Processo nº 601/2012
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Data: 5/Junho/2014
Assunto: Certificado de trabalho
Violação dos artigos 78º e 88º, nº 1, alínea 1) da Lei das Relações de Trabalho (Lei nº 7/2008)
SUMÁRIO
- A Lei do Trabalho tem, entre outras, por função oferecer protecção ao trabalhador.
- De acordo com o artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho (Lei nº 7/2008), a entidade patronal não tem a liberdade de inserir no certificado de trabalho quaisquer elementos relativos ao desempenho profissional do trabalhador como queira, ou seja, se os elementos não forem solicitados pelo trabalhador, não pode o empregador, ao seu bel-prazer, fazer constá-los no certificado.
- O certificado é emitido no exclusivo interesse do trabalhador e não no interesse da entidade patronal, o qual se destina para ser apresentado ao novo empregador, de forma a facilitar ao trabalhador a obtenção de novo emprego.
- Não obstante que a lei nova eliminou a expressão “indicação que seja desfavorável para o trabalhador ou que ele considere como tal” antigamente consagrada no artigo 49º, nº 2 do Decreto-Lei nº 24/89/M, ora revogado, mas não significa que a intenção do legislador foi no sentido de reduzir as garantias do trabalhador e permitir que o empregador insira elementos desfavoráveis do trabalhador no certificado de trabalho.
- Pelo contrário, abandonou-se na lei nova o antigo regime rígido e foi substituído por aquele em que compete ao trabalhador escolher os dados que pretende ver incluídos no certificado de trabalho.
- Provado que tendo a recorrente emitido os certificados, mas os mesmos não foram passados em conformidade com o solicitado pelos trabalhadores, a recorrente violou efectivamente o tal dever legal, devendo por isso ser sancionada.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 601/2012
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Data: 5/Junho/2014
Recorrente:
- A Lda
Entidade recorrida:
- Subdirector da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Lda, melhor identificada nos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo do despacho do Subdirector da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, de 01.03.2011, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho do Chefe de Departamento Substituto da Inspecção de Trabalho, o qual lhe havia aplicado uma multa de $10.000,00, nos termos da alínea 1) do nº 1 do artigo 88º e do artigo 78º, ambos da Lei das Relações de Trabalho.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, foi negado provimento ao recurso contencioso.
Inconformada com a decisão, vem a recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto dada como provada no douto aresto em apreço.
2. Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da legalidade, de harmonia com o qual os órgãos e agentes da Administração só podem agir no exercício das suas funções com base na lei e sempre dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para os quais os mesmos poderes lhes forem conferidos (art.º 3º, n.º 1 do CPA).
3. Pondo em evidência o carácter limitativo deste princípio escrevia o Prof. Marcelo Caetano, no seu manual, o seguinte: “O objecto do acto administrativo deve ser legal e não apenas lícito. Como se disse já, a Administração Pública, no nosso direito, actua nos termos previstos ou permitidos por lei: não lhe é possível tudo o que a lei não proíbe como sucede com os particulares; a sua acção está positivamente regulada e por isso só pode querer o que a lei permitir que queira” (Manuel do Direito Administrativo, 1º Vol., pág. 483).
4. No que diz respeito aos particulares, prevalece o princípio da liberdade de harmonia com o qual pode fazer-se tudo o que a lei não proíbe.
5. O art.º 78º da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto, determina que, do documento em questão, devem constar os elementos referidos no seu n.º2; e não que apenas devem constar esses dados.
6. Assim, não se impõem aí quaisquer limitações ou proibições.
7. A recorrente limitou-se a incluir nos certificados, para além dos elementos legalmente exigíveis, também os relevantes para a apreciação do perfil moral das trabalhadoras, por considerar que os mesmos são imprescindíveis a um juízo de valor quanto ao exercício de funções (art.º 78º, n.º 1, in fine, da lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto).
8. Se à própria Administração Pública é vedado criar e impor proibições aos particulares que não sejam permitidas por Lei, como acima se desenvolveu já, por maioria de razão se deve entender que aos trabalhadores não assiste o direito de exigir às entidades patronais restrições não previstas na Lei.
