打印全文
Recurso nº 389/2013
Data: 29 de Maio de 2014

Assuntos: - Contradição insanável da fundamentação





SUMÁRIO
1. Só existe a contradição insanável quando se verifica a incompatibilidade entre os factos dados como provados, bem como entre os factos dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
2. A incompatibilidade entre os factos dados como provados e os dados como não provados deve ser absoluta e evidente, em face ao padrão de um homem médio.
3. Dizem incompatibilidade absoluta entre os factos provados ou entre os factos não provados ou entre estes mesmos quando sobre uma mesma matéria de facto, um se diz sim outro se diz não, já não quando se comprovam sobre a diferente matéria apesar de haver factos cruzados.
O Relator,

Choi Mou Pan

Recurso nº 389/2013
Recorrente: B (B)


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

Nos autos de Inquérito junto do Ministério Público, movido contra os arguidos C e D, pela prática de quatro crimes de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado p.p.pelo art. 199º, nºs 1 e 4, alí. b), conjugado com o art. 196º, ali. b), ambos do CP, foi ordenado o arquivamento dos autos.
Foi requerida pela constituída assistente B a abertura de instrução, e depois o debate o Mm° Juiz de Instrução proferiu o despacho de não pronúncia.
Deste despacho recorreu para este Tribunal de Segunda Instância, onde obteve o provimento do recurso e a ordenada pronúncia contra o arguido C.
Respondendo o pronunciado arguido C nos autos do Processo Comum Colectivo nº CR4-12-0238-PCC perante o Tribunal Judicial de Base e depois a audiência do julgamento, o Tribunal Colectivo proferiu acórdão decidindo:
1. Declara absolvido o arguido C pela prática de quatro crimes de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado p.p.pelo art. 199º, nºs 1 e 4, alí. b), conjugado com o art. 196º, ali. b), ambos do CP.
2. Declara absolvido o arguido C do pedido cível deduzido nos presentes autos.

