打印全文
Processo n.º 305/2014 Data do acórdão: 2014-6-26 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– revogação da pena suspena
– rica experiência na condenação em pena suspensa de prisão
– art.o 69.o, n.o 1, parte final, do Código Penal
– art.o 64.o do Código Penal
– consequências do cumprimento da pena de prisão
S U M Á R I O

1. Em sede da tomada de decisão acerca da suspensão, ou não, da pena de prisão, não pode fazer questão a tese de quesitação de factos sobre se a condenação anterior não foi advertência suficiente para o arguido ora recorrente não continuar a delinquir, porque esta tese, a valer, relevará propriamente para o instituto de punição do agente do crime como reincidente (cfr. o art.o 69.o, n.o 1, parte final, do Código Penal).
2. A citação, pelo recorrente, do art.o 64.o do Código Penal também se mostra inócua para efeitos de sustentação do seu pedido de suspensão da execução da pena de prisão, posto que esse artigo tem a ver com a escolha da pena, e a questão da suspensão da execução da pena de prisão só se coloca depois de já feita a opção pela aplicação da pena de prisão.
3. No concernente às alegadas nefastas consequências para a família do recorrente, a derivar da situação de cumprimento efectivo da pena de prisão, isto tudo, a existir, será por culpa e causa dele próprio, o qual, apesar da sua rica experiência anterior de ter ficado condenado em pena de prisão, suspensa na execução, ainda se atreveu a cometer novo crime doloso dentro do pleno período da suspensão da execução da prisão fixado num dos processos penais anteriores.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 305/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 32v a 35v dos autos de Processo Sumário n.º CR3-14-0059-PSM do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de desobediência (devido à recusa injustificada à submissão ao exame de detecção de estupefaciente), p. e p. conjugadamente pelo art.o 118.o, n.o 2, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário), e pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de quatro meses de prisão efectiva, com inibição de condução por três meses nos termos do n.o 3 do art.o 118.o da LTR, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que com sujeição a deveres ou imposição de regras de conduta nos termos legais dos art.os 48.o a 50.o do CP, ou a anulação da sentença por falta de fundamentação, tendo para o efeito alegado, em síntese, o seguinte: a sentença é omissa quanto aos fundamentos da escolha e da medida da sanção aplicada, ao arrepio do art.o 356.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), para além de violar o art.o 48.o do CP, sendo certo que para se ter chegado à conclusão de que a condenação anterior não foi advertência suficiente para o recorrente não continuar a delinquir, era preciso quesitar esse facto e sobre ele fazer-se a necessária prova, por um lado, e, por outro, no presente caso, em face do princípio geral do art.o 64.o do CP, nada justifica que se remova o recorrente da comunidade onde está estavelmente inserido, para a qual tem contribuído com o seu trabalho, quebrando as suas ligações famiilares, retirando-o do convívio afectivo da sua família que dele precisa, espiritualmente mas acima de tudo materialmente (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 48 a 56 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 59 a 61v) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 75 a 76v), pugnando até pela manifesta improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame crítico e global dos autos, fluem os seguintes elementos fácticos e processuais, pertinentes à solução do recurso:
– na sentença ora recorrida, foi descrito como provado, na sua essência, que: em 16 de Março de 2014, cerca das 05:20, o guarda n.o XXXX do Corpo de Polícia de Segurança Pública mandou parar, em operação de fiscalização de veículos numa avenida em Macau, um veículo automóvel então conduzido pelo arguido ora recorrente, na sequência do que foi descoberto que o arguido tinha reacção retardada e apresentava pó branco no nariz, pelo que sob suspeita do já consumo de substância estupefaciente, o arguido acabou por ser levado ao Departamento de Trânsito da dita Corporação Policial, onde o arguido foi notificado de que tinha que ir ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para proceder ao teste de detecção de estupefaciente, ao que o arguido declarou recusar, e mesmo depois de advertido policialmente outra vez de que não podia recusar sem motivo razoável ao teste, voltou a recusar a submissão ao teste referido, tendo agido desta maneira de modo consciente, livre e voluntário, sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei;
– o arguido tem por habilitações académicas o 3.o ano do ensino secundário complementar, trabalha na reparação de computadores, com MOP14.000,00 de rendimento mensal, com a mãe e um filho a seu cargo;
– segundo o certificado de registo criminal, o arguido já não é delinquente primário, tendo os seguintes antecedentes criminais:
– no dia 1 de Novembro de 2011, no Processo n.o CR3-11-0205-PSM, ficou condenado em três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática de um crime de condução sob influência de estupefaciente e de um crime de consumo de estupefaciente;
– em 20 de Janeiro de 2012, no Processo n.o CR3-11-0357-PCS, ficou condenado na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, pela prática de um crime de usura para jogo, pena essa que em cúmulo com a pena daquele processo fez com que tenha sido aplicada ao arguido a pena única de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova e interdição de entrada em todos os estabelecimentos de casino durante dois anos;
– em 3 de Maio de 2012, na sequência da violação da condição da pena suspensa do Processo n.o CR3-11-0357-PCS, o Tribunal decidiu acrescentar uma nova condição da pena suspensa, traduzida no ingresso do arguido em estabelecimento de internamento do tipo fechado, para efeitos de tratamento da toxicodependência;
– em 11 de Julho de 2012, no Processo n.o CR1-11-0077-PCC, ficou o arguido condenado em nove meses de prisão por um crime de usura para jogo, pena essa que em cúmulo com a pena do referido Processo n.o CR3-11-0205-PSM, fez com que tenha ficado condenado na pena de onze meses de prisão, suspensa na sua execucão por um ano e seis meses, com regime de prova, e com interdição de entrada em todos os estabelecimentos de casino durante três anos;
– em 18 de Janeiro de 2013, no Processo n.o CR1-11-0077-PCC, foi feito o cúmulo das penas dos Processos n.os CR3-11-0357-PCS, CR3-11-0205-PSM e CR1-11-0077-PCC, tendo o arguido ficado finalmente condenado na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova e sob condição de ingresso em estabelecimento de internamento do tipo fechado para tratamento da toxicodependência, e com proibição de entrada em todos os estabelecimentos de casino durante cinco anos;
– do teor da sentença ora recorrida, consta inclusivamente o seguinte (originalmente escrito em chinês, e aqui literalmente traduzido, na sua parte essencial, para português pelo ora relator) como fundamentação da decisão (cfr. o teor das páginas 8 a 9 da mesma sentença, a fls. 34v a 35 dos presentes autos):
– <<…o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de desobediência previsto pelo art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do CP, conjugado com o art.o 118.o, n.o 2, da LTR n.o 3/2007, e punível com pena de prisão até um ano, ou pena de multa até 120 dias.
***
Segundo o art.o 64.o do CP, a nível da opção da pena, deve ser aplicada primeiro pena não privativa da liberdade, a não ser que isto não dê para realizar adequada ou suficientemente as finalidades da punição. O arguido não é delinquente primário, esta vez já é a segunda vez em que o arguido praticou acto delituoso ligado à droga. Ponderando as circunstâncias do crime dos presentes autos, o grau relativamente elevado da ilicitude e do dolo, bem como a personalidade do arguido, este Tribunal entende que a aplicação da multa ao arguido não é suficiente para realizar as finalidades da punição.