9. Não se pode aceitar, por que não consentido pela Lei, o “dogma” de que o certificado seja emitido no exclusivo interesse do trabalhador, uma vez que, a par desse interesse (particular ou individual), coexiste também o interesse da comunidade dos futuros empregadores (público ou colectivo), aos quais se não pode negar o direito de tomarem conhecimento do perfil moral dos candidatos ao posto de trabalho que lhes é oferecido.
10. A história do preceito – a eliminação da matéria constante do n.º 2 do art.º 49º do Dec. Lei 24/89/M, de 3 de Abril – vem demonstrar que o legislador pretendeu deixar ao prudente critério da entidade patronal a inclusão, no certificado, de quaisquer outros elementos que, pela entidade patronal, fossem julgados profissionalmente relevantes.
11. A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto no art.º 78º da Lei 7/2008, de 18 de Agosto.
12. O n.º 1 do art.º 88º da Lei 7/2008, de 18 de Agosto, sanciona a não emissão do certificado (ou a que não contenha os elementos obrigatórios); mas não a emissão do certificado em termos semelhantes aos que a recorrente usou.
13. A recorrente emitiu, a favor de cada uma das queixosas, dois documentos dessa natureza.
14. A recorrente não violou, nem deixou de observar, os preceitos invocados na douta sentença recorrida.
15. A douta sentença recorrida violou, ainda, os princípios de legalidade e de tipicidade, e o disposto nos art.ºs 78º e 88º, n.º 1 da Lei 7/2008, de 18 de Agosto, assim como os n.ºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil.
16. O douto aresto em apreço, encontra-se inquinado do vício de violação de Lei.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, e, em consequência, se revogue a sentença recorrida, dando-se sem efeito a multa imposta à recorrente.
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Notificada, a entidade recorrida apresentou resposta ao recurso, cuja junção foi indeferida em virtude da sua apresentação fora do prazo.
*
Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“O acto contenciosamente impugnado negou provimento ao recurso hierárquico interposto pela ora recorrente da decisão referida na Notificação n.º 127/R/2010 (doc. de fls. 19 dos autos), decisão que aplicou à recorrente a multa de MOP$10.000,00, por lhe imputar a infracção p.p. pelos art.ºs 78º e 88º, n.º 1/1) da Lei n.º 7/2008.
As alegações do presente recurso jurisdicional colocam a questão de saber se a sentença de fls. 54 a 59 dos autos, que julgou improcedente o recurso contencioso, tiver infringido os princípios de legalidade e de tipicidade, e o disposto nos art.ºs 78º e 88º, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, e ainda os n.ºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil.
Sem prejuízo o respeito do entendimento diferente, opinamos pela improcedência do recurso em apreço.
Previa o n.º 1 do art.º 49º do D.L. n.º 24/89/M o dever de emissão do Certificado, preceituando o seu n.º 2: O Certificado a que se refere o número anterior não poderá conter qualquer indicação que seja desfavorável para o trabalhador ou que ele considere como tal.
Acontece que disposição no sentido convergente não se encontra no art.º 78º da Lei n.º 7/2008. O que se impõe averiguar se este normativo legal permitir que o Certificado emitido por anterior empregador possa conter indicação desfavorável ao trabalhador?
Neste ponto, acompanhamos inteiramente as judiciosas considerações explanadas sucessivamente no PARECER de fls. 44 a 47 dos autos, e na douta sentença em questão. Com efeito, os argumentos invocados nas alegações do recurso jurisdicional vêem já ponderadamente discutidos no referido PARECER e, como é natural, também na sentença recorrida.
Sinteticamente, entendemos que o Certificado de trabalho era e é concebido, pelo legislador, como direito do trabalhador/empregado, cuja emissão tem sempre configurado um dever do empregador/patrão. - Eis uma das tradições, e bem, do nosso ordenamento jurídico.
Repare-se que o n.º 3 do art.º 13º da Lei n.º 7/2008 consagra também o direito ao certificado de trabalho contendo os dados previstos no n.º 1 neste mesmo artigo. E no n.º 1 não se vislumbra nenhuma contemplação de qualquer dado desfavorável ao trabalhador, por exemplo, as sanções disciplinares e faltas injustificadas.
Ora, os elementos axiológicos, históricos e sistemáticos insinuam-nos que o empregador não pode pôr, no certificado por si emitido ao seu anterior trabalhador, qualquer informação que previsivelmente lese ou prejudique este, apesar de o art.º 78º não estabelecer proibição explícita neste sentido.
