelo menos o que a jurisprudência dos tribunais de Macau implicitamente já reconheceu mais do que uma vez1.
Avancemos, pois, na análise do recurso com este pressuposto: o que se discute é a não renovação da autorização de residência ao recorrente na sequência do pedido apresentado nesse sentido pelo recorrente em 23/02/2010.
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2 – Os vícios do acto
O recorrente invocou os seguintes vícios nas conclusões da petição inicial:
- Vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação;
- Violação dos princípios da proporcionalidade (na alegada vertente da adequação e razoabilidade);
- Violação do princípio da legalidade;
- Violação dos art. 8º, nºs 1 e 2, do CPA;
- Violação do art. 9º, nº2, alínea 1), da Lei nº 4/2013;
Vejamo-los.
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2.1 – Vício de forma
Defende o recorrente que a entidade recorrida não foi clara na fundamentação do acto (cfr. por exemplo, art. 67º da p.i.).
No entanto, como bem afirmam, tanto a entidade recorrida, como o digno magistrado do M.P., o acto é muito explícito acerca das razões do indeferimento, que estão, aliás, contidas na informação e no parecer que o antecedem e de que ele se apropria.
Baseiam-se na circunstância de o recorrente não ter feito a comunicação no prazo de 30 dias a que alude o art. 18º, nº3, do Regulamento nº 3/2005, bem como no facto de a natureza do novo contrato de trabalho celebrado pelo recorrente não corresponder à daquele que fundamentou a autorização de residência inicial.
O recorrente argumentou que não sabe se a decisão se baseia no primeiro ou no segundo dos fundamentos, por não ser clara a intenção dos pareceres que a antecedem. Mas, a verdade é que o acto não estabeleceu uma prioridade, nem uma alternativa dos fundamentos. Foram ambos utilizados em pé de igualdade para justificar o indeferimento. E, tanto quanto nos parece, não precisava ir mais além do que foi. Quer dizer, a partir do momento em que a Administração se serviu desses fundamentos, não mais era preciso sobre eles desenvolver razões, para além das que o acto contém e as normas admitem. Com efeito, a simples objectividade dos factos cabe perfeitamente na previsão tanto do art. 18º, nº3 (falta de comunicação), como na do art. 19º, nº2 (ausência de manutenção dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial).
Ora, porque a clareza desta fundamentação é tão evidente, nenhuma dúvida teve o recorrente em acometê-las, nenhum problema sentiu em impugná-las, nenhuma dificuldade mostrou em imputar-lhe todos os vícios que julgou pertinentes, rechaçando-o em todas as suas possíveis vertentes.
Portanto, o acto cumpriu o dever de fundamentação plasmado nos arts. 114º e 115º, nº1, do CPA.
Improcede, pois, o vício.
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2.2 – Da violação do princípio da proporcionalidade
2.2.1 - Entende o recorrente que o acto viola o princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação e razoabilidade.
Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPA, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
A proporcionalidade, enquanto princípio vazado no art. 5º, nº2, do CPA, acolhe a noção de solução plúrima, isto é, transmite a ideia de que só é desproporcional a medida se outra pudesse ter sido tomada com menor gravame ao interesse privado conflituante, se diferente e com melhor equidade de meios e de resultados pudesse ser a resolução do caso concreto2.
Sobre este princípio, lucubrou o TUI, no seu aresto de 9/05/2012, Proc. nº 13/2012:
“Como refere VITALINO CANAS, o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha. A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio. A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que que se visa?
Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
«A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito»
(…)
DAVID DUARTE35, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos … é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção».
Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA defendendo que «em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiçáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem» (o sublinhado é nosso)» A doutrina costuma dizer que, nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu”3
E terminou o referido acórdão:
“Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é outro, é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários. E não nos parece que assim tenha sido”.
A respeito de situação idêntica, também o TSI4 se pronunciou dizendo:
“A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa (…). O que já não acontece na fixação do prazo da interdição de entrada.
Neste último, a Administração goza do amplo poder discricionário e só está sujeito ao controlo judicial nos casos de erro grosseiro manifesto ou total desrazoabilidade do exercício”.
Ora, no caso dos autos, não cremos que estejamos perante algum erro grosseiro ou ostensivo, enfim, desrazoável por parte da Administração no exercício dos seus poderes discricionários na prática deste acto (cfr. art. 21º, nº1, al. d), do CPAC).
