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Processo nº 158/2013
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 5/Junho/2014


Assuntos:
- Autorização de trabalho de não residente
- Princípio da adequação e proporcionalidade
- Princípio da justiça e igualdade
- Desrazoabilidade na actividade discricionária
- Autorização de residência; condenação em pena efectiva de pena privativa de liberdade

SUMÁRIO :
    1. Tem-se como não verificado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto rebatidos na petição de recurso se eles não foram acolhidos na decisão fundamento.
    2. Não há desrazoabilidade se se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.
    3. Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
    4. O princípio da justiça prende-se com o acatamento das regras basilares que informam a consciência, e o sentido, jurídico da comunidade, também não se perfila qualquer incumprimento em termos de ferir o núcleo de um direito fundamental.
    5. Se a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde, se imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, configura-se como materialmente justa, compreendendo-se que as razões de segurança e estabilidade da sociedade podem levar a que não se autorize a trabalhar em Macau quem tenha sido condenado em pena privativa de liberdade
    6. A previsão da al. 2) do n.º 2 do art.º 4° da Lei 3/2003, refere-se à pena concreta, pressupondo que efectivamente o não residente tenha sido condenado em pena privativa de liberdade.
     O Relator,
     João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 158/2013
(Recurso Contencioso)

Data : 5 de Junho de 2014

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A , não se conformando com o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, proferido em 23 de Janeiro de 2013, que lhe indeferiu, em sede de recurso hierárquico necessário, o pedido de autorização de trabalhador não residente, dele vem recorrer, alegando, em síntese:
a) No despacho recorrido mantinha-se recusar emitir ao recorrente a autorização de permanência na qualidade de trabalhador, justificando-se principalmente pelo disposto do art.º 11.º n.º 1 alínea 3) da Lei n.º 6/2004 e do art.º 15.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010.
b) No caso do recorrente, baseando-se apenas na prática anterior de crime, a entidade recorrida considerava que o recorrente constituía perigo para a segurança ou ordem públicas.
c) Consiste num conceito indeterminado se constituía ou não “perigo para a segurança ou ordem públicas”.
d) Na apreciação e na interpretação devem tomar como base de consideração vários factores objectivos, pelo menos, não devem ponderar só um facto.
e) No caso, para além de considerar se o recorrente tem ou não antecedente criminal, deve ponderar todos os outros factores que permitam formar um juízo favorável, tais como: se é bom o comportamento do recorrente anterior e posterior do crime, se obedece à sentença, a personalidade dele, a sua vida em Macau e os seus contributos.
f) Objectivamente, em todo o despacho recorrido ou na decisão administrativa anterior, a entidade recorrida não considere justa e completamente os factores acima expostos.
g) Faltando a suporte de factos e indícios objectivos que revelem circunstâncias negativas do recorrente, deixa de considerar que o recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas por causa dum facto da condução em estado de embriaguez por uma vez.
h) Ao aplicar o art.º 15.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010 e o art.º 11.º n.º 1 alínea 3) da Lei n.º 6/2004, ponderando parcial e unitariamente o antecedente criminal do recorrente, o despacho recorrido reconheceu que o recorrente constituía perigo para a segurança ou ordem públicas, o que violou o princípio da justiça, previsto no art.º 7.º do Código de Procedimento Administrativo, portanto, nos termos do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo, é anulável.
i) Em face de um único facto da condução em estado de embriaguez, se ainda sofrer o indeferimento da autorização de permanência na qualidade de trabalhador para além da sanção do crime e do cancelamento do Bilhete de Identidade por mesmo motivo, constitui uma repetição da punição ou consequência negativa relativa a só uma conduta.
j) Considerando o princípio da adequação e proporcionalidade, não se deve sofrer, no âmbito administrativo, por duas vezes, as consequências negativas por causa de só um mesmo facto.
k) Pelo que, o despacho recorrido padece do vício da violação do princípio da adequação e proporcionalidade, previsto no art.º 5.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, nos termos do art.º 124.º do mesmo Código, é anulável.
l) Pelo exposto, padece do vício da violação do princípio da adequação e proporcionalidade o despacho recorrido emitido aos 23 de Janeiro de 2013 pela entidade recorrida em que recusou ao recorrente a autorização de permanência na qualidade de trabalhador, nos termos do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo, é anulável, o que constitui a motivação do recurso contencioso interposto nos termos do art.º 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.

Pelo exposto, pede que seja julgado o despacho recorrido violador do princípio da justiça e do princípio da proporcionalidade previstos respectivamente nos art.ºs 7.º e 5.º do Código de Procedimento Administrativo e, portanto, sejam anulados o despacho recorrido e os respectivos efeitos jurídicos derivados deste nos termos do art.º 124.º do mesmo Código.

    2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau contesta, dizendo, em suma:
    O recorrente, embora identificando correctamente o despacho recorrido, contra-argumenta do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) de 15/10/2012, como o acto sobre o qual imputa o vício de violação de lei e a violação dos princípios mencionados no artigo 2.º da presente contestação.
    Os argumentos que invoca não se podem dirigir ao despacho recorrido, pois aí, os fundamentos invocados são outros que não os rebatidos no presente recurso.
    Quanto à violação dos princípios invocada, o indeferimento do pedido de autorização de permanência na qualidade de TNR configura o exercício de um poder discricionário da Administração, cuja lei confere uma dimensão alargada na sua actuação estando contudo, aquele exercício, sujeito à sindicância do poder judicial apenas nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade (art. 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC)
     Pese embora tenha sido revogada a autorização de residência não permanente ao recorrente, nada obsta a que a mesma entidade administrativa decida, posteriormente, pela não concessão da autorização de permanência na qualidade de TNR, decisão que tendo identidade de sujeitos (face à anterior) não tem identidade de facto e de direito nem identidade de objecto.
    Por conseguinte, advertindo o princípio ne bis in idem para o não julgamento mais do que uma vez pelo mesmo facto e estando perante uma decisão administrativa, de natureza não judicial, deve improceder o entendimento alegado, pelo recorrente, que a decisão em apreço configura uma violação do princípio referido (cfr., § 27 da P. R.).
    No que respeita aos princípios da proporcionalidade e da justiça, o acto administrativo discricionário em crise, em face das circunstâncias do caso aqui e no processo instrutor descritas, é idóneo porque se mostra adequado à prossecução do interesse público consubstanciado na defesa da segurança e ordem públicas.
    É também necessário porque se traduz no único meio de prosseguir a defesa do interesse público da forma menos inconveniente para o interesse individual privado.
    E, é igualmente, em face da sua natureza de conteúdo totalmente negativo, e por consequência do que vem dito nos artigos precedentes, um acto proporcional em sentido estrito porque não traduzível em qualquer exercício gradativo uma vez que se limita ao indeferimento do pedido como única atitude possível ante a decisão de não satisfazer a pretensão do requerente.
    Por último, a decisão em causa não postergou o princípio da igualdade consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do CPA porque com a prática do acto impugnado não se verificou, nem o recorrente o concretizou, a utilização pela entidade recorrida, no exercício da actividade discricionária, de critérios decisórios substancialmente distintos daquele que usou em outros pedidos de autorização de permanência na qualidade de TNR com idênticos contornos dos da situação em apreço.
    Nem procede a invocada violação do princípio da justiça, previsto no artigo 7.º do CPA, imputado à decisão discricionária em crise porque, desdobrando-se este princípio, designadamente, nos princípios da igualdade e da proporcionalidade, e não se tendo verificado a violação destes, conforme se demonstra supra arts. 8º a 22.º, não pode o recorrente, por consequência, alegar a violação do primeiro.
Termos em que pede seja negado provimento ao recurso.

3. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Vem A impugnar o despacho do Secretário para a Segurança de 23/1/13 que, em sede hierárquica, manteve decisão do Comandante do CPSP de indeferimento de pedido de autorização de permanência na RAEM, na qualidade de trabalhador não residente (TNR), assacando-lhe vícios de atropelo dos princípios da justiça, adequação e proporcionalidade.
    Cremos que, sem razão, pelo menos quanto ao que concretamente alega.
    A propósito da pretensa violação do princípio da justiça, invocando a falta de preenchimento do conceito indeterminado sobre a efectiva existência de "perigo para a segurança e ordem públicas" decorrente da sua presença na RAEM, parece não ter o recorrente atentado devidamente no conteúdo do acto que impugna, pois que o mesmo expressamente afasta a aplicabilidade ao caso do disposto no art° 11 0, n° 1, al. 3) da Lei 6/2004 (normativo atinente à revogação da autorização de permanência no caso de a presença do visado constituir o dito "perigo") anteriormente invocado no acto primário, fazendo questão de, em seu lugar (conjugando com o art. 15°, n.º 1 do R.A. 8/2010), aplicar o disposto no art. 4°, n.º 2, al. 2) da Lei 4/2003, o qual prevê a recusa de entrada na RAEM por os visados "terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior", não fazendo, pois, sentido e revelando-se mesmo inócua a esgrima com o preenchimento (ou falta dele) daquele conceito em que o recorrente assenta a sua alegação na matéria.
    Para o que conta, encontra-se demonstrado e não é sequer contestado ter o interessado sido condenado, com trânsito, na pena de 3 meses de prisão substituídos por multa, por sentença proferida no TJB/1º Juízo Criminal, por prática de crime de condução em estado de embriaguez, factual idade que a entidade recorrida entendeu preencher os pressupostos jurídicos em que a decisão efectivamente assentou.
    No que tange à adequação e proporcionalidade, faz o recorrente questão de salientar ter já sofrido as "consequências negativas" resultantes da sanção criminal, para além de lhe ter sido cancelado o bilhete de identidade de residente não permanente, razão por que entende que o presente indeferimento "constitui uma repetição de punição ou consequência negativa relativa a uma só conduta".
    Pois bem:
    É um facto que as decisões da Administração que, como é o caso, colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim pretendido e o meio utilizado para o efeito, impondo-se, pois, que este seja idóneo à prossecução do objectivo a prosseguir, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação, não se podendo impor aos particulares um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, sob pena de a decisão administrativa se revelar injusta.
    Encontramo-nos, de resto, em domínio em que a Administração actua no exercício de poderes discricionários, pelo que a decisão controvertida só poderia ser alvo de controle jurisdicional se de um modo intolerável atropelasse tal princípio, constatando-se que, manifestamente, ostensivamente, as limitações dos direitos ou interesses dos particulares se não revelam idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelo acto.
    Sendo certo que a mera constatação da existência de condenação criminal em pena privativa de liberdade não vincula a Administração à denegação do pedido de permanência na RAEM, a verdade é que também se não descortina, no caso vertente, que a entidade recorrida, ao decidir como decidiu (conquanto se verificassem os necessários pressupostos), se tenha desviado do objecto legislativo da Lei 4/2003, ou que, no exercício dos poderes discricionários conferidos pela norma em questão, tenha cometido erro grosseiro ou manifesto, sabendo-se que só tal erro ou a total desrazoabilidade no exercício daqueles poderes podem constituir forma de violação de lei judicialmente sindicável.
    De resto, encontrando-nos, no caso, face a simples decisão de não autorização de residência na RAEM, não se vê que outra ou outras medidas pudessem ser tomadas : ou era a denegação do pretendido, ou o seu oposto, inexistindo a esse respeito qualquer espécie de gradação, pelo que visando o acto prosseguir a prevenção e salvaguarda da segurança e estabilidade da RAEM, não se descortinam que outros valores ou interesses adiantados pelo recorrente se lhes pudessem sobrepor.
    Aliás, bem vistas as coisas, a sua argumentação relativa a pretensa repetição da punição sobre a mesma conduta não faz qualquer sentido: uma coisa são os resultados próprios da sanção penal, com os interesses a ela inerentes, designadamente a punição e ressocialização dos delinquentes, outra, bem diversa, são as possíveis consequências, noutros domínios, designadamente o administrativo, onde relevam primordialmente interesses de ordem pública e segurança da comunidade da RAEM, sendo que, se assim não fosse, nem sequer teria cabimento a própria previsão legal na matéria que agora especificamente nos ocupa, o que se revelaria um perfeito absurdo.
    Tudo verteria, pois, em nosso critério, no sentido da improcedência de qualquer dos vícios assacados.
    Queda, porém, questão que, não tendo sido alegada na P.I. e alegações, não poderemos deixar de suscitar, até por ter sido já objecto de escrutínio neste Tribunal, no âmbito do proc. 644/2011, tal seja a de apurar se o tipo de pena aplicada ao aqui recorrente - 3 meses de prisão, substituída por multa e pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 3 meses - reveste ou não a qualidade de pena "privativa de liberdade" para os efeitos da norma em que se estribou o decidido, isto é, a al. 2) do n.º 2 do art.º 4° da Lei 3/2003.
    Não revestindo especial complexidade material, a questão não deixará de suscitar algumas dúvidas.
    É que se é certo que a redacção da al. 3) do n.º 2 da norma em questão, ao permitir a recusa de entrada pelo facto da existência de (apenas) fortes indícios da prática de qualquer crime (independentemente da respectiva natureza ou pena), parece apontar no sentido da vontade do legislador no "fácil" preenchimento daquele conceito de ''pena privativa de liberdade", ali se podendo abranger o caso presente, a que acresce a circunstância de sempre se poder afirmar que o normativo por que o recorrente foi criminalmente punido – n.º 1 do art. 90° da LTR - prever como pena principal a aplicação de prisão "tout court", não é menos verdade que nos deparamos, no caso, claramente com uma pena substitutiva dessa mesma prisão, nos termos do n.º 1 do art. 44° CPM, a tal não obstando o facto de no n.º 2 da mesma norma se prever o cumprimento da pena de prisão se a multa não for paga, o que não sucedeu no caso.
    "Substituir" é "ser ou fazer-se em vez de" (Grande Dicionário da Língua Portuguesa" de Cândido de Figueiredo.
    Terá, assim, de partir-se do princípio que a pena de multa foi aplicada "em vez" da pena de prisão. E, tendo sido oportunamente cumprida, não poderá, no caso, para os efeitos que nos ocupam, concluir-se ter o recorrente sido condenado em pena privativa de liberdade.
    É claro que não pretendemos com isto afirmar que para a satisfação desse conceito se tenha que assistir à "efectividade" dessa mesma pena, já que, designadamente em sede de uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, aquela característica não deixará de se manter.
    Por outra banda, "malgré" o tipo de condenação penal sob escrutínio, nada impediria a Administração pudesse, com base na mesma, alcançar justificação válida para o decidido, porventura por reporte aos pressupostos para a revogação de autorização de permanência.
    Só que não foi essa a motivação em que o acto sob escrutínio se estribou.
    Nestes parâmetros, a verdade é que não se descortinando que o recorrente tenha sido condenado em pena privativa de liberdade e sendo essa a única motivação apresentada para o decidido, não poderá deixar de se concluir ocorrer erro nos pressupostos, ou errada invocação dos pressupostos legais da motivação do acto, tudo a configurar a ocorrência de vício de violação de lei, invalidante da decisão.
    É o que se propõe.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais e foram oportunamente ouvidas as partes sobre a questão nova suscitada pelo Digno Magistrado do MP já em sede do parecer final.

