Proc. nº 159/2014
(Recurso Jurisdicional em matéria administrativa)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Junho de 2014
Descritores:
-Arts. 3º e 113º do CPAC
-Competência do tribunal
-Execução dos contratos administrativos
-Multas administrativas
SUMÁRIO:
I - A competência do tribunal deve ser aferida a partir da arquitectura da relação jurídica em litígio, segundo a versão trazida a juízo pela mão do recorrente, tendo em consideração o pedido e respectiva causa de pedir formulados.
II - No seio dos contratos administrativos podem surgir decisões do ente público que se assumem como verdadeiros actos administrativos dotados de imposição autoritária e reunindo todas as características contidas na definição dada pelo art. 110º do CPA, como é o caso dos que aplicam multas contratuais.
III - Se no âmbito da execução de um contrato administrativo o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas aplicar uma multa contratual ao empreiteiro, competente para o julgamento do recurso contencioso interposto do respectivo acto administrativo é o TSI, nos termos do art. 36º, al. 8), (2) da LBOJ e não o TA, uma vez que o caso se não revê na previsão dos arts. 1º e 2º do DL nº 52/99/M, de 4 de Outubro (Regime Geral das Infracções Administrativas), pelo que não se mostra aplicável o regime da impugnação contenciosa que está previsto no art. 16º do mesmo diploma.
Proc. nº 159/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
Neste TSI, o Consócio formado por “B Internacional, Limitada” e “Empresa Construtora C, Limitada”, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho proferido pelo Exmº Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 12/04/2013, pelo qual foi ao recorrente aplicada uma multa no valor de MOP180.000,00, ao abrigo do art.º 121.º, n.º 5, do D.L. n.º 74/99/M, para tal invocado os vícios da violação da lei.
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Por despacho do relator de 28/06/2013, foi decidido que o tribunal competente para o conhecimento do recurso era o Tribunal Administrativo (fls. 127).
Remetido o processo ao Tribunal Administrativo após trânsito, foi a entidade recorrida citada para contestar, o que fez suscitando a excepção da incompetência do Tribunal Administrativo, por entender que, estando em discussão a validade de uma sanção contratual e não uma infracção administrativa, a questão em litígio deveria ser julgada pelo Tribunal de Segunda Instância. Pugnou ainda pela improcedência dos pedidos do recorrente.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do T.A. emitiu parecer no sentido de proceder a referida excepção deduzida pela entidade recorrida.
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Por despacho de 13/11/2013, o Ex.mo Juiz do T.A. julgou improcedente a excepção (fls. 580-583).
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A entidade recorrida, inconformada, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I. A decisão liminar nos termos da qual o Tribunal de Segunda Instância se considerou incompetente para conhecer do recurso contencioso não transitou em julgado relativamente ao Recorrido, dado este nunca ter sido citado para se pronunciar.
II. O douto Tribunal Administrativo fez uma errada aplicação da lei, i.e. da al. 5) do n.º 5 do art.º 30.º e da subalínea (2) da al. 8) do art.º 36.º. ambas da LBOJ, dos art.ºs 1.º, 2.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, dos n.ºs 1 e 5 do art.º 121.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 08 de Novembro, do n.º 2 do art.º 113.º e dos art.ºs 118.º e 119.º do CPAC.
III. No Direito Administrativo, mais precisamente no âmbito da contratação pública, contrariamente ao que se verifica no Direito Privado, em que impera o Princípio da Liberdade Contratual, vigora o Princípio da Legalidade, devendo, nesta medida, presumir-se o carácter injuntivo das normas.
IV. Face ao carácter injuntivo das normas no âmbito dos regimes contratuais de Direito Público, estes vinculam e pré-determinam o conteúdo dos próprios contratos.
V. Só assim não acontecendo, quando o Legislador declare, expressamente, a norma administrativa como supletiva, concedendo, desse modo, um poder discricionário à Administração na conformação do clausulado dos contratos.