Quer dizer que o certificado de trabalho é instituído no interesse do trabalhador – nisto reside a ratio legis dos art.ºs 13º e 78º. Daí flui que a fiel e virtuosa observância do art.º 78º proíbe que o empregador ponha no certificado de trabalho qualquer informação que possa desencadear lesão ou prejuízo ao seu anterior trabalhador.
Sendo assim, e sopesando o teor de cada um dos 4 certificados passados pela recorrente respectivamente a XXX (XXX) e XXX (XXX) (vide. fls. 20 a 23 dos autos), não se nos afigura duvidoso que os quais ofendem a ratio legis do art.º 78º, por conterem dados seriamente susceptíveis de causar-lhes prejuízos.
A inobservância pela recorrente da ratio legis do art.º 78º traduz-se no incumprimento ou no cumprimento defeituoso do dever de emissão do certificado e, nesta medida, consubstancia-se na infracção p.p. pela 1) do n.º 1 do art.º 88º da Lei n.º 7/2008.
Entendemos aplicável à infracção administrativa a jurisprudência propugnada pelo Venerando TUI (vide Acórdão no Processo n.º 8/2001): Enquanto a técnica legislativa do direito criminal recorre ao tipo legal de crime, que se traduz na formulação exacta e precisa da conduta proibida, originando tipos legais de infracção for a de cujo esquema não é admissível a punibilidade, é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais.
Nesta conformidade, temos por certo que nem o despacho objecto do recurso contencioso nem a sentença ora criticada infringem os princípios de legalidade e de tipicidade, o disposto o disposto nos art.ºs 78º e 88º n.º 1 da Lei n.º 7/2008, e ainda os n.ºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil.
Por todo o expendido supra, propendemos pela improcedência do recurso jurisdicional em apreço.”
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto:
1) Em 01/11/2009, a Recorrente cessou as relações de trabalho com XXX e XXX, com fundamento de que as duas, em conluio, tinham subtraído mercadorias da sua entidade patronal, ora Recorrente, sem a autorização da mesma (fls. 168 e 173 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2) Em 07/12/2009, numa reunião de conciliação presidida pelo Inspector da DSAL em que estavam presente a Representante da Recorrente e XXX, a Recorrente comprometeu-se de emitir o respectivo certificado de trabalho à sua ex-trabalhadora, ora XXX, dentro de 3 dias, sendo a mesma exigida pelo Inspector da DSAL que redigisse o certificado de trabalho em conformidade com o disposto no art.º 78º da Lei n.º 7/2008 (fls. 158 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) Em 11/12/2009, a Recorrente apresentou um certificado de trabalho à DSAL para que esta o entregasse a XXX.
Do referido certificado consta o seguinte: (fls. 160 do P.A.)
“工 作 證 明
茲證明XXX(XXX)〔中國籍,持有由澳門身份證明局於200X年XX月XX日發出的永久性居民身份證第XXXXXXX(X)號〕於200X年X月XX日入職A有限公司(以下簡稱“本公司”),職位為出納部文員,最後的每月工資為澳門幣壹萬叁仟伍佰元正(MOP 13,500.00)。-----------------
XXX因被發現沒有僱主同意私下取去公司貨物,當中更涉及懷疑以不正常程序處理客戶提貨單據,遂於2009年10月31日被本公司以合理理由單方解僱。由於上述情節可能涉及刑事罪行,本公司已將有關懷疑不法行為經澳門司法警察局舉報,且已在澳門檢察院立案處理;截至該簽署日相關案卷正處於調查階段。……”
4) Em 16/12/2009, a Recorrente apresentou um certificado de trabalho à DSAL para que esta o entregasse a XXX.
Do referido certificado consta o seguinte: (fls. 164 do P.A.)
“工 作 證 明
茲證明XXX(XXX)〔中國籍,持有由澳門身份證明局於200X年0X月XX日發出的永久性居民身份證第XXXXXXX(X)號〕於200X年X月XX日入職A有限公司(以下簡稱“本公司”),職位為出納部職員,最後的每月工資為澳門幣貳萬叁仟元正(MOP 23,000.00)。----------------------
XXX因被發現沒有僱主同意私下取去公司貨物,當中更涉及懷疑以不正常程序處理客戶提貨單據,遂於2009年10月31日被本公司以合理理由單方解僱。由於上述情節可能涉及刑事罪行,本公司已將有關懷疑不法行為經澳門司法警察局舉報,且已在澳門檢察院立案處理;截至該簽署日相關案卷正處於調查階段。……”
5) Em 17/12/2009, XXX declarou à DSAL que não aceita o referido certificado de trabalho, por entender que o teor nele constante não corresponde à verdade e que não tinha praticado os actos nele mencionados (fls. 161 do P.A.).