Repare-se que o acto, como se viu, destaca duas razões para o indeferimento. Uma, relacionada com o não cumprimento do prazo de comunicação do art. 18º, nº3, do Regulamento nº 3/2005; outra, relacionada como a natureza das novas funções do recorrente. E ambas são verdadeiras e permitiam a decisão que viria a ser tomada.
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2.2.2 - Quanto à primeira, não há dúvida que o recorrente não cumpriu o facto objectivo que a lei impõe no art. 18º, nº3 do Regulamento Administrativo.
É certo que ele afirma que tentou agendar uma reunião com a sua entidade patronal anterior no sentido de “esclarecer os motivos da cessação do contrato” e que ela foi marcada para o final de Fevereiro de 2009 (cfr. arts. 9º e 10º da petição inicial). Ora, saber os motivos da cessação da relação contratual é diferente de tentar obter uma renovação do contrato. Porque uma coisa parece certa: o recorrente teve conhecimento de que o seu contrato terminaria em 31 de Janeiro de 2009, como ele próprio confessa (art. 8º da p.i.). Portanto, estava ciente de que essa relação laboral tinha atingido o seu termo. E isso era, portanto, uma “extinção do fundamento” que tinha levado inicialmente à autorização de residência.
Mesmo que ele tentasse reacender ou retomar a relação, a verdade é que isso já não o dispensava de fazer a comunicação e através dela deveria advertir a Administração que estava em negociações com vista a retomar a relação já finda. Por certo a Administração aceitaria a posição do recorrente e lhe daria prazo para concluir as negociações ao abrigo do art. 18º, nº2, do Regulamento.
Mas isso não o fez o recorrente, tendo antes deixado passar o prazo de trinta dias a que se refere o nº3 do mesmo artigo. Isto significa que nem mesmo os factos constantes do art. 12º a 13º da p.i (ver factos provados com a mesma numeração) servem de justificação para a sua relapsia, para a omissão do seu dever de cuidado. O não cumprimento do dever apenas a si é inteiramente devido.
E a verdade é que as razões que o recorrente nos traz nos artigos 12º e 13º acima referidos não podem constituir uma justa causa. Uma justa causa será, por exemplo, a alegação de um impedimento pessoal, de uma situação que, objectiva ou subjectivamente, obsta ao cumprimento do dever (v.g., a retenção da pessoa no leito por doença; o alegado e provado abalo psicológico provocado pela morte de um familiar muito próximo, etc).
As razões, porém, avançadas pelo recorrente não podiam de maneira nenhuma salvá-lo daquele dever.
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2.2.3 - Quanto à segunda, não vemos que a Administração tenha que ficar amarrada para todo o sempre a uma decisão de deferimento inicial se as circunstâncias pessoais ou profissionais do interessado se vierem a alterar entretanto. Podem, efectivamente, as razões de “particular interesse” para a RAEM (art. 1º, al. 3), do citado Regulamento) que levaram ao deferimento inicial da autorização de residência ter desaparecido face à alteração da situação do requerente. A análise da manutenção desse interesse cabe, obviamente, à Administração no quadro da sua discricionariedade, que, atento o princípio da separação de poderes que caracteriza o sistema jurídico/constitucional da RAEM, ao tribunal não cabe sindicar, salvo em casos de manifesto e ostensivo erro. O que não é o caso.
E não é, porque uma contratação para o ensino, treino ou fomento de uma actividade desportiva, como é o caso específico do F em campo, pode ser particularmente interessante para a RAEM Macau, carente em actividades desportivas que irradiem o nome de Macau em termos regionais ou internacionais, circunstância que não é necessariamente extensível à segunda e actual profissão exercida pelo recorrente.
Ou seja, não é absurdo, despropositado, nem desrazoável que a Administração tenha perdido o interesse em manter a este cidadão estrangeiro a residência temporária que outrora tenha concedido.
Dito por outras palavras, o interesse privado do recorrente, mesmo sendo legítimo, pode ceder em face do interesse público da RAEM em termos adequados e proporcionais aos objectivos públicos que Macau pretende realizar, em que avultam o da protecção dos residentes permanentes no emprego ou o da manutenção da qualidade de vida e de dignidade dos cidadãos residentes, etc., o que passa, decerto, por lhes proporcionar as condições para a realização de objectivos pessoais e profissionais.
A Administração, no exercício dos seus poderes discricionários, exerceu o poder e a liberdade de escolher, de entre uma série de soluções possíveis, aquela que lhe pareceu melhor para o caso concreto, a fim de satisfazer a necessidade e o interesse público legalmente previstos. E nesse concreto exercício de poderes discricionários não vislumbramos qualquer erro manifesto ou total desrazoabilidade ou violação do princípio da proporcionalidade.
