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Processo nº 152/2013
(Autos de Recurso Contencioso)

ASSUNTO:
- Dever de fundamentação
- Erro no pressuposto de facto

SUMÁRIO:
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir numa mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA).
- Tendo a Administração invocado vários fundamentos de facto para a decisão e não se sabendo o peso de cada um deles na decisão, a não verificação de um deles determina a anulação do acto.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 152/2013
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 05 de Junho de 2014
Recorrente: A – Companhia de Construção e de Engenharia Limitada
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A – Companhia de Construção e de Engenharia Limitada, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 18/01/2013, que indeferiu o pedido de renovação da licença de ocupação temporária, concluíndo que:
1. O objecto do presente recurso constitui acto administrativo, susceptível de impugnação contenciosa imediata, uma vez que é acto administrativo verticalmente definitivo;
2. O recurso é tempestivo, o Tribunal é o competente e as partes dispõem de legitimidade processual;
3. O acto recorrido estava sujeito ao dever de fundamentação, dado que se trata de decisão contrária à pretensão formulada pela Recorrente;
4. A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto;
5. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto;
6. A fundamentação diz-se obscura, quando não permite apurar o sentido das razões invocadas ou a ligação existente entre elas;
7. A fundamentação da decisão recorrida, no que respeita a um dos seus segmentos, é obscura porque não esclarece a razão por que orelatário de impacte ambiental não chegou a ser aceite ou aprovado, sendo que a Recorrente nunca chegou a ser informada dessas;
8. Com a fundamentação usada foi violada a norma do artigo 115.º/2 do CPA, sendo, por isso, anulável o acto recorrido, nos termos do artigo 124.º do CPA;
9. O acto recorrido padece ainda do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de factos;
10. Este vício existe sempre que em causa esteja a realidade ou a exactidão dos pressupostos ou dos factos, ou porque se escolhem factos que não existem, ou porque não se considera factos existentes, ou ainda porque se faz uma errada avaliação ou apreciação dos mesmos;
11. Não corresponde à verdade a afirmação de que a Recorrente não tinha motivação para recomeçar a exploração da actividade de produção de cimento, dado que esta é uma das actividades principais da Recorrente, tendo investido avultadas somas pecuniárias na aquisição do equipamento adequado para o efeito e na sua instalação no lote;
12. A actividade de produção, sendo uma actividade comercial da Recorrente, não estando à observância de quantidades mínimas e dependia essencialmente das condições do mercado;
13. A grave crise no sector da construção civil, resultante da crise financeira global, e também uma avaria verificada na máquina de produção de cimento, forçou a Recorrente à necessidade de suspender a produção de cimento;
14. A Recorrente sempre pretendeu reiniciar a produção de cimento e só não o fez em virtude de um conjunto de dificuldades que a tem impossibilitado, nomeadamente, o facto de as últimas LOTs terem sido renovadas a escassos meses do termo da sua validade, o que impede a Recorrente de obter em tempo útil a licença industrial, necessária para o recomeço da referida actividade e não lhe dá a segurança necessária para fazer as avultadas despesas que tem que fazer para reparar e/ ou substituir parte das peças do equipamento, para o voltar a pôr em funcionamento, e ainda dificuldades que se prendem com o facto de a Recorrente não ter obtido ainda o número suficiente de clientes que justifique tal produção, mas que obterá a partir do momento em que inicie a produção;
15. A Recorrente não pode iniciar a produção de cimento sem a licença industrial respectiva e não consegue obter esta licença sem a LOT;
16. As dificuldades resultantes das renovações tardas das LOTs, no que respeita ao processo do licenciamento industrial, deram origem a intervenções da DSE e do SEF na tentativa da resolução destes problemas, o que nunca foi conseguido;
17. A entidade recorrida bastou-se com a mera afirmação, inúmeras vezes repedida, de que falta ao Recorrente a motivação necessária para reiniciar o processo de produção de cimento, sem, no entanto proceder à sua comprovação em termos objectivos dessa sua impressão, para o que bastava dar um prazo razoável para o efeito, como condição da renovação da licença, o que nunca sucedeu;
18. Não é verdade que a Recorrente não tenha prestado as informações relativas ao plano de actividade de produção de cimento, como também não é verdade que a Recorrente não tenha condições para obter a licença industrial;
19. Não corresponde à verdade que a Recorrente não tenha observado as exigências de outros departamentos da Administração, principalmente da DSPA;
20. Nas circunstâncias do caso, a Recorrente não estava obrigada a apresentar o relatório de avaliação do impacto ambiental e da observância das instruções técnicas, uma vez que, não havendo produção de cimento no referido lote, não havia que apresentar um relatório daquilo que não existia;
21. A Recorrente sempre tentou esclarecer tal situação e, depois de a DSSOPT lhe ter fixado um prazo de 20 dias para apresentação de tal relatório, sob pena da não renovação da licença, a Recorrente, apesar da situação referida, apresentou um novo relatório, o qual não levava em consideração a actividade de produção de cimento;
22. A Recorrente apresentou tal relatório no prazo que lhe foi fixado, razão por que não podia ser invocado como fundamento do indeferimento do pedido de renovação a apresentação tardia de tal documento;
