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Reclamação nº 4/2014


I – Relatório

No âmbito dos autos de execução sumária de sentença, registada sob o nº PC1-12-0420-COP-A, que correm os seus termos no Juízo de Pequenas Causas Cíveis do Tribunal Judicial de Base, de que é exequente A e executados B e C, estes, executados, mediante um mesmo requerimento, requereram a suspensão da instância, deduziram embargos à execução e opuseram à penhora.

Por despacho datado de 11FEVE2014 da Exmª Juiz titular do processo, foram indeferida o requerimento de suspensão da instância, rejeitados os embargos de executado e julgada manifestamente improcedente a oposição à penhora.

Inconformados os executados-embargantes, desse despacho vieram interpor recurso ordinário para esta 2ª instância.

Por despacho da Exmª Juiz a quo, não foi admitido o recurso com fundamento na inferioridade do valor da causa à alçada dos tribunais de primeira instância.

Notificada do despacho que não admitiu o recurso por eles interposto, vem, nos termos do artº 595º/1 do CPC formular a presente reclamação dizendo que:

1°.
Ressalvado o mui devido respeito que nos merece, crê-mos estar o Douto Tribunal a quo equivocado na decisão ora reclamada, pelo que importa fazer uma breve resenha dos factos.
2°.
No âmbito da Acção Sumária de Execução que corre termos no Tribunal a quo sob o n.º PC1-12-0420-COP-A, vieram os ora Reclamantes deduzir Embargos de Executado e Oposição à Penhora, atribuindo aos mesmos o valor de MOP$95.075,17 (noventa e cinco mil e setenta e cinco patacas e dezassete avos).
3°.
O Douto Tribunal a quo decidiu rejeitar os Embargos de Executado e a Oposição à Penhora deduzidos pelos Reclamantes. (cfr. fls. 27 a 28 dos Embargos sob o n.º PCl-12-0420-COP-B).
4°.
Na medida em que entenderam existir obscuridades, bem como omissão de pronúncia acerca de factos alegados, os Reclamantes requereram a aclaração da supra-referida decisão, pedido esse que foi julgado improcedente pelo douto Tribunal a quo.
5°.
Assim, por não se conformarem com a rejeição dos Embargos de Executado e da Oposição à Penhora, vieram os Reclamantes interpor recurso ordinário do despacho do Douto Tribunal a quo.
6°.
por fim, veio o Douto Tribunal a quo a não admitir o recurso dos Reclamantes alicerçando-se no entendimento de que "o valor de interesse da causa não ultrapassa a alçada da primeira instância", pois a esse propósito considerou, sucintamente, o seguinte:
a. "Os Embargos (no Processo de Execução) e a Oposição à Penhora têm a finalidade de encerrar o Processo de Execução que está a correr."
b. "Por isso, o valor de interesse deve ser composto pelo valor da execução e o valor dos bens penhorados."
c. "O valor no processo sumário de execução PC1-12-0420-COP-A que está a correr é de MOP$35.917,00, isto é, o valor de interesse deste processo de execução não irá ultrapassar MOP$35.917,00.".
7°.
Ora, é precisamente com tal delimitação do valor atribuído aos Embargos de Executado e Oposição à Penhora que os ora Reclamantes não se podem conformar, porquanto, ressalvado o mui devido respeito, parece o Douto Tribunal a quo estar equivocado, tanto no que concerne ao raciocínio elaborado quanto aos factos em apreço, como na integração de direito que faz dos mesmos.
Vejamos,
8°.
Determinam o n.º 1 do art.° 247.° que "A toda a causa é atribuído um valor certo, expresso em moeda com curso legal em Macau, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido" e n.º 2 do art.° 247.° CPC que "Ao valor da causa se atende para determinar a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.".
9º.
Atento o facto de terem os Reclamantes determinado que o valor dos Embargos de Executado, pela forma como foram por si configurados e aos factos a que reportam, é de MOP$95.075,17,dúvidas não restam que tal valor é superior ao valor da alçada do Tribunal Judicial de Base, logo, sendo as decisões ali proferidas passíveis de Recurso nos demais termos legais.
10°.
Aliás, sublinhe-se, fundando-se os Embargos de Executado numa questão prejudicial - i.e., o decurso de uma acção judicial que foi intentada em 20 de Junho de 2013 contra a Embargada - o valor atribuído aos Embargos, em 27 de Janeiro de 2014, pelos ora Reclamantes, foi exactamente igual ao valor da referida acção judicial.
11°.