6) Em 12/01/2010, XXX declarou à DSAL que não aceita o referido certificado de trabalho, por entender que o teor nele constante não corresponde à verdade e que não tinha praticado os actos nele mencionados (fls. 188 do P.A.).
7) Em 12/01/2010, a Inspectora da DSAL elaborou a informação n.º 790/DIT/SHER/2010, onde, quanto à queixa de certificado de trabalho levantada por XXX e XXX, se reportou: (fls. 195 do P.A.)
“有關工作證明書的事宜:
1) 就“A”交來本個案第160頁及164頁之工作證明書,兩位投訴人表示由於證明書內所書寫有關其沒有僱主同意私下取去公司的貨物之內容不實,兩位投訴人表示其在職期間從沒有上述行為,同時,投訴人XXX亦表示在“A”之最後工作職位為公關部經理,而非出納部職員,故拒絕簽收。(P.161及188)”
8) Na conclusão da mesma Inspectora, sugeriu que, em relação à queixa de certificado de trabalho pelas duas trabalhadoras, se emitisse nota de acusação à Recorrente, a fim de a mesma poder corrigir o seu comportamento (fls. 192 do P.A.).
9) Em 19/01/2010, a Chefe da Divisão de Controlo dos Direitos Laborais emitiu o seu parecer, sugerindo que, quanto à queixa de certificado de trabalho, se emitisse nota de acusação à entidade patronal, ora Recorrente, a fim de a mesma poder proceder à correcção ou apresentar a sua defesa, o que merece concordância do Chefe do Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL em 25/06/2010 (fls. 202 e 203 do P.A.).
10) Em 22/07/2010, através do ofício n.º XXXXX/XXXXX/DIT/SHER/2010, foi a Recorrente notificada da nota de acusação da DSAL e que a mesma podia apresentar a sua audiência e defesa em 15 dias (fls. 210 e verso e fls. 211, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11) Em 09/08/2010, a Recorrente apresentou à DSAL as suas alegações e defesas escritas, juntando dois certificados de trabalho novos, passados a favor de XXX e XXX (fls. 211B a 223 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12) No referido certificado passado a favor de XXX, encontra-se a seguinte menção: “XXX於2009年10月31日被本公司以合理理由正式解僱(因多次嚴重違反員工守則)。” (fls. 211B do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13) No referido certificado passado a favor de XXX, encontra-se a seguinte menção: “XXX於2009年10月31日被本公司以合理理由正式解僱(因多次嚴重違反員工守則)。” (fls. 211A do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
14) Em 17/08/2010, ambas XXX e XXX declararam junto da DSAL que entendem não corresponder à verdade a menção constante no certificado de trabalho de que elas foram despedidas por violação grave das regras previstas nos estatutos de trabalhadores da Recorrente; que aquela menção não foi dados relativos aos exercícios de funções solicitados por eles, e portanto, não os aceitam (fls. 225 e 228 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15) Em 02/09/2010, o Chefe Substituto do Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL, ao concordar com os pareceres da Chefia Funcional e da Chefe da Divisão de Controlo dos Direitos Laborais, decidiu aplicar à Recorrente a multa mínima de MOP10.000,00, por a sua violação do art.º 78 e da al. 1) do n.º 1 do art.º 88 da Lei n.º 7/2008, traduzida em duas infracções administrativas (fls. 233 a 237 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
16) Em 13/09/2010, foi a Recorrente notificada da referida decisão sancionatória através da Notificação n.º 127/R/2010 (fls. 249g e verso do P.A.).
17) Em 18/10/2010, a Recorrente apresentou ao Subdirector da DSAL o seu recurso hierárquico necessário (fls. 250 a 277 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
18) Em 01/03/2011, a Entidade Recorrida praticou o acto recorrido, concordando com a análise da informação n.º XXXX/DIT/KENG/2011 e decidindo indeferir o recurso hierárquico necessário (fls. 317 a 320 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
19) A decisão já foi notificada à Recorrente através do ofício n.º XXXX/07440/DIT/KENG/2011 datado de 09/03/2011 (fls. 321 a 322 do P.A.).