23. O acto recorrido padece ainda do vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação de normas legais e de cláusulas da LOT;
24. A decisão de indeferimento foi tomada tendo por fundamento as normas dos artigos 31.°, 41.°-o e 69.° da Lei de Terras e ainda nas cláusulas 3.ª e 11.ª/1/5 da LOT n.º 34/2010 e nenhum destas disposições é susceptível de estribar a decisão recorrida;
25. A Recorrente requereu a renovação da licença dentro do prazo legal e sempre respondeu aos ofícios que lhe foram sendo enviados pela DSSOPT;
26. Não se verificaram os factores que determinam a cessação da licença e que se encontram numerados na cláusula 11.ª da LOT n.º 34/2010, principalmente, os mencionados na fundamentação do despacho recorrido;
27. A entidade recorrida só não decidiu o pedido da Recorrente antes de expirar o prazo da licença, porque o tempo de decisão destes procedimentos é extremamente longo e desfasado dos prazos relativamente curtos das LOTs;
28. A entidade recorrida podia sempre proceder à renovação ou outorga de nova licença, tal como aconteceu no passado, mormente, com as LOTs n.º 22/2009 e n.º 34/2010;
29. Só em face de um positivismo formalista extremo, há muito perimido, se poderia concluir que a referida cláusula tem o sentido de impor a obrigatoriedade da apresentação dos relatórios de protecção ambiental, independentemente observância da razão determinante da apresentação dos mesmos;
30. A actividade industrial de produção de betão é potencialmente lesiva do ambiente e daí a necessidade de particular cuidado quanto à observação das regras em vigor relativas à protecção do ambiente, sendo que, no presente caso, tais cuidados não se impunham uma vez que não, comprovadamente, não havia produção de cimento;
31. A entidade recorrida nunca poderia ter considerado verificada a hipótese prevista na cláusula 11.ª/5;
32. A decisão recorrida violou as normas dos artigos 71.°/1 e 74.° da Lei de Terras e as cláusulas 4.a e 11.ª/1/5 da LOT n.º 34/2010;
33. O despacho recorrido padece ainda do vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade;
34. Este princípio constitui uma clara manifestação constitutiva do princípio do estado de direito, impondo que as medidas dos poderes públicos não devem exceder o necessário para a realização do interesse público prosseguido;
35. A vinculação da Administração ao princípio da proporcionalidade implica, por um lado, a necessidade da adequação da medida aos objectivos a serem prosseguidos e, por outro lado, a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários aos destinatários das decisões administrativas;
36. No princípio da proporcionalidade, vislumbram-se três dimensões fundamentais: adequação, necessidade e equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito, correspondendo aos três modos diferenciados por que o mesmo pode ser violado;
37. Pela exigência da necessidade entende-se que a medida tomada, para além de idónea para o fim que se pretende alcançar, deve ser a que lese em menor medida os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares;
38. Pela exigência de equilíbrio, «os benefícios que se esperam alcançar com uma medida adequada e necessária suplantam, à luz de certos parâmetros materiais os custos que ela por certo acarretará»;
39. A decisão de indeferimento revela-se, claramente, a mais gravosa para os interesses da Recorrente;
40. Considerando a importância que a entidade recorrida reconhece para o sector da construção civil de Macau da existência destas unidades de produção de betão, o investimento de uma grande soma pecuniária na aquisição deste equipamento, o exercício ininterrupto desta actividade de 2005 a 2009, o facto de a Recorrente sempre ter cumprido as instruções técnicas em matéria de protecção ambiental, o facto de o equipamento da Recorrente ter sido considerado moderno, adequado à referida produção industrial e que obedece aos parâmetros em vigor de protecção ambiental e ainda o facto de a suspensão desse actividade se ter devido, fundamentalmente, a razões ligadas à conjuntura económica, a decisão da entidade recorrida revela-se desconforme com as exigências do princípio da proporcionalidade;
41. A decisão recorrida revela-se ainda desconforme com o princípio da proporcionalidade, na medida em que bastava à entidade recorrida, tal como lhe permite a norma do artigo 71.°/2 da Lei de Terras, condicionar a renovação da licença ao início da produção do cimento no prazo razoável que lhe fosse indicado para o efeito;
42. A decisão recorrida não observou minimamente as exigências matriciais do princípio fundamental da proporcionalidade, que estabelecem a «menor ingerência» ou «menor desvantagem possível» dos direitos ou interesses legalmente protegidos da Recorrente;
43. A decisão recorrida violou, nomeadamente, as normas dos artigos 115.°/2 do CPA, 31.°, 71.°, 74.° da Lei de Terras e ainda das cláusulas 3.ª, 4.ª e 11.ª/1/5 da LOT n.º 34/2010 e ainda o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5.°/2 do CPA.
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Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 240 a 256 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso, a saber:
   “Na petição inicial, a recorrente assacou, em primeiro lugar, o vício de forma por falta de fundamentação ao despacho recorrido que, exarado pelo Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas na Informação n.ºXXX/DSODEP/2010 (doc. de fls.146 a 150 dos autos), determina apenas «同意本報告書的意見及建議».
   A declaração de concordância significa que esse despacho adopta a fundamentação por remissão para aquela Informação. Devido à força do n.º1 do art.115º do CPA, a aludida Informação faz parte integrante do despacho sob escrutínio que a absolve.
