Proc. nº 137/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Maio de 2014
Descritores:
-Resolução do contrato de trabalho
-Justa causa
-Danos morais
SUMÁRIO:
I - A justa causa de resolução de contrato de trabalho, nos termos do art. 68º da Lei das Relações de Trabalho (Lei nº 7/2008) desenvolve-se em torno de duas condições: Por um lado, o facto/circunstância deve ser grave; Por outro lado, deverá tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
II - Não basta, pois, que o facto/circunstância seja inadequado e ilícito.
III - Não sendo grave a ofensa (nem em si mesma, nem nas suas consequências), fica pouco ou nenhum espaço para a densificação da segunda condição: a insubsistência da relação laboral.
IV - O despedimento sem justa causa pode provocar danos não patrimoniais, que serão indemnizáveis desde que mereçam a tutela do direito.
Proc. Nº 137/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, de nacionalidade chinesa, titular de BIR nº XXX, com domicílio na XXX, na Taipa, moveu no TJB acção laboral com processo ordinário (CV3-11-0013-LAC) contra “B”, sua ex-entidade patronal, pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização de Mop$ 954.800,00 e juros respectivos pelos danos sofridos em consequência de um despedimento que invocou ser sem justa causa.
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Na oportunidade, foi proferida sentença naquele tribunal, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência disso, condenou a ré a pagar ao autor a indemnização global de Mop$ 161.600,00 e juros legais.
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Irresignada, a ré recorreu jurisdicionalmente para este TSI, que, por acórdão de 6/06/2013, revogou a sentença e ordenou a remessa dos autos à 1ª instância para prosseguimento com ampliação da matéria de facto (fls. 271-293).
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Foi, então, que, renumerados os autos (LB1-11-0014-LAC), por sentença de 10 de Dezembro de 2013, foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de Mop$ 260.400,00 e juros moratórios (fls. 324-334).
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A ré, uma vez mais, apresentou recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A. O comportamento do Recorrido, consubstanciado nos factos dados como provados, traduziu-se numa actuação ilícita e culposa, desleal e desonesta em si mesma, relevante do quadro da justa causa.
B. A gravidade do comportamento do Recorrido acarreta consigo uma importante circunstância agravante, atento o cargo de director associado que ocupava, encontrando-se numa posição de relevo na estrutura hierárquica onde se encontrava inserido.
C. O concreto cargo ocupado pelo Recorrido, sendo director associado do sector de compras e abastecimentos, obrigava-o a uma probidade e honestidade acima de qualquer suspeita, não lhe bastando ser honesto, probo e diligente para poder desempenhar as funções que lhe estavam cometidas, devendo ainda sê-lo acima de qualquer suspeita.
D. A conduta do Recorrido é, atentas todas as circunstâncias, gravíssima, tendo, ao nível das suas consequências, minado a autoridade da Recorrente e causado a quebra da confiança necessária à subsistência da relação laboral.
E. O comportamento do Recorrido violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto no artigo 11.º, nº l parágrafo 5) da LRT, sendo contrária aos regulamentos em vigor na empresa da Recorrente, por esta aprovados e postos em vigor ao abrigo do seu poder de direcção, conforme dispõe o artigo 5.º da LRT.
F. O autor deve obediência a tais regulamentos e, em particular, no que toca ao presente caso, ao “Team Member Parking at the venetian Macao-Resort-Hotel”, por força do disposto no artigo 11.º, nº1, parágrafos 4) e 9) da LRT.
G. Os deveres do trabalhador estão listados no artigo 11º da LRT.
H. O incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito dos deveres principais, de deveres secundários ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações acolhido no nº 2 do artigo 752.º do CC e reiterado no artigo 7.º da LRT.
I. Entre eles figura o dever de guardar lealdade ao empregador, referindo o parágrafo 5) do nº l do artigo 11.º apenas um afloramento do dever de lealdade, como flui do termo “nomeadamente” aí utilizado.