5. Em sede de garantia do contraditório, a entidade recorrida em mui douta peça jurídica vem defender a bondade do decidido.
Pela valia da mesma transcreve-se a resposta oferecida:
    1.º
    O Ministério Público vem imputar, no seu douto Parecer, à decisão, em crise, do Secretário para a Segurança de 23/01/2013, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto por considerar não estar preenchido o pressuposto previsto na alínea 2) do n.º 2 do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003 "Terem sido condenados em pena privativa de liberdade ( ... )"1.
    2.º
    Ao entender que "se é certo que a al. 3) do n.º 2 da norma em questão, ao permitir a recusa de entrada pelo facto da existência de (apenas) fortes indícios da prática de qualquer crime (independentemente da respectiva natureza ou pena), parece apontar no sentido da vontade do legislador no ´fácil´ preenchimento daquele conceito de «pena privativa de liberdade», ali se podendo abranger o caso presente, a que acresce a circunstância de sempre se poder afirmar que o normativo por que o recorrente foi criminalmente punido ( ... ) - prever como pena principal a aplicação de prisão «tout court» não é menos verdade que nos deparamos ( ... ) com uma pena substitutiva dessa mesma prisão ( ... )" e "não poderá, no caso, ( ... ) , concluir-se ter o recorrente sido condenado em pena privativa de liberdade.".
    3.º
    Fundando o seu parecer com referência ao douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 21/06/2012, Processo n.º 644/2011 “ ( ... ) até por ter sido objecto de escrutínio neste Tribunal, no âmbito do ( ... ), tal seja a de apurar se o tipo de pena aplicada ao recorrente - 3 meses de prisão, substituída por multa e pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e três meses - reveste a qualidade de pena «privativa de liberdade» para os efeitos da norma em que se estribou o decidido, isto é, a al. 2) do n.º 2 do art. 4º da Lei 3/2003.”.
    4.º
    Acórdão, esse, que considera "( ... ) o que o art. 4º, nº 2, da Lei nº 4/2003 prevê não é a prática de um crime punível (em abstracto) com pena de prisão, mas sim a condenação (efectiva) numa pena (concreta) privativa de liberdade. Neste caso porém, a pena que o recorrente sofreu, e pagou, foi a de multa em substituição da de prisão.".
    Parecer e, por referência, o Acórdão do Venerando Tribunal que, ressalvado o devido respeito, que é muito, não podemos concordar, pelas razões seguintes,
    A título prévio,
    5.º
    O acto administrativo, em crise, não versa sobre “a simples decisão de não autorização de residência na RAEM” (a fls. 62 do processo), mas antes da concessão de uma autorização de permanência na qualidade de TNR.
    6.º
    O Acórdão em apreço foi proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito da impugnação contenciosa de acto da entidade recorrida que decidiu a revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR), mas, cuja matéria de facto, por lapso, não foi subsumida à norma legal que "in casu", lhe corresponderia, mas a uma outra que não sendo de todo estranha ao caso dos autos, não era, todavia, em concreto a que deveria ter sido aplicada.
    7.º
    Situação totalmente distinta da que é objecto do presente parecer e do recurso contencioso à margem referenciado, que versa sobre o indeferimento de um pedido de autorização de permanência na qualidade de TNR.
    Porque,
    8.º
    A disciplina jurídica que rege a revogação ou recusa da autorização de permanência na qualidade de TNR decorre do estipulado no artigo 15.º, n.º 1, do R.A. n.º 8/2010 – “A autorização de permanência na qualidade de trabalhador é recusada ou revogada quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei, respectivamente, para a recusa ou interdição de entrada a quaisquer não residentes, ou para a revogação da respectiva autorização de permanência.".2
    9.º
    Assim, ao abrigo do referido preceito normativo, "in casu", a recusa do pedido da autorização de permanência na qualidade de TNR, do recorrente só tem lugar preenchidos que sejam os pressupostos legais para a recusa ou interdição de entrada.
    10.º
    Razão por que não deve ser aceite o entendimento expresso no Parecer "Por outra banda, "malgré" o tipo de condenação penal sob escrutínio, nada impediria a Administração pudesse, com base na mesma, alcançar justificação válida para o decidido, porventura por reporte aos pressupostos para a revogação da autorização de permanência" (a fls. 66, do processo).
    11º
    Salvo, se adoptar a redacção, em língua Chinesa, do artigo 15.º, n.º 1 do referido R.A., onde, não consta a palavra - respectivamente e, em decorrência, passar a ser, para a situação em apreço, possível aplicar, indistintamente, qualquer dos regimes de interdição de entrada ou de revogação de autorização de permanência, no caso, na qualidade de TNR.
    Porém, se assim for entendido,
    12.º
    A publicação do Regulamento Administrativo no Boletim Oficial da Região, nas duas línguas oficiais, em que se verifica uma não coincidência no texto da norma em questão pode configurar uma simples incorrecção tipográfica, erro material do texto ou erro conceptual de redacção ou coordenação (na manifestação da vontade).
    O Parecer imputa ao acto em crise o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto,
    13.º
    Não se põe em causa o entendimento da doutrina e da jurisprudência que qualifica a pena de prisão substituída por multa como pena não privativa de liberdade.
    14.º
    Mas não é a qualificação da pena como privativa, ou não, de liberdade que aqui se trata.
    15.º
    No caso em apreço importa saber qual o significado da redacção da norma da alínea 2) do n.º 2, do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003, isto é, saber qual a "ratio legis" actual (e não a "ratio legislatoris") da expressão "condenados em pena privativa de liberdade" no âmbito de uma lei que visa a aplicação de medidas administrativas de natureza preventiva / securitária; em suma, se pena em abstracto ou pena em concreto.
    16.º
    Porque onde a lei não diferencia não deve o aplicador do direito diferenciar.
    17.º
    Pelo que, há que fazer uso da interpretação da norma nos seus diferentes elementos.
    Assim,
    18.º
    A redacção da lei, a "ratio legis" não refere, expressamente, se estamos perante um entendimento de pena em abstracto ou de pena em concreto, o que desde logo permite aceitar, em princípio, os dois significados em presença.
    19.º
    Por outro lado a expressão "condenados" em termos jurídico linguísticos é entendida como "punidos" sendo, ambas, expressões utilizadas em sede de direito substantivo administrativo e penal, respectivamente.
    20.º
    Mas ambas as expressões verbais têm significados etimológicos distintos, condenar significa proferir sentença condenatória e punir infligir pena ou castigo.
    21.º
    Se a "voluntas legis" tivesse querido que a medida administrativa em questão apenas pudesse ser aplicada quando em presença de condenação em pena efectiva privativa de liberdade certamente o teria consagrado3.
    Ora,
    22.º
    Sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei, o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento (art. 8.º, do Código Civil], pelo que, se o intérprete não pode fazer uma interpretação contrária à letra da lei também não pode retirar da lei os termos que lá não constam4.
    23.º
    Pelo que, a interpretação do elemento gramatical não permite, ainda, aferir com segurança e certeza jurídica da "voluntas legis" e da "ratio legis" o significado da referida expressão.
    24.º
    O elemento racional ou teleológico subjacente à norma do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003 visa conferir à Administração os instrumentos jurídicos necessários para através de medidas administrativas de natureza preventiva / securitária, como "in casu" recusar a entrada, e a permanência ou trânsito a não residente, cujo comportamento tenha sido violador das leis locais, objecto de instrumento de direito internacional ou condenado por sentença privativa de liberdade pelos Tribunais da Região e do exterior, com vista à prossecução do interesse público em presença - a salvaguarda da segurança e ordem públicas da Região, estipulando para o efeito um acervo de pressupostos legais que não se ficam pelo diploma referido.
    25.º
    Visa a norma do artigo 4.º, n.º 2, alínea 2) da lei, referida no artigo anterior, conferir o poder discricionário à Administração no sentido de, no exercício das suas funções/atribuições, afastar da Região, através da medida administrativa de recusa de entrada, indivíduos não residentes que tenham sido condenados em pena privativa de liberdade, cuja presença ponha em causa a segurança da sociedade, nos seus diversos segmentos, e a ordem pública da mesma.
    26.º
    Razão pela qual não é aceitável a interpretação isolada da norma do artigo 4.º, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 4/2003 (que leva ao entendimento, aqui contestado, de se estar perante uma pena privativa de liberdade, em concreto), mas ao invés, devendo enveredar-se por uma análise sistemática e orientada por um objectivo global, em termos de a sua interpretação dever ser realizada conjugadamente com os diferentes preceitos legais que disciplinam a matéria em questão5 e, no seu todo, representam uma estrutura e uma orgânica legislativa mais conexa, consequente e mais correcta em vista de um adequado encadeamento e entendimento (da diferente legislação da Região) sobre a matéria e o interesse público em presença.
    Neste sentido,
    27.º
    A norma do n.º 2, do artigo 2,º, da Lei n.º 4/2003 estipula:
    Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
    1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
    2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
    3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
    4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
    28.º
    Sendo que, as referidas alíneas 1) e 4) do n.º 2 do preceito normativo permitem à Administração aplicar a medida administrativa de recusa de entrada a todo o não residente, cuja conduta, violadora da lei da permanência, residência ou da lei local e internacional sobre documentos de viagem, seja subsumível às mesmas.
    29.º
    E, pelas alíneas 2) e 3) do n.º 2 do referido preceito a lei estipula os pressupostos de facto da recusa de entrada para os não residentes cujos comportamentos foram ofensivos de bens jurídicos penais, bastando para o efeito a existência de fortes indícios da prática de quaisquer crimes ou a condenação em pena privativa de liberdade.
    30.º
    Da interpretação (literal e declarativa) da norma da alínea 3) acima referida infere-se que a "ratio legis" visa a aplicação da mesma quando "existam fortes indícios da prática ( ... ) de quaisquer crimes", desde que aqueles indícios sejam suficientes, por razões de segurança e certeza jurídica, para permitir à Administração prever, com elevada probabilidade, a prolação de um despacho de acusação, pelo Ministério Público e a eventual futura condenação do arguido com uma pena a decidir pelo Tribunal competente;
    31.º
    Assim, facilmente se infere da "ratio legis" subjacente à alínea 3) que a expressão "de terem praticado ( ... ) quaisquer crimes" permite a aplicação da sanção administrativa de recusa de entrada a um, não residente, cujo comportamento configure a prática de um tipo de crime previsto na lei penal, independentemente do tipo de pena, em abstracto, que a lei consagra ou pena, em concreto, que o Tribunal decida aplicar, conquanto, mas apenas, se trate, efectivamente, de um ilícito penal.
    32.º
    Ou seja, em caso da existência de fortes indícios da prática de quaisquer crimes, a norma da alínea 3) é aplicável a qualquer crime independentemente de a consequência jurídica, em abstracto, ou em concreto, ser a título de pena principal, pena de prisão ou pena de multa, da aplicação da pena em alternativa ou substitutiva ou de suspensão da execução da pena de prisão que vier a ser decretada pelo Tribunal;
    33.º
    Sendo bastante, em princípio, para a aplicação da sanção administrativa de recusa de entrada que a conduta seja sancionada penalmente.
    34.º
    Mas se a lei permite que a Administração aplique a medida de recusa de entrada com a verificação do pressuposto de facto de existência de fortes indícios, porque a salvaguarda da segurança e ordem públicas da Região não podem ficar dependentes do proferimento de sentença, pelo Tribunal competente, que condene o não residente pela prática de um crime previsto no ordenamento jurídico-penal.
    Então,
    35.º
    Por razões relativas ao elemento sistemático da norma não se pode pretender que a mesma "ratio legis" pela norma da alínea 2) do n.º 2, do artigo 4.º para aplicação da mesma medida administrativa de recusa de entrada venha exigir a existência de uma pena privativa de liberdade, em concreto.
    36.º
    O entendimento defendido no Parecer (e no Acórdão em referência) de se estar perante uma pena em concreto vai proporcionar decisões incompatíveis com a "ratio legis" decorrentes da aplicação da mesma medida, e até potencialmente violadoras de vários princípios jurídicos fundamentais.
    Senão, vejamos,
    37.º
    Perante a existência de fortes indícios da prática de um crime, punido com pena de prisão, a três agentes é aplicada a medida de recusa de entrada nos termos da alínea 3), do n.º 2, do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003 e, decorrentemente, por força da norma do artigo 12.º, n.º 2, alínea 1), da Lei n.º 6/2004 é ainda aplicada a medida administrativa de interdição de entrada. Por sentença do processo, entretanto proferida pelo Tribunal, um dos agentes foi condenado em pena de prisão efectiva ou suspensa na sua execução, e os outros dois em pena prisão substituída por multa e pena de multa a título principal.
    38.º
    Quid iuris sobre as condenações aplicadas aos dois últimos agentes?
    39.º
    Os actos administrativos, exercidos no âmbito do poder discricionário atribuído por lei, que aplicaram as respectivas medidas de recusa de entrada e interdição de entrada foram realizados com o preenchimento dos pressupostos legais e a escrupulosa observância dos princípios gerais e limites internos da discricionariedade.
    40.º
    Não se vislumbra que a entidade recorrida tenha que revogar as referidas decisões discricionárias através das quais aplicou as respectivas medidas administrativas, nem que a isso possa ser obrigada pelo Tribunal, pois configuraria uma verdadeira violação, expressa, do princípio da separação de poderes.
    Por outro lado, ainda, no âmbito do elemento sistemático, ~
    41.º
    Estipula o artigo 11.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 6/2004:
    Revogação da autorização de permanência
    1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente:
    ( ... )
    3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
    
    42.º
    Assim, ao não residente, a quem for concedida a autorização de permanência na qualidade de TNR, pode ser revogada a referida autorização se a conduta do mesmo preencher os pressupostos de facto "pela prática de crimes, ou a sua preparação ( ... ).".
    
