Proc. nº 125/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Maio de 2014
Descritores:
- Marcas
- Cores
SUMÁRIO:
Se as cores, em princípio, não servem de elementos de composição de uma marca (art. 199º, nº1, al d), do RJPI), podem noutros casos ser susceptíveis de protecção quando dispostas de forma peculiar e com capacidade distintiva.
Proc. nº 125/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“A Limited”, com sede em British XXXX, recorreu judicialmente para o TJB (Proc. nº CV3-13-0026-CRJ) do despacho da Ex.ma Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, que recusou o pedido de registo da marca N/XXXX.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que decidiu julgar procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, determinou que a mesma fosse substituída por outra que admitisse o registo da referida marca para os produtos da classe 30.
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Dessa sentença vem agora interposto pela DSE o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações foram formuladas as seguintes conclusões:
«i) Nos países origem asiática, a cor vermelha tem um significado muito importante, como ficou explicado, trata-se de uma cor que os chineses predominantemente utilizam para representar símbolos festivos e de bom augúrio em muitos produtos o que explica a recusa do registo como marca do sinal B pelo C (doc 2) e na Região Administrativa Especial de Hong Kong (doc 3) onde a marca aguarda o “examined - first examination report issued”1;
ii) Nos países de origem europeia, a cor vermelha não tem qualquer significado simbólico;
iv) No sinal B, predomina a cor vermelha, muito usada no mercado asiático e como tal não é identificável de nenhuma empresa;
v) O sinal tal como está constituído não tem capacidade distintiva.
Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença do Tribunal a quo, mantendo o despacho de recusa que a Entidade Recorrente proferiu porque não são susceptíveis de protecção, as cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º 214 e al. a) do n.º 1 do art.º 9 conjugado com a d) do n.º 1 do art.º 199 todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 93/991M, de 13 de Dezembro».
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A recorrida “A Limited” respondeu ao recurso da seguinte forma conclusiva:
«I. A marca N/XXXX apenas pode ser qualificada como uma marca figurativa, integrando apenas elementos de natureza desenhística com características especiais que a individualizam e lhe conferem virtualidade e capacidade distintiva, não tendo a recorrente atacado tal qualificação efectuada pelo Tribunal a quo.
II. Ainda que a marca em causa fosse qualificada como uma marca de cores, no que não se concede, era admissível o seu registo pois a lei aplicável apenas excepciona a protecção da cor única, apresentada isoladamente, não a permitindo, e subsumia-se o caso presente à excepção referida no artigo 199.º n.º 1, al. d), 2a parte, do RJPI.
III. Adoptando-se “...o princípio de utilização prévia, i.e., quando se qualifica uma marca como notória ou não, deve ter-se como fundamento a utilização daquela marca e não o seu registo” e tendo sido demonstrada publicidade efectuada na República Popular da China e em publicações em língua chinesa fora da República Popular da China dos produtos contendo a marca recusada, a venda dos mesmos em Macau e em variadíssimos outros países e provado que desde 1997 que é usada a mesma forma de disposição dos elementos figurativos e respectivas cores, baseada no desenho industrial com o número de registo XXXX na República Popular da China, estamos perante marca notória para os consumidores de origem chinesa e utilizada em Macau que, por essa via também, adquiriu capacidade distintiva.
IV: Assim, pelo supra exposto, deverá a douta Sentença ser confirmada e admitido o registo de marca N/XXXX.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências deve ser confirmada a Douta Sentença e permitido o registo de marca n» N/XXXX assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!»
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
1 - A ora Recorrente requereu, em 8 de Maio de 2012, junto da Direcção dos Serviços de Economia, para os produtos na classe 30, o registo da marca com o número N/XXXX e materializada no seguinte (melhor caracterizada a fls. 40):
B
2 - O referido pedido foi feito para serviços da classe 30: “produtos relacionados com chá ou chá de ervas; café, cacau, açúcar, arroz, tapioca, sagu, sucedâneos do café; farinha e preparações feitas de cereais, pão, produtos de pastelaria e confeitaria, gelados; mel, xarope de melaço; levedura, fermento em pó, sal, mostarda; vinagre, molhos (condimentos), especiais; gelo”.
