Processo n.º 346/2013
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 3/Julho/2014
ASSUNTOS:
- Marcas;
- Carácter distintivo
- Sã concorrência.
- Denominação geográfica, COTAI
SUMÁRIO :
1. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.
2. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
3. Uma denominação geográfica pode integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
4. A marca “COTAI STRIP COTAIExpo” não é registável, não, neste caso, porque contenha a palavra “Cotai”, mas porque, não obstante a não conexão com os bens que se destina a assinalar, não garante a protecção do público e da concorrência, na medida em que se traduz no arrebanhamento da expressão Cotai que nessa situação deixa de ser um elemento marginal, antes assumindo uma função marcária aglutinadora, cerceadora das actividades das outras operadoras que disputam o mesmo espaço limitado.
O Relator,
Processo n.º 346/2013
(Recurso Civil)
Data : 3/Julho/2014
Recorrente : A Corp.
Recorrida : B Entertainment Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A CORP. ("A"), recorrente nos autos acima referenciados, notificada que foi da sentença proferida nestes autos na sequência do recurso interposto por B Entertainment Limited do despacho da Exma Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, de 13 de Dezembro de 2011, que determinou a concessão do pedido de registo N/3XXX2, da LVS e que revogou esse despacho, vem recorrer dessa sentença, alegando, em síntese conclusiva:
a) A marca N/3XXX2 COTAI STRIP COTAIExpo é uma marca nominativa complexa, em cuja composição surge apenas uma palavra que pode ser considerada descritiva, já que constitui um topónimo: COTAI.
b) Tanto STRIP como EXPO constituem, na marca em causa, expressões de fantasia, o que confere à marca um carácter geral de fantasia.
c) A STRIP correspondem as palavras portuguesas tira, faixa, pista.
d) EXPO é também uma expressão de fantasia, já que, mesmo que se admita tratar-se de vocábulo que se reporta "exposições", a marca N/3XXX2, destinada a assinalar produtos diversos da classe 18.ª, nada tem que ver com exposições.
e) A marca COTAI STRIP COTAIExpo possui, assim, capacidade para distinguir, em função da origem, os produtos da Recorrente dos produtos de outros comerciantes.
f) Ao considerar que a marca COTAI STRIP COTAIExpo é composta por sinais que designam apenas características de produtos, isto é, a sua proveniência geográfica, e por termos usuais e correntes, a decisão recorrida incorre num manifesto erro de julgamento e faz uma errada aplicação das normas contida nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.° do RJPI.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca N/3XXX2.
2. Não foram oferecidas contra-alegações
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“1. Em 30 de Julho de 2008, a sociedade comercial denominada A CORP. apresentou o pedido de registo de marca "COTAI STRIP COTAIExpo", que tomou o n.º N/3XXX2, para assinar os seguintes produtos ou serviços inseridos na classe 18ª : "Sacos sem ser de tecido, sacos de tiracolo, pastas para computadores, sacos de asas, sacos de pele, sacos de desporto, sacos de praia, bolsas para usar à cintura; arquivadores (portáteis ou para secretária) de cartões de negócios, cartões de crédito e outros cartões; bolsas para guardar produtos de higiene pessoal, vendidas vazias; porta-fatos; chapéus-de-chuva; mochilas; porta-moedas; etiquetas de bagagem; pastas para transportar documentos; porta-chaves de pele."
2. Tendo o pedido do registo sido publicado no Boletim Oficial da RAEM, n° 40, II Série, no dia de 03 de Outubro de 2008.
3. Por despacho de 13 de Dezembro de 2011, da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual, foi concedido o pedido do registo da marca registanda.