Inconformado com a decisão, recorreu a assistente B, que motivou, em síntese, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que decidiu pela absolvição do arguido C na prática de quatro crimes de abuso de confiança de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art. 199º nº 1 e 4 alínea b), conjugado com o art. 196º alínea b) ambos do Código Penal, e bem assim, que absolveu o Arguido do pagamento da indemnização peticionada nos autos no valor de MOP$44,264,085.20 (quarenta e quatro milhões duzentas e sessenta e quatro mil e oitenta e cinco patacas e vinte avos).
II. Porém resulta clara e evidentemente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos neles acolhidos, se encontra inquinada do vício constante do art. 400º, nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal – contradição insanável da fundamentação.
III. Contradição esta, a qual se verifica nos presentes autos e que indubitavelmente afecta a decisão tomada pelo Tribunal a quo.
IV. Pode-se facilmente constatar da confrontação dos pontos 8º, 9º e 10º dos factos considerados provados e dos pontos 5º, 6º e 7º dos factos considerados não provados, conteúdo dos mesmos resulta claramente contraditório.
V. Por um lado dá-se como provado a inexistência de simultaneidade e autorização escrita de F para o levantamento em numerário nos dias 2 de Janeiro, 17 Janeiro e 19 de Junho de 2008, respectivamente, das quantias de HKD10.000.000,00, HKD15.000.000,00 e HKD10.000.000,00 a favor de D e,
VI. Por outro dá-se como não provada a inexistência de simultaneidade de autorização escrita de F para o levantamento das quantias de HKD10.000.000,00, HKD15.000.000,00 e HKD10.000.000,00 em numerário, respectivamente, nos dias 2 de Janeiro, 17 Janeiro e 19 de Junho de 2008, a favor de D.
VII. Desta feita, face esta contradição ficou por responder se houve ou não simultaneidade de autorização escrita de F para o levantamento das quantias de HKD10.000.000,00, HKD15.000.000,00 e HKD10.000.000,00 em numerário, respectivamente, dos dias 2 de Janeiro, 17 Janeiro e 19 de Junho de 2008, a favor de D.
VIII. Quando na verdade a resposta desta questão se revela de manifesta importância para a descoberta da verdade material uma vez que é exactamente pela falta da autorização escrita de F para o levantamento das quantias de HKD10.000.000,00, HKD15.000.000,00 e HKD10.000.000,00 em numerário, respectivamente, nos dias 2 de Janeiro, 17 Janeiro e 19 de Junho de 2008, a favor de D e bem assim a falta da autorização deste para a retirada dos referidos montantes para fora da sala VIP “XXX Yyyy Zzz Y.I.P.” que os factos praticados pelo Arguido consubstanciam os crimes de abuso de confiança de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art. 199º nº 1 e 4 alínea b), conjugado com o art. 196º alínea b) ambos do Código Penal pelos quais vem pronunciado.
IX. Sendo de concluir que não tendo ficado demonstrada a existência de autorização escrita de F para o levantamento das quantias de HKD10.000.000,00, HKD15.000.000,00 e HKD10.000.000,00 em numerário, respectivamente, nos dias 2 de Janeiro, 17 Janeiro e 19 de Junho de 2008, a favor de D, salvo devido respeito, não poderia ter o Tribunal a quo ter declarado não procedente a pronúncia e nem tão pouco poderia ter determinado a absolvição do Arguido C pelos quatro crimes de abuso de confiança dos quais vinha pronunciado dada a sobredita contradição entre os pontos 8º, 9º e 10º dos factos considerados provados e dos pontos 5º, 6º e 7º dos factos considerados não provados.
X. A contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida não se fica por aqui, pois, no ponto 7º dos factos provados considera-se provado que “Em data não apurada mas antes de Agosto de 2008, o G tinha deixado ao arguido C levar consigo um total de HKD7.857.945,00 em numerário para fora da tesouraria do Clube.” quando no ponto 9º dos factos considerados não provados diz-se que não ficou provado que “Ao ter agido de maneira acima descrita, o G limitou-se a obedecer às ordens de serviço dadas superiormente pelo arguido C.”
XI. Se não se considerou provado que o G limitou-se a obedecer às ordens de serviço dadas superiormente pelo arguido C com que fundamentos se se considerou provado que o G tinha deixado ao arguido C levar consigo um total de HKD7.857.945,00 em numerário para fora da tesouraria do Clube se para se proceder ao referido levantamento era preciso uma autorização superior!
XII. Se todos os montantes em numerário acima referidos eram pertencentes ao Clube explorado pela Assistente e disponibilizados na tesouraria do Clube para fins de exploração de jogos de fortuna e azar e, se o arguido C era sócio do Clube “XXX Yyyy Zzz VI.P. Club”, assumindo 50% dos lucros e perdas do Clube conforme se considerou provado no ponto 11º e 3º dos factos provados, só se poderia ter considerado provado que o Arguido C agiu de modo livre e consciente quando se apoderou de todos esses montantes mencionados nos autos, não obstante saber que este modo de agir era proibida e punível por lei.
XIII. Porque os montantes que estão em causa nos presentes autos eram pertencentes ao Clube explorado pela assistente e não ao Arguido C, dos quais o Arguido C apenas assumia 50%.
XIV. Donde que, salvo devido respeito por opinião contrária, todas as contradições invocadas obstam a que o Tribunal a quo pudesse ter decidido como decidiu e concluir como concluiu pela não procedência da pronúncia que determinou a absolvição do arguido C pelos quatro crimes pronunciados de abuso de confiança p.p. pelo art. 199º, nos 1 e 4, ali. b), conjugado com o art. 196º, alínea b), ambos do CPP.
XV. Consequentemente, tais contradições também obstam a que o Tribunal a quo tivesse determinado a absolvição do demandado C do pedido deduzido nos presentes autos no valor de HKD42,974,840.00 equivalentes a MOP$44,264, 085.20 (quarenta e quatro milhões duzentas e sessenta e quatro mil e oitenta e cinco patacas e vinte avos).
XVI. Sendo de extrema relevância para a descoberta da verdade material nos presentes autos e bem assim para a decisão sobre a procedência do pedido de indemnização cível deduzido nos presentes autos, salvo devido respeito, outra não poderá ser a decisão se não a de reenviar o processo, em todo o seu objecto probando quer penal e quer cível, para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base, nos termos conjugados da alínea b) do nº 2 do art.º 400º e nº 1 e 2 do art. 418º ambos CPP.
XVII. Para que assim se desfaçam as supra referidas contradições uma vez que as mesmas se revelam insanáveis, irredutíveis e não ultrapassáveis, comprometendo a lógica do resultado do julgamento realizado, da restante matéria fáctica descrita na pronúncia, da lógica da decisão jurídica, e bem assim comprometem a lógica da causa cível de indemnização então enxertada.
Termos em que, contendo com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência serem os presentes autos reenviados na totalidade do seu objecto probando quer penal e quer cível, para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base, nos termos conjugados da alínea b) do nº 2 do art.º 400º e nº 1 e 2 do art. 418º ambos do Código de Processo Penal, com todas as consequências legais daí resultantes.