   É generalizadamente aceite a jurisprudência do STA, no sentido de que a suficiência «é uma noção relativa que depende do tipo legal do acto e da posição do destinatário, tomando-se como padrão um destinatário normal, sem se abstrair da situação concreta do interessado e da sua possibilidade real de compreender os motivos de decisão, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legalmente protegidos.» (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642).
   A jurisprudência mais recente entende (Acórdão do STA de 10/03/1999, no processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
   Importa ainda lembrar (Acórdão do TSI no Processo n.º509/2009): Na fundamentação de direito dos actos administrativos não se torna necessária a referência expressa aos preceitos legais, bastando a indicação da doutrina legal ou dos princípios em que o acto se baseia e desde que ao destinatário do acto seja fácil intuir qual o regime concreto aplicável.
   Ao abrigo do preceito no art.115º do CPA e em consonância com as jurisprudências citadas, temos por certo que não existe in casu o vício de forma por falta de fundamentação, pois no acto recorrido se encontra exposição pormenorizada, clara e congruente dos fundamentos de facto e de direito, por forma a que se dê a conhecer suficientemente o itinerário cognoscivo do órgão decisor.
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   Ora, a recorrente arguiu ainda o erro nos pressupostos de facto, por ser completamente falsa a conclusão da entidade recorrida de que ela não tivera intenção de recomeçar a actividade de produção de cimento, e também o erro de interpretação e aplicação da lei e de cláusulas da Licença.
   Neste aspecto, importa apontar que, segundo nos parece, a falta da intenção/motivação de recomeçar a actividade de produção de cimento e a omissão de entrega tempestiva dos relatórios respeitantes à protecção do meio ambiente são, para efeitos de se indeferir o pedido de renovação da Licença de Ocupação Temporária, fundamentos paralelos e reciprocamente autónomos, bastando a verificação de um deles para se indeferir um pedido de renovação da Licença de Ocupação Temporária.
   No caso sub judice, sucede que a propósito de avaliar a viabilidade do pedido de renovação da recorrente de 28/09/2010 (cfr. fls.176 dos autos), a DSSOPT enviou, em 30/09/2010, 14/04/2011 e 04/05/2011, à mesma três ofícios (docs. de fls.183, 188 e 190 dos autos), que se dão por reproduzidos.
   Nas respostas datadas de 19/04/2011 e 11/05/2011 (docs. de fls.189 e 191 dos autos), a recorrente reconheceu respectivamente a inexistência do relatório actualizado sobre a protecção do ambiente e a entrega do “novíssimo” relatório apenas em 05/05/2011. O que torna patente que tal relatório foi entregue fora do prazo de validade da Licença de Ocupação Temporária n.º34/2010 (doc. de fls.169 a 170 dos autos).
   Não se pode olvidar que a recorrente nunca pôs em crise, de todo em todo lado, o facto tido em devida consideração pela entidade recorrida de a sua fábrica instalada no terreno ocupado mediante a dita Licença se ter, durante largos anos, mantido “fechada” – sem qualquer actividade de produção de cimento.
   Tudo isto semeia-nos a impressão de não merecer nenhuma censura conclusão de que «......,相反,必須在此再次重申,是次決定意向的作出,主要是考慮到申請人未有營運以利用臨時佔用的土地的現象持續已久,以及申請人於申請續期之一連串不積極的行為,包括其未有合作提供場所營運狀況資料、且於第34/2010號臨時佔用准照有效期屆滿後才交為續期所必須的環評報告,甚至乎還透過申請表達其於該地段增加其他用途的意圖,經綜合考慮此等事實後,實在難以令人認為其有熱切關注及積極跟進,使該場所重新營運以終止臨時佔用的土地未被利用的情況。»
   Deste modo, não podemos deixar de entender que o despacho em causa não se padece nem do erro nos pressupostos de facto, nem do erro de interpretação e aplicação da lei e de cláusulas da Licença. Mostrando-se razoável a conclusão extraída pela entidade recorrida da inactividade de produção da recorrente.
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   No ordenamento jurídico de Macau, os acórdãos dos Venerandos TSI e TUI Vêm constantemente consolidando a douta jurisprudência de que o princípio de proporcionalidade vigora apenas o exercício do poder discricionário, não aplicando-se ao poder vinculado. (a título exemplificativo, Acórdãos do TUI nos Processos n.º26/2003 e n.º13/2012)
   De outro lado, é pacífica a inculca de que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem. Pois, no recurso contencioso, o tribunal só pode sindicar o acto praticado no âmbito de poderes discricionários, quando se verifica o erro manifesto, a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.
   Em conformidade com tais jurisprudências citadas, e sem carência de apreciação mais delonga e pormenorizada, temos por certo que o acto recorrido não ofende o princípio da proporcionalidade, dado que o mesmo não impedir a ora recorrente de apresentar novo requerimento da licença de ocupação temporária.
