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Processo nº 667/2013
Data do Acórdão: 12JUN2014


Assuntos:

Recorridade
Impugnação contenciosa


SUMÁRIO

Não é contenciosamente recorrível o despacho, proferido pelo instrutor, no âmbito de um procedimento administrativo de infracção administrativa, que indeferiu a inquirição de uma testemunha arrolada pelos arguidos.


O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 667/2013


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de recurso contencioso administrativo, que correm os seus termos no Tribunal Administrativo sob o número 986/13-ADM, de que são recorrentes BANCO A, S.A., B, C, D, E, F, G, H, I, J, e K, L, M, e N, foi proferida a seguinte decisão rejeitando liminarmente o recurso com fundamento na irrecorribilidade do acto recorrido:

  Os Recorrentes vêm interpor recurso contencioso de anulação do despacho proferido pelo Sr. Instrutor nos autos de infracção n.º 002/2012 que lhes move a Autoridade Monetária de Macau (AMCM).
  Essencialmente, o despacho posto em crise decidiu dispensar a inquirição de uma das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, por se considerar o depoimento inútil para provar o teor da acusação ou para o exercício pleno do direito de defesa. (cfr. fls. 138 a 140 dos autos)
*
  - Da irrecorribilidade do acto recorrido:
  Preceitua-se no artigo 28° do CPAC que "são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária."
  Para o presente caso, afigura-se-nos que motivos não há para divergir da nossa decisão tomada no processo n.º 968/12-ADM, o qual envolveram os mesmos Recorrentes e Entidade Recorrida, de que esse tipo de despacho proferido pelo Sr. Instrutor é contenciosamente irrecorrível.
  Vejamos.
  Como é óbvio, a decisão em crise não é um acto final do procedimento sancionatório, mas tão-só uma decisão interlocutória. Quer dizer, não é um acto administrativo propriamente dito, conforme o artigo 110° do CPA.
  Por outro lado, não se apresenta como um acto com vertente destacável, até porque não produz efeitos externos, nem interferindo na esfera jurídica, i.e., direito substantivo dos interessados.
  Citamos aqui as doutras palavras do TSI, que afirma: "Como é sabido e, de há longo tempo sedimentado na doutrina e na jurisprudência, há certos actos de trâmite procedimental - portanto, actos ocorridos no decurso do procedimento - que, não sendo finais, se traduzem numa decisão de efeitos externos para alguns interessado e que, inclusive, correspondem a uma posição derradeira da Administração em relação a si. Funcionam, pois, para eles como se fossem a última palavra administrativa sobre a sua pretensão nesse concreto procedimento. São aquilo a que classicamente se vem designado de actos destacáveis, por oposição a todos os outros que igualmente ocorram no seio do procedimento e que, por não terem eficácia externa, não são autonomamente impugnáveis ou que, tendo essa eficácia, apenas conferem ao interessado a faculdade de lhes deduzir impugnação pronta, sem que o seu não exercício imediato, porém, signifique aceitação tácita ou corresponda a conduta incompatível com a vontade de recorrer e, por isso, o impeça de os atacar contenciosamente aquando do recurso dirigido ao acto final, ao abrigo do princípio da impugnação unitária.
  Actos destacáveis aqueles que, ao contrário do que sucede com estes outros, e por aquela razão, são recorríveis contenciosamente." - negrito nosso. (Ac. TSI, proc. n.º 734/2011, de 15/03/2012)
  A decisão sob impugnação cabe na última situação traçada no acórdão acima transcrito.
  Pode sustentar-se, tal como o que fizeram os Recorrentes, que a decisão em causa prejudica o seu direito de defesa, mas ainda assim estes só podem impugnar o acto (condenatório) final do processo sancionatório, ao abrigo do princípio da impugnação unitária. Só em sede do recurso contencioso a interpor do acto final é que podem os Recorrentes questionar a não inquirição da testemunha e o incumprimento do dever de instrução por parte da Administração.
  Por todo o exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 28° e 46° n.º 2° al. c) do CPAC, por a decisão em crise não ser contenciosamente recorrível, rejeita-se liminarmente o presente recurso contencioso.
  Custas pelos Recorrentes, sendo que cada um destes suporta individualmente a taxa de justiça de 4UC, e solidariamente os respectivos encargos do processo.
  Notifique, registe e DN.