J. O requisito da impossibilidade da subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte de manutenção do contrato, e não apreciado como impossibilidade objectiva.
K. Existe impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador, que seja susceptível de criar no espírito deste a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.
L. Violados os referidos deveres de obediência e lealdade, bem como atendendo ao circunstancialismo específico do caso concreto e à conduta do Recorrido, sérias e fundadas dúvidas sobre a idoneidade da sua prestação futura foram inevitavelmente geradas, fazendo colapsar o suporte psicológico em que assentava a relação fiduciária do empregador, ora Recorrente, a quem não é exigível, por isso a manutenção do vínculo.
M. No presente caso existiu uma quebra de confiança e os factos são de tal modo graves que tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho, verificando-se, pois, a existência de justa causa para a resolução do contrato, nos termos do artigo 68.º n.º 1 e 2 da LRT.
N. O único suposto facto dado como provado para determinação do montante a atribuir a título de danos morais foi a conclusão de que “O despedimento provocou ao A. um forte abalo psicológico”.
O. O conceito de “forte abalo psicológico” é, reitera-se, uma conclusão sem qualquer suporte factual e revela-se assaz insuficiente, no entender da Recorrente, para se determinar a atribuição de qualquer quantia a título de indemnização por danos morais.
P. A sentença recorrida violou as normas ínsitas nos artigos 5.º, 7.º, 11.º, nº1 parágrafos 4), 5) e 9) da LRT e nos artigos 489.º, nº1, e 752.º, nº2, do cc.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
a) considerando-se que existiu justa causa na resolução do contrato de trabalho do Recorrido, devendo a Recorrente ser absolvida de todos os pedidos; ou, caso assim não se entenda,
b) considerando-se que nenhuma quantia deve ser atribuída a título de danos não patrimoniais, por não provados, Fazendo-se desta forma a desejada JUSTIÇA!».
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Respondeu o autor ao recurso, sintetizando as suas alegações do seguinte modo:
«I - O presente recurso não deverá ser admitido já que, embora tecnicamente possível, irremediavelmente prejudicada está a análise da sua substância, dado ter sido julgada NÃO PROVADA pelo Tribunal de 1 a Instância, em sede de julgamento, a matéria constante do novo quesito, mandado integrar na Base Instrutória pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância na sequência do anterior recurso da Ré;
II - Não assiste qualquer razão à ora Recorrente, ao continuar a insistir na tese da 'Justa causa” do despedimento do Autor; e se já não tinha razão antes, menos a tem agora, após ter sido dada por NÃO PROVADA a matéria constante do quesito mandado aditar à Base Instrutória pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância na sequência do anterior recurso da ora Recorrente.
Termos em que,
Deverá o presente recurso ser rejeitado ou, no caso de assim se não entender, ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.».