Improcede, pois, o vício.
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2.3 – Violação do princípio da legalidade
A invocação deste princípio não está muito clara, mas ainda assim sempre diremos que ele basicamente significa que a Administração está subjugada ao império da lei, ao direito instituído. É um princípio estruturante da própria sociedade de direito mas que, aqui, se liga com a actividade da Administração na sua relação com os particulares.
Mas, como é evidente, quando a Administração desconsidera uma norma concreta ou a sua auto-vinculação, o vício de violação de lei não procede porque se ofendeu este art. 3º do CPA, mas sim porque se violou uma norma precisa. Por isso se diz que este princípio é programático e representa o pano de fundo em que toda a Administração se há-de mover.
E quando o art. 3º se refere à obediência à lei (primado da lei e reserva da lei) e ao direito está agora não só a referir-se à norma estrita (sentido formal), mas também a um sentido material e a todo um bloco de legalidade que se espalha pela Lei Básica, pelas leis e decretos-lei, pelos regulamentos, convenções internacionais, contratos administrativos, e até mesmo pelos princípios gerais de direito administrativo.
Sendo a actividade em causa meramente discricionária, não se vê que na análise que até este momento fizemos este princípio tenha sido ofendido.
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2.4 - Violação dos art. 8º, nºs 1 e 2, do CPA (conclusão 5ª)
2.4.1 - Descobre no acto o recorrente a violação do art. 8º, nºs 1 e 2, do CPA. E isto por achar que a Administração o fez acreditar numa decisão favorável, criando nele a expectativa e fundada esperança em probabilidades razoáveis. A razão desta invocação está na circunstância de a Administração lhe ter ido fazendo perguntas e pedidos para a junção de elementos referentes ao seu novo emprego, a que ele ia prontamente dando satisfação.
Está, desta maneira, lançada a discussão sobre o princípio da boa fé (ver arts. 71º a 77º, 85º, da p.i.).
O princípio da boa fé, plasmado no art. 8º do CPA, significa que devem ser considerados os valores fundamentais do direito relevantes em cada caso concreto, em face da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (nº2, al. a)), ou em face do objectivo a alcançar com a actuação empreendida (al. b)).
Existe um padrão objectivo e de ética, embora variável em razão da latitude do lugar, dos valores acolhidos em cada comunidade e em cada sociedade, que implica que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas quando entra em relação com outra.
Do ponto de vista subjectivo ou psicológico, a boa fé recolhe dados do próprio indivíduo, quer quando ele age determinado por uma convicção e estado de espírito conforme o direito, quer quando ele, sendo o destinatário da acção da outra parte (Administração), espera desta uma actuação em conformidade com anteriores comportamentos.
A nossa lei parece ter recebido a influência doutrinária mais favorável a uma boa fé predominantemente objectiva, que leve a inculcar a violação do princípio quando a actuação no caso fira a confiança que a outra parte legitimamente depositou num resultado diferente e quando se deva ter em conta o objectivo a alcançar com a referida actuação. É que, mesmo no caso da alínea a), o pendor subjectivo da convicção do indivíduo há-de derivar de uma prática (ou não prática) anterior que, sem grande risco de variações de entendimento de pessoa para pessoa, portanto, objectivamente, induza ou permita inferir uma atitude posterior conforme a convicção formada.
Mas, independentemente do peso da influência objectiva ou subjectiva da carga, a verdade é que nem toda a atitude da Administração (se é dela que parte a actuação anterior) pode levar a uma invalidação do acto administrativo praticado, eventualmente contrário à confiança depositada na contra-parte.
Ora, nós temos aceitado que a invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada5.
Porém, conforme se adivinha, essa é a confiança tutelável, a confiança juridicamente relevante, e nem toda a confiança reúne essas qualidades.
Por exemplo, dificilmente se aceitará que, num quadro de actuação discricionária, a Administração tenha agido invariavelmente num certo sentido, e depois mude o rumo da sua posição no caso concreto. Para além de feridas que essa atitude posterior possa abrir no campo da desigualdade, o mais certo é que a expectativa do particular seja relevante no sentido de fazer confiar na prática de uma decisão igual àquela que, para casos iguais, sempre ela tiver tomado anteriormente.