Notificados e inconformados com a rejeição liminar, vieram os recorrentes, interpor o presente recurso jurisdicional da mesma para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

a) Os ora recorrentes são arguidos em processo de infracção administrativa, que lhes move a Autoridade Monetária de Macau, tendo arrolado testemunhas com a sua defesa escrita.
b) A inquirição de uma das testemunhas arroladas foi indeferida pelo instrutor do processo;
c) Deste indeferimento, os ora recorrentes apresentaram recurso contencioso imediato para o Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, tendo esta instância indeferido liminarmente o peticionado por considerar que o acto não é final, mas meramente interlocutório e, como tal, não pode ser considerado como acto administrativo recorrível ao abrigo dos artigos 110.º do Código do Procedimento Administrativo e 28.º do Código do Procedimento Administrativo Contencioso.
d) E que os ora recorrentes apenas deverão atacar o acto do instrutor em sede de recurso do acto sancionatório final, até porque aquele não é destacável, já que não produz efeitos na sua esfera jurídica.
e) Ao contrário do que vem defendido no douto despacho recorrido, uma decisão do instrutor em processo de infracção administrativa é um acto administrativo, enquadrando-se no conceito expresso no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo.
f) O acto de indeferimento da inquirição de uma testemunha em sede de processo administrativo de infracção é uma decisão, proferida por um órgão decisor da administração, que ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
g) E desde que colida com direitos, liberdades ou garantias do infractor, é contenciosamente recorrível, em sede do artigo 13.º do Decreto-Lei n.o 52/99/M, de 4 de Outubro;
h) O acto objecto do recurso contencioso de cujo indeferimento ora se recorre, produz efeitos externos, porque indefere pretensão do particular, sendo-lhe dirigido.
i) O acto objecto do recurso contencioso de cujo indeferimento ora se recorre, colide com os direitos fundamentais dos ora recorrentes, designadamente do seu direito de defesa e do seu concomitante, o direito à prova.
j) O acto do instrutor, objecto do recurso contencioso, produz efeitos na esfera jurídica dos ora recorrentes, dificultando ou, até mesmo, impedindo, o direito que lhes assiste de produzir prova em sua defesa.
k) E consubstancia um indeferimento de uma pretensão formulada por um particular à administração, logo com efeitos que extravasam para lá desta última, com influência no exercício pelo infractor dos seus direitos de defesa, consagrados no n.º 7 do artigo 131.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, e no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, bem como, na sua capacidade para preencher o ónus previsto no artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo.
I) Com o qual é concomitante o direito à prova, o qual foi também violado.
m) O artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, consagra expressamente o direito ao recurso contencioso imediato de actos da autoridade administrativa competente para conduzir processo de infracção, durante o seu decurso, que ofendam direitos, liberdades e garantias dos infractores.
n) E esta norma não faz depender tal recorribilidade do facto de o acto decisório posto em crise ser ou não final, mencionando expressamente que se aplica a actos praticados no decurso do processo, isto é, antes de ser produzida a decisão final sancionatória.
o) Bastando para a sua recorribilidade que seja praticado no decurso de um processo de infracção, pela autoridade administrativa encarregue de o praticar.
p) Por isso, o douto despacho recorrido não esteve bem, ao fazer depender a recorribilidade do acto do instrutor em processo administrativo de um requisito de "finalidade".
q) E também não será de aplicar aqui, como faz o despacho recorrido, o artigo 28.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, por existir norma especial sobre a mesma matéria, em sede de regulação de procedimentos quando a infracções administrativas.
r) O intuito do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, é dar a possibilidade de o interessado requerer protecção imediata contra actos ilegais ou arbitrários da administração que ataquem ilegitimamente os seus direitos.
s) À semelhança do que acontece, por exemplo, na defesa do direito de reunião e manifestação, do recurso de actos de contagem de votos e no direito de recurso contencioso directo contra actos administrativos, igualmente com fundamento na violação de direitos fundamentais em sede de protecção de dados pessoais.
t) O acto praticado pelo instrutor em processo administrativo de infracção, que ofenda direitos, liberdades e garantias é recorrível jurisdicionalmente, de imediato, para o Tribunal Administrativo, porque o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 52/99/, de 4 de Outubro, assim expressamente o determina.
u) Regime semelhante será o previsto em Portugal, no artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 433/82, na sua actual redacção.
v) Não se afigurando apropriado ou coerente com o sistema jurídico de Macau, vir chamar à colação in casu as regras gerais da recorribilidade dos actos administrativos, como o faz o despacho recorrido.
w) Não se compagina com uma defesa efectiva dos direitos liberdades e garantias do particular contra desmandos da Administração, que o possível infractor tenha de suportar uma violação ilegítima de tais direitos, em sede de processo de infracção, à espera que a entidade responsável pela decisão final se digne proferi-la, sem ter meios de reacção interlocutórios.
x) Por essa razão, o mecanismo previsto no artigo 13.° do Decreto-Lei n.o 52/99/M, de 4 de Outubro, consagra o recurso imediato.
y) Por tudo o exposto, o douto despacho recorrido viola o artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo, o artigo 2.º e o número 1 do artigo 28.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, e o parágrafo 7) do número 5 do artigo 30.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, devendo por isso ser revogado, conhecendo o Tribunal Administrativo do mérito do recurso contencioso interposto pelos ora recorrentes.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e em consequência, ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo a fim de o recurso contencioso prosseguir os seus normais termos, com as demais consequências legais,
Assim, mais uma vez, será feita a habitual JUSTIÇA!