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   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Por Termo de Compromisso, assinado em 07/02/2005, pelo Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e pelo representante da ora Recorrente, XXX, foi acordado, entre o mais, o seguinte (cfr Doc. n.º 4 e Doc. n.º 1, fls. 36 e 38 a 42):
a) Que a ora Recorrente se comprometia a desocupar imediatamente e a entregar, livre de quaisquer e materiais, o referido lote, no prazo de 90 dias.
b) E que a RAEM autorizava a concessão à ora Recorrente, por licença de Ocupação remporária (LOT), do lote G3 do novo aterro sito junto às Ruas das Canforeiras e das Árvores do Pagode, em Coloane, com a área de 2.730 m2, destinado à instalação de central de betão betuminoso, sendo a renda anual fixada em MOP$30.00 (trinta patacas), por metro quadrado de terreno, beneficiando da isenção do pagamento desta renda pelo período de dois anos.
2. Na sequência de tal compromisso e depois da assinatura do termo de entrega do lote SPV7, a Recorrente ocupou o lote G3.
3. Em 16/06/2005, em virtude da procura de novas oportunidades de negócio, a Recorrente requereu que o referido lote fosse destinado a central de betão, em vez de central de betão betuminoso.
4. Por despacho do STOP, de 01/11/2005, foi autorizado a alteração de finalidade e a emissão da LOT relativa ao referido lote (cfr. Doc. n.º 1, fls. 38 e 42).
5. Em 06/12/2005, foi emitida a LOT n.º 90/2005, pelo período de 06/12/2005 a 05/12/2006 (Doc. n.º 5).
6. Em 08/11/2006, a LOT n.º 31/2006, pelo período de 06/12/2006 a 05/12/2007 (Doc. n.º 6).
7. Em 08/04/2008, a LOT n.º 21/2008, pelo período de 06/12/2007 a 05/12/2008 (Doc. n.º 7).
8. Em 23/03/2009, a LOT n.º 22/2009, pelo período de 06/12/2008 a 05/12/2009 (Doc. n.º 8).
9. Em 13/08/2010, a LOT n.º 34/2010, pelo período de 06/12/2009 a 05/12/2010 (Doc. n.º 9).
10. A Recorrente requereu a renovação da LOT n.º 22/2009, que era válida até 05/12/2010, em 25/09/2009 e reiterou esse pedido, já depois de ter terminado prazo daquela licença, em 08/01/2010 e 15/06/2010 (Docs. n. ° 13, 17 e 18).
11. Por ofício da DSSOPT, com a Ref.ª 634/8330.02/DSODEP/2009, de 29/12/2009, foi a ora Recorrente informada de que, tendo em vista a apreciação do pedido de renovação da licença, deveria juntar o plano de actividade de produção de cimento e o relatório de avaliação ambiental de acordo com as instruções técnicas respeitantes à protecção ambiental e ainda de que o pedido só seria deferido se, de acordo com a cláusula 8.ª da licença n.º 22/2009, fossem respeitadas estas instruções (Doe. n.º 19).
12. Por requerimento de 08/01/2010, a ora Recorrente, respondendo, entre o mais, ao ofício anteriormente referido, afirmou que, em meados de 2009, foi suspensa a produção de cimento e que, por isso, os dados que pudesse fornecer relativos à produção do cimento tinha-os entregue no pedido de renovação anterior, afirmando, apesar de tudo, de que logo que recomeçasse e produzir cimento iriam observar, tal como no passado fizeram, as medidas de protecção do ambiente e que informaria a DSE e a DSPA para eventuais inspecções (Doc. n.º 17).
13. Por ofício da DSSOPT, de 01/02/2010, a ora Recorrente foi informada de que a DSSOPT iriam ao local fazer uma inspecção para verificar a situação de produção de cimento e da observância das medidas de controlo ambiental (Doc. n.º 20).
14. Por requerimento de 15/06/2010, a ora Recorrente, para além de voltar a solicitar a renovação da LOT n.º 22/2009, mencionou que a suspensão da produção de cimento em meados de 2009 deveu-se à crise económica internacional que levou à estagnação do sector da construção civil em Macau, o que provou a uma redução substancial da procura de cimento e à diminuição dos rendimentos da empresa e que não teve outra solução que não a de suspender a produção do cimento (cfr. Doc. n.º 18).
15. Nesse requerimento afirmou ainda a ora Recorrente pretender reiniciar a produção do cimento em Janeiro ou Fevereiro de 2011.
16. Através do ofício da DSSOPT, com a ref.ª n.º XXX/8330.03/DSODEP/2010, de 30/09/2010, a ora Recorrente foi informada de que o relatório sobre a situação ambiental deveria ser junto no momento da apresentação do pedido de renovação da licença e que deveria observar o exigido na cláusula 11.ª/5 da LOT n.º 34/2010, sob pena de a licença caducar (Doc. n.º 21).
17. A DSSOPT e a DSPA, em Fevereiro e Março, procederam à inspecção e avaliação do local, visando a operação e prevenção da poluição e controlo da situação (cfr. ponto 4 do parecer constante do Doc. n.º 1, fls. 53).
18. Por requerimento de 15/04/2011, a ora Recorrente, respondendo ao ofício n.º XXX/8330.03/DSODEP/2010, procedeu à junção do relatório ambiental elaborado por Material.lab Consultants Ltd. (Doc. n.º 22).
19. Neste requerimento, a Recorrente informou a DSSOPT que esse relatório não é actual, pois que a produção de cimento se encontra suspensa, razão por que não pode apresentar um relatório ambiental actual que leve em consideração uma situação que não existe.