VI. Isto é, em Direito Administrativo o Legislador, regra geral, opera à definição lato sensu do conteúdo dos clausulados contratuais, e,
VII. Nessa medida, as normas injuntivas consagradas no DL n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, nomeadamente, as constantes do art.º 121.º, para além de consubstanciarem ope legis um dever contratual, no âmbito dos contratos de empreitadas de obras públicas, fazem parte integrante dos mesmos, estando dependentes, em termos da sua operacionalidade, da celebração casuística desses mesmos termos contratuais. Razão pela qual,
VIII. Revela-se indiferente se a aplicação das multas aí previstas, em caso de violação das obrigações contratuais, se “opera com autonomia” face aos termos específicos do próprio contrato, correspondente à solução legislativa prevista no art.º 121.º ou se, pelo contrário, a sua “ (...) aplicação (…) diz respeito aos precisos termos do contrato (…)”, conforme a solução legislativa prevista no art.º 174.º, ambos, do DL n.º 74/99/M, de 08 de Novembro.
IX. Porquanto, ambas as normas sendo injuntivas fazem parte integrante do contrato, sendo que a opção quanto à forma de cálculo do montante da multa, entre um montante fixo e um montante a determinar em função do valor da adjudicação, prende-se, em último ratio, com a solução legislativa escolhida, sem que tal altere a sua natureza jurídica.
X. Caso contrário, bastaria que a opção legislativa para a determinação do montante das multas fosse a inversa, para que in casu a solução jurisdicional fosse a diametralmente oposta, podendo desta forma ser abalado o princípio da unidade ou coerência do ordenamento jurídico.
XI. Em suma, as normas injuntivas previstas nos regimes contratuais de Direito Administrativo, nomeadamente, os n.ºs 1 e 5 do artigo 121.º do DL n. º 74/99/M, de 08 de Novembro, fazem parte integrante desses mesmos contratos, estando a sua aplicabilidade, directamente, dependente da sua celebração, e não ope legis de forma geral e abstracta, i.e. pressupondo, sempre, a constituição de forma voluntária de uma particular relação especial de poder de natureza contratual.
XII. Ademais, o regime das infracções contratuais diverge do regime das infracções administrativas, em sentido amplo, quer no que respeita aos seus destinatários, quer às situações que visam tutelar, quer, ainda, quanto ao ramo de Direito que lhe está na génese.
XIII. Inscreveu o Legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n. º 52/99/M, de 4 de Outubro, que veio definir o Regime Geral das Infracções Administrativas e o Respectivo Procedimento que: “ (…) tem vindo a sentir uma crescente necessidade de prever ilícitos de natureza não pena/, civil ou disciplinar, não só em razão da tendência para descriminalizar certas condutas que não merecem tutela penal mas também em função da progressiva tipificação de infracções meramente relacionadas com regulamentação administrativa.
XIV. Reconhecendo que: “[e]xistem presentemente no ordenamento jurídico de Macau numerosos diplomas legais que prevêem ilícitos que não podem ser qualificados de crimes ou de contravenções nem têm natureza civil ou disciplinar.”
XV. Passando a sanção administrativa a ser definida “ (…) o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, que não tenha a natureza de contravenção e para a qual seja cominada uma sanção administrativa pecuniária denominada de multa.” (vide n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro).
XVI. Isto é, a única sanção principal prevista no regime geral das infracções administrativas é a multa.
XVII. O actual Regime Jurídico do Contrato das Empreitadas de Obras públicas encontra-se regulado pelo Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, o qual é posterior quer à publicação, quer à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento.
XVIII. Conforme se afere do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, foi intenção do Legislador conformar este diploma com a, nova, realidade jurídica de Macau, existente à data.
XIX. Todavia verifica-se que, para efeitos do incumprimento contratual, por parte do co-contratante particular, prevê o Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, nomeadamente, a sanção principal de rescisão do contrato, sendo esta a mais gravosa, e as sanções de multa; posse administrativa; e demolição de trabalhos, na senda do que se encontrava previsto no, anterior, diploma regulador dos contratos das empreitadas de obras públicas.
XX. Do que se concluí que, intencionalmente o Legislador não pretendeu conformar o regime sancionatório por incumprimento contratual, previsto no Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, com o Regime Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento, i.e. não considerou as infracções contratuais como sendo infracções administrativas subsumíveis ao Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
XXI. Ademais, a al. e) do artigo 167.º do, actual, CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, posterior à publicação do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, dispõe que: “(...) a Administração pode (…) [a]plicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.”, o que, desde logo, faz prever a diversidade e pluralidade das sanções contratuais, e não a sua natureza singular, outrossim, na senda e por decalque da redacção da al. e) do art.º 159.º do, anterior, CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/94/M, de 18 de Julho.
