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Processo nº 297/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Mmo Juiz do T.J.B. remeteu para apreciação e decisão deste T.S.I. o presente recurso, em que é recorrente “A (MACAU), S.A.”, e em que na sua motivação se apresentam as conclusões seguintes:

“1. O presente recurso vem interposto dos, aliás, doutos despachos de fls. 158, 158 verso e 161. O primeiro indeferiu o pedido da ora Recorrente para que lhe fosse notificado o despacho de fls. que ordenara o arquivamento dos autos nos quais a ora Recorrente é participante e ofendida; o segundo que indeferiu o pedido de constituição de assistente formulado pela ora Recorrente por requerimento de fls..
2. A alínea b) do n.° 1 do artigo 391.° do CPP dispõe que tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas o Assistente. Porém, do disposto na alínea g) do número 1 do artigo 397.° do mesmo diploma legal resulta inequivocamente que pode ser interposto recurso "do despacho que não admitir a constituição de assistente". E é precisamente numa situação semelhante que a Participante, ora Recorrente, se julga encontrar: em tempo requereu nos autos a constituição de assistente (fls. dos autos); mas viu-se entretanto confrontada com um despacho que, alicerçado em premissas ilegais e numa, salvo o devido respeito, errónea interpretação e aplicação do Direito, a impede de se constituir assistente sob invocação de que o processo já se encontra arquivado, quando não é o caso, salvo melhor entendimento porque a ora Recorrente interessada e afectada pela decisão de arquivamento nunca foi sequer notificada da mesma, contra a qual pretende e tem o direito de reagir, desde logo pela via recursiva.
3. Não obstante ter sido proferido numa fase posterior ao encerramento do inquérito, o despacho do Meritíssimo Juiz que ordenou o arquivamento dos presentes autos tem um efeito análogo ao arquivamento a que se refere o artigo 259.º do Código de Processo Penal, ou seja, visa pôr termo ao procedimento criminal iniciado com a participação dos factos praticados pela arguida, que foi apresentada pela Recorrente.
4. Na verdade, não tivesse o ilustre delegado do Ministério Público decidido, prosseguir os ulteriores termos do procedimento criminal, e a fase de inquérito conheceria o seu termo, por via do respectivo arquivamento.
5. Porém, conforme dito o Ministério Público decidiu, e bem, que dos indícios recolhidos durante a fase de inquérito resultava uma possibilidade razoável de à arguida vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena, tendo por isso deduzido acusação contra aquela.
6. Acontece que depois de remetidos os autos para o Tribunal Judicial de Base, entendeu o Meritíssimo juiz titular do processo que o respectivo procedimento criminal padecia de uma ilegalidade formal, porquanto a Recorrente não só não apresentou uma queixa formal dos factos como tampouco ratificou a participação dos factos apresentados pelo seu funcionário.
7. Ora, não obstante a questão da necessidade de apresentação formal de queixa, ou ratificação do processado por quem tinha legitimidade para representar a ora Recorrente não ter de ser apreciada no âmbito do presente recurso, cumpre fazer um parêntesis na presente alegação a fim de se enquadrar e demonstrar a importância da questão que ora se discute. Senão vejamos:
8. A exacta correspondência do acto aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o acto imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício.
9. As invalidades vêm a ser os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei e a que esta faça corresponder uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.
10. Os artigos 105.º a 110.º do Código de Processo Penal regulam as consequências da inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais.
11. Assim, delimitada a questão relevante, a falta de apresentação formal de queixa, ou então a falta de ratificação do processado por quem com poderes para representar a denunciante, cumpre proceder à qualificação dessa omissão em ordem a determinar a respectiva consequência jurídica.
12. A omissão levada a cabo não é sancionada por qualquer disposição legal especial, nem constitui nulidade insanável, artigo 106.º do Código Processo Penal, pois não consta desse apertado catálogo. Também não faz parte do elenco das nulidades previsto no artigo 107.º do Código Processo Penal.
13. Sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal ,g meramente irregular estamos perante uma irregularidade artigo 110 nºs 1 e 2 do Código Processo Penal quando alguém com legitimidade para tal não apresenta um pedido de ratificacão do processado.
14. A irregularidade é, em geral, um vício de menor gravidade que a nulidade. Não nos fornece a lei um seu retrato preciso e definido, o que apenas se consegue por contraposição, com o regime das nulidades propriamente ditas, sendo tendencialmente correcto afirmar que constitui irregularidade aquele defeito que não é causa de nulidade.
15. Dizemos que é tendencialmente correcto afirmar que constitui irregularidade aquele defeito que não é causa de nulidade, e não foi por mero acaso que vincamos esse carácter tendencial, quando do figurino legal parece resultar inequivocamente que irregularidade e nulidade são realidades distintas.
16. Essa afirmação, que não é apenas nossa'', parte da constatação de que as soluções legislativas revelam nesta matéria uma certa descontinuidade entre a linguagem legislativa e o discurso dogmático. O legislador reputa irregularidades aqueles defeitos que não são causa de nulidade, mas depois, ao contrário do que seria de esperar, atribui-lhes efeitos invalidantes próprios das nulidades. Pelo menos algumas irregularidades determinam a invalidade do acto a que se referem e dos termos subsequentes que aquele possa afectar, produzindo os mesmos efeitos das nulidades.
17. Em matéria de irregularidades consagra o legislador uma "válvula de segurança" muito grande, que é a de que se pode ordenar oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado, artigo 110 n.° 2 do Código de Processo Penal.