Ademais, mesmo que o valor atribuído pelos Embargantes tivesse porventura sido manifestamente exagerado, o que apenas se concede a título meramente exemplificativo, só depois de aceites os Embargos de Executado e de contraditada e apreciada a matéria factual ali exposta, poderia vir o Douto Tribunal a quo efectuar um eventual reajustamento - ampliação ou redução - ao valor dos mesmos (cfr. n.ºs 1, 2 e 4 do art.° 256.° e n.ºs 1 e 2 do art.º 257.° todos do CPC).
12°.
É que, mesmo no que diz respeito ao valor dos incidentes e dos procedimentos cautelares, determina o n.º 1 do art.° 255.° CPC que "O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso da causa ..." (sublinhado nosso).
13°.
Ora, mesmo que se entenda serem os Embargos de Executado uma espécie de incidente da instância, ainda assim, in casu, só seria possível ao Douto Tribunal a quo determinar o real valor dos embargos numa fase posterior, i.e. após aceites os Embargos de Executado e de contraditada e apreciada a matéria factual ali exposta.
Mais,
14°.
Face à característica eminentemente declarativa de que se reveste o apenso referente aos Embargos de Executado no Processo de Execução, a rejeição da petição de embargos, mutatis mutandis, não se afigura diferente de um indeferimento liminar em acção declarativa.
15°.
Dizer-se, então, como parece fazer crer o Douto Tribunal a quo, que dessa rejeição / indeferimento liminar, não cabe recurso ordinário, porquanto o valor da causa não excede a alçada do Tribunal Judicial de Base, traduzir-se-ia:
a. numa manifesta violação do disposto no n.º 1 do art.° 395.° CPC quanto às acções declarativas; ou
b. num verdadeiro e intransponível poder discricionário por parte dos Tribunais, no sentido de decidir pela apreciação, ou não, dos Embargos de Executado em sede de Processo de Execução cujo valor se encontrasse compreendido na alçada do Tribunal de primeira instância, o que redundaria, ressalvado o mui devido respeito, numa incomportável e incompreensível denegação de justiça.
Por fim,
16°.
Por mera cautela de patrocínio e amor a um raciocínio lógico, não podemos ignorar o disposto no n.º 1 do art.° 583.° CPC que,
17°.
mesmo estabelecendo limites à possibilidade de recurso em função do valor da causa e ao da alçada dos Tribunais, no sentido de, entre outros, obstar ao dispêndio de energias por parte dos órgãos judiciais com meras "bagatelas" civis;
18°.
ainda assim, acautela a possibilidade de recurso com referência a outros factores - i.e. o valor da sucumbência - no intuito de obstar, tanto quanto foi possível ao legislador prever, à existência de decisões que se traduzam numa verdadeira denegação de justiça.
19°.
Nesta senda, tendo os ora Reclamantes atribuído aos Embargos de Executado e Oposição à Penhora um valor de MOP$95.075,17 e tendo o douto Tribunal a quo rejeitado os mesmos com o fundamento que o "valor de interesse deste processo de execução não irá ultrapassar MOP$35.917,00";
20°.
ter-se-á de concordar que a rejeição dos Embargos de Executado e Oposição à Penhora representa, em última ratio, que os então Embargantes foram impedidos de ver um seu interesse, legítimo e digno de tutela jurídica, apreciado pelo Douto Tribunal;
21°.
o que, de certa forma, poderá ser equiparado e, de certa forma, análogo a terem sido vencidos em MOP$35.917,00 - i.e., uma espécie de sucumbência-;
22°.
e dúvidas não podem restar que, MOP$35.917,00 equivalem a mais de metade do valor da alçada dos Tribunais de primeira instância;
23°.
logo, sendo recorrível a decisão de rejeição dos Embargos de Executado e Oposição à Penhora.
24°.
Mas, mesmo se dúvidas houvesse quanto ao valor dessa, diga-se, atípica sucumbência, determina ainda o referido preceito legal que, neste caso, se atende ao valor da causa;
25°.
ou seja, ao valor que foi atribuído aos Embargos de Executado e Oposição à Penhora pelos então Embargantes - MOP$95.075,17- isto é, relembre-se, o exacto valor da acção judicial intentada a 20 de Junho de 2013 e que surge, 6 meses depois - 27 de Janeiro de 2014 - como questão prejudicial onde se fundam os referidos Embargos;
26°.
pelo que, independentemente da perspectiva da análise jurídica, sempre se chegaria à mesma conclusão;
27°.
isto é: a recorribilidade da decisão de rejeição dos Embargos de Executado e Oposição à Penhora e a decorrente aceitação pelo douto Tribunal a quo do recurso interposto.