Ao recurso jurisdicional respondeu a entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso e extinção da instância – vide as fls. 285 a 305 dos presentes autos.

Antes da subida dos autos a esta segunda instância, foi suscitada pelos recorrentes a irregularidade do mandato forense da entidade recorrida.

Cumprido o contraditório, foi por despacho do Exmº Juiz titular do processo indeferida a arguição da irregularidade do mandato forense nos termos seguintes:

  Foi posta em causa a validade da "Procuração" constante a fls. 280 dos autos.
  Cumpre apreciar.
  O artigo 77° do CPC estatui a regra geral respeitante a forma do mandato judicial. Por outro lado, o artigo 6° do DL n.º 62/99/M, de 25/10 consagra a certificação das procurações por advogados que confiram poderes forenses simples.
  Os requisitos acima indicados destinam-se a garantir a autenticidade das declarações negociais manifestadas pelos mandantes.
  In casu, está comprovado que o Dr. O foi designado pelo Conselho de Administração da AMCM para, entre outros, contratar o escritório de advogados do Sr. Dr. P para assegurar o patrocínio judiciário da AMCM. (fls. 281 e 282 dos autos)
  E em consequência disso, o Dr. O, na qualidade de administrador do Conselho de Administração da AMCM, com o selo branco da AMCM, passou a "Procuração" a fls. 280 dos autos.
  A assinatura nesse documento, enquanto autêntico conforme o artigo 363° do CC por exarado pela autoridade pública competente, não carece de ser reconhecida notarialmente.
  Em fim, interpretando a deliberação do Conselho de Administração da AMCM e a declaração negocial manifestada na "Procuração" em causa conforme o artigo 228° do CC, não nos parece que esta desviou do âmbito permitido por aquela.
  Nos termos do disposto no artigo 16° n.º 1° al. a) e artigo 17° n.º 3° al. d) do Estatuto da Autoridade Monetária e Cambial de Macau aprovado pelo D.L. n.º 14/96/M, e por ser um documento autêntico passado por Dr. O, Administrador do Conselho de Administração da AMCM, julgo válida e legal a procuração constante a fls. 280 dos autos.
  Em consequência, julgo improcedente o requerimento a fls. 311 a 316 dos autos.
  Custas do incidente pelos Recorrentes, com taxa de justiça de 2 UC.
  Notifique e D.N..


Notificados e inconformados com o indeferimento da arguição da irregularidade do mandato forense da entidade recorrida, vieram os recorrentes interpor o presente recurso jurisdicional do mesmo para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