18. Quando na génese da irregularidade está uma omissão, pode ordenar-se a reparação oficiosa da irregularidade quando o acto omitido, podendo ainda ser realizado, afecte o valor dos actos subsequentes.
19. Ora é o que acontece no caso: Como acima se referiu, no momento em que efectuou a participação dos factos praticados pela denunciada, e que no seu entender devem ser considerados como crime, o representante da Recorrente efectuou uma queixa contra a arguida. Acontece que não tendo o referido representante legitimidade para apresentar queixa em nome da ora Recorrente, esta teria de ser convidada a ratificar o processado sob pena de o processo não poder prosseguir os seus ulteriores termos.
20. A solução de mandar arquivar os autos, com base numa irregularidade formal da queixa com omissão da elementar necessidade de notificar de tal radical decisão, o autor da participação é salvo o devido respeito, uma verdadeira situação de negação de justiça perante uma situação concreta que até já fora avaliada pelo digno Magistrado do Ministério Público como merecedora de ser levada a julgamento crime por verificação de indícios de cometimento de ilícito criminal.
21. Destarte, será forçoso concluir que assim que foi efectuada a denúncia dos factos passíveis de serem considerados como prática de um crime, o juiz titular do processo tinha a obrigação legal de solicitar ao mandatário forense da ora Recorrente, com poderes para o fazer, a ratificação do processado, o que não acontecendo, corresponde à omissão do dever de o fazer.
22. Assim, a falta daquele pedido de ratificação, não fez mais do que limitar um direito fundamental da Recorrente de aceso ao direito e de intervenção processual.
23. Conclui-se, que constitui irregularidade, de conhecimento oficioso mesmo em sede de recurso, a omissão de despacho judicial a solicitar a ratificação do processado por representante com legitimidade para agir em nome da ora Recorrente, doutro modo fica definitivamente inviabilizado o prosseguimento dos presentes autos.
24. Impõe-se portanto determinar que o tribunal leve a cabo o acto omitido, deixando-se ao seu critério, após necessário contraditório, a delimitação dos efeitos nos actos subsequentes, nomeadamente os actos a invalidar e os actos a aproveitar.
25. Voltando assim à questão essencial do presente recurso conclui-se por outro lado, que o despacho de arquivamento do juiz titular do processo de que ora se disposto no do n.°1 do supra referido artigo 259.° do Código de Processo Penal de Macau
26. Por esse motivo, estando em casa duas situações notoriamente análogas, entende a Recorrente que o douto Tribunal estava igualmente obrigado a cumprir com a formalidade prevista no n.° 3 do artigo 259.° do Código de Processo Penal, ordenando a comunicação do despacho de arquivamento, à denunciante, ora Recorrente.
27. É que na verdade, não obstante não estar expressamente previsto na lei, que a notificação de um despacho com o conteúdo daquele de que ora se recorre, é obrigatória, entende a ora Recorrente, que o cumprimento desta formalidade, é do mais elementar bom senso, porquanto, sem o cumprimento da mesma, o denunciante dos factos passíveis de integrarem sanção criminal, não poderia tomar conhecimento do conteúdo do mesmo, e querendo, reagir contra o mesmo. Caso assim não fosse, poderíamos estar na presença de uma norma processual de conteúdo tortuoso que, nesta fase do procedimento criminal, deixaria o ofendido totalmente desprotegido e sem lhe conceder a possibilidade de exercer, seja por que forma fosse, um direito fundamental que é o de contraditar uma decisão que lhe foi manifestamente desfavorável.
28. Seguisse a reacção do ofendido a via da reclamação hierárquica, prevista no artigo 260.° do Código de Processo Penal, seguisse a via do pedido de abertura de instrução, nos termos "do disposto no artigo 270.° do mesmo normativo, teria sempre de existir uma garantia reapreciação de uma decisão judicial, sob pena de se estar a por em causa um dos princípios fundamentais do Processo Penal de Macau.