20) A Recorrente interpôs o presente recurso contencioso para o Tribunal Administrativo em 11/04/2011.
21) Através do ofício n.º XXX/2010/LVC/K, o Ministério Público, solicitado pelo DSAL sobre o resultado do inquérito, comunicou à mesma do despacho com que se decide arquivar o inquérito contra XXX e XXX (fls. 207, 281 e 282 do P.A.).
*
O caso
A recorrente terminou a relação de trabalho com duas suas empregadas em 2009.
As duas trabalhadoras pediram à recorrente a emissão de certificados de trabalho, tendo a recorrente emitido os certificados neles fazendo menção de factos desfavoráveis e que não foram aceites pelas trabalhadoras por acharem não corresponder à verdade.
Em consequência, por despacho do Chefe do Departamento Substituto de Inspecção do Trabalho, foi aplicada à recorrente uma multa total de MOP$10.000,00 pela prática da infracção administrativa prevista no disposto nos artigos 78º e 88º, nº 1, alínea 1), ambos da Lei nº 7/2008 (Lei das Relações de Trabalho).
A questão que se coloca no presente recurso é saber se o comportamento da recorrente se enquadra naquela infracção disciplinar e se a multa foi correctamente aplicada.
Cumpre decidir.
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Da errada interpretação e aplicação da lei
Defende o recorrente que, confrontando a redacção do artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho com a do artigo 49º do Decreto-Lei nº 24/89/M (ora revogado), salta à vista que a lei não vem impor quaisquer limitações ou proibições, razão pela qual o empregador tem toda a liberdade de fazer constar nos certificados de trabalho quaisquer elementos relativos ao desempenho profissional do trabalhador.
Sendo assim, na opinião da recorrente, a decisão recorrida fez uma interpretação errada do artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho.
Vejamos.
Consagra-se no artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho o seguinte:
“1. Aquando da cessação da relação de trabalho, o trabalhador tem o direito a solicitar ao empregador a emissão de um certificado de trabalho donde constem os factos relativos ao exercício de funções.
2. Do certificado devem constar:
1) Data do início e do fim da prestação de trabalho;
2) Natureza do trabalho ou cargo desempenhado;
3) Outros dados relativos ao exercício de funções solicitados pelo trabalhador.”
Em nossa opinião, julgamos que a decisão recorrida não merece reparo.
Em boa verdade, entre outras, a Lei do Trabalho tem por função oferecer protecção ao trabalhador.
De acordo com a norma acima mencionada, não se nos afigura que a entidade patronal ora recorrente tem a liberdade de inserir quaisquer elementos relativos ao desempenho profissional do trabalhador como queira.
De facto, a lei manda constar nos tais certificados a “data do início e do fim da prestação de trabalho”, a “natureza do trabalho ou cargo desempenhado”, e “outros dados relativos ao exercício de funções solicitados pelo trabalhador”.
Assim, se os elementos não forem solicitados pelo trabalhador, não pode o empregador, ao seu bel-prazer, fazer constá-los no certificado.
E não se deve ignorar que em termos genéricos, o trabalhador é a parte mais fraca, sendo assim, o certificado deve ser emitido no exclusivo interesse do trabalhador e não no interesse da entidade patronal, o qual se destina para ser apresentado ao novo empregador, de forma a facilitar ao trabalhador a obtenção de novo emprego.
Se for emitido um certificado onde se assinala os elementos desfavoráveis do trabalhador, perguntamos nós, quantos empregadores querem aceitá-lo como seu empregado?
Isso significa que, se admitisse a inclusão de elementos desfavoráveis do trabalhador no respectivo certificado, cairia por terra toda a finalidade que está subjacente à norma, no sentido de protecção dos interesses do trabalhador.
E não se diga que, a par do interesse particular do trabalhador, também o interesse da comunidade dos futuros empregadores terá que ser defendida.