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1) O A. foi admitido na empresa R. em 16/02/2004, com a categoria de fiscal (controller) do sector de produtos alimentares (Food & Beverage), auferindo um salário mensal de MOP27,500.00 (vinte e sete mil e quinhentas patacas). (A)
2) Com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2006, foi promovido a gerente regional do sector de compras, nível C1 (Regional Procurement Manager of Regional Procurement Department, Job Grade C1), com um vencimento mensal de MOP40,000.00 (quarenta mil patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 11 de Setembro de 2006 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 1) (B)
3) O A. foi elevado à categoria de gerente superior regional do sector de compras (Senior Regional Procurement Manager of Regional Procurement Department), com um vencimento mensal de MOP48,000.00 (quarenta e oito mil patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 20 de Junho de 2007 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 2) (C)
4) Com efeitos a partir de 1 de Março de 2009, foi o A. promovido a director associado do sector de compras e abastecimentos, nível C1 (Associate Director of Procurement and Supply Chain, Job Grade C1), com um salário mensal de MOP61,600.00 (sessenta e uma mil e seiscentas patacas), conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 19 de Março de 2009 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 3) (D)
5) O A. sempre foi um funcionário cujo desempenho profissional a empresa R. tinha em alta consideração. (E)
6) O qual é classificado de EXCEPCIONAL (outstanding), conforme o teor da cópia do respectivo formulário da empresa R. cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (doc. 5) (F)
7) Pelo convite que lhe foi endereçado, em meados de Junho de 2007, pela empresa R., para integrar um programa especial de incentivo profissional, equivalente a 6 meses de salário correspondente ao vencimento que auferisse em 30 de Junho de 2010, pagável em Julho de 2010, conforme o teor da cópia da carta da empresa R. enviada ao A. em 16 de Junho de 2007. (G)
8) Por carta datada de 11 de Julho de 2009, a empresa R. decidiu terminar o contrato de trabalho com o A., a Ré comunicou ao Autor, que o despedia porque utilizou repetidamente um cartão que lhe não pertencia, assim utilizando o parque de estacionamento do público durante as horas de serviço e usando um esquema para fugir ao pagamento do custo de estacionamento, bem sabendo que esta conduta violava os regulamentos da empresa e que não tinha direito a estacionar no parque de estacionamento do público, conforme o teor da cópia da carta de despedimento da empresa R. enviada ao A. em 11 de Julho de 2009. (3º e 35º)
9) Sendo que o regulamento de que o A. tem conhecimento versar sobre tal matéria, datado de 1 de Março de 2008, é o que consta da cópia cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (doc. 7 junto com a petição inicial). (5º)
10) Que consagra o direito que os funcionários da R têm de estacionar as suas viaturas nas instalações da R, regulamente esse que se aplica aos trabalhadores da R cujo nível (Job Grade) das funções desempenhadas ao serviço da R., esteja compreendido entre “A” e “D2”. (6º)
11) Sendo que, desde 1 de Setembro de 2006, o nível atribuído ao ora A. é “C1”., nível esse que lhe confere o direito a usar o parque de estacionamento que a R. disponibiliza aos seus trabalhadores. (7º)
12) Nos termos da cláusula 9. do contrato de trabalho celebrado entre as partes: o presente Contrato pode ser resolvido por qualquer das partes desde que, para o efeito, a resolução seja comunicada por escrito com uma antecedência mínima de 1 (mês) ou, em sua substituição, fazendo-se o pagamento equivalente a 1 (um) mês de vencimento. (10º)
13) O A., que era bem considerado no meio da empresa. (14º)
14) Respeitado por superiores, colegas e subordinados. (15º)
15) O despedimento provocou ao A. um forte abalo psicológico. (17º)
16) Atenta a sua categoria (C1 desde 1 de Setembro de 2006), o Autor não tinha direito a usar gratuitamente o parque estacionamento público da Ré. (19º)
17) O superior hierárquico do Autor, C, tinha direito a estacionar no parque de estacionamento do público, porque detinha a categoria B1. (20º)
18) Foi a C atribuído o cartão nº3178, ao qual foi associado o veículo com a matrícula MK-82-XX. (21.º)
19) Na sequência da investigação foram apurados os seguintes factos:
No dia 8 de Junho de 2009:
12:00 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
19:07 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento com o cartão nº 3178, tendo o condutor entregue posteriormente o cartão a um terceiro;
19:10 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento com o cartão nº 3178;
19:45 o Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente. (22.º)
20) No dia 9 de Junho de 2009:
08:31 Um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:37 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:44 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
17:31 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão nº 3178 e foi-se embora;