A este recurso, respondeu o Ministério Público nos seguintes termos:
1. O Tribunal a quo, tendo em conta a matéria dos factos, confirma que não se verifica a autorização escrita mas existe a autorização de F para os três levantamentos no montante total de HKD$35.000.000,00 do Clube “XXX Yyyy Zzz V.I.P. Club”. Pois, não se verifica a contradição nenhuma entre os pontos 8º, 9º, 10º dos factos provados e os pontos 5º, 6º, 7º dos factos não provados.
2. Efectivamente, o G deixou ao arguido C levar consigo um total de HKD7.857.945,00 em numerário para fora da tesouraria do Clube sob a autorização dos dois sócios F e C, não se limitou a obedecer às ordens de serviço dadas pelo arguido C. Portanto, entendemos que não se verifica a contradição nenhuma entre o ponto 7º dos factos provados e o ponto 9º dos factos não provados.
3. No fim, conforme a análise de factos, o Tribunal a quo entende que o dinheiro em causa pertence ao Clube “XXX Yyyy Zzz V.I.P. Club”, no entanto, não se verifica a intenção de apropriação ilegítima do dinheiro em causa do arguido, na medida em que o Tribunal a quo entende que o arguido levantou as quantias em causa apenas com o objectivo de devolver as quantias aos sócios indicados pelo arguido, pois, não se verifica a contradição nenhuma entre os pontos 3º, 11º dos factos provados e os pontos 8º dos factos não provados.
Nesses termos e nos demais de direito, devem Vossas Excelência Venerandos Juizes rejeitar o recurso por ser manifestamente improcedente fazendo a habitual Justiça!

A recurso da assistente respondeu também o arguido C, que se alegou o seguinte:
A. A decisão absolutória a quo é congruente com a posição do próprio Ministério Público, por duas ocasiões inequivocamente manifestada nos autos, (i) quando do inicial despacho de não pronúncia, e, ulteriormente, (ii) quando, no julgamento, em alegações finais, a Dgnmª Delegada do Procurador expressamente pediu a absolvição do arguido.
B. A recorrente pretende “à viva-força”, mas sub-repticiamente e com laivos de má fé processual, fazer equivaler a expressão《autorização》com《autorização escrita》.
C. Fá-lo com pertinácia e obstinação como se a tal autorização escrita, ou a sua falta…, fosse elemento do tipo de crime imputado ao arguido.
D. De salientar que em lado algum se demonstrou a existência de quaisquer norma legal, ou regulamentos escritos, ou usos e práticas regulares e constantes por parte do Clube, por via dos quais fosse de exigir a aludida autorização escrita.
E. De igual modo, ficou por demonstrar, por ser, aliás, indemonstrável, que fosse necessária a autorização do F – que, registe-se, não é assistente, nem sequer queixoso ou ofendido nos presentes autos; mas tão só testemunha, ademais, a única que procurou suportar a tese do crime, e com manifesto interesse na procedência da causa…
F. Pese embora considerar o arguido responsável por 50% dos lucros e perdas do Clube e, portanto, dono de 50% dos montantes que reivindica em sede de pedido cível, a assistente não se coíbe de insistir, agora em sede de recurso, no pedido da totalidade dos montantes (100%)!...
G. Nenhuma contradição insanável emerge da decisão recorrida, limitando-se a recorrente a manifestar a sua discordância com a mesma e a pôr em causa a livre convicção do Tribunal a quo, sendo, pois, o seu recurso manifestamente improcedente.

Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
B, ora assistente dos presentes autos, inconformada com a decisão absolutória do Tribunal Colectivo do T.J.B., exarada em 13/05/2013, vem recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, invocando vício do art.º 400º nº 2 al. b) do C.P.P.M. e solicitando o reenvio de processo nos termos do art.º 418º nº 1 e 2 do mesmo Código.
Face à intervenção do juízo do Tribunal de Segunda Instância no julgamento do recurso interposto pela assistente B ao douto despacho de não pronúncia (cfr. fls. 544 a 548 dos autos), cumpre sempre, no nosso modesto entendimento, este M.P. emitir parecer, nos termos do art.º 406do C.P.P.M., independendo da distribuição ou da substituição de juiz relator na esteira do efeito do art.º 29º do mesmo Código.
Vista temos desde já como seguinte.
Analisados os autos, entendemos que não se deve reconhecer razão à recorrente B, pois não se vislumbra nenhum vício, como acima mencionado, na douta sentença recorrida.
Dúvidas não temos quanto à interpretação do disposto no artº 400º nº 2 al. b) do C.P.P.M., pois que já foi esclarecido repetidamente nas inúmeras e ilustres decisões proferidas do T.S.I. bem como nas doutrinas dos entendidos, permitindo-nos assim a tal respeito, citar a ideia brilhante mais recente no douto acórdão do Proc. nº 255/2013, de 30/05/2013 do T.S.I.:
“O vício de contradição insanável da fundamentação apenas ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.”
In casu, o Tribunal a quo evidenciou detalhadamente todos os elementos legalmente previstos pelo artº 355 do C.P.P.M., nomeadamente toda a matéria referenciado ao objecto do processo, elencando a que resultou “provada”, indicando a que resultou “não provada”, e, fundamentando adequada e claramente a sua análise analógica, através das provas e dos depoimentos produzidos durante a audiência de julgamento, à luz do princípio de experiência.
Concordamos inteiramente com a digna resposta do M.P. à motivação de recurso, de que não há conflito entre factos provados e não provados que a recorrente imputou, pois não se verifica a autorização escrita da testemunha F mas sim a de outra forma, ou seja, de um acordo combinado ou um consentimento oral.
Também, não se pode concluir o preenchimento do requisito legal do crime de abuso de confiança p.º p.º no art.º 199 nº 4 al. b) do C.P.M., nomeadamente o do dolo de apropriação ilícita do arguido (facto não provado nº 8), embora tenha sido dado como provado o facto de que o arguido levou consigo uma quantia de valor consideravelmente elevado para fora da tesouraria do Clube em causa (factos provados nºsj 3 e 11), tendo em conta o propósito de devolução da dita quantia aos sócios.
Certo é manter a posição de impossibilidade da imputação penal ao arguido, que o M.P. tem mostrado desde o início, quer de arquivamento na fase de inquérito quer de absolvição na fase de julgamento.
Pelo exposto, é de concluir pela improcedência do recurso, interposta pela assistente B, de invocação do vício previsto nos termos do artº 400º nº 2 al. b) do C.P.P.M., não havendo lugar ao reenvio do processo.

Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juíze-Adjuntos.
Cumpre-se decidir.