29. É portanto do despacho que indefere o pedido de notificação do despacho de arquivamento dos presentes autos, que no entender da Recorrente viola o disposto no artigo 259.° n.° 3 do Código de Processo Penal, aplicável por analogia à situação em concreto, e com a qual a ora Recorrente não se conforma, que se interpõe o presente recurso.
30. Dispõe o artigo 57.° n.º 2 do Código de Processo Penal, que "O Assistente pode intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeira até 10 antes do início da audiência."
31. E foi precisamente por força do disposto no supra citado normativo, e por estar a tempo de o fazer, que em 14 de Março de 2014, a ora Recorrente, requereu ao douto Tribunal se dignasse a aceitar a sua constituição como assistente, ordenando para os devidos efeitos a emissão das competentes guias para pagamento da taxa de justiça devida.
32. Todavia, ao contrário do que seria de esperar, o douto Tribunal indeferiu o aludido requerimento, Invocando para o efeito que o procedimento criminal se encontrava encerrado, por força do supra descrito arquivamento.
33. Acontece que, ao contrário do alegado no despacho ora recorrido, o procedimento criminal não se encerra ou extingue no despacho do seu arquivamento, muito menos num despacho de arquivamento que não foi notificado ao ofendido, seja ele proferido em que fase do processo for.
34. Em boa da verdade, até ao trânsito em julgado dos acórdãos, sentenças e despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei, o processo penal não se encontra efectivamente terminado, sendo as decisões proferidas através daqueles actos processuais passíveis de recurso, conforme o disposto no artigo 389.º do Código de Processo Penal.
35. Ora, conforme acima se referiu, entende a ora Recorrente que o despacho de arquivamento dos presentes autos deveria ter-lhe sido notificado, para que querendo, a destinatária do mesmo, pudesse exercer o seu legítimo direito de oposição ao conteúdo do mesmo.
36. Não tendo o douto tribunal efectuado a dita notificação nos termos devidos, a mesma decisão também não transitou em julgado, pelo que o processo penal não se pode vir a considerar efectivamente terminado.
37. Nessa conformidade, entende a ora Recorrente, estar ainda em tempo para requerer a sua constituição como assistente, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 57.º do Código de Processo Penal, devendo por isso o douto Tribunal deferir o aludido pedido, ordenado posteriormente a emissão das guias para o pagamento da taxa de justiça devida.
38. Ora, considerando que por despacho de folhas 161 dos presentes autos o Tribunal ad quo decidiu de forma contrária, tendo negado o direito da Recorrente de se constituir como assistente nos presentes autos, alegando para esse efeito que o mesmo pedido é extemporâneo porquanto o presente procedimento já se encontrava terminado, a Recorrente entende que, salvo o devido respeito, no despacho recorrido, viola frontalmente o disposto no artigo 57.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
39. Sendo também deste despacho de não admissão do pedido de constituição como assistente, eivado de ilegalidade no que toca à parte supra delimitada, e com a qual a ora Recorrente não se conforma, que também se interpõe o presente recurso.
Em súmula, os despachos recorridos violaram pelas razões supra indicadas o disposto nos artigos 259.° n.º 3 e 57.º n.º2 ambos do Código de Processo Penal”.
A final, pede “a revogação do despacho que indeferiu o pedido de constituição como assistente e o pedido de notificação do despacho de arquivamento dos presentes autos, e a sua substituição por outro que admita tanto a constituição de assistente como também a notificação do despacho de arquivamento (…)”; (cfr., fls. 163 a 173 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, apresentando as conclusões seguintes:

“1. Inconformada com o despacho que lhe indeferiu o pedido de notificação da decisão de arquivamento e o despacho que lhe indeferiu o pedido de constituição de assistente, ambos proferidos pelo tribunal a quo, deles vem a recorrente interpor o presente recurso.
2. Alega a recorrente que o tribunal a quo deve aplicar, por analogia, o disposto no artigo 259.º n.º 3 do Código de Processo Penal, comunicando-lhe a decisão de extinção do procedimento criminal. Dado que o tribunal a quo não lhe comunicou a decisão de extinção do procedimento criminal, a recorrente entende que o presente procedimento criminal ainda não se encontra findo, pelo que, o despacho do tribunal a quo que indeferiu o seu pedido de constituição de assistente violou o artigo 57.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
3. A aplicação por analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, determinada situação que deve ser prevista na lei não está prevista pelo legislador.
4. A nosso ver, não é que o legislador se esqueceu de prever que o tribunal deve comunicar a decisão da extinção do procedimento criminal ao ofendido que ainda não se constitui assistente ou não é parte civil.
5. A razão pela qual o Código de Processo Penal prevê que a decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público na fase de inquérito deve ser comunicada ao ofendido reside em que a lei prevê uma série de meios para que o ofendido se oponha à decisão de arquivamento: Da decisão de arquivamento, pode apresentar reclamação para o superior hierárquico do magistrado que proferiu a decisão (artigo 259.º n.º 4 do Código de Processo Penal) e também pode requerer a instrução ao Juízo de Instrução Criminal, mas, no acto para tal deve requerer simultaneamente a constituição como assistente (artigo 270.º n.º 1 do Código de Processo Penal).
6. Por outras palavras, face à decisão de arquivamento do Ministério Público, é possível que o ofendido adopte meios jurídicos para alterar tal decisão.
7. Porém, quanto à decisão de extinção do procedimento criminal proferida pelo tribunal, o ofendido que ainda não se constitui como assistente ou não é parte civil não tem legitimidade para recorrer, uma vez que antes de constituir-se como assistente ou ser parte civil, o ofendido não é sujeito processual e a decisão de extinção do procedimento criminal proferida pelo tribunal só se refere ao exercício do direito de punir do estado, não afectando directamente os direitos do ofendido, por isso, não é o caso previsto na última parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 391.º do Código de Processo Penal.
8. O ofendido não tem legitimidade para recorrer da decisão de extinção do procedimento criminal e a lei também não prevê outros meios para que o ofendido se oponha à referida decisão, isto implica que não existe nenhum meio viável para o ofendido alterar a referida decisão, pelo que, não é necessário comunicar-lhe a referida decisão.
9. O artigo 57.º n.º 2 do Código de Processo Penal: “2. O assistente pode intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeira ao juiz até 5 dias antes do início da audiência”. A nosso ver, a aplicação deste disposto pressupõe que o processo está em condições de ser julgado na audiência de julgamento.
10. No presente processo, o tribunal a quo decidiu, na fase de saneamento, arquivar o processo nos termos do artigo 293.º do Código de Processo Penal, isto quer dizer que o processo já se encontra findo antes do início da audiência de julgamento. Já que findo o processo, é claro que a ofendida não pode voltar a pedir ao tribunal para constituir-se como assistente depois de findo o processo.