4. O despacho de concessão do registo da marca ora em apreço foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n° 1, II Série, de 4 de Janeiro de 2012.”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por indagar se se deve manter o registo da marca em apreciação n.° N/3XXX4 “COTAI STRP COTAIExpo” para a classe de produtos n.º 18º, "Sacos sem ser de tecido, sacos de tiracolo, pastas para computadores, sacos de asas, sacos de pele, sacos de desporto, sacos de praia, bolsas para usar à cintura; arquivadores (portáteis ou para secretária) de cartões de negócios, cartões de crédito e outros cartões; bolsas para guardar produtos de higiene pessoal, vendidas vazias; porta-fatos; chapéus-de-chuva; mochilas; porta-moedas; etiquetas de bagagem; pastas para transportar documentos; porta-chaves de pele", tal como admitido pela Direcção dos Serviços de Economia ou, ao invés, se se deve manter a sentença recorrida que determinou a recusa do registo.
2. Somos a sufragar no essencial o entendimento vertido na douta sentença que aqui se dá por reproduzida.
“III. Fundamentação
Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
A recorrente pretende através desta acção impugnar a decisão administrativa tomada pela Direcção dos Serviços de Economia que concedeu o registo da marca nominativa da Parte Contrária que consiste em: COTAI STRIP COTAIExpo.
A recorrente defende, em primeiro lugar, que a marca não tem capacidade distintiva e não pode ser alvo de apropriação exclusiva.
Importa, desde logo, apreciar se a marca registada é ou não um sinal genérico, tem ou não tem capacidade distintiva e, em consequência, se deveria ou não ter sido recusado o seu registo, com base no fundamento supra exposto.
Vejamos.
*
Nos termos do art. 197 do DL-97/99/M, de 13 de Dezembro (vulgarmente apelidado de "Regime Jurídico da Propriedade Industrial"):
"Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas."
Assim, vamos ver o sentido e alcance do conceito de "marca".
A marca, como sinal distintivo, tem por função primordial distinguir produtos ou serviços.
Como diz Carlos Olavo, "é através da marca que o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece".
Quanto a classificação da marca em função da sua composição, pode ser:
- Marca nominativa - quando é constituída por um nome ou palavras, podendo ter uma forma peculinar e distinta.
- Marca figurativa - quando é constituída por qualquer desenho ou figura.
- Marca Mista - quando é composta por palavras e formas, ou seja, por elemento nominativos e figurativos. (Direito Comercial II Vol., Prof. Oliveira Ascensão).
Nestes termos, a marca goza, na sua composição, do chamado princípio da liberdade, pois os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais que a hão-de constituir, prevalecendo aqui em grande escala a imaginação e a fantasia, salvo condicionalismos impostos por lei.
Um desses condicionalismos consiste em ter que a marca registanda dotar de uma eficácia ou capacidade distintiva. Para tanto, é necessário que ela em si mesma, na sua estrutura, seja susceptível de realizar a sua função identificadora relativamente ao produto a que se destina. I.é., há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes, e devem ser recusados as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo.
Estabelece o art. 199º do RJPI, respeitante às excepções e limitações à protecção de marca:
“1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. 3. (…)”
Quer dizer, para um sinal ser tutelado como marca parece necessário que, em primeiro lugar, o sinal respectivo seja externo ao produto ou ao serviço; e em segundo e terceiro lugar, não pode a marca ser composta exclusivamente por sinais que sirvam no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos. Nem composta exclusivamente por sinais genéricos que se tenham tomado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio. Em quatro lugar, as simples cores não podem ser tuteladas como marca, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
*
Em suma, os sinais, para serem marcas, hão-de ser capazes de individualizar e distinguir produtos ou serviços de A dos produtos de outras empresas. Assim, não podem compor marcas, os sinais (exclusivamente) específicos, descritivos e genéricos. (vide art. 199, n.º l , alínea b) do RJPI)
Específicos são os sinais que designam a espécie dos produtos, v.g., a palavra "ovo" não pode ser marca de ovos.