Da mesma maneira, se no quadro de uma informação prévia tutelável, a Administração esclarece que o interessado pode construir num determinado local, levando-o, em face disso, a negociar a aquisição do terreno, cremos estar ante a violação do princípio se, confiando na informação favorável, apresenta um projecto de construção que vem a ser indeferido por não ser do interesse, nem da conveniência da RAEM6 a construção naquele local.
Diferente já nos parece ser o caso, se o particular - sem saber qual a posição da Administração em casos semelhantes, e sem ter sido levado a confiar, por comportamentos anteriores tidos directamente consigo – formula um pedido e, pela atitude daquela, fica a admitir que a decisão lhe irá ser favorável.
Este exemplo ajusta-se ao caso vertente. A Administração soube que o recorrente não fez a comunicação no prazo de 30 dias. Podia, logo, proceder como o permite o nº4, do art. 18º do Regulamento nº 3/2005. Não o fez, porém, imediatamente.
A pergunta que se impõe é: o facto de não ter agido imediatamente é bastante para ficar impedida de agir mais tarde no mesmo sentido? Pode o particular opor a essa decisão tardia o princípio da boa fé, com o argumento de que já não contava com ela?
Parece-nos que não. A lei não estabelece um prazo para agir desfavoravelmente contra o particular nesse caso. Repare-se que a sua actuação aí seria oficiosa; e para esse exercício dos poderes não há prazo para abertura do procedimento administrativo ou para a sua conclusão. Mesmo quando o Código de Procedimento Administrativo lhe impõe o dever de celeridade (arts. 12º e 60º), a verdade é que são princípios programáticos que não devem gerar desvalores jurídicos que possam ser invocados pelos interessados quando os atrasos acabem por lhes ser favoráveis. Tal como aqui aconteceu, de resto.
Portanto, a circunstância de nada a Administração ter decidido logo que teve conhecimento da falta de comunicação não produz violação do princípio da boa fé.
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2.4.2 - O mesmo se diz quanto ao 2º fundamento do acto relacionado com a natureza do novo contrato. A Administração podia, logo que soube do caso, accionar os seus poderes administrativos discricionários de cancelar a autorização anterior e não a renovar.
Efectivamente, a situação do recorrente era nova e diferente da que esteve na base da autorização de residência concedida em 9/03/2007. Diferente em vários aspectos, não só no salário auferido pelo interessado, como nas próprias funções a desempenhar para esta nova entidade patronal. Nesse caso, a renovação já nunca assentaria na manutenção dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial (cfr. art. 19º, nº2, do Regulamento). Estamos até em crer que, uma vez cancelada a autorização anterior, nem sequer estaríamos então perante uma situação de renovação, mas sim e diferentemente ante um quadro de facto que importaria um novo pedido de autorização de residência, que, a ser deferido, não teria o valor de uma renovação, mas de uma nova autorização diferente da anterior.
Ora, como íamos dizendo, podendo a Administração agir desde logo, não o fez e, em vez disso, foi pedindo durante muitos meses novos elementos. Eram elementos instrutórios que a ajudariam a formar a decisão. Ou seja, esse arrastamento do procedimento nunca poderia servir para levar a pensar que lhe iria ser deferido o pedido. Não era possível que ele pensasse isso, se a Administração se limitou a observar os princípios do inquisitivo e da colaboração, porventura em excesso de tempo. O que não podia era o recorrente pensar que essa dilação era já um “sinal” positivo, o prenúncio de uma decisão favorável futura.
Ou seja, se através de comportamentos anteriores a Administração nunca propiciou alguma vez pensar que este caso haveria de ter a decisão que o recorrente desejasse ter, não se poderia ele surpreender se a decisão viesse, como veio, a ser efectivamente diferente.
E se assim é, não podemos, sequer, falar em expectativa fundada. A Administração demorou a decidir, porque foi pedindo elementos que posteriormente serviram de contributo para o acto. Só isso!
Nesta situação, estamos com M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim, quando afirmam que, até mesmo nos casos em que é a Administração a levar o particular a confiar na prática (ou não prática) ou no conteúdo do acto que depois não praticou (ou praticou), não se está perante uma invalidade fundada no invocado princípio, a não ser nos casos em que lei, ou a natureza do acto, impuserem a vinculatividade jurídico-administrativa da expectativa criada7.
Para dizer, enfim, que por esta razão o vício não pode proceder.
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2.5 - Violação do art. 9º, nº2, alínea 1), da Lei nº 4/2013
Avista, ainda, o recorrente a violação da norma em epígrafe.
Esta disposição reza assim:
«2. Para efeitos de concessão de autorização de residência referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4º da presente lei;».