Ao mesmo tempo, conforme os art.os 40.o e 65.o do CP, a determinação da pena concreta tem que ser feita em função de …
De acordo com os critérios acima referidos da medida da pena, e considerando ao mesmo tempo as circunstâncias concretas do presente caso, em que embora as consequências da prática do crime desta vez sejam normais, o grau da ilicitude do acto e do dolo é relativamente elevado, o arguido negou a prática do crime, e não é delinquente primário, esta vez já é a segunda vez em que o arguido cometeu crime ligado à droga, e voltou a praticar o crime do presente processo a menos apenas de um ano e dois meses contados da condenação anterior, ainda por cima o fez dentro do período da suspensão da pena, e tendo em conta ao mesmo tempo os factores respeitantes às exigências da prevenção geral e especial do semelhante tipo de crime, entende este Tribunal que procede o acusado crime de desobediência, p. e p. pelo art.o 118.o, n.o 2, da LTR n.o 3/2007, conjugado com o art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do CP, e entende este Tribunal como adequado aplicar ao arguido quatro meses de prisão. Devido às necessidades da prevenção criminal, não se substitui por multa a pena de prisão do presente processo, nos termos do art.o 44.o, n.os 1 e 2, do CP.
Segundo o art.o 48.o do CP, considerando a personalidade do agente, o seu modo de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias concretas da prática do crime, sobretudo as de que o arguido não é delinquente primário e voltou a praticar o crime, de que o arguido já tinha chegado, no passado, a ficar condenado, por duas vezes, por prática de crimes ligados à droga, e de que nesta vez praticou o crime dentro do período da pena suspensa (período da pena suspensa do Processo n.o CR1-11-0077-PCC), revelando tudo isto que a personalidade do arguido não tirou lição das condenações anteriores, e que é baixo o seu espírito de acatamento da lei, entende este Tribunal que a censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão não são suficientes para realizar adequadamente as finalidades da punição, pelo que este Tribunal decide em não suspender a execução da pena.
Segundo o art.o 118.o, n.o 3, da LTR, aplica-se ao arguido a pena acessória de inibição de condução, por três meses.>>
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente acabou por colocar materialmente duas questões seguintes na sua motivação de recurso:
– falta de fundamentação da sentença no tocante à escolha e à medida da pena;
– almejada suspensão da execução da pena de prisão.
Quanto à primeira das questões, é nítido que a sentença contém já a fundamentação concreta para a tomada da decisão no respeitante à escolha e à medida da pena, em cabal obediência à exigência do art.o 356.o, n.o 1, do CPP. Para constatar isto, basta ver o conteúdo da fundamentação da sentença já acima referenciado na parte II do presente acórdão de recurso.
E agora da suspensão da execução da pena de prisão: há que cair por terra essa pretensão última do recorrente, porquanto é mesmo de louvar a fundamentação justa já exposta pelo M.mo Juiz recorrido a propósito da decidida não suspensão da execução da pena de prisão.
Finalmente, é de notar que:
– em sede da tomada de decisão acerca da suspensão ou não da pena de prisão, não pode fazer questão a tese de quesitação de factos sobre se a condenação anterior não foi advertência suficiente para o recorrente não continuar a delinquir, porque esta tese, a valer, relevará propriamente para o instituto de punição do agente do crime como reincidente (cfr. o art.o 69.o, n.o 1, parte final, do CP);
– a citação do art.o 64.o do CP também se mostra inócua para efeitos de sustentação do pedido de suspensão da execução da pena de prisão, posto que esse artigo tem a ver com a escolha da pena, e a questão da suspensão da execução da pena de prisão só se coloca depois de já feita a opção pela aplicação da pena de prisão;
– e no concernente às alegadas nefastas consequências para a família do recorrente, a derivar da situação de cumprimento efectivo da pena de prisão, isto tudo, a existir, será por culpa e causa do próprio recorrente, o qual, apesar da sua rica experiência anterior de ter ficado condenado em pena de prisão, suspensa na execução, ainda se atreveu a cometer novo crime doloso dentro do pleno período da suspensão da execução da prisão fixado no Processo n.o CR1-11-0077-PCC!
Improcede toda a pretensão do recorrente, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo n.o CR1-11-0077-PCC, para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 26 de Junho de 2014.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 305/2014 Pág. 5/11