Descritivos são os sinais referem-se directamente a características ou propriedade dos produtos, v.g, a qualidade ("Pura lã" para vestuário), a quantidade ("1 Litro" para leite), o destino ("Cabedais", para pomada), o valor ("Pechincha"), a proveniência geográfica ("Coimbra" para louças fabricadas nesta cidade) ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço ("A toda a hora" para os serviços de uma clínica), ou outras características dos mesmos ... etc!
Genéricos são os sinais designam um género ou categoria de produtos onde se incluem os produtos que se pretende marcar com um desses sinais (v.g. "Refresco" para laranjadas).
Também não podem ser marcas, por falta de capacidade distintiva, os signos constituídos exclusivamente por sinais que se tenham tomado de uso comum para designar certos bens (v.g., desenho retratando um peixe, para artigos de pesca), ou qualificar produtos (v.g. super, extra, ideal, deluxe). (vide art. 199, n.º l , alínea c) do RJPI)
Todos estes sinais sem capacidade distintiva são irregistáveis como marca, e não pode registar como marca se exclusivamente compostas por tais sinais.
***
Entende a Recorrente B, a marca N/3XXX2 é composta por indicações que podem servir no comércio para designar a proveniência geográfica e características dos produtos, pelo que não é susceptível de protecção.
Entende a Parte contrária A, a marca em causa é dividida em duas partes tal como "COTAI STRIP" e "COTAIExpo". A primeira contém palavra além de proveniência geográfica - COTAI, também "STRIP" a pura fantasia. E a segunda "COTAIExpo" é uma palavra complexa de COTAI + EXPO, e tal "COTAIExpo" não é genérica nem descritiva.
No nosso modesto entendimento, a marca N/3XXX2 é constituída pelas palavras "COTAI STRIP COTAIExpo", é composta pelas palavras de proveniência geográfica - COTAI (sinais descritivas), palavra "STRIP", e palavra genérica - EXPO (sinais de género).
Assim, por um lado, sem dúvida nenhuma, palavra "COTAI" é uma indicação da proveniência geográfica - COloane e TAIpa (CO+TAI) - expressão essa que é usada, hoje em dia, vulgar e frequentemente pelo Governo, imprensa e população, e numa outra denominação genérica "STRIP" e "Expo".
Ora, a verdade é que "COTAI" já é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por consequência, este sinal parece estar incluído da art. 199, n.º 1, alínea b) como proveniência geográfica.
Por outro lado, o "STRIP" é vocábulo que exprime "TIRA", "FAIXA", "PISTA", é uma palavra comum.
Enquanto a combinação de dois, ora "COTAI STRIP", significam na linguagem corrente "Faixa de COTAI", ou "Faixa de Aterro entre Coloane e Taipa"
Por outro lado ainda, o "Expo" é vocábulo, quando tomado isoladamente, como diz bem o recorrente, pode ser entendido como descritivo dos produtos assinalados pela marca, ou seja, é genérica, usual e corrente de vários sectores de actividade, para promover os seus produtos ou serviços, sejam eles de que natureza tratar.
Importa pois ter em conta que na análise das marcas deve proceder-se por intuição sintética, ou seja, ser apreciadas no seu conjunto e só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade.
Assim, há que analisar a marca em causa no seu conjunto.
Tal como é sabido, "COTAI STRIP" é uma marca cujo titularidade pertence da Recorrida. No entanto, há várias marcas registadas sob "COTAI STRIP", nas diferentes classes, a DSE não concedeu o direito no uso exclusivo da expressão "COTAI".
Ou seja, entendemos que COTAI STRIP poder ser uma marca e a palavra "COTAI" não é seu uso exclusivo, resta apenas a palavra "STRIP" possa utilizar-se para efeito de capacidade e eficácia distintiva.
Na palavra do Prof. Oliveira Ascensão, a marca tem de ser perfeitamente distintiva, sendo "preocupação da lei afastar do domínio da marca todos os elementos genéricos ou os destinados a comunicar outras indicações".