Ora, nós não vemos, sinceramente, em que medida o acto tenha ofendido aquela norma. Pelo contrário, mesmo que ela não tenha sido invocada no acto, a verdade é que, agora que o recorrente a ela apela, até se pode dizer que está “comprovado o incumprimento das leis da RAEM”, já que não comunicou a cessação do seu anterior contrato, conforme lho impunha o art. 18º, nº3, do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Improcede, pois, este vício.
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2.6 – Vício inominado (ainda falta de fundamentação?)
2.6.1 - Tanto na petição, como nas alegações facultativas o recorrente insiste na ausência de ponderação de certos elementos fornecidos pelo recorrente. Não é muito perceptível o alcance dessa invocação, e isso coloca ao tribunal a dificuldade de saber como analisar o assunto. Mas, ainda assim, tentemos compreender o alcance da arguição.
Cremos poder dizer que para o recorrente o acto administrativo (e, bem assim, os pareceres de que se serviu) não fez a análise de todos os argumentos que ele forneceu na audiência prévia.
Como já vimos, em relação aos dois principais factores/pressupostos da decisão (não comunicação no prazo da alteração da cessação da situação profissional e dissemelhança na natureza do segundo emprego em relação ao primeiro) não se vê que outra ponderação devesse ser feita. Efectivamente, fez a consideração que havia a fazer perante os dados objectivos de que dispunha.
E o que dizer, agora, quanto aos dois fundamentos que o recorrente invocou na audiência de interessados, a saber, a alegada justificação para a não atempada comunicação e a situação familiar do seu agregado?
Bem. O problema que se põe é o seguinte:
Toda a gente sabe qual o papel da audiência de interessados no seio do procedimento e dos objectivos a que ela tende, em especial nos casos de administração discricionária. Ela tem um relevo fundamental, se pensarmos no importante ou decisivo contributo que o particular pode desempenhar acerca de uma decisão administrativa que se espera seja a mais acertada de todos os pontos de vista, podendo fazer levar a Administração a mudar de posição em relação à projectada decisão. A formalidade mostra-se imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto8. Por isso, já toda a gente sabe que ela é formalidade essencial nessas hipóteses9.
Em rigor, o que emerge desta formalidade é já a manifestação de um verdadeiro princípio do contraditório que assegure uma discussão plena do assunto através de um procedimento imparcial e público e que ponha em confronto os critérios defendidos pelos vários interessados, frequentemente com interesses contraditórios e concorrenciais. O que também representa a exigência de um direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas. Um verdadeiro direito de participação, aqui na expressão mais significativa de um modelo de participação procedimental.
Esta participação, com um figurino deste género, visa a salvaguarda das garantias dos particulares permitindo-lhes o exercício de uma verdadeira contradição. É, precisamente, esta marca de um contraditório útil que reflecte um novo modelo organizativo da Administração e que se pode exprimir com este pensamento: a Administração não deve apenas deixar “falar” os distintos sujeitos intervenientes no procedimento, deve também “escutá-los”. Isto significa equacionar e ponderar os valores e interesses em jogo e, por fim, adoptar uma decisão equilibrada, racional e válida.
Portanto, se o contraditório representa a institucionalização de um direito, a sua utilidade prefigura o pano de fundo ou o denominador comum que densifica a sua substancialização.
Por isso, sempre vale a pena perguntar:
Quando a Administração observa o dever de realizar a audiência prévia, que importância lhe deve dar?
Poderá fazer como no provérbio “A palavras loucas, orelhas moucas”? Será possível que a Administração não dê importância ao que foi dito pelo interessado, não se manifestando sobre as razões por ele invocadas nessa peça essencial, não lhes fazendo sequer referência?
Como saber se a Administração tomou em consideração as palavras de defesa do interessado no apelo que lhe dirigiu, se na decisão lhe não é feita a menor menção?!
Bem. Em nossa opinião, o silêncio da Administração a respeito dos argumentos vertidos na audiência prévia não é admissível, sob pena de sobranceira e intolerável indiferença. Parecem-nos avisadas e sensatas as palavras de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim «O direito de audiência é também, sob pena de se lhe retirar grande parte do seu significado prático, o direito a ver ponderadas na decisão final as razões, a “causa de pedir”, suscitadas por cada interessado e contra-interessado. Nem que seja para as repudiar”10.
Como proclama também Agustín Gordillo, o direito a ser ouvido e a uma decisão fundamentada pressupõe, entre o mais, a “consideração expressa dos seus argumentos e das suas questões propostas”11.