11. Por fim, na sua motivação, a recorrente alega que a decisão de extinção do presente procedimento criminal proferida pelo tribunal a quo enferma do vício. Dado que tal decisão não é o objecto do presente recurso, não deve a recorrente aproveitar do presente recurso para impugnar tal decisão”; (cfr., fls. 175 a 177).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Foi efectuada denúncia de factos passíveis de serem considerados como prática de crime, perante a qual, após o decurso do inquérito respectivo, o M.P. entendeu deduzir acusação.
Cabe aqui referir que, tivesse o Magistrado do M.P., no domínio desse inquérito, suscitado a questão da legitimidade respectiva para o exercício da acção penal e, porventura, proferido despacho de arquivamento por tal motivo, isto é, pelas precisas razões por que se procedeu ao arquivamento já em sede judicial - falta de queixa válida relativa a crime de natureza semi-pública - e, cremos, não subsistiriam dúvidas que tal despacho, nos precisos termos do n° 3 do art° 259°, C.P.P., deveria ser comunicado, além do mais, ao denunciante.
É precisamente de tal normativo que a recorrente pretende lançar mão, perante o arquivamento, por aqueles motivos, já em sede judicial, pretextando, nas suas próprias palavras, que tal despacho ": prossegue exactamente os mesmos fins e produziu os mesmos efeitos que o despacho a proferir pelo delegado do Ministério Público, nos termos do n° 1 do artigo 259° do Código de Processo Penal de Macau ".
Só que, não é assim: a lei processual, expressando, desde logo, diferentes possibilidades de reacção consoante as situações, prevê também diferentes formas de comunicação dos actos, sendo que, no caso judicial, o despacho de arquivamento em questão haveria que ser notificado aos sujeitos processuais, com legitimidade para recorrer, nos termos do art° 391°, C.P.P., onde se não inclui a recorrente, por se não mostrar constituída Assistente.
E, entrando já no domínio do 2° recurso, entendemos, na senda da douta decisão sob escrutínio, que, mostrando-se o processo arquivado, com trânsito em julgado da decisão respectiva, não se poderia validamente deferir pedido de constituição de Assistente, revelando-se inócuo argumentar com o disposto no n° 2 do art° 57° daquele diploma legal, de cuja parte final se colhe, aliás, com clareza, que tal só fará sentido na pendência do processo.
Compreende-se alguma amargura e frustração reveladas pela recorrente, face ao sucedido, nomeadamente por os factos denunciados terem sido, inclusivé, alvo de libelo acusatório, o que, porventura, a terá levado à consideração do que apelida de "conteúdo tortuoso" do procedimento: convirá, porém, não esquecer que, bem vistas as coisas, tudo se terá ficado a dever à sua própria inépcia, ao não ter apresentado, como devia, queixa formal, através de representante munido de poderes para o efeito.
E se, no âmbito do decurso do inquérito se poderia, quiçá, equacionar a possibilidade de o M.P. "convidar" a visada a reparar o que aquela apelida de "mera irregularidade", mediante apresentação de queixa formal ou ratificação da participação dos factos (antes da caducidade do direito de queixa), a verdade é que, em sede judicial, tal não se mostra legalmente viável e não faria, de resto, qualquer sentido, atento o manifesto decurso daquele prazo para a apresentação de queixa.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender improceder o presente recurso, havendo que manter o decidido”; (cfr., fls. 205 a 207).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Tal como resulta do que se deixou relatado, e, em especial, das conclusões da ora recorrente, e que como se sabe, delimitam o thema decidendum da presente lide recursória, (com excepção das questões de conhecimento oficioso), duas são as decisões impugnadas com o recurso trazido a este T.S.I..