a) O presente recurso tem por objecto o douto despacho de fls. 332, o qual aceitou e deu como bom para os fins de servir como procuração forense o documento de fls. 280 conjugado com a certidão de fls. 281 e 282, apresentados pela entidade recorrida.
b) Só que a deliberação transcrita nesta última não serve para o senhor administrador da Autoridade Monetária de Macau Dr. O outorgar uma "procuração" como a que consta a fls. 280.
c) Consta da referida certidão a decisão de a AMCM "Contratar o escritório de advogados do Sr. Dr. P, para assegurar o patrocínio judiciário da AMCM ... ", levantando-se em primeiro lugar a questão de saber o que será, em termos jurídicos, um "escritório de advogados", porque não estaão tais entidades especificamente regulamentadas apesar de virem mencionadas no n.º 2 do artigo 18.º do Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 31/91/M, de 6 de Maio.
d) A advocacia é uma profissão liberal, caracterizada pela sua independência e isenção.
e) Salvo melhor opinião, "escritório" ou "gabinete" de advogados, no contexto de Macau e com a finalidade que in casu se analisa, é uma expressão que não tem qualquer valor ou conteúdo, já que tais entidades não são pessoas jurídicas que possam ser parte em "contratos", apesar de a Associação dos Advogados de Macau manter no seu website um "registo" de escritórios de advogados, o qual se afigura não ter qualquer valor jurídico para alicerçar a outorga de um documento onde os poderes do signatário, representante de pessoa colectiva, têm de ser obrigatoriamente aferidos por oficial público ou advogado, como é o caso das procurações forenses.
f) Por isso, a deliberação que consta de fls. 281 e 282 é nula, porque confere poderes cujo exercício não é juridicamente possível.
g) Tanto mais que, se tal deliberação estivesse conforme, não haveria necessidade de incluir na dita "procuração" os nomes dos específicos ilustres advogados que seriam os mandatários forenses da AMCM neste processo, bastando-se também ela apenas com a referência genérica ao aludido "escritório de advogados".
h) Mal iria o Tribunal se, deparado com uma procuração nestes termos, tivesse de consultar a lista da Associação dos Advogados, para saber se um determinado causídico que assina peças processuais no exercício do mandato forense "pertence" efectivamente ao "escritório" de advogados a quem a parte terá "conferido" poderes.
i) O que porventura constituiria uma violação do princípio da auto-suficiência do processo forense e do instrumento de procuração
j) À excepção do Ilustre Causídico Dr. P, nenhum dos outros Ilustres Advogados e Advogados Estagiários cujos nomes são incluídos na "procuração" de fls. 280 são nomeados ou designados na aludida deliberação, sendo que nenhuma peça processual que consta dos presentes autos se mostra por si assinada.
k) Precisamente porque a "procuração" de fls. 280 foi lavrada em termos que estão diferentes daqueles que constam da deliberação que alegadamente a sustenta, não se pode considerar tal documento como "autêntico" nos termos do artigo 363.º do Código Civil e, consequentemente, não tem qualquer força probatória ao abrigo do artigo 365.º do mesmo diploma, ao contrário do que vem defendido no douto despacho recorrido.
I) Outra seria porventura a solução, se a deliberação conferisse poderes e liberdade ao Sr. Administrador da AMCM para constituir como advogados da instituição quem muito bem entendesse, o que não é o caso.
m) Por isso, afigura-se que o douto despacho recorrido violou a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º do Estatuto da Autoridade Monetária de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 14/96/M, de 11 de Março, e os artigos 363.º e 365.º do CC.
n) No entanto, e caso assim não se entenda, evidente é que cabe ao Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau representar a instituição em juízo, mas não o é menos que a AMCM está vinculada ao cumprimento da lei, adjectiva e substantiva.
o) Afigura-se que ao contrário do que vem expendido no douto despacho recorrido, não é de aplicar à "procuração" de fls. 280 o artigo 363.º do CC, para aferir da sua regularidade enquanto tal.
p) Não está em causa no presente recurso a falsidade do documento de fls. 280 nem qualquer inveracidade quanto ao seu teor, mas somente a sua regularidade formal e valor legal enquanto instrumento de procuração forense.
q) Os documentos autênticos fazem prova plena de factos que referem como praticados pela autoridade, oficial público ou notário; e de factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
r) O artigo 363.º do CC não se refere a "factos jurídicos", mas tão-somente a "factos", na sua acepção da ocorrência ou existência de eventos ou situações materiais ou naturalísticas, praticados ou presenciados pela "entidade documentadora", como inspecções, exames, recolha de depoimentos ou reprodução de documentos ou informação arquivados, sendo os seus exemplos mais comuns as declarações prestadas perante notário por outorgantes de instrumentos públicos, ou as certidões passadas por repartições públicas, atestando factos ou situações que sejam da sua competência.
s) Os documentos a que se refere o citado normativo não são instrumentos em que a autoridade, oficial público ou notário criem, por eles próprios e de forma independente, factos ou situações jurídicas novas.
t) Porque, por exemplo, são as partes que declaram ao notário o seu desejo de vender e comprar um imóvel, não é o notário que se substitui às partes, declarando que o vendedor vende e o comprador compra.
u) Compre apenas ao notário dar forma legal e fé pública às intenções das partes.
v) O documento de fls. 280 tem a forma exigida pelo artigo 363.º do CC e serviria como certidão que atestasse factos ou situações que fossem presenciadas ou do conhecimento da AMCM ou dos seus funcionários, no exercício das suas competências.