19:06 um Nissan branco com a matrícula MM-70-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com o cartão nº 3178 e foi-se embora;
19:40 um Mazda preto com a matricula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178;
20:44 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente. (23.º)
21) No dia 10 de Junho de 2009:
08:14 um Toyota bronze com, a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:19 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:58 um BMW ciano comia matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento usando o cartão nº 3178. De seguida, deixou o cartão que foi usado pelo condutor do carro seguinte;
12:58 um Toyota bronze com a matrícula MK.-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que lhe foi deixado pelo condutor anterior;
18:14 um Nissan branco com a matrícula MM-70-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro apareceu, abriu a porta com cartão nº 3178 e foi-se embora;
22:15 um Toyota bronze com a matrícula MK.-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178, entregando-o depois a um terceiro. (24.º)
22) No dia 11 de Junho de 2009:
00:31 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178;
08:37 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:50 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
19:04 um Nissan branco com a matrícula MM-70-XX saiu do parque de estacionamento usando o cartão nº 3178, tendo depois entregue o mesmo a um terceiro;
19:14 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento. Um terceiro usou o cartão nº 3178 para que ele pudesse sair e foi-se embora;
19:39 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178;
19:58 um Toyota bronze com a matrícula MK82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão n” 3178 normalmente. (25.º)
23) No dia 12 de Junho de 2009:
08:26 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:31 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:28 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178; de seguida deixou o cartão para que o próximo condutor o pudesse usar;
12:28 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que lhe foi deixado pelo anterior condutor;
13:23 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
18:17 um Toyota bronze com a matrícula MK -82-XX saiu do parque, de estacionamento, tendo o condutor deixado o cartão nº 3178 para que o próximo condutor o pudesse usar;
18:17 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 deixado pelo anterior condutor. (26.º)
24) No dia 15 de Junho de 2009:
08:27 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX entrou no parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
08:34 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
12:03 um Mazda preto com a matrícula MM-92-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que entregou depois a um terceiro;
13:14 um Toyota bronze com a matrícula MK-82-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 normalmente;
17:25 um BMW ciano com a matrícula MN-51-XX saiu do parque de estacionamento, tendo o condutor usado o cartão nº 3178 que entregou a um terceiro. (27.º)
25) O veículo com a matrícula MK-82-XX estava registado em nome de D, e era usado por C. (28.º)
26) O veículo MN-51-XX era usado por A, ora Autor; o veículo MM-92-XX era usado por E, “Procurement Manager”; o veículo MM-70-XX era usado por F, “procurement Officer”. (29.º)
27) O Autor, E e F eram todos subordinados de C. (30.º)
28) Nos termos do “Team Member Parking at the Venetian Macao Resort-Hotel” , documento junto pelo Autor à p.i. com o n.º 7: “Para não afectar os espaços de estacionamento, disponíveis para os hóspedes, os membros da equipa sem direito a estacionamento não podem estacionar no Estacionamento dos hóspedes Sena o estiverem em serviços. (31.º)
29) O acesso ao parque de estacionamento do público, pelos funcionários que a ele tenham direito, é feito através do uso de um cartão. (32.º)
30) A avaliação da alínea F) foi feita por C, superior hierárquico do Autor. (33.º)».
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III - O Direito
1 - O caso
Procurou o autor da acção ilustrar ao tribunal o injusto despedimento de que dizia ter sido vítima, apenas pelo simples facto de ter utilizado o parque de estacionamento público do centro comercial “B” durante o horário de serviço, alegadamente usando um esquema para fugir ao pagamento do respectivo custo.
O autor considerou, desde sempre, que o motivo invocado pela sua entidade patronal não passou de um pretexto sem fundamento legal. E na tentativa de o demonstrar, alegou ter realmente estacionado o seu veículo nas instalações da Ré durante o horário de serviço, porém sem desobedecer a qualquer ordem dos seus superiores hierárquicos, que, segundo disse, nunca o instruíram ou lhe deram quaisquer directivas em matéria de estacionamento. E, por outro lado, o primeiro regulamento de que tem conhecimento sobre este assunto, datado de 1/03/2008, apenas se aplica aos trabalhadores ao serviço da Ré cujo nível esteja compreendido entre”A” e “D2”, sendo que, desde 1/09/2006 o seu nível era “C1”, que lhe conferia o direito de usar o parque para estacionamento de viatura própria.
