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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

    I – Relatório
   O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 9 de Novembro de 2006, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos A e B do acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base que os condenou, pela prática de um crime previsto e punível pelos arts. 8.º, n.º 1 e 10.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, nas penas de 10 (dez) anos e 3 (três) meses de prisão e na multa de MOP$8.000,00 (oito mil patacas), ou em alternativa a esta em 60 (sessenta) dias de prisão.
   Inconformados, interpõem recurso para este Tribunal de Última Instância.
   O arguido A formulou as seguintes conclusões:
   I - O ora recorrente e o segundo arguido B, foram ambos condenados, por acórdão proferido no processo n.° CR2-06-0064-PCC do Tribunal Judicial de Base, em autoria material e na forma consumada, na pena de prisão efectiva de dez (10) anos e três (3) meses e multa de oito mil patacas (MOP$8.000,00), pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes. p. e p. pelo n.º 1 do art.º 8.° conjugado com a alínea g) do art.º 10°, ambos do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
   II - Não conformado com o acórdão de primeira instância, o ora recorrente recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, porém, pelo acórdão de 9 de Novembro de 2006 proferido no processo n.° 444/2006, foi rejeitado o recurso.
   III - O presente recurso visa impugnar a supra referida decisão no que concerne à determinação da medida da pena do ora recorrente, atento os dispostos nos art.os 65.° e 66.° do Código Penal.
   IV - O Tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova ao afirmar que a confissão do ora recorrente "não foi uma confissão expontânea, pela forma de contribuir à descoberta da verdade, pois o arguido foi detido em flagrante delito."
   V - Dos factos considerados provados, resulta claramente que não foi encontrada nenhuma substância estupefaciente na posse do ora recorrente, nem no veículo particular acima referido onde o mesmo se encontrava quando foi abordado pelos agentes policiais.
   VI - Na audiência de julgamento, ficou ainda provado que foi o arguido A que obteve a referida "Canabis" em Zhuhai,
   VII - E tal facto provado deveu-se exclusivamente à confissão do ora recorrente, comportamento esse que foi tomado pelo arguido desde a fase do inquérito.
   VIII - E se não fosse a confissão do ora recorrente, não haveria mais prova que pudesse provar que o mesmo tenha cometido tais factos ilícitos, uma vez que nenhuma das testemunhas conseguiu provar tal facto.
   IX - Assim, a confissão do ora recorrente foi espontânea, tendo contribuído para a descoberta da verdade.
   X - Pelo que, a confissão deve ser relevante para a determinação da medida da pena, e para a aplicação da atenuação especial.
   XI - Por outro lado, importa ainda referir que, à data dos factos, o ora recorrente, tinha apenas 16 anos de idade, e é primário.
   XII - Pelo exposto, nos termos do art.º 65º do Código Penal de Macau, os factos acima referidos tratam-se objectivamente circunstâncias atenuantes que devem ser consideradas na determinação da pena.
   XIII - Aliás, conjugando os mesmos, constitui-se uma circunstância de atenuação especial prevista na alínea f) do n.º 2 do art.º 66.º do Código Penal de Macau, que diminua por forma acentuada a necessidade da pena.
   XIV - Pelo exposto, e tendo em conta a factualidade dada como provada, a pena concretamente aplicada ao ora recorrente afigura-se extremamente severa.
   XVI - De todo o exposto resulta claramente que o Tribunal recorrido, ao condenar o primeiro arguido, ora recorrente, violou, salvo o devido respeito, o preceituado no art.º 65.º e 66.º do Código Penal de Macau.
   O arguido B formulou as seguintes conclusões:
   1.ª Imputa o recorrente ao douto Acórdão recorrido os vícios de erro notório na apreciação da prova, por violação das regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis;
   2.ª Decorre das declarações prestadas pelo 1.º arguido, A, no seu interrogatório, em audiência, devidamente documentadas, que quem detinha a droga era ele próprio. Mais declarou que havia sido este arguido a deslocar-se a Zhuhai, onde adquiriu os estupefacientes em causa;
   3.ª Decorre ainda esse facto do depoimento da testemunha de defesa C, que afirmou, em audiência, ter-se apercebido, de que o primeiro arguido colocara algo no bolso das calças do ora recorrente, desconhecendo, no entanto, que se tratava de estupefacientes;
   4.ª É, assim manifesto o vício de erro notório na apreciação da prova e em consequência o pedido de renovação da prova teria que ser admitido;
   5.ª Pelo que se verifica, novamente, uma indevida valoração da prova;
   6.ª A decisão ora recorrida violou, assim, a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, pela sua aplicação num quadro de inverificação dos seus pressupostos;
   7.ª Violou, ainda, as regras sobre o valor da prova vinculada ou legis artis.
   Na sua resposta, a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a improcedência dos recursos, dizendo, em síntese, que não se justifica a atenuação da pena do 1.º arguido e que não houve erro notório na apreciação da prova, parecendo que o 2.º arguido quer pôr em causa a livre apreciação da prova por parte do Tribunal, além de que a decisão que recusar a renovação da prova é definitiva, nos termos do art. 415.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
   No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição assumida na resposta à motivação de recurso.
   