    43.º
    A doutrina e a jurisprudência têm entendido que a expressão "pela prática de crimes" é preenchida pela existência de fortes indícios da prática de crimes ou pela existência de sentença de condenação em tribunal, transitada em julgado.
    
    44.º
    Neste sentido, para efeito de preenchimento do pressuposto de facto "pela prática de crimes" é bastante a existência de sentença de condenação em Tribunal, transitada em julgado, independentemente da qualificação da pena (privativa ou não privativa da liberdade) que o órgão judicial tenha decidido aplicar ao TNR.
    
    45.º
    Pelo que, verificada a existência de sentença condenatória, nos termos referidos no artigo anterior, pode a Administração, em sede do exercício de poder discricionário (que é muito amplo) decidir pela aplicação da medida de revogação da autorização de permanência na qualidade de TNR com fundamento na já referida alínea 3), do n.º 1, do artigo 11.º, da Lei n.º 6/2004, no momento em que tem conhecimento do trânsito em julgado da sentença ou no acto da renovação da autorização de permanência.
    46.º
    Do referido supra artigos 42.º a 45.º, em confronto com o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, defendido no Parecer, urge apreciar a questão seguinte:
    - A "ratio legis" permite à Administração que pela prática de um acto, de natureza exclusivamente positiva, possa revogar a autorização de permanência na qualidade de TNR com fundamento de facto na existência de uma sentença de condenação do Tribunal, transitada em julgado, "in casu" uma pena de prisão substituída por multa;
    - Contudo, em resultado da posição defendida no Parecer (com referência ao Acórdão do Tribunal de Segunda Instância) a mesma sentença de condenação do Tribunal, transitada em julgado, que condena o recorrente na pena de prisão substituída por multa não é bastante para preencher o pressuposto de facto previsto na alínea 2) do n.º 2, do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003, por remissão do artigo 15.º, n.º 1, do R. A. n.º 8/2010 e, neste sentido, não permite que a Administração possa, por acto administrativo, de natureza exclusivamente negativa, indeferir o pedido de autorização de permanência na qualidade de TNR, com fundamento de facto na referida sentença de condenação.
    
    47.º
    Em suma, se se entender que a expressão da alínea 2) do n.º 2, do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003 "condenados em pena privativa de liberdade" configura uma pena em concreto, resulta nos termos da legislação em vigor:
    - Que fica vedado à Administração indeferir o pedido de autorização de permanência na qualidade de TNR (acto exclusivamente negativo) com fundamento de facto na existência de sentença de condenação, "in casu" de pena de prisão substituída por multa;
    Porém,
    - Se em momento contemporâneo ou posterior ao deferimento de pedido idêntico e concedida a autorização de permanência na qualidade de TNR surgir, na esfera jurídica do interessado, uma sentença condenatória, pelos mesmos factos (crime de condução em estado de embriaguez) em pena de prisão substituída por multa, nada obsta que a mesma Administração, por acto agora exclusivamente positivo, possa no exercício de poder discricionário, decidir pela aplicação da medida de revogação da autorização de permanência em questão.
    48.º
    Por certo não foi esta a "voluntas regis" e não é esta a "ratio legis" subjacente à norma em questão.
    
    49.º
    Acresce, também, a existência de um elemento histórico fundado na legislação pretérita que trata a disciplina jurídica da entrada, permanência e fixação de residência, interdição de entrada, renovação e cancelamento do título de identificação de TNR (TI/TNR):
    Em matéria de recusa de entrada de não residente:
    - Artigo 14.º, n.º 2.º alíneas b) e c) do Decreto-Lei n.º 5/95/M, de 31 de Outubro:
    Pode também ser proibida a entrada no Território às pessoas não admissíveis inscritas na lista elaborada pela PSP, com o contributo das policias e tribunais, em virtude de:
    ( ... )
    b) Condenação em pena privativa de liberdade de duração não inferior a 1 ano;
    c) Existência de fortes indícios de terem praticado um delito grave.
    Revogado pela Lei n.º 4/2003, cuja matéria passou a ser regulamentada pelo artigo 4.º, n.º 2, alíneas 2) e 3);
    Em matéria de interdição de entrada,
    - Artigo 4.º n.ºs 2, 3 e 4, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio com as alterações da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto e o artigo 2.º desta última:
    ( ... )
    2. A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino.
    3. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual - designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto.
    4. Compete à Polícia de Segurança Pública executar a ordem de expulsão.
    - Artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto
    (Processo sumário)
    1. São julgados em processo sumário, verificados os demais requisitos previstos no artigo 362.º do Código de Processo Penal, os detidos:
    a) Pela prática em concurso de crimes previstos na Lei n.º 2 2/90/M puníveis com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos
    b) Pela prática de outros crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos em concurso com a prática de qualquer dos crimes referidos na alínea anterior.
    2. A forma de processo sumário mantém-se, ainda que, em resultado do concurso, a pena máxima aplicável ultrapasse os 3 anos de prisão.
    Revogados pela Lei n.º 6/2004, artigo 12.º n.º 2 conjugado com o artigo 4.º, n.º 2, alíneas b) e c), no que respeita aos fundamentos de facto e de direito da aplicação da medida de interdição de entrada.
    Em matéria de atribuição, renovação e cancelamento do TI/TNR
    - Números 9, alínea f) e 12., alínea b), do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro
    9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
    ( … )
    f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.
    ( ... )
    12. As determinações referidas nos números anteriores dão lugar:
    ( ... )
    b) Ao imediato repatriamento do trabalhador não-residente cuja permanência no Território seja julgada indesejável, a expensas da entidade habilitada ao recrutamento sob cuja custódia se encontre no caso do n.º 11.
    - Número 2, do Despacho nº 49/GM/88, de 16 de Maio
    2. A contratação desses trabalhadores está sujeita à tramitação prevista no Despacho n.º 12/GM/88, ( ... ).
    Ambos os despachos foram revogados pela Lei n.º 21/2009 e, no que respeita à matéria da autorização de permanência e recusa e renovação da mesma na qualidade de TNR pelos artigos 8.º e 15º do R. A. n.º 8/2010.
    
    50.º
    Da legislação pretérita referida no artigo anterior podemos entender que a "ratio legis" da legislação vigente manteve o instituto da recusa de entrada, mas com uma nova disciplina jurídica, em especial, com outras limitações6, agora postuladas em lei.
    