XXII. Termos em que se conclui, face a todo acima exposto, que não foi intenção do Legislador subsumir o regime sancionatório contratual das empreitadas de obras públicas ao Regime. Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento, tanto mais que, se atendermos, nomeadamente, ao n.º 2 do art.º 2, ao n.º 3 do art.º 3 e ao art.º 8.º, todos, do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, verificamos que as infracções administrativas aqui previstas, apresentam certa proximidade com o Direito Penal.
XXIII. O regime jurídico das infracções contratuais, pelo contrário, é próximo do regime das sanções civis, visando obrigar o co-contratante particular a cumprir as obrigações contratuais a que está adstrito, contrariamente às infracções administrativas que visam sancionar os infractores pela violação da ordem administrativa genericamente imposta a todos os Administrados.
XXIV. Por outro lado, o facto de o Legislador ter estabelecido no n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, que: “[constitui infracção administrativa o facto ilícito que unicamente consista na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, que não tenha a natureza de contravenção e para o qual seja cominada uma sanção administrativa pecuniária denominada multa.”, e no Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 08 de Novembro, que lhe é posterior, ter estabelecido como sanção contratual mais gravosa a rescisão sancionatória do contrato, também por essa razão face à norma Que acabámos de transcrever não estamos in casu perante uma sanção administrativa para efeitos daquele primeiro diploma, sob pena, caso assim não se entenda, de violação do princípio da unidade ou coerência do ordenamento jurídico.
XXV. Porquanto, face à sanção de rescisão do contrato estaríamos perante um mera violação contratual, i.e. uma sanção civil, contudo em face da aplicação da sanção de multa, que se trata de uma sanção de menor gravidade no âmbito dos contratos de empreitadas de obras públicas, estar-se-ia perante uma infracção administrativa, subsumível ao Regime Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento e, como tal, aproxima do Direito Penal, o que atenta contra aquele princípio.
XXVI. Em suma, há Que distinguir duas espécies de infracções lato sensu, aquelas que violam a ordem geral da Administração e contra as quais se aplica o regime do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, e aquelas que, apenas, violam as obrigações contratuais nos termos em que foram assumidas, voluntariamente, pelo co-contratante particular e relativamente às quais in casu se aplica o regime previsto no Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 08 de Novembro. Sendo que,
XXVII. As primeiras traduzem-se na violação ou na falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos, visando as sanções aí previstas repor a ordem administrativa geral, i.e. têm uma natureza de ordenação social, e as segundas compelir o co-contratante particular ao cumprimento das suas obrigações contratuais, i.e. restringindo-se a uma particular relação especial de poder de natureza contratual.
XXVIII. O Tribunal de Segunda Instância já se considerou competente nos termos e ao abrigo das subalíneas (1) e (2) da al. 8) do art.º 36.º da LBOJ, para conhecer em primeira instância recursos contenciosos contra actos administrativos de Sua Excelência o Chefe do Executivo e do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de aplicação de multas contratuais.
XXIX. Face a todo o acima exposto, a aplicação de uma multa contratual não é subsumível ao Regime Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, correspondendo a forma de processo de recurso contencioso contra o acto do Recorrido, de aplicação de multa contratual, à prevista no n.º 2 do artigo 113.º do CPAC, sendo o Tribunal de Segunda Instância o competente para o julgamento da causa, nos termos e ao abrigo da subalínea (2) da al. 8) do art.º 36.º da LBOJ, não sendo aplicado in casu o disposto nos artigos 118.º e 119.º do CPAC, a al. 5) do n.º 5 do art.º 30.º da LBOJ e o art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
XXX. Termos em que, deve ser revogada a douta decisão do Tribunal a quo, que se considerou competente para conhecer a causa, devendo a mesma ser julgada pelo Tribunal de Segunda Instância.
Assim face a todo o acima exposto e nos demais de Direito com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, requer-se ao Tribunal de Segunda Instância que se considere competente para conhecer a matéria do recurso contencioso, nos termos e ao abrigo da subalínea (2) da al. 8) do art.º 36.º da LBOJ, devendo este seguir a forma de processo prevista no n.º 2 do art.º 113.º do CPAC, dado não se tratar de um recurso contencioso contra um acto de aplicação de uma sanção administrativa para efeitos do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, não sendo assim aplicável o disposto na al. 5) do n.º 5 do art.º 30.º da LBOJ, no art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, e nos artigos 118.º e 119.º do CPAC, devendo, desta forma, ser revogada a douta decisão recorrida.
ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA.».
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Não houve resposta ao recurso por parte do Consórcio recorrente.
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O digno Magistrado do MP junto deste TSI opinou no sentido do provimento do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 - O Consócio formado por “B Internacional, Limitada” e “Empresa Construtora C, Limitada”, interpôs recurso contencioso de anulação no TSI do despacho do Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 12/04/2013, pelo qual foi ao recorrente aplicado uma multa no valor de MOP180.000,00, ao abrigo do art.º 121.º, n.º 5, do D.L. n.º 74/99/M, por faltas sucessivas do Director da Obra às reuniões “Progress Meeting” no âmbito da Empreitada C35 “Empreitada de Construção da Superestrutuura do Parque de materiais e Oficina da 1ª fase do Sistema de Metro ligeiro”.
2 - Por despacho do Relator de 28/06/2013 foi julgado incompetente este TSI, com fundamento na alínea 5), do nº5, do art. 30º da LBOJ (LÇei nº 9/1999, de 20 de Dezembro) e nos termos do art. 16º do DL nº 52/99/M, que estabelece o regime geral das infracções administrativas (fls. 127, aqui dado por reproduzido).
3 - Remetido o processo ao tribunal Administrativo após trânsito daquele despacho, e citada a entidade recorrida, veio ela na sua contestação suscitar a incompetência do TA.
4 - A Digna Magistrada do Ministério Público junto daquele TA emitiu parecer no sentido da procedência da referida excepção (vfr. fls. 575 a 576v, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
5 - O despacho do Ex.mo Juiz do TA, datado de 13/11/2013, no essencial que aqui se destaca, foi do seguinte teor:
«A questão fulcral que se coloca é de saber se, a sanção pecuniária aplicada na execução de contratos administrativos, na modalidade de multa, deveria ser considerada uma sanção da natureza de infracção administrativa, ou simplesmente uma sanção por violação de deveres contratuais por força da cláusula penal, visto que cabe ao Tribunal Administrativo conhecer “dos recursos dos actos de aplicação de multas e sanções acessórias e dos restantes actos previstos na lei proferidos por órgãos administrativos em processos de infracção administrativa”, nos termos do art.º 30.º, n.º 5, alínea 5) da Lei n.º 9/1999 «Lei de Bases da Organização Judiciária».
No caso em apreço, foi o recorrente notificado da decisão recorrida através do ofício datado de 16/04/2013 com referência GIT-O-13-00566 donde constou o seguinte (vide fls. 31 a 34 dos autos):
“ … …
Mais tendo sido informado, superiormente, que:
“ (...) Conforme o disposto no n.º 1 do artigo 121.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 08 de Novembro, “[o] empreiteiro acompanha o dono de obra nas visitas de inspecção aos trabalhos, quando para tal seja convocado e, bem assim, em todos os actos em que a sua presença for exigida.”: constituindo a violação desta obrigação pelo Empreiteiro infracção “ (...) sancionada com multa de 20 mil patacas, elevada ao dobro em caso de reincidência.”.
Assim, é obrigação do Empreiteiro estar presente às Reuniões de Obra e fazer-se representar ou acompanhar pelo Director da Obra, dado os tópicos de carácter técnico a abordar nestas reuniões, conforme o disposto no n.º 5.7.2. Representação do Empreiteiro, do Anexo IX. 1 Gestão da Qualidade, do Caderno de Encargos.
Nestes termos, o Empreiteiro ao não se ter feito representar ou acompanhar pelo Director de Obra às Reuniões de Obra, realizadas nos dias 06 e 27 de Fevereiro e nos dias 06, 13 e 20 de Março de p.p., respectivamente, as reuniões #21, #22, #23, #24 e #25 (Anexos 9, 10, 11, 12 e 13), nem por pessoa com competência técnica para o efeito, violou a segunda parte do n.º 1 do artigo 121.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 08 de Novembro, conjugado com o §1 da cláusula 8.1.2. do ponto 8. Pessoal, do Caderno de Encargos e o n.º 5.7.2. Representação do Empreiteiro, do Anexo IX. 1 Gestão da Qualidade, do Caderno de Encargos (...).