20. Mencionou ainda a Recorrente, nesse seu requerimento, que, para iniciar a produção de cimento precisa de obter a licença industrial respectiva e que para obter tallicença necessita da LOT renovada, razão por que solicita a renovação urgente da licença, cujo termo ocorreu em 05/12/2010.
21. Através do ofício com a ref.ª n.º XXX/8330.03/DSODEP/2010, de 14/04/2010, a DSSOPT informou a Recorrente de que lhe havia enviado um ofício a solicitar a entrega de relatório relativo ao ambiente e informações concernentes à situação de operação da empresa e que deveria apresentar tais elementos no prazo de 20 dias, sob pena de a licença não ser renovada (Doc. n.º 23).
22. Em 2008, a Recorrente foi alvo de um processo de transgressão, por virtude de estar a produzir betão sem licença industrial para o efeito, tendo sido condenada no pagamento de uma multa de $30.000,00 (trinta mil patacas) e advertida de que deveria suspender imediatamente a produção de cimento e dar início ao procedimento tendente à obtenção da referida licença (Doc. n.º 33 e Doc. n.º 1, fls. 48, 69, 70).
23. Com efeito, a ora a Recorrente não tinha a referida licença, tal como muitas outras empresas que beneficiavam, tal como a Recorrente, de licenças de ocupação de terreno no mesmo local (cfr. Doc. n.º 1, fls. 66v).
24. A Recorrente não pode iniciar a produção de cimento sem requerer a licença industrial respectiva e as vistorias necessárias para o efeito, junto da Direcção dos Serviços de Economia.
25. No entanto, esta Direcção de Serviços, para conceder essa licença, exige que os requerentes sejam titulares da licença de ocupação de terreno, tal como se reconhece nos em vários documentos (Doc. n.º 1, fls. 8, 15, 17, 20, 66v e 67).
26. A Recorrente sempre pagou taxa anual da ocupação do terreno (cfr. Doc. n.º 1, fls. 4 e 64).
27. Em 18/01/2013, o Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas exarou na Informação nº XXX/DSODEP/2013, datada de 04/01/2013, o seguinte despacho:
“同意本報告書的意見及建議。”
indeferindo o pedido de renovação da licença de ocupação temporária da ora Recorrente.
28. A informação nº XXX/DSODEP/2013 tem o seguinte teor:
“....
現況
1. 按照運輸工務司司長於2012年12月11日載於2012年11月13日第XXX/DSODEP/2012號報告書(正本於附件A)所作出的決定意向,同意根據«土地法»第31條、第41條o)項及第69條的規定,否決A建築工程有限公司關於位於路環,鄰近聯生海濱路,石排灣填海區工業區,G3地段,面積2,731平方米的土地的第34/2010號 臨時佔用准照的續期申請,並在作出最終決定前進行聽證程序,主要理由如下:
1.1. 根據經濟局來函告知,G3地段已停產多時,且因未其備生產條件而未獲發工業准照;
1.2. 申請人A建築工程有限公司聲稱其生產設備因所需混凝土量未如期而處於維修保養中,有關生產計劃將延遲一年,但其卻未能詳細列明其整體營運生產情況,且缺少熱誠配合關注其再度生產混凝土攬拌場的要求;
1.3. 以上兩項顯示了申請人對重新啟動生產欠缺積極性;以及
1.4. 申請人延遲提交所要求用作分析及評估臨時佔用准照續期的最新環評報告,以及該報告並未獲得通過;
2. 為履行上述批示,本局透過2012年12月17日第XXX/8330.04/DSODEP/2012號公函 (附件B),通知申請人上述之否決意向,並告知其可於收到通知日起計10日內就該否決意向提交書面聽證。
3. 根據郵件回執(附件C),申請人於2012年12月18日收到上述之公函。
4. 於2012年12月27日,申請人透過第XXXX/2012號信函(附件D)提交書面聽證,就上述之否決意向陳述反對之理由,主要指出:
4.1. 基於考慮到臨時佔用准照並非一定獲得續期,以及經評估現時對混凝土的需求量,認為對現存的生產混凝土的大型設備重新敢動需要投放巨額的資源,故不敢質然作出投放;
4.2. 同時,基於攪拌混凝土設備的核心部份屬引進自香港的先進電腦,在未獲續期臨時佔用准照前,並不可能透過人力資源辦公室申請到該引進地(香港)之技術人員協助操作;
4.3. 基於上述因素考慮下,只好暫時作出停止設備生產的決定;
4.4. 作為一經營中的本地建築公司,混凝土為行業必須產物,應基於工程需求多寡而決定是否啟動設備生產混凝土,並非不啟動生產混凝土便欠缺積極性;
4.5. 基於臨時佔用准照是經濟局發出工業准照的考慮條件之一,必須先具備臨時佔用准照才能向經濟局申請發出工業准照,因此,臨時佔用准照的發出或續期與是否獲經濟局發出工業准照並沒有必然關係。
     分析