A primitiva sentença proferida em 16/01/2013 concedeu, face à prova produzida, que o autor não tinha direito de usar o parque de estacionamento público da Ré, usando mesmo o cartão de estacionamento de outrem para a ele ter acesso. Todavia, não tomou essa conduta por suficientemente dotada de gravidade para tornar praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Por tal motivo, entendeu não haver justa causa na resolução do contrato e condenou a ré no pagamento de uma determinada quantia indemnizatória.
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O Tribunal de Segunda Instância, contudo, em recurso para si interposto, achou, na esteira da posição da recorrente, quanto a parte da matéria de facto, que não havia sido levada à Base Instrutória, que os autos ainda não estavam dotados de um elemento importante que pela Ré havia sido invocado, concernente à afectação da sua autoridade e imagem perante os seus próprios empregados. Esta matéria factual foi tida como importante para preencher a ideia de “gravidade” da conduta do autor e, portanto, ao mesmo tempo permitir uma tranquila subsunção da factualidade apurada à noção de “insubsistência da relação contratual”. E, nesse pressuposto, ordenou a baixa dos autos à 1ª instância para apuramento dessa matéria.
Mas o quesito aditado (36º), conforme despacho de fls. 299 dos autos, não foi provado.
E, nessa sequência, de novo veio a ser proferida sentença reiterando a inexistência de justa causa para o despedimento e, em consequência, condenou a ré no pagamento da indemnização de Mop$ 260.000,00.
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2 - Do recurso
Padecerá de alguma falha a sentença? Terá incorrido ela em algum erro de julgamento?
A ré/recorrente acha que sim, centrando a sua atenção, em primeiro lugar, na gravidade da conduta do autor, tanto que a entendeu incompatível com a manutenção da relação laboral, e em segundo lugar, e subsidiariamente, no valor da indemnização pelos danos morais.
Vejamos, então.
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3 - Da resolução do contrato
3.1 - Recordemos que o autor era um funcionário muito competente, razão pela qual foi ascendendo na hierarquia interna da organização da ré (cfr. alíneas C), D), E), F) dos factos assentes, e resposta aos arts. 14º, 15º da base instrutória).
Mas, porque utilizou de forma gratuita e repetidamente o parque de estacionamento da empresa que era destinado ao público, quando devia servir-se de outro lugar de aparcamento que a B destina aos seus funcionários com os níveis “A” a “D2” (o do autor era o “C”), conforme regulamento interno, por esta foi despedido.
Como se sabe, segundo a Lei nº 7/2008, de 18/08/2008 (Lei das Relações de Trabalho), uma das formas de cessação do contrato de trabalho é a resolução (art. 66º, al. 2)).
Sendo certo que a resolução põe termo ao contrato, haja ou não lugar a justa causa (art. 68º, nº1), entende o diploma citado, por outro lado, que “Constitui, em geral, justa causa para a resolução do contrato qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Dito isto, a “justa causa” desenvolve-se em torno de duas condições:
a) Antes de mais, o facto/circunstância (acção ou omissão) deve ser grave;
b) Depois, deverá tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Evidentemente, a gravidade pode ter várias nuances. Pode ser a gravidade da conduta em si mesma, pode ser a gravidade das consequências, ou ambas as coisas. Só o caso concreto haverá de denunciá-la. E, por outro lado, nem só a gravidade economicamente quantificável deve ser o critério aferidor1. Outros factores influenciam a gestação do conceito. Como este TSI afirmou no acórdão anterior destes autos2, “…não é tanto a dimensão do dano que serve de refúgio e fundamento à decisão, mas outros valores podem estar em causa, tais como a noção de “perda de face”, a ideia de quebra de autoridade da entidade patronal perante todos os seus empregados, a consciência de ela ter nas suas fileiras alguém muito competente, mas insubmisso às regras regulamentares internas. No limite, a concessão de uma desculpabilização que ela pudesse ter para com a atitude do seu empregado podia, inclusive, ser vista pela maioria dos restantes empregados como uma cedência discriminatória (discriminação positiva) do patrão em relação a uma pessoa em particular, o que também não seria frutuoso para a paz social no interior da empresa”. Isso também é gravidade. Gravidade que todo o mundo entende, por ser objectiva; gravidade, que a lesada sofre, por lhe dizer directamente respeito.