Ouvir sem ponderar é o mesmo que fazer tábua rasa do que se ouviu e, nesse sentido, é quase mais acintoso e ruim que não ouvir, porque manifesta um desprezo absoluto pelas posições do particular, por mais ou menos respeitáveis que sejam. Por isso, a melhor jurisprudência propende a pensar que o acto deve levar em conta os argumentos trazidos pelo interessado, fazendo-lhe expressa alusão, mesmo para os rebater12. A ideia é, portanto, a da necessidade de análise expressa, mesmo que não necessariamente na minúcia e no detalhe, ponto por ponto, visto que neste âmbito não vigoram, como sucede, por exemplo, no processo civil, regras de impugnação especificada ou cominações para a omissão de pronúncia13.
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2.6.2 - Então, o que dizer do caso em apreço?
No caso vertente, os pareceres que antecederam o acto pronunciaram-se sobre o fundamento principal invocado pelo recorrente na sua audiência prévia a respeito das razões pelas quais não fez logo a comunicação referida no art. 18º, nº3 citado, considerando expressamente que elas não abonam a omissão verificada e que só revelam um “problema do requerente em mal organizar o seu tempo”. Quer dizer, o acto não as aceitou como fonte justificativa da omissão. O mesmo é dizer que não as relevou como “justa causa” para a não observância da comunicação. Foi, portanto, ponderada esta questão.
E quanto às circunstâncias do agregado?
Bem, o parecer de 21/05/2013 fez um resumo das questões suscitadas pelo recorrente ao abrigo da sua audiência prévia e não deixou de incluir a expressa alusão à alegada integração do requerente e seus familiares na comunidade de Macau (fls. 18 do apenso “traduções”). Isto significa que essa questão não foi esquecida ou desprezada. Ainda que não tenha sido levada à fundamentação do conteúdo opinativo propriamente dito do parecer, tem que se entender, neste caso, que a Administração ponderou o assunto, embora não o tivesse admitido relevante face aos argumentos que aduziu em prol da decisão de indeferimento da renovação. Não se esqueça que a Administração, no tocante à consideração da audiência prévia, não tem, como se viu, que fazer uma análise exaustiva, ponto por ponto, sobre os fundamentos invocados pelo interessado.
Deste modo, não nos parecendo ter havido desconsideração deste argumento, não pode o acto ser invalidado.
***
V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
- Julgar improcedente o recurso, mantendo o acto impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 4 UC.
TSI, 05 de Junho de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho





1 Ac.s do TUI, de 6/04/2001, Proc. nº 55/2010; TSI, de 21/07/2011, Proc. nº 738/2009; TSI, de 7/02/2013, Proc. nº 579/2011;
2 Ac. TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 569/2011.
3 Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo Administrativo anotado, pags. 1904/105.
4 Ac. TSI, de 7/12/2011, Proc. nº 346/2012. Ver ainda Ac. deste TSI de 31/03/2011, Proc. nº 209/2007 e de 24/05/2005, Proc. nº 234/2003(N).
5 Ac. TSI, de 31/03/2011, Proc. nº 693/2010.
6 Diferente seria se o indeferimento se baseasse em critérios de actuação vinculada à lei.
7 Código de Procedimento Administrativo 2ª ed., pág. 114
8 V.g., Ac. TSI, de 6/03/2014, Proc. nº 978/2012.
9 V.g., Ac. TUI, de 25/07/2012, Proc. nº 50/2012, entre tantos.
10 Código de Procedimento Administrativo 2ª ed., pág.449; tb. Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, in Lei Geral Tributária, anotada, 4ª ed., 2012, pág. 513.
11 Tratado de Derecho Administrativo, tomo 2, 9ª ed., IX-20-21.
12 Na Jurisprudência comparada, ver Acórdãos do STA, de 9/06/2009, Proc. nº 0330/10 e de 24/10/2012, Proc. nº 0548/12, que sustentam a invalidade do acto por insuficiência instrutória ou por desconsideração dos interesses dos visados ou dos factos por eles invocados na audiência prévia.
13 Ac. STA, de 10/03/2011, Proc. nº 027/11. Já não acolhemos de bom grado a ideia vertida no Ac. do STA de 9/03/2000, no Proc. nº 044231, segundo a qual a autoridade administrativa não está obrigada a rebater os argumentos aduzidos pelo interessado em sede de audiência prévia, por a fundamentação se satisfazer com a indicação, no próprio acto, das razões pelas quais se decide com um determinado sentido e conteúdo.
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