w) Mas não pode servir como instrumento de expressão de uma vontade da entidade que o emite, constituidora de uma situação de representação voluntária, porque o seu signatário não está a atestar ou a certificar a existência de factos praticados pela autoridade, oficial público ou notário, nem a atestar factos com base nas percepções da AMCM.
x) Está antes a proferir uma declaração de intenções da sua representada e a constituir uma situação jurídica nova, através da prática de um negócio jurídico unilateral.
y) E, por essa razão, tem de obedecer às formalidades gerais previstas na lei para tais instrumentos, designadamente o estipulado na regra geral do n.º 2 do artigo 255.º do Código Civil.
z) Sendo que, para o mandato judicial, deverá atentar-se ao disposto no artigo 77.º do CPC, o qual consagra que este pode conferido através de declaração verbal da parte ou por meio de instrumento público ou de documento particular, nos termos da legislação aplicável.
aa) E tal legislação, salvo melhor opinião, não pode deixar de ser o artigo 128.º do Código do Notariado e o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M, de 25 de Outubro, que o aprovou.
bb) O papel de fls. 280 não cumpre com as formalidades previstas em nenhum destes normativos legais.
cc) A sua assinatura não está certificada por advogado, não constitui documento autenticado, não se trata de instrumento público emitido por notário, nem, outrossim, se trata de um documento particular com assinatura reconhecida presencialmente.
dd) E não pode servir como procuração forense, porque não reveste a forma legalmente exigida, tanto mais que o Tribunal se viu na situação de ter de ordenar a junção aos autos da certidão de fls. 281 e 282, a fim de tentar aferir a regularidade do mandato e a suficiência de poderes do respectivo signatário, aquilo que, afinal, competia ao notário ou ao advogado.
ee) Mas mesmo tal acto não é idóneo para sanar os vícios de forma do documento, porque, como acima se viu, o seu signatário não tinha os poderes necessários para praticar o acto.
ff) Além disso, o instrumento ou documento de procuração terá de ser auto-suficiente, terá de funcionar por si, e não de se socorrer de outros documentos, como a acta de fls. 2817 e 282, que o complementem, por- que o artigo 255.º, n.o 1, do Código Civil fala em "acto", e não em "actos".
gg) O n. ° 3 do artigo 4. ° do CPAC é claro, ao distinguir o "advogado constituído" do "licenciado em direito com funções de apoio jurídico expressamente designado para o efeito.".
hh) O primeiro, é constituído nos termos da lei do processo, enquanto o segundo, por se tratar de funcionário, será designado de acordo com os trâmites da lei administrativa.
ii) Ao contrário do que vem defendido no douto despacho recorrido, não está aqui em causa se o documento de fls. 280 se deve considerar autêntico ou não, para os efeitos do n.º 1 do artigo 363.º do CC, nem se questiona se a assinatura e o selo branco que dele constam são verdadeiros.
jj) O problema é outro: em virtude do seu teor e propósito, o documento de fls. 280, para ser válido enquanto procuração forense, teria de cumprir outras formalidades que não aquelas que foram utilizadas.
kk) A apresentação aos autos do documento de fls. 280 constitui mais uma prova de que a Autoridade Monetária de Macau, nos seus procedimentos, não respeita os formalismos exigidos por lei e que servem para assegurar a verdade e a segurança no comércio jurídico e na actividade administrativa, enfermando os seus actos de graves deficiências formais e materiais que, em última análise, poderão até ser sintomáticas de uma conduta administrativa sistematicamente baseada no arbítrio e no desrespeito pela lei e pelos direitos do particular.
II) Assim, ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido viola o artigo 77.º do CPC, o artigo 128.º do Código do Notariado e o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 62/99/M, de 25 de Outubro, que o aprovou.
mm) Caso assim não se entenda, e mesmo que se dê por bom que o documento de fls. 280 cumpre com as regras de forma exigidas para as procurações forenses com poderes gerais, afigura-se que o seu texto é contraditório e ambíguo, no que respeita à clara e correcta identificação das posições de mandante e de signatário.
nn) Do texto do documento consta que "O, na qualidade de administrador... da Autoridade Monetária de Macau... constitui seus bastantes procuradores os Srs. Drs... aos quais, com a faculdade de livremente substabelecer, confere todos os poderes... para... representarem a Autoridade Monetária de Macau em juízo... podendo, em nome da mandante, contestar o pedido... ",
oo) Primeiro, o digno administrador da AMCM, Sr. Dr. O constitui seus (dele) procuradores os ilustres Advogados elencados, aos quais, mais abaixo, afinal, confere poderes para representarem a AMCM, o que constitui uma contradição sobre a posição de mandante e de signatário.
pp) A qual não pode senão suscitar dúvidas a quem o documento é apresentado, devendo ser recusado como prova de constituição de mandatário, pela sua ambiguidade e falta de clareza, as quais se afigura também não serem sanadas pela certidão de fls. 367 e 368.
qq) Por esta via, o douto despacho recorrido violou o artigo 255.º do CC, devendo por isso ser revogado, ordenando-se à entidade recorrida que regularize o mandato e ratifique o processado, nos termos do artigo 82.º do CPC.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e em consequência, ser ordenado à ora entidade recorrida, a Autoridade Monetária de Macau, que venha juntar aos autos instrumento notarial de procuração e ratificação de todo o processado, com as demais consequências legais,
Assim, mais uma vez, será feita a habitual JUSTIÇA!