    51.º
    Passando a aplicação da medida administrativa de recusa de entrada a ser possível verificados os pressupostos de facto, seguintes:
    - A condenação em pena privativa de liberdade de qualquer duração, eliminando da letra da lei vigente o limite temporal então previsto; e,
    - A existência de fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes afastando o limite temporal da prática do crime e da sua aplicação apenas aos crimes então qualificados como "delito grave".
    52.º
    Ou seja, é notória a "voluntas legis" e a actualidade da "ratio legis" de criar uma moldura factual deveras mais abrangente que permitisse, como permite, à Administração poder aplicar a medida administrativa em questão sem as limitações, de natureza distinta, então existentes.
    53.º
    “Voluntas legis” que se densificou no sentido de apetrechar a Administração de outras medidas jurídico-administrativas de índole preventiva / securitária ao consagrar no artigo 12.º, n.º 2, alíneas 1) e 2) a possibilidade de, por acto discricionário, a entidade recorrida aplicar a medida de interdição de entrada aos não residentes e aos TNR, por condutas não conformes à legislação vigente da Região subsumíveis à norma do artigo 11.º, revogando a autorização de permanência, e, à norma do artigo 4.º, n.º 2, alíneas 2) e 3), da Lei n.º 4/2003.
    Pelo que, do acima exposto,
    54.º
    Nos artigos 18.º a 23.º, da interpretação do texto da norma não é possível concluir, com a segurança jurídica desejada, qual o significado jurídico da expressão "condenados em pena privativa de liberdade".
    55.º
    Não é de aceitar o entendimento, do Parecer, que a norma da alínea 2), do n.º 2, do artigo 4.º, prevê uma pena em concreto porque, a ser assim, os efeitos jurídicos produzidos, na pessoa do não residente, agente do crime, seriam totalmente antagónicos e desfasados do elemento teleológico subjacente à norma, conforme expressos artigos 24.º e 25.º, da presente resposta.
    56.º
    Razão por que, a entidade recorrida defende que a interpretação da norma em questão não deve ser realizada "per se" mas conjugada com a alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003 porque só através desta interpretação é possível chegar ao conceito de pena expresso na norma em questão que se enquadre nos sistema e se articule com as outras disposições legais que disciplinam a matéria da autorização e revogação de permanência na qualidade de TNR e, decorrentemente, alcançar-se conceito de pena em abstracto que a "voluntas legis" pretendeu e a "ratio legis" exige afastando-se, deste modo, o entendimento do Parecer em análise (cfr., supra art. 26.º).
    57.º
    Em consequência, pelo acima expresso artigos 26.º a 48.º, ficam demonstradas as consequências decorrentes da posição do Parecer, de cuja interpretação entende atribuir e defender o significado da expressão "condenados em pena privativa de liberdade" como pena, em concreto, ou seja, uma interpretação restritiva, da norma em questão, sem qualquer conexão com as restantes disposições legais em vigor na Região o que configura uma ofensa "à exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas."7
    58.º
    Razão por que a interpretação restritiva que resulta da análise do Parecer (e Acórdão de referência) do teor literal da, já referida, alínea 2) do n.º 2 do artigo 4.º, a ser correcta, consubstancia uma situação de incongruência, em face do preceituado na alínea 3) do n.º 2 do mesmo artigo e diploma, e, ainda do estipulado na alínea 3), do n.º 1 do artigo 11.º, da Lei n.º 6/2004.
    59.º
    Dos artigos 49.º a 53.º podemos concluir que da "voluntas legis" e a "ratio legis" subjacente à norma da alínea 2), do n.º 2, do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003 resulta, uma vontade única de submeter todas as condutas, de não residentes, que configurem ilícitos criminais à aplicação do acervo de medidas administrativas, de natureza preventiva / securitária, estipuladas na lei, pelo que, também aqui, o entendimento da expressão de penas privativas de liberdade só pode ser no sentido de pena em abstracto.
    Por outro lado, quando assim não se entenda, sem prescindir,
    60.º
    Após a selecção dos elementos de facto que preenchem o tipo legal de crime passa-se à consequência do crime praticado em que se inclui a escolha da medida da pena a aplicar dentro do limite imposto pela culpa do agente, ou seja, a culpa é o pressuposto e o limite da medida da pena (em concreto).
    61.º
    Mas a culpa não é, nem deve ser, tida em consideração na marcha do procedimento administrativo e na ponderação necessária para aplicar qualquer medida administrativa de natureza preventiva / securitária.
    Consabido que é,
    62.º
    Que o "procedimento administrativo" não se rege pelos institutos do direito penal, ainda que, por vezes, possa observar-se alguma coincidência nos princípios subjacentes à aplicação das penas e medidas e sua dosimetria, mas o facto é que inexiste qualquer relação de dependência entre ambos, porque distintos no que respeita à natureza, forma de cumprimento das decisões administrativas e das penas porque distintos são, também, os fins/objectivos a alcançar por cada um deles.
    E, neste sentido,
    63.º
    É assim que, no âmbito do procedimento administrativo a lei (art. 4.º, da Lei n.º 4/2003 e art. 12.º, da Lei n.º 6/2004) permite a aplicação da medida de interdição de entrada, a não residentes, por factos a que não correspondem tipos legais de crime, bem como por apenas existirem fortes indícios da prática de factos criminosos ou da preparação da prática de crimes em Macau, pelo que é de afastar o entendimento do Parecer em apreço (cfr., supra art. 2.º).
    64.º
    Razão por que, não sendo a culpa elemento a ter na ponderação da aplicação de uma medida administrativa, conforme supra artigos 59.º a 61.º, não podemos aceitar que, para o preenchimento do pressuposto de facto da alínea 2) do n.º 2, do artigo 4.º, da Lei n.º 4/2003, o significado de "pena privativa de liberdade" seja de pena em concreto [concretamente aplicada], pelo que, também aqui se entende que deve ser afastado o entendimento do Parecer.
    E, em consequência,
    65.º
    Improceder o alegado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, imputado ao acto em crise, pelo Ministério Público.
    Termos em que,
    E nos mais de direito, se conclui como na contestação de fls., e se pugna pelo não provimento do presente Recurso.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
É do seguinte teor o despacho recorrido, proferido pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança, em sede de recurso hierárquico necessário de decisão do Exmo Senhor Comandante do CPSP:
    “ASSUNTO : Recurso hierárquico necessário
    RECORRENTE : A
    Atento o teor do Despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 15/10/2012, que se apropriou do fundamentos de facto e de direito do parecer e informação suplementar n.º MIG.768/2012/TNR, de 11/10/2012, que aqui se dão por reproduzidos, que indeferiu o pedido de autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR) ao recorrente, nos termos do artigo 11º, n.º 1, alínea 3), da Lei n.º 6/2004 conjugado com o artigo 15.º, n.º 1, do R.A. n.º 8/2010;
    Em face do teor da informação do Comandante do CPSP, de 07/01/2013 e do recurso hierárquico do recorrente, de 14/1/2012, que aqui também se dão por reproduzidos;
    O recorrente por sentença do Tribunal Judicial de Base, 1.º Juízo Criminal, transitado em julgado, em 05/03/2012, foi condenado na pena de três meses de prisão substituída pela pena de multa no valor total de 10,8000.00 patacas e na pena acessória de inibição de condução pelo período de um ano e três meses;
    Compulsado o processo instrutor,
    Inexistem erros ou omissões procedimentais susceptíveis de afectar a validade e eficácia do acto em crise;
    Porém, do teor da notificação do recorrente, em 24/08/2012, para efeitos de audiência escrita, da fundamentação do despacho de indeferimento, em crise, e da notificação deste último, em 08/11/2012, verifico que os mesmos, se bem que observem todos os requisitos legais, enfermam todavia de uma irregularidade ao referir, certamente por lapso, o artigo 11º, n.º 1, alínea 3), da Lei n.º 6/2004, norma que não é aplicável ao caso em apreço, mas apenas aos casos de revogação de autorização de permanência;
    Assim, em face da factualidade constante do processo instrutor o fundamento legal do indeferimento do pedido de autorização de permanência na qualidade de trabalhador é o previsto no artigo 4.º, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 4/2003 conjugado com o artigo 15.º, n.º 1 do R.A. n.º 8/2010;
    Irregularidade, essa, que "in fini" não veio afectar a eficácia do acto, pois de todo não interferiu no direito de impugnação que, aliás, aqui, e ao longo do procedimento, se mostra exercido com pleno conhecimento de todas as razões e fundamentos da decisão tomada, pelo que se dá, no entanto, e por isso, aqui por sanada;
    Em tudo o mais, considero que a decisão proferida é legal, adequada e mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, confirmo a decisão recorrida, negando provimento ao presente recurso.
    Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 23 de Janeiro de 2013.
    O Secretário para a Segurança
    Cheong Kuoc Vá”
    
Consta do procedimento primário o seguinte
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública
Parecer:
1. O interessado A requereu a este Serviço a autorização de permanência na qualidade de trabalhador.
2. Conforme a notificação da sentença do Processo Sumário n.º CR1-12-0035-PSM, de 24/02/2012, do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, verifica-se que o interessado foi condenado, pela prática dum “crime de condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art.º 90º, n.º 1 da Lei n.º 3/2007 – “Lei do Trânsito Rodoviário”, na pena de prisão de 3 meses, sendo substituível pela multa (MOP10.800,00), e na inibição de condução pelo período de 1 ano e 3 meses. (Vide notificação de sentença em anexo).
3. Tendo em consideração que o interessado foi condenado em pena de prisão pela infracção da lei desta Região, por consequência, deve recusar-se a conceder-lhe a autorização de permanência na qualidade de trabalhador.
4. Findo o procedimento de audiência, o interessado dirigiu por escrito as suas sugestões a este Serviço (vide anexos 1 e 2).
5. Após a análise sintética, conclui-se que as respectivas alegações são insuficientes, pelo que, por ser compatível com o art.º 11º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, propõe-se que, nos termos do art.º 15º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, seja recusada a concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador ao interessado.

À consideração superior.
15 de Outubro de 2012

O Chefe do Serviço de Migração,
(Assinatura vide o original)
Pel’O Subint. Cheang Kam Va

Despacho:
Concordo. Por ser compatível com o art.º 11º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, nos termos do art.º 15º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010 e no uso das competências subdelegadas pelo Secretário para a Segurança, decido recusar a concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador ao interessado.