3 - A DSE recusou o referido pedido de registo de marca, o que fez com fundamento na al. a) do nº l do artigo 214.º e al. a) do nº l do artº 9, conjugado com a al. d) do nº l do artº 199, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial - cfr. aviso publicado no Boletim Oficial de 19 de Junho de 2013, II série, nº 25.
4 - A marca em causa encontra-se registada em vários países e para a mesma classe de produtos, tudo conforme consta de doc. 9 e seguintes e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
5 - A marca será aplicada sobre uma lata de alumínio dentro da qual são acondicionados os produtos do comércio da recorrente.
6 - A marca em causa é baseada no desenho da marca registada na RPC sob o nº XXXX, conforme doc. nº 6 cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.
7 - A marca registanda foi objecto de pedido de marca comunitária, apresentada a 14.11.11, tudo conforme doc. 3 cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.
8 - De acordo com a informação disponível no site da DSE, a marca registanda está classificada como figurativa, composto por duas linhas ou faixas, quadriláteros contendo outros elementos figurativos (...), tudo conforme doc.17 cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
9 - A marca utiliza na sua estruturação, sendo reivindicadas pela recorrente, as seguintes cores: cores vermelha (Pantone 186C); preta e castanha (Pantone 490 C).
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III - O Direito
O caso
A Direcção dos Serviços de Economia recusou o registo da marca figurativa acima assinalada. A sentença sob censura, diferentemente, entendeu que não havia motivo para a recusa e, consequentemente, julgou procedente o recurso judicial interposto pela interessada”A Limited”.
Tudo se resume, portanto, a saber se uma marca como aquela, configurada num rectângulo de cor vermelha (Pantone 186C) com duas barras horizontais, uma em cima de cor castanha (Pantone 490C), outra em baixo mais estreita de cor preta, encimada de uma linha paralela da mesma cor (ver melhor o p.a. a fls. 3), pode ou não ser objecto de registo.
É ou não esta marca, para a classe 30 de produtos e serviços constantes do Acordo de Nice, susceptível de protecção? Poderão os arts. 9º, nº1, al. a), 199º, nº1, al. d) e 214º, nº1, al. a), do RJPI constituir obstáculo ao registo da marca?
Vejamos.
Antes de mais nada, importa visitar o art. 197º do RJPI onde está vazada de forma genérica a condição essencial à protecção do objecto marcário: «Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas».
Olhando com muita atenção para o dispositivo legal transcrito, ao contrário do que da sua epígrafe emana (“Do objecto da marca”), afinal de contas o que ele encerra não é apenas uma substanciação do objecto, enquanto condição para o que é passível de protecção, senão ainda aquilo que constitui o fim para que a marca é pretendida: a sua aptidão para distinguir um produto ou serviço de outro. Quer isto dizer, por conseguinte, que uma coisa não se dissocia da outra. Podemos estar, assim, perante uma marca que tenha um objecto legalmente possível e, todavia, não merecer protecção por ausência de capacidade distintiva.
Desviemos agora o olhar para outra disposição legal do mesmo diploma.
Trata-se do art. 199º, nº1, al. d), o qual dispõe que «Não são susceptíveis de protecção as cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva”.
Aqui estamos nós perante um cenário construído com idênticos elementos, ainda que dispostos noutra perspectiva. Agora, o que o legislador nos transmite é, numa perspectiva coerente, aquilo que a contrario já decorreria da literalidade do anterior normativo. Com efeito, se as cores não faziam parte da fattispecie do art. 197º, o presente preceito confirma-as da exclusão da protecção, salvo nos casos em que elas apresentem características próprias, traduzidas no acréscimo de alguns elementos gráficos que lhes acrescentem virtudes distintivas. Eis o sentido da concatenação dos dois dispositivos.