5. 實際上,於2012年11月13日第XXX/DSODEP/2012號報告書上,本廳廳長的意見中已清楚地指出是次決定意向之理由:“考慮到佔用人一直未能提供場所營運狀況資料,並且該工場已停產多時,雖有遞交環評報告但不獲通過,於這種狀況下佔用人還申請加設置建築物存放的用途,這表明佔用人對重新啟動生產是欠缺積極性;同時,特區政府的土地資源緊缺,任何佔用人/承批人都應按既定用途利用已批出的土地,因此,結合«土地法»第31條、第41條o)項及第69條的依據....否決A建築工程有限公司提出位於路環,鄰近聯生海濱路,石排灣填海工業區,G3地段之臨時土地佔用准照續期申請。”
6. 因此,可以看到,是次否決的決定意向作出之基礎,是由於申請人並未有提供場所營運資料,而且該場所停產多時,加上其環評報告不獲通過,還更申請增加存放建築物的用途,此種種迹象均顯示,佔用人未有積極性重新啟動生產,即是說,預期申請人不利用臨時佔用的土地的情況將會持續,導致其亦未能按第34/2010號臨時佔用准照第2條款的規定以該處作為混凝土攪拌場,以在本澳眾多大型工程開展的情況下為業界提供需求日益殷切的混凝土。
關於4.1至4.3的理由
7. 然而,於書面聽證中申請人卻對停止生產之決定作出了解釋,認為於未確定臨時佔用准照是否獲得續期時投放巨額資源存在一定風險,以及臨時佔用准照仍未獲得續期之情況下暫未聘請到所需之人士對相關設備進行操作,故才暫停了生產。對於是否能接受此解釋,必須結合案卷中的事實作出進一步之分析。
8. 在分析之前,必須重申一次卷宗中重要之事實,即本局對於該地段,早於2005年便發出了第90/2005號臨時佔用准照(附件E)予申請人,而於2008年時本局也以附有條件之方式核准了申請人於該地段的工程計劃,並通知了相關的部門(附件F),同時,亦一直與申請人續期該地段的臨時佔用准照,直至有效期到2010年12月6日的第34/2010號臨時佔用准照(附件G),以及於2010年8月27日本局獲經濟局通知該地段之場所已沒有運作接近一年(即停工始於2009年),另外,根據經濟局第12/2010號通知書和財政局編號2010-77-902142-7號憑單的資訊,申請人因未具備3月22日第11/99/M號法令中所規定的工業准照的情況下進行工業活動而被科處並已繳納罰款(附件H)。
9. 由以上之事實,可見,申請人於停工之時,即2009年,是具備有效的臨時佔用准照的,因此,可以看到,並非如其所言因臨時佔用准照一直不獲續期,才導致其面臨投放巨額資源的風險及聘請不到相關人士對設備進行操作而決定暫時停止生產,故該理由基於與客觀事實不符並不成立。
關於4.4及4.5的理由
10. 首先,本報告書是十分認同申請人書面聽證中關於本報告書第4.4及4.5的陳述,在第4.4方面,事實上作為屬本澳第40/99/M號法令核准的«商法典»第1條所言屬商業企業主之公司,以持續及管利交易為生產目的而從事經濟活動,因此,自然地是否能生產以作出持續及營利的交易便主要取決於行業因素(市場需求)及自身因素(行業中的競爭力),而如因此等尤其是市場需求的原因暫時停止生產,並非當然地可推定其欠缺積極性(於將來不會營運以利用臨時佔用的土地);在4.5方面,基於土地的臨時佔用准照是否發出涉及到土地的利用,而進行工業活動所需的工業准照是否發出則是涉及到有關工業活動之監管,兩者並不相同,因此,當然地臨時佔用准照是否發出或續期並不以取得工業准照為先決條件。
11. 然而,雖然申請人上述之陳述並無不妥,但於本個案中,作出是次決定意向之基礎,即本報告書第5及6點所述,並非僅僅因為申請人暫時停止生產或未取得工業准照而認定其欠缺積極性於將來繼續營運以利用臨時佔用的土地,而是考慮了包括申請人未能提供場所營運狀況資料、該地段之場所已沒進行營運多時、延遲提交(於2011年5月5日,即臨時佔用准照有效期已屆滿後才提交)的環評報告不獲通過(附件I)、申請增加存放建築物的用途等因素,才認定其未具備積極性重新啟動生產,因此,可以看到,並未有單純因其停止生產或未獲得工業准照而否定其重新啟動生產以利用臨時佔用的土地的可能性,相反,必須在此再次重申,是次決定意向的作出,主要是考慮到申請人未有營運以利用臨時佔用的土地的現象持續已久,以及申請人於申請續期後之一連串不積極的行為,包括其未有合作提供場所營運狀況資料、且於第34/2010號臨時佔用准照有效期屆滿後才提交為續期所必須的環評報告,甚至乎還透過申請表達其於該地段增加其他用途的意圖,經綜合考慮此等事實後,實在難以令人認為其有熱切關注及積極跟進,使該場所重新營運以終止臨時佔用的土地未被利用的情況。
12. 另外,值得注意的是,由申請人於2008年持有有效的臨時佔用准照及獲有條件核准工程計劃後,仍一直未能取得工業准照的事實,亦進一步地佐證了其未具備積極性之判斷。
13. 綜上所述,該等理由並不足以妨礙是次決定意向之判斷基礎,即是說,申請人仍然未具備積極性令該場所重新營運以終止臨時佔用的土地未被利用的情況。
14. 另外,必須留心的是,雖於申請人已按第6/80/M號法律 «土地法»第71條第1款的規定,於有效期屆滿前60日之前經已提出續期的申請,但其卻並未有按照第34/2010號臨時佔用准照第11條款第5)項的規定如期提交相關的環評報告(於使用准照有效期屆滿後才提交並不獲通過),並且根據該條款第1)項之規定,該准照經已基於第3條款規定之有效期屆滿而終止,不可能再行續期,但是,該規定亦未妨礙申請人在符合條件下再向本局提出新的申請,只是,由於不可單純只照顧建築業對混凝土的需求而不顧對居民的健康生活、環境保護等要求,故即使其提出新的申請,亦應符合各部門之要求,尤其是環境保護局的要求。
15. 最後,根據第34/2010號臨時佔用准照第13條款的規定後補適用的第6/80/M號法律«土地法»第75條後半部分的規定,佔用人應獲償還相應於其仍有權佔用地段期間的費用,但是,在本個案中由於佔用終止之原因為第34/2010號臨時佔用准照的有效期屆滿,故並不存在任何應返還之相應於其仍有權佔用地段期間的費用,此外,根據該臨時佔用准照第12條款的規定,在准照終止時佔用人必須在60天內遷離並將土地空置,且無權索取任何賠償。
結論
16. 綜上所述,根據第34/2010號臨時佔用准照第3條款、第11條款第1)項及第5)項,第6/80/M號法律«土地法»第31條、第41條o)項、第69條的規定,現呈請上級本報告書,建議閣下考慮:
16.1. 否決A建築工程有限公司提出關於位於路環,鄰近聯生海濱路,石排灣填海區工業區,G3地段,面積2,731平方米的土地的臨時佔用准照的續期申請;
16.2. 通知申請人有關否決其申請的最終決定;
16.3. 通知經濟局、城市建設廳及城市規劃廳本報告書的批示。... ”
*
III – Fundamentação
Imputa a Recorrente ao acto recorrido os seguintes vícios:
- falta de fundamentação;
- erro no pressuposto de facto;
- erro de interpretação e aplicação da lei e de cláusulas da licença;
- violação do princípio da proporcionalidade.
Vamos agora analisar se os mesmos procedem.
1. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir numa mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi indeferida a renovação da licença de ocupação temporária essencialmente pelos fundamentos seguintes:
- a suspensão da actividade de produção de cimento há muito tempo, ou seja, a não utilização do terreno para o fim a que se destinava;
- a falta de intenção para recomeçar a actividade de produção de betão; e
- a não aprovação do relatório de avaliação ambiental.
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo que diz respeito ao outro vício alegado pela Recorrente.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
2. Do erro no pressuposto de facto
Os factos que serviram de base para o indeferimento do pedido de renovação da LOT (licença de ocupação temporária) da Recorrente são os seguintes:
- A ocupante não entregou as informações relativas ao plano de actividade de produção de cimento;
- O equipamento já deixou de funcionar há alguns anos;
- A requerente não tinha a licença industrial, nem tem condições para a obter;
- A ocupante entregou o relatório de avaliação ambiental fora do prazo (depois da data limite da LOT n.º 34/2010) e este não foi aprovado;
- A ocupante não tem intenção necessária para recomeçar a actividade de produção de cimento;
- A ocupante pretendia ainda adicionar à licença de ocupação, destinada à instalação de central de betão, a finalidade de depósito de materiais de construção; e
- O pedido do requerente não observa as exigências de outros Departamentos da Administração, principalmente da DSPA.
Dos factos acima elencados, entende a Recorrente que não correspondem à verdade os seguintes factos:
- não tenha motivação necessária para recomeçar a exploração da actividade de produção de betão;
- não tenha entregue as informações relativas ao plano de actividade de produção;
- não tenha condições para obter a licença industrial; e que
- entregou o relatório de avaliação ambiental fora do prazo.
Quid iuris?
Como é sabido, “a ocupação por licença é destinada a terrenos a utilizar temporariamente e àqueles em relação aos quais se revele inconveniente a criação de direitos duradouros” (artº 69º da Lei de Terras), que se baseia “em contrato de arrendamento que pode ser denunciado a todo o tempo por qualquer das partes, mediante aviso prévio efectuado com a antecedência mínima de sessenta dias” (artº 70º da Lei de Terras).
Como se vê, a Administração pode, sem necessidade de invocar qualquer fundamento, denunciar o arrendamento concedido com a antecedência não inferior a 60 dias.
Ou, chegado ao seu termo, não renovar o arrendamento por simplesmente o não querer fazer.
Em qualquer dos casos, o ocupante não tem direito a qualquer indemnização (artº 75º da Lei de Terras).
No caso em apreço, não sabemos se o acto recorrido se baseou simplesmente num dos factos, ou, no seu conjunto integral.
Nesta última hipótese, a não verificação de um deles determina a anulabilidade do acto.
Já para a primeira hipótese, a não verificação de algum facto não implica necessariamente a anulação do acto, desde que subsista o facto essencial.
Contudo, ainda nesta hipótese, não podemos substituir a Entidade Recorrida na avaliação do peso de cada um dos factos invocados para a decisão.
Uma vez que não sabemos o peso de cada um dos factos invocados para o indeferimento, a não verificação de um deles implica inevitavelmente a anulação do acto.