15 de Outubro de 2012

O Comandante,
(Assinatura vide o original)
O Superintendente, Lei Siu Peng



Assunto: Recusa de concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador

Infor. complementar N.º: MIG. 768/2012/TNR
        Data: 11/10/2012
1. Relativamente à condenação de A , de nacionalidade chinesa (Hong Kong), pela prática do crime de “condução em estado de embriaguez”, este Comissariado elaborou a informação n.º MIG. 768/2012/TNR, propondo que fosse recusada a concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador ao interessado.
2. Em 24 de Agosto e 28 de Setembro de 2012, nos termos do art.º 94º do “Código do Procedimento Administrativo de Macau”, notificou-se A , em forma de “audiência escrita”, do parecer exarado na informação, para que o mesmo pudesse pronunciar-se, por escrito, sobre o conteúdo da proposta no prazo de 10 dias contados da notificação. Ademais, oficiou-se ao empregador do interessado que era provável que fosse indeferida a concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador ao interessado.
3. Em 31 de Agosto e 8 de Outubro de 2012, o mandatário judicial do interessado apresentou as sugestões escritas dentro do prazo de 10 dias supramencionado, cujo resumo é o seguinte (o pormenor vide anexo):
1) O interessado não tem antecedentes criminais em Hong Kong, portanto, o crime de condução em estado de embriaguez ocorrido em Macau é o único crime cometido pelo mesmo;
2) Tem sempre bom comportamento e agora está profundamente arrependido;
3) Embora o acto de condução em estado de embriaguez seja criminalizado pelo legislador, este é apenas um crime de perigo e, neste caso, não surgiu nenhum dano à vida ou aos bens doutrem;
4) Pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, foi cancelado o BIRM do interessado;
5) A autoridade competente não deve recusar a concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador ao interessado pela mesma causa – o interessado praticou o crime de condução em estado de embriaguez, já que isto se revela a violação do princípio de adequação e proporcionalidade (disposto no n.º 2 do art.º 5º do “Código do Procedimento Administrativo”) e do art.º 60º, n.º 1 do “Código Penal”;
6) Se se voltar a indeferir o pedido do interessado, significa que está a repetir pela terceira vez a aplicação de sanção ao interessado;
7) Em termo objectivo, a decisão sancionatória da Administração ultrapassa os efeitos negativos do acto administrativo que são previstos na lei;
8) A esposa do interessado é residente de Macau e o BIRM do interessado foi cancelado, por isso, este pretende trabalhar em Macau, convivendo com a esposa (sic);
9) Se se autorizar o interessado a trabalhar em Macau, este poderá contribuir à sociedade de Macau com os seus conhecimentos profissionais;
10) Indicou-se na carta rogatória da esposa do interessado que o amor conjugal entre o interessado e a esposa seria afectado caso não fosse autorizado o interessado a prestar trabalho e viver em Macau;
11) Referiu-se na carta rogatória do empregador do interessado que necessitava dos apoios técnicos prestados pelos profissionais, tal como o interessado, para concluírem os projectos de construção civil, pelo que solicitava à autoridade competente que o autorizasse a trabalhar em Macau.
4. Finda a análise sintética, conclui-se que as respectivas sugestões escritas são insuficientes, assim sendo, mantém-se a proposta apresentada, recusando a concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador ao interessado.

À consideração superior.

O Chefe do Comissariado de Trabalhadores Não-Residentes,
(Assinatura vide o original)
O Comissário, Iao Vai Lam”

    IV - FUNDAMENTOS
    1. O recorrente vem impugnar a decisão do Exmo Senhor Secretário para a Segurança de 23/01/2013, que indeferiu o seu pedido de autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente (TNR) com fundamento no crime de condução em estado de embriaguez previsto no artigo 90.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2007, pelo qual foi condenado por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Macau / 1.º Juízo Criminal, em 24/02/2012, que o condenou na pena de três meses de prisão, substituída por multa, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de um ano e três meses.
    Assaca ao acto recorrido violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, violação dos princípios de justiça, ne bis in idem, adequação e proporcionalidade, sendo estes os vícios que importa conhecer nesta sede.
    
    2. Da violação de lei
    Diz o recorrente que a decisão proferida errou, ao considerar que a presença do recorrente na RAEM constitui um perigo efectivo para a segurança e ordem públicas, e a violação dos princípios ne bis in idem, da justiça, da adequação e proporcionalidade.
    Importa, no entanto, previamente, a propósito deste vício, dilucidar uma questão que se prende com a identificação do acto recorrido por banda do recorrente e qual o vício que concretamente lhe assaca.
    O acto administrativo objecto do recurso contencioso, à margem referenciado, é o despacho do Senhor Secretário para a Segurança, de 23/01/2013, não havendo qualquer dúvida de que é esse despacho que constitui o objecto do recurso, desde logo face às palavras do recorrente no 1º parágrafo da sua petição; "foi notificado por meio da notificação n.º 01470/2013/TNR (vide o anexo 1), emitida pelo Comandante do CPSP, de que o Secretário para a Segurança (adiante designado por “entidade recorrida”) proferiu despacho aos 23 de Janeiro de 2013, no qual se indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente".
    Como bem anota a entidade recorrida, não obstante ser aquele o despacho objecto do presente recurso contencioso, o recorrente, ao longo da sua petição de recurso - nomeadamente, conforme §§ 6 e 17, bem como conclusões a) e h) -, elege o despacho, substituído, do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) de 15/10/2012, como o acto sobre o qual imputa o vício de violação de lei e a violação dos princípios mencionados no artigo 2.º da presente contestação.
    Basicamente, o recorrente estrutura a sua argumentação, contra fundamentos que não foram invocados no despacho recorrido. Diz o recorrente, em suma, que o despacho recorrido assenta num juízo, errado, de que os antecedentes criminais do arguido, a referida infracção que cometeu, por condução sob o efeito do álcool, leva a entidade recorrida a considerar que o interessado faz perigar a segurança e ordem pública, raciocínio que não deve ser consentido pelas boas regras dos princípios jurídicos fundamentais, em prejuízo dos direitos e interesses dos particulares, antes se devendo proceder a um juízo de prognose levando em linha de conta factos e circunstancialismo objectivo, a conduta anterior e posterior do particular, a sua vida em Macau, seus contributos para a sociedade e a sua personalidade.
    Ora, não foi nada disto que foi invocado, como bem se alcança da leitura do despacho do Senhor Secretário. O despacho é muito claro ao identificar o fundamento do indeferimento e qual a sua base legal : o artigo 4º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003, conjugado com o artigo 15º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010.
    
    Dispõe a primeira das normas:
    1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
    (…)
    2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
    E a segunda:
    “1. A autorização de permanência na qualidade de trabalhador é recusada ou revogada quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei, respectivamente, para a recusa ou interdição de entrada a quaisquer não residentes, ou para a revogação da respectiva autorização de permanência.
    (…)”
    Tanto mais claro foi o despacho quanto se reforçou essa afirmação, corrigindo-se expressamente a menção ao disposto no artigo 11º, n.º 1, al. 3), da Lei n.º 6/2004, esse sim, ao abrigo do fundamento esgrimido pelo recorrente e que não foi levado ao despacho recorrido:
“1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente:
(…)
3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.”
    
    Na verdade, o acto administrativo, em crise, de que o recorrente foi notificado em 07/02/2013, por carta registada (vd. proc. instrutor), não é o acto inicial do Comandante do CPSP de 15/10/2012, há muito alterado em sede de recurso hierárquico, e, por isso, não ser passível de apreciação em recurso contencioso.
    Neste sentido, o acto administrativo objecto do presente recurso contencioso não foi de todo impugnado pelo recorrente, que incorre em erro sobre o conteúdo do despacho recorrido, pois vem atacar os fundamentos, designadamente de direito, do acto originário, os quais não coincidem com os do mesmo acto alterado, por via da reforma, ou seja, com os fundamentos (diferentes) do acto reformatório/definitivo.
    Razão por que se tem como não verificado o vício de violação de lei invocado, na configuração avançada pelo recorrente, já que na decisão do Comandante do CPSP não se considerou tal pressuposto, ou seja, o facto de ter sobrevindo uma condenação do interessado em pena privativa de liberdade, pois que somente foi condenado numa pena de multa, ainda que substitutiva.
    
    3. Violação do princípio ne bis in idem
    O recorrente imputa, também, ao despacho recorrido a violação do princípio geral do procedimento administrativo, ne bis in idem.
    O indeferimento do pedido de autorização de permanência na qualidade de TNR configura o exercício de um poder discricionário da Administração, cuja lei confere uma dimensão alargada na sua actuação estando contudo, aquele exercício, sujeito à sindicância do poder judicial apenas nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade (art. 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC)
    Não se trata aqui de uma segunda condenação pelos mesmos factos, entendida aquela, não, obviamente, na sua asserção jurídico-penal, mas sim como a decisão desfavorável à pretensão do interessado. O que se passou é que, primeiramente, o interessado formulou um pedido de autorização de residência que lhe foi indeferido, com base no entendimento de que a referida condenação no âmbito do Trânsito Rodoviário fazia criar um sentimento de instabilidade e de insegurança por parte da sociedade. Não vamos aqui discutir da validade dessa argumentação, situando-nos no domínio da discricionariedade da Administração que só em casos de violação grosseira ou extrema dos princípios deve ser sindicada. Depois, o interessado vem pedir que lhe seja renovada a autorização de trabalhador não residente e a Administração serve-se de um outro fundamento, ainda que integrado em termos de facto, pela mesma conduta, pela qual o recorrente fora punido, dizendo aquela que este foi condenado em pena privativa de liberdade. O recorrente não impugna esta posição da Administração que, é certo, se serve dos mesmos factos - condução sob o efeito do álcool - para daí retirar efeitos que se vão repercutir na esfera do interessado: condenação penal; indeferimento da autorização de residência; indeferimento da autorização de trabalhador não residente.
    Trata-se de decisões diferentes, proferidas em instâncias e momentos diferentes, a propósito de pretensões diversas, cujos interesses devem ser diferentemente tutelados, não se vendo razão para que esses mesmos factos não possam jogar, a níveis diferentes, em desfavor do particular interessado.
    Como bem anota a entidade recorrida, “o procedimento administrativo trata do domínio da chamada "justiça administrativa" através da qual a Administração Pública, no desempenho da função administrativa é chamada a proferir decisões essencialmente baseadas em critérios de justiça material, e com preocupações iminentemente securitárias, que se não confundem com as da justiça clássica e próprias da função jurisdicional. O órgão ou entidade administrativa competente adopta uma dada decisão concreta, "in casu", no exercício de um poder discricionário, cujo critério apenas é sindicado pelos tribunais em sede de erro manifesto ou total desrazoabilidade.”
    Não se vê, pois, postergado o princípio do ne bis in idem.
    4. Princípio da adequação e proporcionalidade
Tendo o recorrente falhado o alvo, isto é, o objecto do recurso, invocando contra-argumentos em relação a não argumentos, muito difícil se torna, se não mesmo impossível, escrutinar uma alegação de violação destes princípios por parte da entidade recorrida.
Como está bem de ver, também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.8
  