Face a todo o acima exposto, sem prejuízo de melhor entendimento, propomos a v: Exa. que o Empreiteiro seja sancionado com a multa no valor de $20.000,00 (vinte mil patacas) - por cada Reunião de Obra em que não esteve presente o Director de Obra -, correspondendo ao montante de $100.000,00 (cem mil patacas), acrescido do montante de $80.000,00 (oitenta mil patacas), a título de reincidência - por cada Reunião de Obra em que não esteve presente o Director de Obra, com excepção da primeira -, o que perfaz um montante total de $180.000,00 (cento e oitenta mil patacas), nos termos e ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo 121.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 08 de Novembro, em conjugação com o §1 da cláusula 8.1.2. do ponto 8. Pessoal, do Caderno de Encargos, e com o n.º 5.7.2. Representação do Empreiteiro, do Anexo IX. 1 Gestão da Qualidade, do Caderno de Encargos.”
Tendo o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, sobre a mesma Informação, proferido o seguinte despacho:
“Tendo em consideração os fundamentos de facto e de direito invocados pelo GIT, concordo com a proposta de aplicação de multa no valor indicado.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, XXXXXX
12.04.2012”
Segundo o citado acima, a sanção pecuniária resulta da aplicação do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 121.º do D.L. n.º 74/99/M, de 8 de Novembro.
O Decreto-Lei n.º 74/99/M visa regular o regime jurídico do contrato de empreitadas de obras públicas e estabelece-se os regulamentos e termos de processos gerais e fundamentais a aplicar nesses contratos, tanto na fase da formação como no período de execução.
Dispõe o D.L. n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, o seguinte:
“Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
1. O presente diploma aplica-se às empreitadas de obras públicas promovidas e financiadas, total ou parcialmente, pela Administração, incluindo os Municípios e demais pessoas colectivas de direito público.
2. A aplicação deste diploma às empresas públicas, empresas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos e concessionárias da Administração, depende da publicarão de portaria.
Artigo 2.º
(Conceito)
Entende-se por empreitada de obras públicas o contrato administrativo destinado, mediante o pagamento de um preço, à realização de trabalhos de construção, reconstrução, restauro, reparação, conservação ou adaptação de bens imóveis, visando a satisfação de uma necessidade colectiva.
Artigo 3.º
(partes do contrato)
1. No contrato de empreitada de obras públicas, as partes são o dono da obra e o empreiteiro.
2. O dono da obra é a pessoa colectiva que contrata com o empreiteiro a execução de certa obra e no interesse do qual a prestação é realizada.
3. Sempre que no presente diploma se faz referência a decisões e deliberações do dono da obra, entende-se que são tomadas pelo órgão que, segundo as leis ou estatutos por que a pessoa colectiva se rege, é competente para o efeito ou, no caso de omissão da lei ou dos estatutos, pelo órgão superior de administração.”
Sendo que a empreitada de obras públicas depende sempre da celebração de contrato administrativo, é indispensável a sujeição por contraentes às disposições e regras gerais estipuladas neste diploma, designadamente, as orientações e deveres que se regulam as actividades de empreiteiros na execução de contrato de empreitada de obras públicas, independentemente da vontade expressa dos contraentes para a sua remissão, nem a consagração expressa no respectivo contrato.
O artigo 121.º do mesmo Decreto-Lei prevê:
“Artigo 121.º
(Actos para que seja exigida a presença do empreiteiro)
1. O empreiteiro acompanha o dono da obra nas visitas de inspecção aos trabalhos, quando para tal seja convocado e, bem assim, em todos os actos em que a sua presença for exigida.
2. Sempre que, nos termos do presente diploma ou do contrato, da diligência efectuada deva lavrar-se auto, este é assinado pela fiscalização da obra e pelo empreiteiro, ficando um duplicado na posse deste.
3. Do auto referido no número anterior devem constar as reclamações ou reservas apresentadas pelo empreiteiro a propósito das diligências efectuadas e dos seus resultados, bem como os esclarecimentos que foram prestados pelo dono da obra.