A este recurso jurisdicional respondeu a entidade recorrida pugnando pela improcedência do mesmo.

Admitidos nesta instância ambos os recursos e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pela improcedência do 1º recurso e pela inutilidade ou improcedência do 2º recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Recurso jurisdicional da rejeição liminar do recurso contencioso da decisão que indeferiu a inquirição de uma testemunha arrolada pelos arguidos no âmbito do procedimento de infracção administrativa

Assim, confrontando a petição do recurso contencioso e a fundamentação da decisão recorrida com as questões delimitadas nas conclusões do presente recurso jurisdicional, a única questão colocada aqui consiste em saber se é contenciosamente recorrível o objecto do recurso, isto é, se é um acto destacável e autonomamente impugnável por via contenciosa.

Antes de entrar na análise dessa questão que constitui o objecto do 1º recurso, convém salientar que, independentemente da solução a ser dada ao 2º recurso em que se discute a irregularidade do mandato forense conferido pela entidade recorrida, não há obstáculo ao conhecimento do primeiro recurso, uma vez que, por razões que passemos a demonstrar infra, o 1º recurso é tão manifestamente improcedente que se torna desnecessário levar em conta quaisquer razões deduzidas pela entidade recorrida nas suas contra-alegações.

Ora, o que os recorrentes pretendem impugnar é uma decisão proferida no âmbito de um procedimento de infracção administrativa pelo seu instrutor, que indeferiu a inquirição de uma testemunha arrolada pelos arguidos, ora recorrentes.

Se é certo que, em princípio, só é contenciosamente sindicável um acto administrativo definido no artº 110º do CPA, à luz do qual se consideram actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

Não é menos verdade que há, inter alia, certos actos de trâmite procedimental – portanto, actos ocorridos no decurso do procedimento – que, não sendo finais, se traduzem numa decisão de efeitos externos para alguns interessados e que inclusive, correspondem a uma posição derradeira da Administração em relação a si e funcionam como se fosse a última palavra administrativa sobre a sua pretensão nesse concreto procedimento, doutrina essa que foi afirmada pelo TSI no seu Acórdão tirado em 15MAR2012 no proc. nº 734/2011 e citada pelo Exmº Juiz a quo e aqui novamente acolhemos e reafirmamos.

Aplicando essa doutrina ao caso sub judice, a decisão está longe de ter a dignidade para ser contenciosamente impugnável.