No caso sub justice, entendemos que o facto de que a Recorrente “entregou o relatório de avaliação fora do prazo” não subsiste.
Vejamos a sua razão de ser.
É certo que o nº 5 da Cláusula 11ª da LOT estipula que a licença cessa “Na falta de entrega dos relatórios respeitantes à protecção do meio ambiente envolvente, exigidos pelas entidades competentes do Governo”.
No entanto, não se prevê qualquer prazo legal para a sua entrega e a Recorrente acabou por o apresentar dentro do prazo fixado pela Administração quando foi solicitada para o efeito.
Nesta conformidade, não se pode dizer que o relatório foi apresentado fora do prazo.
Por outro lado, também não corresponde à verdade de que a Recorrente “não entregou as informações relativas ao plano de actividade de produção de cimento”, já que, a solicitação da Administração, a Recorrente prestou as informações pedidas (cfr. docs. de fls. 179, 180, 184, 191 e 193 dos autos).
Quanto às afirmações de que a Recorrente “não tenha motivação necessária para recomeçar a exploração da actividade de betão” e de que “não tenha condições para obter a licença industrial”, tratam-se de conclusões e não de factos objectivos, pelo que não se podem constituir como fundamentos de facto para a decisão.
Pelo exposto, se conclui pela existência do vício de erro no pressuposto de facto, o que gera a anulabilidade do acto.
3. Do erro de interpretação e aplicação da lei e de cláusulas da licença
Como fundamento de direito do indeferimento do pedido de renovação, a Entidade Recorrida citou os artºs 31º, 41º, al. o) e 69º da Lei de Terras (Lei nº 6/80/M), bem como as cláusulas 3ª, , 11ª, al. 1) e 5) da LOT.
Entende a Recorrente que existe aqui uma errada interpretação e aplicação dos aludidos preceitos legais da Lei de Terras, bem como das cláusulas da LOT.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
Artigo 31.º
(Ocupação a título precário)
   Podem ser usados ou ocupados a título precário, mediante licença especial:
a) Os terrenos do domínio público cuja natureza o permita;
b) Os terrenos destinados à exploração de pedreiras;
c) Os terrenos adjacentes a jazigos mineiros necessários à sua pesquisa ou exploração ... ;
d) Quaisquer outros terrenos vagos necessários a fins específicos, não enquadrados nas disposições desta lei ou sempre que a duração da ocupação previstas não justifique outro tipo de disposição.
Artigo 41.º
(Competência geral)
   Compete ao [Chefe do Executivo]:
   o) Autorizar, renovar e revogar o uso ou ocupação de terrenos a título precário.
Artigo 69.º
(Finalidade)
   A ocupação por licença é destinada a terrenos a utilizar temporariamente e àqueles em relação aos quais se revele inconveniente a criação de direito duradouros.
Artigo 71.º
(Prazo)
1. A licença de ocupação é outorgada pelo período de um ano e considera-se caducada, se a sua renovação não for requerida, dentro do prazo de sessenta dias, antes do seu termo.
2. A renovação da licença pode ser condicionada à actualização da taxa e à revisão das condições de ocupação.
Artigo 74.º
(Revogação e rescisão)
   O contrato pode ser revogado antes do seu termo normal, por acordo de ambas as partes ou rescindido por acto unilateral da entidade concedente com fundamento na inobservância de qualquer cláusula contratual.
Cláusula 3.ª
   A licença de ocupação é outorgada pelo período de um ano a contar de 6 de Dezembro de 2009.
Cláusula 11.ª
   A licença cessa nos seguintes casos:
1. Quando expire o prazo estabelecido na cláusula 3.ª;
2. …
3. …
4. …
5. Na falta de entrega dos relatórios respeitantes à protecção do meio ambiente envolvente, exigidos pelas entidades competentes do Governo.
Analisado o teor das normas jurídicas e das cláusulas da LOT em causa, cremos que a Recorrente tenha razão no sentido de que tanto os preceitos legais como as cláusulas contratuais da LOT não podem servir como fundamento de direito para o indeferimento do seu pedido de renovação da LOT, já que os mesmos dizem respeito, tal como a própria Entidade Recorrida reconhece (artº 40º da contestação), ao prazo, caducidade, revogação, rescisão e cessação da licença, pelo que não têm nada a ver com a decisão do indeferimento do pedido de renovação em si mesmo.
Portanto, a citação dos preceitos legais e das cláusulas contratuais da LOT em referência como base legal para o indeferimento do pedido de renovação não é correcta, o que determina também a sua anulabilidade.
4. Da violação do princípio da proporcionalidade
Nos termos do nº 2 do artº 5º do CPC, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
É este o chamado princípio da proporcionalidade.
A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa1.
No caso em apreço, face à verificação do vício de erro no pressuposto de facto, ficamos impedidos de analisar se houve ou não a violação do princípio da proporcionalidade por falta de elementos, já que, como referimos anteriormente, não sabemos qual o peso de cada um dos fundamentos de facto subsistentes e consequentemente não sabemos qual a verdadeira motivação que levou ao indeferimento do pedido de renovação.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando consequentemente o acto recorrido.
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Sem custas, por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
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Notifique e registe.
*
RAEM, aos 05 de Junho de 2014.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Cfr. David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996, 319 a 325.
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152/2013