4. Se o empreiteiro se recusar a assinar o auto, faz-se nele menção disso e da razão do facto, o que deve ser confirmado por duas testemunhas, que também o assinam.
5. A infracção ao disposto no n.º 1 é sancionada com a multa de 20 mil patacas, elevada ao dobro em caso de reincidência.”
Salvo o devido respeito por opinião melhor, não se nos afigura a multa aplicada, por dada verificada violação do dever de empreiteiro de obra, ser considerada uma violação de deveres contratuais, se bem que esta obrigação está prevista no Caderno de Encargos.
Como se refere atrás, este encargo contratual por natureza aplica-se aos todos os empreiteiros de obras públicas (ope legis), sendo um dever geral, não se faz depender de vontade expressa da remissão ao referido diploma, nem de consagração expressa no respectivo contrato administrativo ou caderno de encargos.
Por outro, esta cominação na modalidade de multa no valor fixado opera-se com autonomia desde que se verifique o pressuposto da falta de presença do empreiteiro para acompanhar o dono da obra nas visitas de inspecção aos trabalhos, quando para tal seja convocado e, em todos os actos em que a sua presença for exigida, divergindo de que se estabelece no art.º 174.º do mesmo Decreto-Lei, cuja aplicação se diz respeito aos precisos termos do contrato, designadamente, ao valor e prazo definido no respectivo contrato, funcionando em conjunto como uma cláusula penal.
No meu modesto entendimento, a violação de um dever consagrado no regime geral de contrato administrativo de obras públicas, com cominação na modalidade de sanção pecuniária, ou seja, multa, que por natureza se surge apenas na execução de contrato administrativo, refere-se precisamente uma violação ou falta de observância de disposições preventivas de leis ou regulamentos a que se determina no art.º 1.º do D.L. n.º 52/99/M, de 4 de Outubro.
Nestes termos, decide-se indeferir a respectiva excepção da incompetência do Tribunal invocada pela entidade recorrida, sendo o Tribunal Administrativo competente para conhecer do presente recurso de actos de actos de aplicação de multas e sanções acessórias em processos de infracção administrativa.
Sem custas por a entidade recorrida ficar isenta.
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Cumpre-se o disposto do art.º 64.º do C.P.A.C.
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Notifique e D.N.».
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III – O Direito
O que se intenta no presente recurso jurisdicional é averiguar a que tribunal pertence a competência para o conhecimento do recurso contencioso. O Tribunal Administrativo reconheceu-se competente para tal – na sequência, aliás, do despacho do Relator deste TSI onde o processo teve a sua origem – mas a entidade recorrida acha que a competência pertence ao Tribunal de Segunda Instância.
Vejamos.
Convém, desde já, ter presente que a discussão dos autos gira em torno da alegada invalidade de uma decisão administrativa que, no âmbito da execução de um contrato (empreitada de “Construção da Superestrutura do Parque de Materiais e Oficina da 1ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro – C385”), ao consórcio recorrente aplicou uma multa prevista no art. 121º, nº5, do DL nº 74/99/M, de 8 de Novembro (que aprova o Regime Jurídico do Contrato de Empreitada de Obras Públicas).
Ora, no seio dos contratos administrativos podem surgir decisões do ente público que se assumem como verdadeiros actos administrativos dotados de imposição autoritária e reunindo todas as características contidas na definição dada pelo art. 110º do CPA. Dizia-se que, sendo actos destacáveis, seriam perfeitamente recorríveis contenciosamente, por terem efeitos definitivos e executórios (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª ed., pág, 610 a 614 e Vol. II, pág. 1272 e 1273; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pág. 272, e Legalidade e Autonomia Contratual em Contratos Administrativos, 1987, pág.722 e sgs.; Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, pág. 615 e 635).
No sistema jurídico-processual administrativo de Macau, o art. 113º, nº2, do CPAC não cria obstáculo a que o interessado intente no tribunal competente um recurso contencioso com vista à anulação do acto administrativo sancionador emergente da execução de um contrato administrativo. O interessado pode, é certo, avançar imediatamente para a acção sobre o contrato e, estando em presença de um acto com aquelas características, pode usar também do recurso contencioso dirigido a este. Pode fazê-lo porque o nº2, do cit. art. 113º não o proíbe (“…nada o impede…”).