À matéria de facto, foi dada assente a Seguinte factualidade:
- Desde Novembro de 2007, a assistente B passou a explorar o “XXX Yyyy Zzz V.I.P. Club” no Casino do Hotel Nnnnn de Macau, tendo indigitado o seu irmão F para fiscalizar a saída de dinheiro em numerário da tesouraria do Clube.
- F conheceu o arguido C há vários anos, e, nos passados, chegou a explorar diversas salas de jogo em Macua em consórcio com este arguido.
- O arguido C era sócio do Clube “XXX Yyyy Zzz V.I.P. Club”, assumindo 50% dos lucros e perdas do Clube.
- O arguido C conhecia D, e este exercia a actividade de bate-fichas nesses Clube e mantinha uma conta para este efeito na tesouraria do Clube.
- Em Agosto de 2008, o arguido C não mais foi ao Clube para trabalhar.
- Perante o acontecido, foram inspeccionadas, em Outubro de 2008, as contas da tesouraria do Clube, tendo-se verificado, assim, que:
- Em data não apurada mas antes de Agosto de 2008, o G tinha deixado do arguido C levar consigo um total de HKD7.857.945,00 em numerário para fora da tesouraria do Clube.
- Em 2 de Janeiro de 2008, com autorização também do arguido C mas sem simultânea autorização escrita de F, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento da quantia de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D, tendo o G entregue logo esse montante a D, que, por sua vez, o levou para fora do Clube.
- Em 17 de Janeiro de 2008, com autorização também do arguido C mas sem simultânea autorização escrita de F, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento da quantia de HKD15.000.000,00 em numerário a favor de D, tendo o G entregue logo esse montante a D, que, por sua vez, o levou para fora do Clube.
- Em 19 de Junho de 2008, com autorização também do arguido C mas sem simultânea autorização escrita de F, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento da quantia de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D, tendo o G entregue logo esse montante a D, que, por sua vez, o levou para fora do Clube.
- Todos os montantes em numerário acima referidos eram pertencentes ao Clube explorado pela assistente e disponibilizados na tesouraria do Clube para fins de exploração de jogos de fortuna e azar.
- Aquando da inspecção das contas, o G ainda estava a trabalhar no Clube, e depois, desvinculou-se do Clube.
Factos Provados do Pedido Cível:
Procede-se a audiência de julgamento e o Tribunal entende provados os seguintes factos constantes do requerimento do pedido cível, para além dos correspondentes aos factos provados do despacho de pronúncia:
- A Assistente B é detentora de uma licença para exercer a actividade de promoção de jogos junto da sociedade “Mmmmm Nnnnn Jogos (Macau), S.A.”,, coordenando a sala VIP denominada “XXX Yyyy Zzz V.I.P.”, sita no 3º andar do Hotel Nnnnn (hoje em dia denominado Aaaaa), na Taipa.
- A Assistente colocou a coordenação da sala VIP “XXX Yyyy Zzz V.I.P.” a cargo do Arguido C e do F, seu irmão.
- Ao C foi atribuída, a gestão da sala “XXX Yyyy Zzz”, pois há muitos anos o mesmo era parceiro de F em muitos negócios.
Da audiência de julgamento ainda se prova:
- De acordo com o registo criminal, o arguido é primário.
- Declara o arguido que é comerciante com remuneração mensal cerca de MOP$30,000.00, sendo a habilitação académica de ensino segundário completo e a sue cargo dois filhos menores.
Factos não Provados
- Não investindo qualquer dinheiro feito no Clube “XXX Yyyy Zzz V.I.P. Club”, o arguido C trabalhava como gerente remunerado por conta do Clube, tendo obtido delegação de poderes por parte da assistente nomeadamente para tomar conta da tesouraria, embora ele não pudesse determinar o levantamento do dinheiro em numerário da tesouraria sem autorização escrita de F.
- O arguido C contratou o G para ser chefe da tesouraria do Clube.
- Em Agosto de 2008, o arguido C não apresentou qualquer justificação pelo facto de que não mais foi ao Clube para trabalhar.
- Foi sem qualquer documentação a registar o sucedido que o G tinha deixado ao arguido C levar consigo um total de HKD$7.857.945,00 em numerário para fora da tesouraria do Clube em data não apurada mas antes de Agosto de 2008.
- Foi sem simultânea autorização de F que em 2 de Janeiro de 2008, a tesouraria do Clube concedesse um empréstimo de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D.
- Foi sem simultânea autorização de F que que em 17 de Janeiro de 2008 a tesouraria do Clube concedesse um empréstimo de HKD15.000.000,00 em numerário a favor de D.
- Foi sem simultânea autorização de F que em 19 de Junho de 2008, a tesouraria do Clube concedesse um empréstimo de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D.
- Através dos procedimentos acima descritos, o arguido C, de modo livre e consciente, acabou por se apoderar, de propósito, de todos esses montantes, não obstante saber que este modo de agir era proibida e punível por lei.
- Ao ter agido de maneira acima descrita, o G limitou-se a obedecer às ordens de serviço dadas superiormente pelo arguido C.