Há eficácia distintiva real quando o consumidor médio - normalmente atento - está apto a distinguir o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes, para evitar confusões ou erros fáceis.
Por isso, o carácter distintivo de uma marca só pode ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido e, por outro, em relação à percepção que dele tem o público consumidor ou utilizador final, na palavra do Prof. Oliveira Ascensão, a eficácia distintiva deve ser aferida "pelo consumidor, não pelo técnico do sector, não a pessoa especialmente atenta, mas o público consumidor",
Assim, no nosso modesto entendimento, a marca "COTAI STRIP" muito embora fosse registado mas a força distintiva dessa marca é relativamente fraca, pois a palavra "COTAI" já não é uso exclusivo da Parte Contrária, e só com "STRIP", a eficácia distintiva continua ser fraca, uma vez na zona "COTAI" além existe o grupo da Parte Contrária, também existem várias concorrentes que exploram os idênticos ramos de negócios, de casinos, hotéis, estabelecimentos de lazer e de entretenimento.
E agora, baseada essa marca "COTAI STRIP" ainda se segue outro vocábulo "COTAIExpo", a situação de fraca distintiva é indiferente e desamparado.
Tal como acima analisado, palavra "Expo" é genérica, usual e corrente de vários sectores de actividade, para promover os seus produtos ou serviços para o mercado ou público em geral, sejam eles de que natureza tratar. Ou seja, qualquer tipo de produtos ou serviços pode ser associada à palavra "Expo", a palavra em si é vaga e abstracta. Assim, se a palavra "COTAI" não goza protecção por ser descritiva, e a palavra "Expo" também não goza protecção por ser genérico. Assim, não veja a combinação dessas duas palavras podem criar o resultado diferente, pois, ambas palavras (isoladamente ou combinadamente) continuam estar sujeitos no âmbito do art. 199 do RJPI.
Bom, se combine "COTAI STRIP" com "COTAIExpo", a lógica é mesma.
Porque a combinação de ora "COTAI STRIP" também tem o significado na linguagem corrente "Faixa de COTAI", ou "Faixa de Aterro entre Coloane e Taipa", a marca com combinação "COTAI STRIP" e "COTAIExpo", na nossa modesta opinião, não tem a suficiente capacidade de distinguir dos outros que também têm ou terão esses negócios pelas outras empresas existentes na "COTAI Aterro entre Coloane e Taipa", de modo a cair num dos sinais relencados o artigo 199° n° 1 al. b) e c) do RJPI.
Assim concluímos, na nossa modesta opinião, independentemente de essas expressões se encontrarem juntas ou separadas, careciam, no fundo, de capacidade distintiva suficiente para poder distinguir de outros bens ou serviços, e caso fosse concedido o registo da marca em apreço a favor da recorrente, qualquer outra pessoa ficaria inibida de usar essas mesmas expressões (que no fundo são expressões muito usadas no nosso dia a dia), passando a ter a recorrente o uso exclusivo de tais expressões, como um direito monopolizado, o que, a meu ver, não será essa a intenção do legislador.
Concluindo, por a marca registanda "COTAI STRIP COT AIExpo" não ter eficácia distintiva, ao abrigo do art. 199° n.º 1 al. b) e c) do RJPI, entendemos que a marca registanda não pode ser objecto de apropriação exclusiva e irregistável.
*
Por último, quanto à questão de saber se existir a violação de Princípio de Verdade, conforme os elementos constantes dos autos, por a parte contrária A tem as suas instalações ou estabelecimentos situados na zona COTAI, e por isso não existe uma falsa indicação de proveniência, mesmo que esta usasse a marca registanda para assinalar os seus produtos ou serviços, não induziria concerteza em erro o público em geral, pelo que não se violou o disposto do art. 214°, n.º 2, alínea a) do RJPI. ”
3. A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.1
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, no seu artigo 197º.