   5. Princípio da justiça
   Quanto ao princípio da justiça, que se prende com o acatamento das regras basilares que informam a consciência, e o sentido, jurídico da comunidade, também não se perfila qualquer incumprimento em termos de ferir o núcleo de um direito fundamental. 9
Quanto a este princípio, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa, na esteira de que não é difícil configurar que as razões de segurança e estabilidade da sociedade podem levar a que não se autorize a trabalhar em Macau quem tenha sido condenado em pena privativa de liberdade
     É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, o que pode contender com aquela ideia de justiça acima referida, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada com qualquer grau de subjectividade.
    Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
    E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, não se atacando a eventual incorrecta aplicação da lei, concretamente objectivada no acto recorrido, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
   No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.10
    Na verdade, eventuais interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
    A decisão em causa não postergou o princípio da igualdade, entendido este como um corolário daquela ideia alargada de Justiça, consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do CPA, porque com a prática do acto impugnado não se verificou, nem o recorrente o concretizou, a utilização pela entidade recorrida, no exercício da actividade discricionária, de critérios decisórios substancialmente distintos daquele que usou em outros pedidos de autorização de permanência na qualidade de TNR com idênticos contornos dos da situação em apreço.

    6. Violação de lei invocada pelo MP
    6.1. Tudo apontaria no sentido da improcedência de qualquer dos vícios assacado e, consequentemente, do recurso, não fora a questão nova que vem suscitada pelo MP, ao abrigo do disposto no artigo 69º, n.º 2, al. c) do CPAC.Questão essa que, não tendo sido alegada na P.I. e alegações, não deixou de suscitar, até por ter sido já objecto de escrutínio neste Tribunal, no âmbito do proc. 644/2011, tal seja a de apurar se o tipo de pena aplicada ao aqui recorrente - 3 meses de prisão, substituída por multa e pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano e 3 meses - reveste ou não a qualidade de pena "privativa de liberdade" para os efeitos da norma em que se estribou o decidido, isto é, a al. 2) do n.º 2 do art.º 4° da Lei 3/2003.
    6.2. A questão já foi decidida nesta Instância e somos a acompanhar o que foi decidido já no Proc. n.º 644/2011:
    “Ora, o que se nos oferece dizer, sem escusado exagero de teorismo, é que a pena de multa que substitui uma pena de prisão é uma verdadeira pena de substituição ditada por razões de política criminal, numa orientação explicada pela necessidade de evitar penas curtas de prisão e pela desnecessidade que a prisão pudesse funcionar como exigência de prevenção. Diz-se pena substitutiva com autonomia e, portanto, não se confunde, tanto do ponto de vista político-criminal, como do ponto de vista dogmático, com a pena principal de que emana ou de que nasce. Por isso, apresenta as vestes de multa. É, por conseguinte, uma pena de multa, com a natureza e regime de execução próprios deste tipo de pena.
    Na verdade, e como foi afirmado em Ac. STJ de 3/09/2008, Proc. nº 08P2560: A pena de substituição da prisão prevista no art. 44.º do CP é uma pena de multa, com a natureza e regime de execução próprios deste tipo de pena, como resulta da remissão dos n.ºs 1 e 2 do mencionado preceito para os arts. 47.º e 49.º, n.º 3, do CP.
    Deste modo, não só a execução da pena de multa tem regras e regime próprio, cujos diversos momentos devem ser exauridos, como a pena de prisão substituída só no limite pode ser executada, sendo que, de qualquer forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa. É a disciplina que resulta do regime de pena de multa e que está conforme com a respectiva natureza, quer seja multa primária, quer resulte de substituição…”. Ou seja, quando o juiz aplica uma pena substitutiva é porque conclui que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição5. Por outras palavras, a pena substitutiva de multa é uma pena não privativa de liberdade. Ora, o que o art. 4º, nº2, al. 2), da Lei nº 4/2003 prevê não é a prática de um crime punível (em abstracto) com pena de prisão, mas sim a condenação (efectiva) numa pena (concreta) privativa de liberdade. Neste caso, porém, a pena que o recorrente sofreu, e pagou, foi a de multa em substituição da de prisão. E porque o fundamento do acto para a decisão se circunscreveu à al. 2), do nº2 do art. 4º da Lei nº 4/2003, parece claro que está deslocado ou desajustado em relação à situação real. O que conduz a que se pense que não existe aquele fundamento jurídico para a revogação da autorização de permanência.”
    
    6.3. Não nos furtaremos, no entanto, a dar resposta aos argumentos avançados pela entidade recorrida na sua douta resposta.
    6.3.1. Sustenta-se que as situações de um e outro caso eram diferentes. No proc. n.º 644/2011 tratava-se de uma situação de revogação de permanência de TNR (trabalhador não residente), aqui, o caso é de uma recusa de permanência de TNR. E que a norma teria até sido mal aplicada.
    Como está bem de ver não vamos aqui analisar estes detalhes num outro caso na medida em que irrelevam para a análise da situação.
    O que interessa é que o pressuposto legal da revogação, ali, e da recusa, aqui, foi o do interessado ter sido condenado em pena efectiva quando claramente o não foi em ambos os casos. Se a Administração se podia servir ou não de outro fundamento é questão a que o Tribunal é estranho, não lhe competindo ensinar ou imiscuir-se na actividade da Administração.
    Mas não deixamos de referir que a interpretação não se pode desligar da letra da lei, devendo ser este o ponto de partida, tal como decorre do artigo 8º n.º 1 e 2 do CC (Código Civil). E no caso o sentido nem sequer está “imperfeitamente expresso”, sendo muito claro o legislador ao referir “terem sido condenados”, o que pressupõe um facto certo, passado, efectivo, ou seja verificado.
    Não nos cabe aqui a defesa do MP – que nem disso precisa -, mas não deixaremos de referir que a alusão a um outro pressuposto, qual seja a da potencialidade criminógena do destinatário do acto, nele interessado, (independentemente da sua referenciação formal) não deixa de ocorrer tanto em sede de recusa da entrada (art. 4º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003), como da revogação (art. 11º, n.º 1, al.) 3 da Lei n.º 6/2004).
    A questão concernente ao argumento extraído da existência ou não do advérbio respectivamente no artigo 15º, n.º 1 do Reg. Adm. n.º 8/2010 da versão chinesa e portuguesa irreleva, no caso em apreço, na medida em que, sempre, o pressuposto da condenação em pena de liberdade seria aplicável ao caso: recusa de permanência de TNR; recusa de entrada de não residente.
    Nunca o legislador podia usar tal expressão, se não se referisse ao facto de ter ocorrido uma pena efectiva privativa de liberdade, devendo antes referir-se ao facto de o não residente ter sido condenado numa pena punível numa pena privativa de liberdade, ou a qualquer outra expressão de significado inequívoco, contraposto à inequivocidade de que igualmente se rodeou, se entendesse dever ser esse sentido à norma.
    6.3.2. Parte depois o recorrido para a ratio legis da norma.
    Com todo o respeito, mal a nosso ver, pois que a letra da norma, como vimos já o não permitia.
    Que a letra da lei não permite a destrinça entre pena abstracta e pena efectiva. Não, como bem anota, condenados significa punidos, o que é bem diferente de puníveis, passíveis de condenação.
    Quem foi condenado numa pena de multa, ainda que substitutiva da prisão, não foi condenado em pena de privativa de liberdade. É matéria assente e pacífica na Doutrina penal, já acima vista e dispensamo-nos de maiores desenvolvimentos.
    6.3.3. Vem depois um outro argumento que seria o recurso ao elemento interpretativo sistemático. Como se compreende que o legislador, na mesma classe de pressupostos, elegesse uma condenação efectiva em pena privativa de liberdade se, por outro, a par com ele, admitisse a possibilidade de recusa (no n.3) com base na existência de fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes?
    Nada de estranho. O n.º do artigo 4º é taxativo. A expulsão é uma decorrência da verificação desses pressupostos. O nº2 é optativo, ou seja, os pressupostos aí elencados podem ou não constituir fundamento de recusa, depende do critério da Administração.
    O legislador entendeu por bem eleger desde logo uma condenação efectiva em pena de liberdade, enquanto indiciadora da indesejabilidade a ponderar para o acolhimento, mas mesmo assim, podendo ou não ser elegível como tal. Nesse sentido inculca a forma verbal pode ser recusada. Mas não se ficou por aí. Considerou deverem ser ponderadas outras situações em que a perigosidade, a indesejabilidade se pudesse aferir por outros critérios, como pelo facto de o interessado ainda não ter sido julgado, mas estar já indiciado ou se preparar para cometer crimes, factos igualmente graves, mas a que o primeiro pressuposto, o ter sido condenado já em prisão efectiva, não daria resposta.
    Pode-se dizer que não se percebe como é que por um lado se exige uma condenação em pena privativa de liberdade e, por outro, a preparação para o cometimento de qualquer crime, sem qualquer distinção, podem ser postos lado a lado. É fácil perceber porquê. Por um lado, estamos no âmbito de uma apreciação discricionária e o legislador pretende apenas pôr à disposição das autoridades instrumentos de intervenção e de fácil utilização. Por outro, daqui não se retira necessariamente que tenha de se acolher a interpretação que vai no sentido da pena abstracta, pois que ficaria sem resposta a diferenciação entre o pressuposto fundamento de recusa com base na condenação por qualquer crime abstractamente punível com pena privativa de liberdade e a possibilidade de a indiciação ou preparação de cometimento de quaisquer crimes poder constituir pressuposto de recusa de entrada.
    Aqui chegados, importa ainda atentar no seguinte. Durante muito tempo, pelo menos na Escola de Lisboa, na esteira do ensinamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira, para fazer face à eloquentes dissertações para distinguir crime de outros ilícitos contravencionais ou, mais tarde, contra-ordenacionais, dizia-se sumariamente que crime é o ilícito punido com pena de prisão; o que não fosse punido com pena de prisão não era crime. E por rigor, in illo tempore, apontavam-se as duas excepções existentes, a condução sem carta e os crimes de caça. Evitava-se assim a complexa discussão sobre a definição de quais os interesses vitais da sociedade que eram salvaguardados por via do estabelecimento do que devia ou não ser erigido em crime.
    Esta asserção, no essencial, salvas as devidas adaptações, continua ainda a ser válida. Donde perder sentido a argumentação que vai no sentido de eleger como a opção legislativa a pena abstracta, pois que, em princípio, todo o crime é punível abstractamente com pena de prisão. O que pode acontecer é que essa pena seja cumulada com a multa, seja cominada em alternativa com a multa, seja substituída por multa ou seja suspensa na sua execução, fazendo, só assim sentido, que o legislador tenha optado por uma destas possibilidades como possível pressuposto elegível da recusa.
    Não pode o recorrido pretender, sob pena de ruírem todas as suas preocupações, que se tenha em vista apenas os crimes abstractamente puníveis apenas com pena de prisão.
    A redacção do legislador é, pois, de rigor.
    6.3.4. Das razões teleológicas.
    Fraqueja ainda a argumentação expendida.
    A Administração tem todos os meios para se proteger dos indesejados e menos bem-vindos à RAEM. Se condenados foram em pena de prisão, serve-se da alínea 2) do n.º 2 do artigo 4º da Lei n.º 6/2004 ex vi art. 15º, n.º 1 do RA n.º 8/2010; se não e entende rejeitar o pedido, recorre ao pressuposto do n.º 3. Questão reside em saber, se neste caso, uma condenação em pena não privativa de liberdade absorve teleologicamente, aqui sim, se será de ponderar que tal situação está contida pela previsão relativa à indiciação de cometimento de quaisquer crimes.
    É questão que fica em aberto e não temos necessidade de tomar pronúncia sobre ela neste momento, o que não põe em causa as razões securitária em face da menor gravidade dessa criminalidade.
    