Conhecendo.
A recorrente insurgiu-se contra a decisão com o fundamento de vício de contradição insanável da fundamentação se encontra inquinada do vício constante do art. 400º, nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal, contradição esta que se facilmente constata da confrontação, por um lado, dos pontos 8º, 9º e 10º dos factos provados e dos pontos 5º, 6º e 7º dos factos não provados, e por outro, do ponto do 7°do facto provado e o ponto 9° do facto não provado, pedindo assim o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do artigo 418° do Código de Processo Penal.
Vejamos.
   In casu, no acórdão dizem os referidos factos provados, entre outros, os pontos 8°, 9° e 10°:
8 - Em 2 de Janeiro de 2008, com autorização também do arguido C mas sem simultânea autorização escrita de F, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento da quantia de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D, tendo o G entregue logo esse montante a D, que, por sua vez, o levou para fora do Clube.
9 - Em 17 de Janeiro de 2008, com autorização também do arguido C mas sem simultânea autorização escrita de F, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento da quantia de HKD15.000.000,00 em numerário a favor de D, tendo o G entregue logo esse montante a D, que, por sua vez, o levou para fora do Clube.
10 - Em 19 de Junho de 2008, com autorização também do arguido C mas sem simultânea autorização escrita de F, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento da quantia de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D, tendo o G entregue logo esse montante a D, que, por sua vez, o levou para fora do Clube.
Enquanto dizem os factos não provados, entre outros os pontos 5°, 6° e 7°:
5 - Foi sem simultânea autorização de F que em 2 de Janeiro de 2008, a tesouraria do Clube concedesse um empréstimo de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D.
6 - Foi sem simultânea autorização de F que que em 17 de Janeiro de 2008 a tesouraria do Clube concedesse um empréstimo de HKD15.000.000,00 em numerário a favor de D.
7 - Foi sem simultânea autorização de F que em 19 de Junho de 2008, a tesouraria do Clube concedesse um empréstimo de HKD10.000.000,00 em numerário a favor de D.
E no ponto 7º dos factos provados considera-se provado que “Em data não apurada mas antes de Agosto de 2008, o G tinha deixado ao arguido C levar consigo um total de HKD7.857.945,00 em numerário para fora da tesouraria do Clube” , quando no ponto 9º dos factos considerados não provados diz-se que não ficou provado que “Ao ter agido de maneira acima descrita, o G limitou-se a obedecer às ordens de serviço dadas superiormente pelo arguido C.”
Sabemos que é de jurisprudência uniforme que só existe a contradição insanável quando se verifica a incompatibilidade entre os factos dados como provados, bem como entre os factos dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.1
A incompatibilidade entre os factos dados como provados e os dados como não provados deve ser absoluta e evidente, em face ao padrão de um homem médio.
Dizem incompatibilidade absoluta entre os factos provados ou entre os factos não provados ou entre estes mesmos quando sobre uma mesma matéria de facto, um se diz sim outro se diz não, já não quando se comprovam sobre a diferente matéria apesar de haver factos cruzados, precisamente como o que constantes dos factos acima transcritos.
Quanto aos factos dados como provados, quer com os mesmos dizer com a autorização de um sócio e sem a mesma do outro, a tesouraria do Clube concedeu o levantamento de certas quantias enquanto aos factos dados como não provados, o Tribunal consignou como não provados os factos comprovativos da concessão dos empréstimos, ou seja provados apenas os ditos levantamento das quantias, mas não os empréstimos contraídos, sem a autorização escrita de um dos dois sócios.
Os factos dados como não provados não querem dizer apenas “a sem autorização de um dos sócios” mas sim “a concessão do empréstimo sem autorização de um dos sócios”, e independentemente das questões que podem ser levadas para a aplicação de direito, o tribunal consignou apenas o levantamento das quantias e não os empréstimos das mesmas quantias.
Não se verifica obviamente a impugnada contradição, muito menos insanável. Os factos dados como provados e não provados não obsta a aplicação de direito.
Como a recorrente não invocou outras questões, e não existe outras questões a que cumpre conhecer oficiosamente, dá-se improcedente o presente recurso.
Resta decidir.

Acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso interposto pela assistente B.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 6 UC’s.
RAEM, aos 29 de Maio de 2014

(Relator)
Choi Mou Pan

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira

1 Cita-se, entre outros, o Ac. de 16 de Março de 2000 do Processo 25/2000.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




TSI -389/2013 Página 1