Portanto, a impugnação contenciosa dirigida contra o acto tanto pode ser feita separadamente através da espécie própria, que é a do “recurso contencioso”, como na “acção” em cumulação de pedidos, desde que se verifiquem os requisitos previstos no nº3, do mesmo art. 113º, aplicando-se neste caso o disposto no art. 99º, nº5, do CPAC.
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É certo que as “acções sobre contratos” são propostas no Tribunal Administrativo (arts. 30º, nº2, al. 3), III; 36º e 44º, todos da LBOJ). Todavia, não é por a competência para o julgamento destas acções pertencer ao Tribunal Administrativo que, por inerência, analogia ou similitude de razões, a competência para o julgamento isolado dos recursos contenciosos sobre matérias que possam caber naquelas também lhe pertence. É que uma coisa é a apreciação cumulada do contencioso da acção com o contencioso dos actos, caso em que a competência para aquele determina a competência para este (art. 113, do CPAC), outra é o conhecimento autónomo da validade dos actos, e para isso já as regras da cumulação não se aplicam, valendo antes o que está determinado na LBOJ nos seus arts. 30º, 36º e 44º.
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Temos, pois que ir à procura do normativo aplicável à situação em apreço, a fim de se apurar se para o conhecimento do recurso contencioso é competente o TA ou o TSI.
Como se sabe, a competência do tribunal deve ser aferida a partir da arquitectura da relação jurídica em litígio segundo a versão trazida a juízo pela mão do recorrente, tendo em consideração o pedido e respectiva causa de pedir formulados.
A este respeito, um aresto deste tribunal já fez pronúncia expressa sobre o assunto. Perguntava-se nele se o TSI disporia de competência interna em razão da hierarquia para apreciar o objecto desses autos em que, igualmente, se apreciava a validade de uma multa contratual aplicada administrativamente no âmbito da execução de um contrato público.
E a resposta foi: «Sem dúvida. A competência do tribunal deve ser aferida, como se sabe, a partir da arquitectura da relação jurídica em litígio segundo a versão trazida a juízo pela mão do recorrente, tendo em consideração o pedido e respectiva causa de pedir formulados.
Ora, in casu, a causa de pedir e pedido têm aqui um cunho nitidamente anulatório de um acto pretensamente lesivo. Sendo assim, parece que a mais nenhum tribunal poderia ser reconhecida a competência senão a este TSI, tendo em conta a qualidade funcional e orgânica da entidade alegadamente autora do acto recorrido. Estando nós, assim, em presença de um recurso contencioso com um objecto cuja autoria é imputada a um Secretário Regional do Governo, então ele nunca poderia ser interposto no TA, face ao que dispõe o art. 36º, nº8), (2), da LBOJ»1.
O mesmo TSI, noutras ocasiões, implicitamente, acolheu tranquilamente a sua competência para o recurso contencioso em casos similares ao presente em que igualmente estavam em causa multas contratuais no quadro da execução de contratos públicos. Assim sucedeu com os Acórdãos de 11/07/2013, Proc. nº 586/2012 e de 17/05/2012, Proc. nº 101/2011.
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Não vemos razão para alterar esta posição, que nos parece ser a melhor, na medida em que as multas contratuais não se equiparam a sanções administrativas tomadas em procedimentos de infracção administrativa. Na verdade, o caso não se revê na previsão dos arts. 1º e 2º do DL nº 52/99/M, de 4 de Outubro, pelo que não se mostra aplicável o regime da impugnação contenciosa que está previsto no art. 16º do mesmo diploma.
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Portanto, a competência para o julgamento deste recurso contencioso pertence ao TSI. Não há dúvida quanto a isso.
Significa, portanto, que os autos, após trânsito do presente acórdão, devem baixar ao TA, mas apenas para os averbamentos necessários, após o que devem ser reenviados ao TSI, a fim de nele retomarem a sua marcha normal a partir da fase em que se encontravam.
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IV - Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, em consequência do que se revoga o despacho sindicado e se julga o TSI o tribunal competente para o conhecimento do recurso contencioso, determinando-se que, na oportunidade, o TA faça remessa dos autos a este TSI para posterior prosseguimento.
Custas pela parte vencida a final.
TSI, 12 de Junho de 2014
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
Fui presente
Mai Man Ieng
1 Ac. do TSI, de 27/02/2014, Proc. nº 441/2013.
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