A primeira, que “indeferiu o pedido de notificação da recorrente do despacho pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferido que determinou a extinção da instância por falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação (por falta de queixa do ofendido)”, e, a segunda, que “indeferiu o pedido pela (mesma) recorrente apresentado para efeitos da sua constituição como assistente”; (cfr., concl. 1ª).

Vejamos então se tem a recorrente razão, (notando-se que não constitui objecto do presente recurso a “decisão que declarou extinta a instância”).

Mostra-se adequado uma breve nota prévia.

Nos termos do art. 391° do C.P.P.M.:

“1. Têm legitimidade para recorrer:
 a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
 b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
 c) A parte civil, da parte das decisões contra ela proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
2. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”.

E, não detendo a ora recorrente a qualidade de assistente, evidente parece que a sua situação não se integra nas alíneas a), b) e c) – especialmente a b) – do n.° 1 do transcrito preceito.

Porém será que em causa está a situação da “al. d)”, sendo de considerar a ora recorrente com legitimidade para “defender um direito afectado pela decisão”?

Ora, quanto à decisão de “indeferimento do seu pedido de constituição de assistente”, cremos que adequado é considerar a ora recorrente como “afectada” pela mesma, pois que esta diz-lhe “directamente” respeito, (e, até porque, doutra forma, impedida estava de reagir).

Quanto ao “indeferimento do pedido de notificação do despacho que declarou extinta a instância”, vejamos.

Resulta dos autos que a ora recorrente incumbiu um seu trabalhador (B) de, em seu nome e em sua representação, apresentar queixa contra um outro seu trabalhador por (eventual) prática de um “crime informático”, o que veio a suceder no dia 27.12.2011; (cfr., fls. 6 e 7).

Na sequência de tal queixa e em resultado das diligências entretanto encetadas, foi o então suspeito constituído arguido e nesta qualidade sujeito a interrogatório; (cfr., fls. 23 a 27), tendo-se, seguidamente, tomado novas declarações ao referido trabalhador (queixoso) da ora recorrente, no âmbito do qual, o mesmo confirmou o antes declarado e efectuou a junção aos autos de vários documentos próprios da dita e pela própria recorrente facultados, nomeadamente, de procurações pela mesma passada a Advogados para a “representar em juízo…, apresentar queixa…, e para a prática de quaisquer actos que na lei processual penal possam ser praticados…”; (cfr., fls. 45 a 62).

Oportunamente, e considerando reunidos os pressupostos legais para tal, decide o Ministério Público deduzir acusação imputando ao arguido a prática de 1 crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, p. e p. pelo art. 5°, n.° 1, da Lei n.° 11/2009, ordenando a sua notificação ao (mesmo) arguido e ao Advogado (constituído) da ora recorrente, (na qualidade de “representante da ofendida” ), o que veio a suceder através de carta registada datada de 29.11.2012; (cfr., fls. 127).

Nada vindo nos autos, em 11.01.2013, são os autos remetidos ao T.J.B., onde, em 30.01.2013, em sede de saneamento do processo, é pelo Mmo Juiz proferido o atrás mencionado “despacho de extinção da instância por falta de legitimidade do Ministério Público para a acusação deduzida”, procedendo-se apenas à sua notificação ao Ministério Público e arguido.

E, (face ao relatado), será de considerar a ora recorrente “afectada” por tal decisão.

Cremos que a resposta deve (só pode) ser de sentido afirmativo.

De facto, cremos até que com a sua “conduta processual” (atrás sumariamente descrita), a ora recorrente já “ratificou” a queixa antes, (em 27.12.2011), pelo seu trabalhador apresentada.

Com efeito, se dos autos resulta que a ora recorrente entregou a um seu trabalhador, a quem antes tinha incumbido de a representar na apresentação de uma queixa, documentos relacionados com a matéria em investigação e procurações passadas a Advogado(s) para a “representar em juízo”, natural e razoável parece de concluir que “concorda” com a queixa apresentada e que pretende que o processo siga os seus “normais termos”, verificando-se, aí, no mínimo, (e em nossa opinião), uma implícita – “intenção confirmativa” ou – manifestação de vontade de concordância com o trabalho desenvolvido pela pessoa que, a seu pedido, a representa.