Pois bem.
Uma mancha isolada, um borrão, uma pincelada disforme de uma cor pode eventualmente preencher o conceito. Depende. Todavia, nem mesmo aí estaremos perante uma marca, se alinharmos na ideia de que uma cor isolada não pode servir de marca2.
No caso em apreço, não estamos perante uma simples mancha de cor, é certo. É algo mais, embora a uma primeira impressão a ideia que emerge é a de uma marca vermelha, digamos assim.
Todavia, essa cor preenche o desenho de um quadrilátero (rectângulo). Ainda assim, não estamos ante uma monocromia. E aqui impõe-se-nos destacar algo que pode ser encarado com um sentido subjectivista ou objectivista, conforme o plano em que se coloque o destinatário da marca, enfim, o consumidor que olha para a embalagem.
Pois, é verdade: umas pessoas, dentro desse quadrilátero, verão várias linhas. Uma, para formar a parte inferior de um outro rectângulo preenchido com a cor castanha; outra, para formar a linha superior do rectângulo preto da base do grande rectângulo vermelho; outra ainda, isolada e disposta a montante desse rectângulo preto.
Outras pessoas, contudo, não verão tantas linhas, mas o seu córtex apenas as encaminha para verem o destaque de três manchas: uma vermelha, uma castanha e outra preta, encimada de uma única linha. Quer dizer, a percepção de cada um dos potenciais consumidores não será a mesma, seguramente. É o subjectivismo da impressão do destinatário.
E outras ainda poderão levar o seu olhar somente para a grande mancha vermelha que praticamente preenche todo o quadrilátero.
Estranha-se que alguém queira compor uma marca assim. Mas, ao julgador não compete apreciar se a marca é, ou será, concretamente eficaz ou se no concreto giro comercial será coroada de êxito3. Basta-lhe averiguar da sua conformidade com o direito. E desse ponto de vista, o que nos cumpre dizer é que a alínea d) do art. 199º do RJPI prevê, precisamente, uma combinação de cores, entre si, como excepção à insusceptibilidade de protecção contida na regra.
Ou seja, se as cores, em princípio, não servem de elementos de composição de uma marca, podem noutros casos apresentar capacidade distintiva quando dispostas de forma peculiar formando um conjunto identificador de um produto ou serviço4.
No caso, porém, dificilmente poderemos afirmar que aquele é um conjunto policromático bem definido ou que é um uso combinado de cores e linhas que seja perfeitamente distinguível. Ou seja, não nos parece que seja uma marca puramente gráfica5 com capacidade distintiva. Não existe naquele conjunto suficiente peculiaridade na disposição dos elementos que a tornem uma marca que possa apresentar-se ao público consumidor com uma feição persuasiva, identificadora e distintiva, virtudes que devem estar presentes na composição de uma marca (cfr. art. 197º cit.). Nesse sentido, não está conforme o direito (cfr. art. 199º, nº1, al. d), cit.).
Portanto, lamentavelmente, não acompanhamos a posição da douta sentença e, em vez disso, somos a concluir que a pretendida marca não é concedível.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, assim se confirmando a decisão administrativa que recusou o registo da marca em causa.
Custas pela “A Limited” em ambas as instâncias.
TSI, 29 de Maio de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Significa que será recusada, excepto se for necessário regularizar algum aspecto do pedido ou do sinal.
2 Neste sentido, Luis Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial - Patentes – marcas Concorrência desleal, pág. 182 e sgs.
3 Não o deve importar saber se as barras verticais ou horizontais têm suficiente dimensão para captar uma impressão distintiva; se as cores estão bem conjugadas; se são mais ou menos fortes ou esbatidas, etc, etc. Disso não cura o tribunal.
4 Neste sentido, José Mota Maia, in Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pág. 398
5 Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora, 2004, pág. 78.
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