   II – Os factos
   Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes:
   - Em 26 de Setembro de 2005, cerca das 22H40, na porta de "Karaoke" perto do Edf. "Plaza", NAPE, agentes policiais interceptaram o arguido B para o inspeccionar; nessa altura, o arguido A estava a esperar pelo arguido B, sentado num veículo particular estacionado nas proximidades (matrícula n.º XX-XX-XX).
   - Agentes policiais encontraram um saco de vegetal embrulhado num filme aderente no saco esquerdo das calças do arguido B.
   - Após exame laboratorial, verifique-se que o vegetal supradito contém "Canabis", abrangida pela tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 26,439g.
   - O arguido A obteve a referida "Canabis" em Zhuhai. Ele levou-a para Macau e deu-a ao arguido B, pedindo-o a entregar a uma pessoa de identidade desconhecida na porta de "Karaoke".
   - Os arguidos A e B agiram livre, voluntária e conscientemente.
   - Bem sabendo a natureza e características dos estupefacientes acima referidos.
   - Os arguidos A e B obtiveram e detiveram os estupefacientes supraditos, que não servem para consumo pessoal.
   - Sabem claramente que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
   Mais se provou:
   - Ambos arguidos são primários.
   - O primeiro arguido era antes de ser detido um estudantil numa firma de reparação de veículo, auferindo cerca de MOP$4000, vivia com os pais e com um irmão mais velho e com um irmão mais novo. Tinha habilitação de 6 anos de escola primária.
   - O 2.º arguido antes de ser detido era estudantil de desenho publicitário, auferindo cerca de MOP$5000, vivia com os pais, os avós e duas irmãs. Tinha habilitação de 3 anos de escola secundária.
   
   III - O Direito
   1. As questões a resolver
   Relativamente ao recurso do arguido A trata-se de saber se a sua confissão foi espontânea e se o facto de ter idade inferior a 18 anos deve conduzir à atenuação especial da pena.
   No que respeita ao arguido B importa apurar se houve erro notório na apreciação da prova.
   
   2. Recurso do arguido A
   Não merece censura a decisão do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, ao considerar que a confissão do arguido não foi especialmente valiosa, já que, embora assumindo a sua participação nos factos, mentiu quanto à do outro arguido, tentando ilibá-lo, quando é certo que este também foi co-autor do crime. A contribuição do arguido A para a descoberta da verdade foi, assim, diminuta.
   Quanto à idade do arguido, se é certo que tinha 17 anos de idade, não se mostra que este facto, só por si, combinado com o anterior, seja suficiente para conduzir à atenuação especial da pena. Como dissemos no Acórdão de 20 de Novembro de 2002, no Processo n.º 15/2002, a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação.
   Na verdade, ponderou-se no referido Acórdão:
  “Dispõe o art. 66.º do Código Penal:
   “Artigo 66.º
   (Atenuação especial da pena)
   1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
   2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
   a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
   b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
   c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
   d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
   e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
   f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
   3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.
   
   Este Tribunal de Última Instância já se pronunciou sobre a questão ora em apreço no Acórdão de 29 de Setembro de 2000, Processo n.º 13/2000.1 Aí se concluiu que “a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o pressuposto material de atenuação especial da pena, pelo que a idade inferior a 18 anos, ao tempo do facto, não constitui fundamento, por si só, para tal atenuação”.
   Entendemos, no mesmo Acórdão que “a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA sempre considerou que as circunstâncias previstas neste n.º 2, e designadamente a desta alínea f), não são de funcionamento automático2.
   Como explica J. FIGUEIREDO DIAS3«a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto processual material da atenuação especial da pena».
   E acrescenta o mesmo autor «A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo4»”.
   Afigura-se ser de manter esta jurisprudência.
   Ora, os limites das molduras estabelecidas para os crimes praticados pelo recorrente são adequados à ilicitude dos factos e à culpa do arguido.
   É de rejeitar, assim, o recurso deste arguido.
   
   3. Recurso do arguido B
   No que respeita ao recurso do arguido B, o mesmo é de rejeitar. As questões postas respeitam apenas à produção de prova por declaração de arguido e testemunhal, que tiveram lugar oralmente e que escapam ao exame deste Tribunal.
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, rejeitam os recursos dos arguidos.
   Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC. E condenam ambos a pagar a quantia de mil e quinhentas patacas, nos termos do art. 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
   Fixam os honorários de mil patacas à ilustre defensora do arguido A.
   Macau, 21 de Março de 2007.
   
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
    1 Acórdãos do Tribunal de Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 447.
    2 Cfr. o Acórdão de 11.6.98, Processo n.º 851, Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 485.
    3 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 306.
    4 Autor , obra e local citados.
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1
Processo n.º 1/2007