E era já por isso que dizíamos no referido aresto que “…a uma luz objectivista sobre o modo como deve o tribunal fazer o exercício do preenchimento do conceito de justa causa…o entendimento é o de poder ser grave o desrespeito cometido pelo trabalhador no incumprimento das regras de disciplina comportamental estabelecidas pela entidade patronal no que concerne ao estacionamento dos seus empregados nos moldes acima vistos… Objectivamente, ele pode ser grave, não pelo valor da pecúnia que deixou de entrar nos cofres da empresa, mas pelo desvalor do comportamento infiel traduzido na violação plúrima e às escondidas de um dos deveres contratuais do empregado. Não está em causa um dever principal de bem trabalhar, de bem prestar o serviço, de ser eficiente, etc, etc. Mas já pode estar em causa um dever secundário de respeitar as ordens internas da entidade patronal vertidas em regulamento próprio - que era do conhecimento do trabalhador – sobre o modo como devia utilizar o seu direito ao aparcamento automóvel3. Aliás, entenda-se, se até os deveres acessórios ligados ao comportamento privado do trabalhador nem sempre podem ser arredados do nexo laboral4, conduzindo a sua violação culposa e grave à insubsistência do vínculo5, maior razão parece existir no caso presente para tal, pois o que se discute é uma atitude do trabalhador reflectida no espaço da unidade onde está instalado o seu local de trabalho, uma atitude que funciona exactamente contra os ditames do “bem servir” o patrão, conferindo à expressão destacada entre aspas a ideia de obediência às necessidades de organização da empresa, de cumprimento das regras internas de disciplina e de funcionamento e ocupação dos seus espaços. A situação pode, assim, cair sem esforço sob a alçada da previsão do art. 11º, nº1, als. 4) e 9), da lei citada. Circunstância agravada pelo facto de o recorrido ser director associado do sector de compras e abastecimentos desde 1 de Março de 20096. Mesmo secundário este dever, ele não deixa de ter importante reflexo na relação laboral”.
Por conseguinte, segundo um juízo objectivo dominado pela noção do “bonus pater familiae”, poderíamos à partida não estar liminarmente na presença de uma atitude desculpável e de culpa moderada do autor. E, por isso, concluíramos, que a actuação deste era inadequada e ilícita, na medida em que contrariava um Regulamento interno da empresa sobre o aparcamento automóvel dos seus empregados, o que ele bem sabia. Houve por parte do autor indisciplina, desobediência e desrespeito de regras, mesmo secundárias que fossem. Sem dúvida.
Mas, para além dessa inadequação e ilicitude, ainda faltaria encontrar o núcleo factual de onde irradiasse com toda a clareza a gravidade do facto. Era preciso ir à procura do desvalor maior que a actuação repetida do autor pudesse representar. A ré não poderia permitir ter entre as fileiras dos seus empregados alguém que pusesse em causa a sua posição contratual. Por isso, argumentava ela, a actuação do autor minou a autoridade da empresa e afectou a sua imagem perante os restantes trabalhadores. Esta invocação, parecendo ser conclusiva, era, apesar de tudo, factual e demonstrável. E uma vez demonstrada, aí residiria a grande prova da gravidade do facto. Foi a tese do acórdão.
Todavia, a ré não conseguiu fazer prova de ter perdido essa autoridade, nem ter visto afectada a sua imagem perante os outros trabalhadores.
Sendo assim, ficou apenas uma actuação inadequada, inapropriada, eticamente censurável, e ilícita, sem dúvida, mas, objectivamente sem aquela dose de gravidade que o senso comum pode imediatamente apreender e detectar: nem económica (os prejuízos não serão significativos), nem de violação profunda de valores e deveres fundamentais da essência da relação laboral (a violação deu-se nos deveres acessórios dessa relação, como o aresto mencionado argumentou e que ora nos escusamos de repetir).
