Processo nº 282/2014
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 3/Julho/2014
Assunto: Marca
Capacidade distintiva
“路氹金光大道”
SUMÁRIO
- A marca é um sinal distintivo que tem por função distinguir produtos ou serviços.
- Não são susceptíveis de protecção os sinais descritivos e genéricos.
- A marca nominativa “路氹金光大道”, por conter elementos que servem para designar exclusivamente a proveniência geográfica, é destituída de capacidade distintiva.
- Para além de que não se descortina ter a marca, analisada na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, pelo que não é susceptível de registo.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 282/2014
(Autos de recurso civil e laboral)
Data: 3/Julho/2014
Recorrente:
- A Corp.
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Corp., sociedade comercial com sede nos Estados Unidos da América, melhor identificada nos autos, interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, de 1 de Julho de 2012 e publicada no Boletim Oficial de 7 de Agosto de 2013, que indeferiu o registo das marcas N/50380 a N/50393, - “路氹金光大道” – destinadas para assinalar serviços e produtos das classes 3ª, 6ª, 9ª, 14ª, 16ª, 18ª, 20ª, 21ª, 25ª, 28ª, 32ª, 33ª, 34ª e 35ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base proferida em 6 de Dezembro de 2013, julgou improcedente o recurso, tendo sido confirmada a decisão que indeferiu o registo das referidas marcas.
Inconformada com a decisão, recorreu a recorrente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) A marca 路氹金光大道 a que se reportam os pedidos de registo N/50380 a N/50393 é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: 路氹.
b) 金光大道constitui, na marca em causa, expressão de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia; não é um termo usual e só passou a ser utilizado por iniciativa da Recorrente, que o associou a 路氹.
c) A expressão 金光大道 corresponde, em português, a avenida de luz dourada.
d) 加沙地帶 não é uma referência geográfica mas antes um sinal de fantasia, que não corresponde a uma qualquer localização geográfica pré-existente e que faz alusão à Strip de Las Vegas, onde a Recorrente possui a sua sede e opera o XXX Resort-Hotel-Casino.
e) A marca 路氹金光大道 alude a uma experiência decalcada daquela que a Strip de Las Vegas proporciona a quem a visita, o que só pode e na realidade é feito pela Recorrente, única operadora instalada em toda a zona do Cotai que também opera resorts integrados na Strip de Las Vegas.
f) A utilização da marca 路氹金光大道 por outros operadores é uma utilização enganadora.
g) A marca 路氹金光大道 possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da Recorrente dos produtos e serviços de outros comerciantes.
h) O público consumidor associa a marca 路氹金光大道 à Recorrente, pois que sabe tratar-se de uma marca que lhe está intimamente associada.
i) Ao considerar que a marca 路氹金光大道 é composta por expressões indicativas de um local geográfico e por designações genéricas, a sentença recorrida procede a uma errada aplicação da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 199º e, apesar de a sentença o não dizer expressamente, na alínea c) do artigo 199º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 9º, todos do RJPI.
j) Porém, mesmo que se entendesse que a marca 路氹金光大道 é exclusivamente constituída por expressões genéricas e usuais, o que se não aceita, sempre se dirá que adquiriu distintividade por força de uma utilização intensa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 214º do RJPI.
k) Por força dessa utilização, o público consumidor associa a marca 路氹金光大道 a produtos e serviços prestados pela Recorrente ou por empresas suas subsidiárias.
l) Porque a marca adquiriu distintividade através do uso, não pode já ser recusada com fundamento em falta de distintividade.
Conclui, pedindo a procedência do recurso, e em consequência, proferido acórdão que conceda o registo das marcas N/50380 a N/50393.
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Não houve contra-alegações.
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto:
A recorrente, em 12 de Julho de 2010, requereu junto da DSE o registo das marcas a que foram atribuídos os N/50380 a N/50393.
Tais marcas são constituídas pelo seguinte sinal: 路氹金光大道.
As referidas marcas destinam-se a assinalar serviços e produtos das classes 3ª, 6ª, 9ª, 14ª, 16ª, 18ª 20ª, 21ª, 25ª, 28ª, 32ª, 33ª, 34ª e 35ª.
Por despacho de 1 de Julho de 2013, a DSE recusou os pedidos de registo das aludidas marcas nos termos do disposto nas al. b) e c) do n.º 1 do art. 199º, conjugadas com a al. a) do n.º 1 do art. 9º, ex vi al. a) do n.º 1 do art. 214º, todos do RJPI.