Nestes termos e sempre com o Mui Douto Suprimento de v. Exa., se requer seja julgada procedente a presente reclamação, admitindo-se o recurso ordinário interposto pelos ora reclamantes.

II – Fundamentação

Passemos então a apreciar a reclamação.
Ora, a boa decisão da presente reclamação pressupõe necessariamente o apuramento do valor da execução, dos embargos de executado e da oposição à penhora.

Então vamos averiguar qual deve ser esse valor.

Como se sabe, os embargos de executado e a oposição à penhora, são incidentes processuais, pois ambos pressupõem a existência de uma causa principal, isto é, a acção executiva, carecem de autonomia processual e têm fins limitados – nesse sentido vide Eurico Lopes-Cardoso, in Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, pág. 14.

A propósito do valor dos incidentes, reza o artº 255º/1 do CPC que “o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa”.

In casu, a presente acção executiva funda-se numa sentença proferida pelo Juízo de Pequenas Causas Cíveis do Tribunal Judicial de Base, nos termos da qual os ora reclamantes foram condenados a pagar à exequente, ora reclamada, o valor de MOP$22.660,00, com juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

Ou seja, na presente execução pretende-se obter uma quantia certa em dinheiro.

De acordo com os critérios gerais para a fixação do valor da causa consagrados no artº 248º do CPC, nas acções em que se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, o valor da causa é igual a essa quantia, não susceptível de impugnação nem de acordo em contrário.

Assim, o valor da causa da execução é necessariamente MOP$22.660,00, com juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

Tendo em conta a função meramente defensiva dos embargos de executado, os embargos de executado não pode ter valor diverso do da execução, uma vez que a utilidade económica que os executados, ora reclamantes, pretendem acautelar com os embargos é precisamente a utilidade económica que a exequente pretende obter com a acção executiva.

Ou seja, para a exequente, a execução que intentou visa obter o pagamento da dívida exequenda.

E para os executados, os embargos que deduziram visam evitar o perdimento da quantia em dinheiro igual à dívida exequenda.

Assim, é totalmente inócua a atribuição do valor da causa em MOP$95.075,17, unilateralmente fixado pelos executados, ora reclamantes, aos embargos de executado, uma vez que a tal atribuição não pode ter a virtualidade de alterar o valor da causa determinado ao abrigo do disposto do acima citado artº 248º do CPC, à luz do qual não é atendível impugnação nem acordo em contrário sobre o valor da causa que é igual à quantia da dívida exequenda.

Quanto à oposição à penhora, o incidente não pode deixar de ter o mesmo valor igual à quantia da dívida, pois, tendo em conta os termos da petição inicial da execução, o objecto da penhora é quaisquer depósitos bancários que os executados sejam titulares junto das instituições bancárias indicadas na petição em quantia exequenda.

Isto é, com a oposição à penhora, a utilidade económica que os executados pretendem acautelar é igual à utilidade económica da execução, que é precisamente MOP$22.660,00, com juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

Pelas mesmas razões que vimos supra, é também totalmente inócua a atribuição do valor da causa em MOP$95.075,17, unilateralmente fixado pelos executados, ora reclamantes ao incidente da oposição à penhora.

De acordo com o alegado pelos executados, ora reclamantes, no pedido de prestação de caução, assim como o valor confirmado pelo Tribunal a quo, o valor da soma da dívida exequenda em si e os juros legais de mora entretanto vencidos e vincendos não irá ultrapassar MOP$35.917,00.

Ou seja, dentro da alçada dos tribunais de primeira instância que é MOP$50.000,00 – artº 18º/1 da LBOJM.

Pelo exposto, bem andou a Exmª Juiz a quo ao não admitir o recurso interposto pelos executados, ora reclamantes, do seu despacho que indeferiu o requerimento da suspensão da instância, rejeitou os embargos de executado e julgou improcedente a oposição à penhora, por o valor da execução e dos incidentes ser inferior à alçada dos tribunais de primeira instância.

Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

São bastantes as razões acima expostas, cremos nós, para que indefiramos, como indeferimos, a reclamação deduzida, confirmando na íntegra o despacho reclamado.

Custas pelos reclamantes.

Fixo a taxa de justiça em 1/4.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC:

RAEM, 09JUN2014


O presidente do TSI


Lai Kin Hong


Recl. 4/2014-10