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3.2 - Mas, então, se não era grave a ofensa, fica pouco ou nenhum espaço para a densificação da segunda condição: a insubsistência da relação laboral.
O que haveria de levar a B a despedir o seu trabalhador “excelente” perante este deslize comportamental? Onde reside essa crise insuperável nas relações de confiança entre empregador e empregado? Com que base se poderia fazer um juízo de prognose tão negativo acerca do comportamento futuro deste empregado a ponto de justificar a ruptura neste momento? Onde estão os factos que pudessem permitir um juízo de infidelidade latente e duradouro neste trabalhador, que levassem a sua entidade patronal a não mais confiar nele?
Procurou ela indagar junto do trabalhador as causas directas da sua actuação inapropriada? Colheu dele a garantia de que não mais a repetiria? Por que não o tentou ela? Tivesse ela feito uso dessa indagação directa e talvez a “teoria da segunda oportunidade” viesse a gerar ainda um melhor funcionário (que excelente já era), mais frutuoso, porventura mais produtivo, numa relação pacificada de que ambos sairiam muito provavelmente a ganhar.
Os factos são agora curtos. Objectivamente, não temos elementos para densificar a referida insubsistência e, do ponto de vista subjectivo e psicológico por parte da empresa, também não vemos que motivos pudesse ela invocar em favor da referida prognose negativa que a levasse a pôr um termo abrupto nesta relação, se o facto se não mostrou grave (nem em si mesmo, nem nas suas consequências).
Probidade, honestidade, fidelidade, sim, são valores vitais em qualquer relação. Mas, nada em contrário de cada uma dessas virtudes se passou no espaço fulcral do exercício da função, e se alguma quebra de lisura e licitude existiu por parte deste empregado/director foi apenas no âmbito de um dever acessório, que simplesmente o impedia de estacionar num sítio que não lhe era destinado.
É por isso que pensamos neste momento, sempre com a maior consideração por opinião contrária, que não havia, neste caso, causa justa para a resolução do contrato.
Neste ponto, portanto, não achamos que a sentença mereça censura.
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4 - Dos danos morais.
A sentença sob censura calculou a indemnização pela seguinte forma:
- Para a indemnização pela cessação sem justa causa, segundo o disposto nos arts. 69º, nº4 e 70º, nº4, da LRT, obteve o valor de Mop$ 75.600,00.
- Por não havido respeito do prazo de aviso prévio, nos termos do art. 72º, nº3, als. 1) e 4), da LRT, e, especialmente, nos termos do facto 10º da BI, fixou o valor de Mop$ 61.600,00.
- A título de danos morais, e face ao teor do facto 15 da B.I., atribuiu o valor de Mop$ 123.200, ou seja, o equivalente a dois meses de remuneração.
A recorrente, diferentemente, entende que apenas aquele facto (15º da BI), sem o auxílio dos factos 16º e 18º da BI, não provados, não justifica a atribuição de qualquer indemnização a esse título. Só isso está em causa.
Vejamos.
O facto com base no qual se concedeu indemnização pelos danos morais é o de que “O despedimento provocou ao A. um forte abalo psicológico”. Certo é que a sua imagem perante todos não teria sido afectada com o despedimento (resposta negativa ao quesito 16º) e, por outro lado, o despedimento não teria constituído uma nódoa na sua reputação profissional (resposta negativa ao quesito 18º).
Que haja lugar a indemnização por despedimento sem justa causa, já o afirmou este Tribunal7.
E na jurisprudência comparada também o disse já o STJ em acórdão de que transcrevemos o seguinte trecho8:
«E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, pois estabelece o art. 496º/1 do CC, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º...” ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais são aqueles «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral» [In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378].
No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual [Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285].
Dentro desta concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo, se justifica que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração [vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104].
Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.
E estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial carecem de ser observados no âmbito do direito laboral por este nada de específico conter nesta matéria.
Deste modo, em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador.
Note-se que, independentemente da lesão destes bens da natureza espiritual, assiste direito à entidade empregadora de fazer cessar a relação laboral com um seu trabalhador, quando levada a efeito dentro do condicionalismo imposto pela lei, sendo que em tal situação dificilmente poderá ter cabimento uma indemnização por danos morais, a menos que se use, sem necessidade, de procedimento lesivo daqueles bens.
Acresce que mesmo no caso de a entidade empregadora promover um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, produza danos não patrimoniais ao mesmo trabalhador, sempre haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito.
É que pode suceder que apesar de a entidade empregadora ter promovido um despedimento ilícito não patenteie um comportamento gravemente culposo, consideradas as circunstâncias envolventes desse despedimento.
Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais».
Pois bem. Um “abalo psicológico”, embora algo conclusivo, ainda assim consegue transmitir uma realidade no mundo dos factos. Isto é, chega para fazer entender o significado e a repercussão emocional que o facto (despedimento) possa desencadear na vida da pessoa atingida. E se esse abalo ainda por cima for “forte”, então ainda mais se compreenderá o estado emocional em que o autor ficou. Neste sentido, a falta de prova daqueles outros dois factos pouco desvalor confere à situação.
Claro, o art. 489º do CC apenas reconhece indemnização pelos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, em qualquer caso, atendendo às circunstâncias referidas no art. 487º.
Ora, a verdade é que a ilicitude foi confinada a um dever secundário, o grau de culpa do autor não terá sido assim tão grande, a repercussão económica para a ré terá sido incipiente. Atendível será, depois, a circunstância de o autor ser director da empresa e de não haver para a ré nenhuma perda de autoridade e de imagem perante os restantes elementos da empresa. Então, este despedimento acabou por ser penoso (e não expectável) para o autor e, daí, o “forte abalo psicológico” que sofreu. Merece, pois, a tutela do direito.
A 1ª sentença lavrada nos autos (revogada pelo acórdão de fls. 271 e sgs.) tinha fixado a indemnização no valor de Mop$ 30.000,00 (menos de um mês de salário); a lavrada a fls. 324 e sgs. elevou-a para Mop$ 123.200,00 (dois meses de salário). Pela nossa parte, por tudo quanto se disse, afigura-se-nos sensato e prudente o valor indemnizatório correspondente a dois meses de salário, tal como foi decidido; logo, Mop$ 123.200,00.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.
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IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelas partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.
TSI, 29 de Maio de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Júlio Gomes, Direito de Trabalho, Vol. I, “Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 951.
2 Ac. dE 6/06/2013, Proc. nº 243/2013.
3 Neste sentido, e com exemplos vários retirados da jurisprudência, ver Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª ed., pág. 987
4 A vida pessoal, as suas escolhas, as suas preferências, as suas atitudes fora da relação laboral apenas a ele dizem respeito e não podem ser causa de despedimento. Todavia, já não se pode, absolutamente, dizer que transpostos os portões da fábrica o trabalhador pode fazer o que bem quiser, se de algum modo o seu comportamento for indissociável da sua própria profissão, isto é, se a sua acção estiver relacionada com o contrato de trabalho (Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, cit., pág. 971-975).
5 Pedro Romano Martinez, ob. cit., pag. 992.
6 Se é certo que o trabalhador deve, em princípio, abster-se de qualquer acção contrária aos interesses do empregador, “Nos cargos de direcção a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador” (Monteiro Fernandes, ob. cit., pag. 241).
7 Ac. TSI, de 3/05/2007, Proc. nº 201/2007.
8 Ac. STJ, de 25/01/2012, Proc. nº 4212/07.8TTLSB.L1.S1. No sentido de que, na atribuição da indemnização se deve atender ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso, ver Ac. do STJ, de 10/04/2014, Proc. nº 55/08.
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