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno socioeconómico, retirar-se-ão as suas funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.2
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia3, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
4. Embora marcada pelo princípio da liberdade, a composição da marca sofre excepções de variada ordem, sejam elas de natureza intrínseca, tais como as que decorrem do artigo 199º, nº1 do RJPI, v.g. a própria designação do produto, as suas qualidades, a proveniência geográfica, as cores, ou de natureza extrínseca, quando resultem da necessidade de respeitar direitos anteriores, situações previstas nas alíneas b) a f) do artigo 214º do citado diploma, v.g. marcas anteriormente registadas, medalhas, brasões, firma a que o requerente não tenha direito ou sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial. Os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
Um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados.
Não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,4 sempre o disposto no nº 1, al. a) e b) do artigo 199º supracitado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;”
Donde decorre, importando reter, como pertinente no caso “sub judice”, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.
5. Somos, no essencial, como dissemos, a ratificar o supra expendido, esclarecendo algumas afirmações e pronunciando-nos sobre uma questão que vem concretamente colocada e se alega não ter sido tratada na douta sentença proferida, relativa à aferição em concreto dos bens e serviços a assinalar, na esteira do que vem sendo decidido neste Tribunal.
A expressão “COTAI STRIP COTAIExpo”, mista de quatro vocábulos justapostos não é usual e afigura-se-nos em abstacto poder ter capacidade distintiva, traduzindo até uma expressão fantasia.
Deve ser vista no seu conjunto e como adiante veremos a localização não está de todo proibida sob pena de sacralização de um dado nome geográfico.
Se a expressão “Cotai” é uma denominação geográfica, espaço territorial entre a Taipa e Coloane, a expressão “strip”, enquanto faixa, tira, e a expressão “Expo” não deixam de ser expressões genéricas, mas admite-se que no seu conjunto e justaposição possam assumir uma natureza de uma expressão fantasiosa, recriada, mas já não se percebe bem a sua aptidão identificativa de sacos e chapéus de chuva.
Para a recorrente, este facto, o destinar-se a produtos que nada têm a ver com exposições ou com faixas de terreno, afastaria o argumento da sua generalidade e por isso mesmo devia ser admissível
Já não se evidenciaria assim a confundibilidade da expressão e a monopolização de uma expressão, não distinguido entre o nome e o produto nominado, como acontece com “vinho” e “camisa” para camisa.
Em relação ao uso da expressão “Cotai Strip” essa designação terá sido introduzida pela A inspirada na famosa “A Strip”.
Diremos que, em abstracto a marca proposta da ora recorrente se apresenta como uma marca que encerra alguma fantasia e não deixaria até de ser apelativa, nada havendo, em princípio, que obstasse a uma inserção referente a uma localização geográfica inserida na marca.
Só que, como vimos afirmando, a natureza distintiva, genérica e usual, quando projectada numa situação concreta pode perder a capacidade distintiva passando a conflituar com outros valores prosseguidos pela regulação da Propriedade Industrial.
A expressão em causa deve ser vista no seu conjunto e como adiante veremos a localização não está de todo proibida sob pena de sacralização de um dado nome geográfico.
6. Pondo de lado uma confundibilidade que pareceria não existir neste caso específico, perspectivada em função da classe a que se destina, mas já passível de alguma estranheza ao atribuir-se uma designação geográfica (Cotai) e genérica (strip e expo) a mochilas e chapéus de chuva, admite-se que, em tese, se poderia considerar tal marca como uma marca complexa e neste particular caso as expressões “Cotai”, “Strip” e “Expo” seriam absorvidas pelo conjunto, não obstante termos afirmado já, noutros momentos, que este caso reflecte mais uma vez o que já se vem adivinhando, em face do número de processos em que a recorrente reivindica tais marcas, que há da sua parte uma preocupação em apoderar-se do nome do “Cotai”, zona geográfica delimitada e perfeitamente definida, esquecendo-se que nessa faixa (trip) onde opera, há outras operadoras, donde dever ter-se um especial cuidado de forma a prevenir a monopolização do nome de uma determinada zona, não se podendo permitir que se confunda e identifique uma dada operadora, ainda que a primeira, com uma zona geográfica, o que seria muito injusto para as restantes.