Ora, como se sabe, a produção de provas, qualquer que seja, visa comprovar o thema probantum com relevância à decisão de direito.

Teoricamente falando, o requerimento da produção de uma prova pode ser indeferido com fundamento em razões várias,nomeadamente, a notoriedade dos factos a comprovar, a existência de outras provas de credibilidade igual ou superior à da prova cuja produção se requer, ou até a existência da prova legal para comprovar os factos objecto da prova requerida, a irrelevância dos factos a comprovar à decisão de direito, e a manifesta intenção de protelar o andamento do procedimento subjacente ao requerimento de prova.

Em qualquer dessas situações, os interesses que o requerente da prova pretende tutelar com a pretendida prova não ficam logo postos em causa pela decisão que indefere a produção da mesma prova.

Pois essa decisão negatória da prova, limita-se a não reconhecer ao requerente um direito procedimental de prova, mas não lhe retira definitivamente um direito subjectivo, nem tem efeito modificativo ou extintivo dos seus interesses substantivos.

Assim, in casu, o eventual efeito lesivo, dos interesses substantivos dos arguidos, da decisão que indefere o seu requerimento da produção de uma prova testemunhal, no âmbito de um procedimento administrativo, só se tornará cognoscível e só se produzirá, apenas no momento da decisão final, ou seja, no da decisão de direito fundamentada na matéria de facto, para a cuja fixação não concorre a prova testemunhal, requerida pelos arguidos mas indeferida pelo Instrutor.

Portanto a decisão de não produção da prova, requerida mas indeferida, é sempre questionável no acto final de um procedimento.

Sendo sempre questionável a sua legalidade no acto que irá fechar o procedimento administrativo, o indeferimento da inquirição da testemunha arrolada pelos arguidos, ora recorrentes, no âmbito do procedimento de infracção administrativa de que são visados, não tem a dignidade de ser contenciosamente sindicável.

Bem andou o Exmº Juiz a quo ao rejeitar como rejeitou o recurso contencioso.

Assim, sem mais delongas, é de improceder este 1º recurso.

Recurso do indeferimento da arguição da irregularidade do mandato forense conferido pela entidade recorrida

Aqui os recorrentes atacam a decisão recorrida que reconheceu a regularidade da procuração em três aspectos, quais são:

1. Falta de poderes do signatário da procuração;

2. Irregularidades formais da procuração; e

3. Ambiguidades materiais da procuração.

Então apreciemos.

1. Falta de poderes do signatário da procuração

De acordo com os elementos constantes dos autos, a fim de assegurar o patrocínio judiciário obrigatório no âmbito dos presentes autos, o Conselho de Administração da AMCM reuniu-se em 03MAIO2013, tendo deliberado contratar o escritório de advogados do Sr. Dr. P, para assegurar o patrocínio judiciário da AMCM e designar o seu administrador Dr. O para assinar em representação da AMCM a necessária procuração forense, nomeadamente – vide a certidão junta aos autos a fls. 281 e 282.

Questionando os poderes do signatário O para subscrever a procuração, alegaram os recorrentes que:

b) Só que a deliberação transcrita nesta última não serve para o senhor administrador da Autoridade Monetária de Macau Dr. O outorgar uma "procuração" como a que consta a fls. 280.
c) Consta da referida certidão a decisão de a AMCM "Contratar o escritório de advogados do Sr. Dr. P, para assegurar o patrocínio judiciário da AMCM ... ", levantando-se em primeiro lugar a questão de saber o que será, em termos jurídicos, um "escritório de advogados", porque não estão tais entidades especificamente regulamentadas apesar de virem mencionadas no n.º 2 do artigo 18.º do Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 31/91/M, de 6 de Maio.
……
e) Salvo melhor opinião, "escritório" ou "gabinete" de advogados, no contexto de Macau e com a finalidade que in casu se analisa, é uma expressão que não tem qualquer valor ou conteúdo/ já que tais entidades não são pessoas jurídicas que possam ser parte em "contratos", apesar de a Associação dos Advogados de Macau manter no seu website um "registo" de escritórios de advogados, o qual se afigura não ter qualquer valor jurídico para alicerçar a outorga de um documento onde os poderes do signatário, representante de pessoa colectiva, têm de ser obrigatoriamente aferidos por oficial público ou advogado, como é o caso das procurações forenses.
f) Por isso, a deliberação que consta de fls. 281 e 282 é nula, porque confere poderes cujo exercício não é juridicamente possível.