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É perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer do recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Dispõe o artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.1
A questão que se coloca nos presentes autos consiste em saber se a marca nominativa e constituída pela expressão “路氹金光大道” está dotada de eficácia ou capacidade distintiva susceptível de protecção.
Como sinal distintivo, a marca tem por função distinguir produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
É um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.2
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.3
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, salvo condicionalismos impostos por lei.
Consistindo um desses condicionalismos em a marca dever estar necessariamente dotada de eficácia ou capacidade distintiva suficiente, i.e., há-de ser apropriada para diferenciar de outros produtos idênticos ou semelhantes.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca todos os elementos chamados genéricos ou descritivos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.4
Enquanto descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.5
Assim, prevê-se nos termos do artigo 199º, nº 1, alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que não possuem eficácia distintiva as marcas compostas exclusivamente por “indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos...”.
A marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.6
Na apreciação da marca, convém atender-se à sua imagem global e não na análise individualizada de cada um dos seus elementos.
No presente caso, as marcas nominativas em causa são constituídas pela expressão “路氹金光大道”.
Entende a recorrente que as referidas marcas possuem capacidade distintiva suficiente para distinguir, em função da origem, os produtos e serviços da recorrente dos produtos e serviços de outros comerciantes, e que o público consumidor associa as marcas “路氹金光大道” à recorrente.
A expressão “路氹金光大道” significa em português “avenida de luz dourada do Cotai”.
Apreciando a marca no seu conjunto, as expressões “路氹”(“Cotai”) e “金光大道” (“avenida de luz dourada”) fazem referência a um conceito de localização geográfica, e em nossa opinião, mais não é do que uma referência específica daquela faixa ou tira situada entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
“Ora, a verdade é que “COTAI” é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar excluído da protecção (artigo 199º, nº 2, RJPI).
Por seu turno, dessa significação não escapa igualmente o segundo termo que entra na composição da marca. “STRIP”, de origem inglesa, enquanto substantivo, fornece a ideia de faixa ou tira de terra bem determinada.
…
Temos assim que “Cotai” e “Strip” nos remetem para conceitos de localização geográfica, inidentificadores de nenhum produto em particular a comercializar, nenhum serviço a prestar. Têm, assim, um cunho totalmente genérico e indeterminado.” - Acórdão do TSI, Processo 172/2008
“A palavra “COTAI” ou a expressão “COTAI STRIP”, na RAEM, tem um significado especial, que se refere a uma localização geográfica específica desta Região Administrativa Especial, isto é, o local situado entre as Ilhas da Taipa e de Coloane.
Aliás, a palavra “COTAI” resulta da síncope das palavras Coloane e Taipa.
Com a instalação de hotéis luxos e casinos na zona em referência, “COTAI” ou “COTAI STRIP” é actualmente uma zona específica da RAEM onde se desenvolvem as actividades de jogo, hoteleira, lazer e entretenimento pelos diferentes titulares de licença para a exploração de jogos de fortuna e azar.” - Acórdão do TSI, Processo 43/2013
E mesmo que seja acrescentada a expressão “金光大道” (“Avenida de luz dourada”), as marcas em causa continuam a destituir de capacidade distintiva suficiente para distinguir os produtos e serviços da recorrente dos produtos e serviços de outros comerciantes, uma vez que são meras designações descritivas que indicam exclusivamente o local onde os produtos e serviços do recorrente são prestados, efectivamente numa zona ou avenida situada entre as ilhas da Taipa e de Coloane cheia de luz.
Nesta conformidade, sendo a marca composta por elementos que não permitem oferecer um conjunto distintivo, antes consistem em meros indicativos de um determinado local geográfico, tal sinal distintivo não é susceptível de protecção.
Finalmente, cabe dizer ainda que não se descortina terem as marcas em causa, analisadas na sua imagem global, adquirido um “secondary meaning” que lhes confira eficácia distintiva.
Consagra-se nos termos do artigo 214º, nº 3 do RJPI que “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.”
Neste aspecto, será possível a concessão de registo da marca, apesar de todos os elementos serem descritivos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa.
No caso em apreço, entendemos que, por um lado, sendo as marcas compostas exclusivamente por elementos descritivos, e por outro, não tendo as marcas adquirido qualquer “secondary meaning”, as marcas são desprovidas de capacidade distintiva para distinguir bens e serviços, daí que somos a entender que andou bem o Tribunal a quo ao manter a decisão de indeferimento do registo das marcas N/50380 a N/50393.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 3 de Julho de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 663
2 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
3 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
4 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
6 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
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Processo 282/2014 Página 1