Com efeito, não exigindo a validade da queixa uma fórmula especial ou expressa declaração com a utilização do termo “queixa”, bastando-se com qualquer manifestação (inequívoca) do titular do direito de queixa, no sentido de pretender desencadear o procedimento criminal, (cfr., v.g., nesse sentido, F. Dias in “Dto Penal – As consequências jurídicas do crime”, pág. 665 e o Ac. da R.C. de 06.10.2010, Proc. n.° 1123/08 e de 03.06.2013, Proc. n.° 763/09, e, mais recentemente da R. de Ev. de 29.04.2014, Proc. n.° 130/12, in www.dgsi.pt, aqui citados como mera referência), o mesmo se mostra de considerar em relação à conduta processual da ora recorrente, razoável parecendo de entender que foi aquela ratificada (confirmada).

Por sua vez, se na sequência da sua referida conduta processual e acusação deduzida e que lhe foi notificada – na pessoa do seu Advogado com procuração junta aos autos e na qualidade de “representante da ofendida dos autos” – nada diz, igualmente se mostra de concluir que, no mínimo, “adere” a tal líbelo acusatório, (subscrevendo-o).

E, se assim foi, afigura-se-nos de concluir que a decisão de arquivamento dos autos “afectou” a sua posição (pelo menos) antes, em sede de Inquérito, reconhecida (de “ofendida”), sendo pois de se considerar que em relação à tal decisão, verificada está a situação do art. 391°, n.° 1, al. d) do C.P.P.M..

De facto, (e, para não nos alongarmos, independentemente do demais), há, (na pior das hipóteses), uma legítima “expectativa” que não deixou de ser anulada, havendo que reconhecer, ao seu interessado, meios de reacção.

Na verdade, se foi a recorrente considerada “ofendida” para efeitos de notificação da acusação deduzida, adequado não parece que se entenda que não detém (ou deixou de ter) esta qualidade, sem que (ao menos) lhe seja dada a oportunidade de sobre a “questão” dizer o que por bem entender, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da R.P. de 28.04.1998, Proc. n.° 9320040, onde em sumário se consignou que “no caso de crimes em que seja necessária queixa do ofendido, se esta for apresentada por mandatário sem poderes especiais para o acto, deverá fixar-se prazo para o suprimento da falta ou ratificação do processo”, e mais recentemente, da R.L. de 17.04.2013, Proc. n.° 178/12), pois que mesmo antes da ratificação, a “queixa” já existe, podendo-se é considerar que não tem eficácia plena, certo sendo também que a ratificação tem eficácia retroactiva; (cfr., v.g., Ac. da R.P. de 02.08.95, Proc. n.° 9450137 e da R.L. de 06.05.91, Proc. n.° 0018646 e de 30.04.97, Proc. n.° 0013343).

Por fim, cremos mesmo que o “princípio do contraditório e o da lealdade processual” impõem que seja a recorrente notificada para se pronunciar antes da prolação do despacho em causa (que declarou extinta a instância, por falta de legitimidade do Ministério Público).

Não se tendo efectuado tal notificação (oportunamente), à vista está que se devia deferir o pedido deduzido no sentido da sua notificação (do supra referido despacho), não se podendo assim manter a (1ª) decisão recorrida (que indeferiu o pedido da sua notificação).

Nesta conformidade, e tendo-se chegado à solução a que se chegou, imperativo é também anular e dar sem efeito todo o processado posterior, o que equivale a dizer que deixou de ter interesse a apreciação da parte do recurso que incide sobre o “pedido de constituição de assistente”.

Tudo visto, cabe decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao T.J.B. para decisão em conformidade.

Sem custas, (por o arguido ser alheio à decisão e estar o Ministério Público das mesmas isento).
Macau, aos 19 de Junho de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 297/2014 Pág. 28

Proc. 297/2014 Pág. 27