Põe-se a questão da interpretação daquela parte da deliberação do Conselho de Administração da AMCM.

A propósito da interpretação da declaração negocial, o CC diz-nos que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” – artº 228º/1 do CC.

Apesar de concordarmos que a tal expressão “contratar o escritório de advogados do Sr. Dr. P” é susceptível de melhoramento em termos linguísticos tendo em conta a exigência técnico-jurídica, não nos parece que a mesma expressão carece da virtualidade de valer como valeu o sentido que nós captámos, ou seja, o sentido de “contratar os advogados no escritório que pertence ao Sr. Dr. P ou onde trabalha o Sr. Dr. P”.

Pois para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, é perfeitamente compreensível esse sentido que com esta expressão o Conselho de Administração da AMCM pretende exprimir.

Aliás, conforme se vê na procuração a fls. 280, foram constituídos mandatários todos com escritório no mesmo endereço, isto é, na Av. Praia Grande, nº 429, XXº andar.

Sem necessidade de mais considerações, não pode proceder esta parte do recurso.

2. Irregularidades formais da procuração

A procuração em causa foi juntada aos autos a fls. 280.

Trata-se de um documento materializado num papel timbrado da AMCM e com selo branco da AMCM e assinatura do Administrador nele apostos.

Para os recorrentes, apesar de ser incorporada num documento autenticado, a que se refere o artº 363º do CC, não pode servir como procuração forense, porque não reveste a forma legalmente exigida.

Ora, a propósito da forma das procurações com poderes simples, o Decreto-Lei nº 62/99/M estabelece no seu artº 6º que “podem ser certificadas por advogado em exercício no Território as procurações que envolvam poderes forenses simples.”.

Por sua vez, em relação às procurações com poderes especiais, o Código do Notariado estatui no seu artº 138º que:

1. As procurações que, nos termos da lei, exijam intervenção notarial podem revestir uma das seguintes formas:
a) Instrumento público;
b) Documento autenticado;
c) Documento assinado pelo representado com reconhecimento presencial da assinatura.

2. As procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro, bem como as que confiram poderes para celebrar negócio consigo mesmo, devem ser lavradas por instrumento público.

3. Devem revestir uma das formas indicadas nas alíneas a) e b) do número anterior:
a) As procurações com poderes gerais de administração, civil ou comercial;
b) As procurações com poderes para contrair obrigações cambiais;
c) As procurações conferidas para fins que envolvam confissão, desistência ou transacção em pleitos judiciais;
d) As procurações que envolvam poderes de representação para outorgar em actos que devam realizar-se por escritura pública ou outro modo autêntico, ou para cuja prova seja exigido documento autêntico.

4. Nos casos previstos na alínea c) do n.º 1, quando a procuração seja escrita em língua que o representado não domine intervém com ele intérprete da sua escolha, consignando-se no termo de reconhecimento a declaração, que o mandante deve fazer, de que conhece e aceita o respectivo conteúdo.

Por sua vez, o artº 50º do mesmo código diz que se entende por documentos autenticados os documentos particulares confirmados pelas partes perante o notário.

In casu, não tendo sido certificada por um advogado em exercício na RAEM nem confirmada perante um notário, mesmo que a sua veracidade seja confirmada pela AMCM, a procuração não pode deixar de ser nula por carecer da formal legal por falta de intervenção de um notário, face ao disposto no artº 212º do CC, à luz do qual “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.”.

Portanto têm razão os recorrentes.

No entanto, não há lugar ao seu suprimento uma vez que com o decidido supra no primeiro recurso, a instância extingue-se como se a entidade nunca tivesse sido chamada a intervir nos presentes autos.

3. Ambiguidades materiais da procuração.

Tendo em conta o decidido supra no ponto 2., fica prejudicado o conhecimento do recurso nesta parte.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interposto da rejeição liminar e julgar procedente o 2º recurso revogando a decisão que julgou regular o patrocínio judiciário da entidade recorrida.

Custas pelos recorrentes em ambas as instâncias pela improcedência do 1º recurso, com taxa de justiça fixada em 4UC, a suportar por cada um dos recorrentes.

Registe e notifique.

RAEM, 12JUN2014

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

Fui presente
Mai Man Ieng