No presente contexto também a alegada marca registada ”COTAI STRIP COTAIExpo” padece da mesma doença.
7. Com isto, no fundo, somos a ratificar o que também já se afirmou, de que o nome de uma dada cidade, país ou região, pode compor uma dada marca. Não, o que se diz é que esse elemento não pode ser o elemento nuclear e destrinçador dessa marca. Não podem ser registadas as marcas compostas exclusiva ou essencialmente por elementos que descrevam o produto/serviços (as suas características, qualidades, proveniência geográfica, entre outros aspectos), por elementos usuais na linguagem do comércio, por determinadas formas (forma imposta pela própria natureza do produto, forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou forma que lhe confira um valor substancial) ou por uma única cor - cfr. art. 199º, n.º 1 do RJPI.
No que às denominações de origem e às indicações geográficas respeita têm estas adquirido uma vantagem económica crescente e desempenham uma função relevante no tráfico comercial, valendo aqui uma reflexão, quando é evidente a pretensão de um determinado interessado na sua referência, ainda que em sede do regime da marca e na pretensão do seu registo.5
A indicação geográfica, de acordo com o RJPI aparenta uma fisionomia semelhante à denominação de origem. Todavia, a sua estrutura é débil quando comparada com a denominação de origem, embora mais elástica.
Na verdade, a indicação geográfica individualiza produtos originários de uma região ou localidade quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica.
Expressamente, resulta do RJPI (art. 254.º/3) que, enquanto na denominação de origem as qualidades e as características dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico, compreendendo os factores naturais e humanos, na indicação geográfica, a reputação, uma qualidade determinada ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica, independentemente dos factores naturais e humanos. Na indicação geográfica o elo que une o produto à região determinada é mais débil que na denominação de origem. Ou seja, na indicação geográfica a reputação do produto ou uma sua qualidade pode ser atribuída à região sem influência directa dos factores naturais e humanos. Por outro lado, aquela menor ligação, na indicação geográfica, do produto à região determinada resulta, igualmente, da não exigência de que todas as operações de produção, transformação e elaboração ocorram na área determinada (como se estabelece para a denominação de origem), bastando que uma delas ocorra na área delimitada.
A denominação de origem exige um vínculo acentuado do produto com a região demarcada, ao contrário da indicação geográfica que se basta com uma breve aparência de ligação com a região.
Mas ficam muitas dúvidas quanto à utilização exclusiva de uma denominação geográfica em vista de uma eventual concorrência desleal. As denominações de origem e as indicações geográficas são instrumentos ao serviço das empresas. São meios de identificação dos produtos no mercado. Num mercado intercomunicativo, caracterizado por uma acérrima concorrência entre os produtos, por uma maior consciencialização dos consumidores para o factor qualidade, a denominação de origem e a indicação geográfica podem desenvolver um importante papel enquanto afiançadores de um monopólio, podem ser elementos-chave de uma estratégia comercial visando a conquista de um lugar competitivo marcado pela tipicidade de um produto. Para o consumidor um produto com denominação de origem ou indicação geográfica significa qualidade, características determinadas, garantidas. Mas, além de satisfazer o interesse dos consumidores, a denominação de origem e a indicação geográfica são instrumentos do comércio nas mãos dos produtores e dos comerciantes. São instrumentos ao serviço de um interesse reditício: estes direitos privativos permitem às empresas uma margem de rendimento superior; a qualidade tem preço. A denominação de origem e a indicação geográfica são propriedade comum (propriedade colectivística) dos produtores e comerciantes da região determinada. Aliás, estes sinais distintivos do comércio surgiram como meios dos produtores e comerciantes de uma região conseguirem colocar os seus produtos no mercado; associaram os seus interesses comuns (e que são igualmente económicos quando se traduzem num esforço conjunto na luta contra as falsificações e imitações do que é genuíno) em volta de um sinal identificador.6
Ora, estas preocupações, tecidas ainda que a propósito do regime das denominações de origem e indicações geográficas (cap. VI do RJPI,) não devem deixar de estar presentes se, por via da sua inclusão numa determinada marca, se atingem os valores que por outra via não deixariam de ser acautelados, tais como a transparência, benefício de todos os operadores, sã concorrência, tipicidade do serviço por referência a um lugar geográfico em função de uma qualidade de excelência para que todos contribuem e não é apanágio de uma única operadora. Mas levar essa preocupação à exclusão da integração de um nome geográfico numa marca vai ao arrepio dos princípios gerais do direito marcário, contraria uma praxis comum e generalizada, importando, sobretudo, salvaguardar os princípios da livre concorrência, transparência, defesa do consumidor, princípios estes que, no caso, se não mostram postergados.