Como se referiu a Digna Magistrada do Ministério Público nas suas judiciosas considerações expostas no seu Parecer: “O facto de um trabalhador ter praticado um acto ilícito não permite nem justifica uma atitude de tal natureza. Esse acto pode ser sancionado com despedimento ou até com sanção penal se tiver gravidade suficiente para tal. O que não pode é legitimar consequências que se reflictam por tempo indefinido e num âmbito que seja alheio ao regime sancionatório próprio do direito do trabalho ou de outro ramo de direito.”
Na verdade, se o trabalhador tivesse praticado alguma infracção disciplinar durante a vigência da relação laboral, poderia ser sancionado com despedimento, mas se entendesse que o empregador poderia fazer constar no certificado de trabalho os elementos que lhe eram desfavoráveis, o tal artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho passaria a ser um instrumento de retaliação do empregador contra o trabalhador.
Finalmente, não obstante se verificar que a lei nova (artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho) eliminou a expressão “indicação que seja desfavorável para o trabalhador ou que ele considere como tal” antigamente consagrada no artigo 49º, nº 2 do Decreto-Lei nº 24/89/M, ora revogado, mas não significa que a intenção do legislador foi no sentido de reduzir as garantias do trabalhador e permitir que o empregador insira elementos desfavoráveis do trabalhador no certificado de trabalho.
Pelo contrário, salvo o devido respeito, somos da opinião de que a lei nova pretende conceder maior flexibilidade ao trabalhador no tocante à matéria de emissão de certificado de trabalho.
Dizia a lei antiga que o certificado não podia conter qualquer indicação desfavorável para o trabalhador, sendo assim, cabia sempre ao empregador apreciar se algum elemento era desfavorável ao trabalhador, caso afirmativo não podia incluir no respectivo certificado, mesmo que a sua inclusão fosse solicitada pelo próprio trabalhador. Mas já de acordo com a lei nova, o regime é mais flexível, isto é, mesmo que um elemento seja desfavorável ao trabalhador, mas se este achar conveniente consigná-lo no certificado, pode mesmo solicitar ao empregador a sua inclusão nesse certificado, no fundo, abandonou-se o antigo regime rígido e foi substituído por aquele em que compete ao trabalhador escolher os dados que pretende ver incluídos no certificado de trabalho.
Aliás, se analisaremos o artigo 13º do Regime das Relações de Trabalho, em que se trata da obrigação imposta ao empregador no tocante ao registo de dados, somos de concluir a inexistência de qualquer intenção do legislador no sentido de exigir o registo de dados desfavoráveis em desabono do trabalhador.
Tudo para apontar que o empregador ora recorrente está vinculado ao dever de emissão de certificado de trabalho conforme o solicitado pelo trabalhador.
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Da violação dos princípios da legalidade e da tipicidade
Além disso, defende a recorrente que a decisão recorrida teria violado os princípios da legalidade e de tipicidade, uma vez que a alínea 1) do nº 1 do artigo 88º da Lei das Relações de Trabalho sanciona apenas a não emissão do certificado, mas não a emissão do certificado em termos semelhantes aos que a recorrente usou, por isso, em sua opinião, a sentença recorrida violou os princípios da legalidade e da tipicidade.
Salvo o devido respeito, julgamos igualmente sem razão a recorrente.
Dispõe a alínea 1) do nº 1 do artigo 88º da Lei das Relações de Trabalho que “é punido com multa de $5000,00 a $10000,00 por cada trabalhador se o empregador incumprir o dever de emissão de certificado, previsto no nº 3 do artigo 13º e artigo 78º.”
Ora bem, o que se trata aqui é a falta de acatamento por parte do empregador do dever imposto no artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho.
Pese embora a recorrente tenha chegado a emitir os certificados, mas os mesmos não foram passados em conformidade com o solicitado pelas trabalhadoras, isso significa que a recorrente violou efectivamente o tal dever legal, devendo por isso ser sancionada.
Como se referiu na decisão recorrida, e bem, se bastasse só a emissão de um certificado qualquer para cumprir o dever de omissão, e não precisasse o empregador de respeitar o disposto no artigo 78º da Lei das Relações de Trabalho, tal preceito não deixaria de transformar-se em letra morta, o que não parece ser a intenção do legislador.
Nesta conformidade, entendemos que a decisão recorrida é sensata, perspicaz e está bem fundamentada, devendo ser confirmada.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
Macau, 5 de Junho de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho
Processo 601/2012 Página 21