    6.3.5. Sobre o exemplo dos três agentes condenados pelo mesmo crime com penas diferentes nada se retira em abono da tese defendida. Antes se reforça a capacidade de intervenção da Administração que, ainda antes da condenação pode recusar a entrada a não residentes. Se sobrevierem condenações diferentes, nada obriga a qualquer revogação do acto.
    Diferente seria a situação, se pelo mesmo crime sobreviessem três condenações diferentes e, depois disso, a Administração recusasse apenas o que foi condenado com prisão. Nada de mais, pois a questão passaria a ser transposta para o correcto ou incorrecto julgamento do mesmo crime, juízo que, à partida é difícil formular, pois basta que sejam diferentes os arguidos para que possam ser diferentes as condenações. Em todo o caso, mesmo discordando do julgamento realizado, se a Administração entendesse que teria havido desigualdade não estaria impedida de tratar administrativamente por igual as situações, nivelando o tratamento por baixo, ou seja, de considerar que não havia motivo para recusa de entrada, pois que estamos em sede de um poder discricionário e não vinculado nas situações do n.º 2 do art. 4º, como já se frisou.
    É que os poderes têm de se respeitar. A Administração não pode impor requisitos que o legislador entendeu não dever consagrar na lei.
    6.3.6. Com todo o respeito, até pelo denodo posto na sua intervenção, não tem razão o recorrido ao invocar o argumento que extrai do artigo 11º da Lei n.º 6/2004.
    Assim, ao não residente poderia ser recusada a entrada por uma condenação efectiva em pena privativa, mas tal já não era necessário quando se tratasse da revogação da autorização de permanência, o que não faria sentido.
    Entendemos que faz todo o sentido.
    Continuamos no campo do poder recusar, não da recusa necessária. O não residente entra porque foi condenado apenas numa pena não privativa de liberdade. Passados uns tempos comete um crime e é condenado numa pena não privativa de liberdade. Diz o arguente que é expulso porque se lhe revoga a autorização de permanência. Não, não tem de ser necessariamente expulso. A Administração saberá ponderar se o caso é ou não merecedor de expulsão. Esta não é automática. Nesse mesmo sentido aponta o legislador ao consignar que a autorização poderá ser revogada, se o autorizado a aqui residir constituir perigo para a segurança ou ordem pública, nomeadamente pela prática de crimes.
    
    6.3.7. Por último, uma referência ao argumento histórico.
    O que se pode dizer é que a legislação mostra-se coerente neste particular aspecto que está em discussão - outros pontos nos oferecem algumas interrogações, mas que não vêm ao caso - e a evolução registada vai no sentido de um maior reforço das preocupações securitárias e vincam a interpretação que este Tribunal vem fazendo.
    Atente-se que no facto a previsão anterior referia a condenação em penas privativas de liberdade não inferiores a um ano, ao mesmo tempo que outros diplomas permitiam até a recusa se o não residente fosse considerado indesejado.
    Actualizamos o bosquejo acima transcrito desenvolvido pelo recorrido.
    Bom, sobre isto o que dizer? Que o sistema é coerente. O legislador teve necessidade de temperar a abertura concedida com as condenações superiores a um ano com uma fórmula quase medieval extremamente ampla e indeterminada, quase medieval de catalogação, podendo fazer raiar a discricionariedade com a arbitrariedade.
    Ora, todos sabemos que as ordens normativas se vão aperfeiçoando, os poderes da Administração se vão auto e hétero controlando, donde não fazer mais sentido manter uma norma com amplidão referida. Mas, por outro lado, também é certo que a evolução da sociedade vai cada vez mais no sentido do reforço das preocupações securitárias e daí o abaixamento da moldura da pena aplicada como pressuposto da recusa.
    Compreende-se o balanceamento registado na evolução legislativa.
    Para além de que nunca o requisito ora vertido na norma não vai ao ponto de se poder reconduzir àquele em que se traduzia o facto de ter alguém como indesejado, não tanto por ser indesejado, mas pelos critérios de aferição dessa adjectivação.
    Nesta conformidade, sem necessidade de outros desenvolvimentos, pelas razões aduzidas e suscitadas pelo MP, somos a concluir no sentido da procedência do recurso.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
    Sem custas por não serem devidas.
Macau, 5 de Junho de 2014
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Presente
Vitor Coelho

1 O Sublinhado é nosso.
2 O sublinhado é nosso
3 A exemplo do actual Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, aprovado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (alterada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto) em contraste com a legislação pretérita, Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto que consagrava no artigo 25.º (Interdição de entrada), n.º 2, alínea c) "Terem sido condenados em pena privativa de liberdade de duração não inferior a um ano" redacção que foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro para "Terem sido condenados por sentença com trânsito em julgado em pena privativa de liberdade de duração não inferior a um ano, ainda que esta não tenha sido cumprida, ou que tenham sofrido mais de uma condenação em idêntica pena, ainda que a sua execução tenha sido suspensa" o que denota a necessidade sentida de definir o conceito de condenação em pena privativa de liberdade e que a "ratio legis" consagrou; norma, na Lei n.º 23/2007 passou a constar no artigo 33.º (Indicação para efeitos de não admissão), n.º 3. Vide Júlio Pereira; Cândido de Pinho, "Direito de estrangeiras, entrada, permanência, saída e afastamento", Coimbra Editora, Coimbra, 2008, Anotações § 8, pp. 137-138.

4 Vide, Ac. do STA, de 22/05/2002, Proc. n.º 044798 "Porém, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos legais, considerados globalmente, como exige a salvaguarda da unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9º, n.º 1, do Código Civil).",

5 Vide Ac. do STJ, de 04/05/2011, Proc. n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, "O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico."; Idem Ac. do STJ, Proe. n.º 8/2010. DR, 1.ª Série - n.º 186, 23/09/2010. O sublinhado é nosso.

6 O Despacho n.º 12/GM/88 e por remissão o Despacho n.º 49/GM/88, permitia a recusa ou a revogação do TI/TNR apenas com fundamento em o interessado ser considerado "indesejado", sem que por lei existisse a densificação do conceito.

7 Manuel Domingues de Andrade, "Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis", in Colecção Stydiym, 4,ª ed., Coimbra, 1987. No mesmo sentido, Castro Mendes, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1997, p. 361, "A ordem jurídica forma um sistema, de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma e conjunto de normas funciono em relação às outras como elemento sistemático de interpretação".

8 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
9 - Ac. do TSI, Proc. n.º 1284, de 11/4/2002
10 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
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