Uma denominação geográfica pode, pois, integrar uma marca, mas deve revestir uma natureza neutra. Quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve também ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI.
8. Temos presente ter afirmado já, no que ao nome geográfico respeita, COTAI, que, se o nome geográfico for empregue como simples denominação de fantasia, não suscitaria quaisquer problemas.7 Uma marca geográfica não tem como função certificar ou sequer informar acerca da proveniência do produto ou serviço, servindo apenas o propósito de o identificar no mercado, na mesma medida que tal ocorre com marcas não geográficas: o nome da região ou localidade funcionará, nestes casos, como uma designação neutra, do ponto de vista geográfico (não tendo, em si mesma, o efeito de valorizar o produto). Mas, quando essa neutralidade não existir e houver o risco da marca induzir em erro o público acerca da proveniência geográfica do produto ou serviço, o seu registo deve ser recusado, por aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 214º do RJPI. Não havendo esse risco, nada obsta a que uma marca geográfica seja registada, desde que não ofenda direitos prioritários.
Em contrapartida, se a marca for constituída, exclusivamente, por indicações que possam servir para designar essa proveniência geográfica, estaremos perante uma marca inválida por falta de capacidade distintiva, cujo registo deve ser recusado ou anulado.
No caso subjudice, como se disse acima, o concreto circunstancialismo derivado da insistência na denominação geográfica, o número de operadoras, associadas e subsidiárias a disputar um espaço tão exíguo como é o do COTAI leva-nos a ponderar muito bem a facilitação do uso de dal denominação em nome dos princípios prosseguidos pelas leis da Propriedade Industrial, da livre concorrência e do mercado saudável e transparente.
Estes factores, conjugadamente entre si, levam-nos a uma interpretação restritiva da admissibilidade do uso dessa denominação nas marcas registandas e vão constituir por si um factor autónomo para retirar capacidade distintiva à marca em presença destinada a assinalar os produtos acima descrios.
No limite, admite-se que pudesse não haver confundibilidade dessa marca em função das actividades pretendidas, não fora uma menor protecção do público e da concorrência, se se consentisse no arrebanhamento da expressão Cotai que nessa situação deixa de ser um elemento marginal, antes assumindo uma função marcária aglutinadora.
Em face do exposto, o recurso não deixará de soçobrar.
IV- DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente A Corp.
Macau, 3 de Julho de 2014,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
2 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
3 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
4 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
5 - Seguindo o texto de Alberto Francisco Ribeiro de Almeida , Indicações de proveniência, denominações de origem e indicações geográficas., www.apdi.pt , texto que corresponde à exposição feita no 5.º Curso de Pós-Graduação em Propriedade Industrial organizado pela Faculdade de Direito de Lisboa e pela Associação Portuguesa de Direito Intelectual.
6 - Sempre o mesmo texto acima citado.
7 - Cfr. Ac. 313/2013 deste TSI
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346/2013 26/26