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Proc. nº 709/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Junho de 2014
Descritores:
   -Recurso contencioso
-Rejeição liminar
-Director de Serviços
-Objecto do recurso
-Competência do tribunal

SUMÁRIO:

I - Perante uma situação enquadrável numa das alíneas do art. 46º do CPAC, o tribunal está obrigado a rejeitar liminarmente a petição inicial, não sendo aí possível apelar aos princípios da cooperação e pro actione com vista a permitir a modificação do objecto do recurso contencioso ou a alteração da identidade do autor do acto sindicado.

II - Mas se a montante de alguma dessas matérias exceptivas estiver ainda a questão da incompetência do tribunal para o julgamento do recurso contencioso, então a tarefa do tribunal onde ele tenha sido interposto é, se esse for o caso, simplesmente decretá-la e remeter o processo ao tribunal competente, onde, então, qualquer das referidas matérias exceptivas será solucionada.
Proc. nº 709/2013

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“Agência de Viagens e Turismo B, Limitada”, com os demais sinais dos autos, beneficiário de uma isenção de imposto sobre veículos ao abrigo do RIVM, recorreu contenciosamente para este TSI do despacho da Directora dos Serviços de Finanças de 28/12/2010 que determinou a liquidação oficiosa do imposto sobre o veículo identificado na petição inicial, nos termos do art. 18º, nºs 1 e 2 do referido Regulamento, por alegadamente não ter comparecido à inspecção anual a que se refere o nº4 do art. 11º do citado diploma.
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Na contestação, a entidade recorrida suscitou a irrecorribilidade do seu acto por dele ter havido recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças. O erro sobre o objecto do recurso (que deveria ser o do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças datado de 7/08/2012), como ainda a caducidade do direito de recorrer deste mesmo despacho, levaram-na a pedir a rejeição liminar do recurso.
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O digno Magistrado do MP, no seu parecer inicial de fls. 99 e 100, por palavras nossas, opinou o seguinte:
Ou o acto concretamente sindicado nos autos, da autoria da Directora dos Serviços de Finanças, é recorrível contenciosamente, caso em que o tribunal competente para a apreciação do recurso cabe ao Tribunal Administrativo;
Ou, supondo-se que o acto da Directora estava sujeito a recurso hierárquico necessário, então o acto em apreço era irrecorrível, por a recorribilidade recair sobre o acto que decidiu o recurso hierárquico interposto.
Em todo o caso, este Magistrado mostrou inclinação para a primeira solução, na linha do que diz vir sendo a posição do TSI.
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Em resposta a esta matéria exceptiva, a recorrente solicitou a compreensão do tribunal para o lapso em que incorreu na identificação do acto sindicado, pedindo, ao abrigo do princípio da cooperação e do favorecimento, o prosseguimento do recurso, dirigido contra o Secretário para a Economia e Finanças (fls. 103-105 dos autos).
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Apreciando.
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II - Pressupostos processuais
1 – Da competência
Primeiro que tudo, o que se nos oferece dizer é que o caso, ou revela uma questão de irrecorribilidade, ou nos coloca perante uma questão de incompetência do TSI. E basta que esta questão da competência tenha sido equacionada, para por ela termos que começar, tal como nos comanda o art. 3º do CPAC.
A recorrente identifica o acto como sendo o “despacho da Ex.ma Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 28 de Dezembro de 2010 que determinou a liquidação oficiosa do imposto sobre o veículo da marca Audi…” (fls. 2) e o pedido foi, precisamente, de anulação dessa decisão (fls. 11).
Portanto, não há dúvidas quanto a isso: a recorrente definiu o objecto do recurso contencioso como sendo a decisão da autoria da Directora dos Serviços de Finanças.
Ora, tendo a recorrente apresentado recurso hierárquico daquele despacho e sido notificado da respectiva decisão do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 7/08/2012, à partida pareceria lógico que devesse sindicar o acto desta autoridade administrativa, tanto mais que o recurso hierárquico foi tomado por ela mesma como tendo natureza necessária, de resto como o indicara a respectiva notificação.
É claro que mesmo aí, ainda se imporia averiguar se o acto que decidiu o recurso hierárquico era recorrível por ser o verdadeiro acto definitivo ou se a definitividade estava já obtida com o acto da Directora, caso em que o recurso hierárquico interposto era facultativo1.
De qualquer maneira, o que para já importa é olhar para o objecto do recurso, para a causa de pedir e para o pedido.
Ora, como dissemos, não é o acto que decidiu o recurso hierárquico que está aqui a ser sindicado.
Bem certo que a recorrente apela a princípios como os da “cooperação” e de “favorecimento” ou “pro actione” - os quais, como se sabe, compelem o tribunal ao conhecimento do fundo em detrimento da forma – pedindo que se permita a modificação do objecto do recurso, de modo a que este passe a ser a decisão do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças que apreciou o recurso hierárquico interposto do acto da aqui entidade recorrida.
Não é possível. Até mesmo que o problema fosse irrecorribilidade, de erro na identificação do autor do acto, ou de caducidade (como chegou a ser invocado na contestação) a rejeição impor-se-ia, face ao disposto no art. 46º, nº2, als. c) e f), do CPAC, embora a recorrente pudesse, na segunda hipótese, beneficiar da faculdade prevista no art. 47º do mesmo Código. Com efeito, não podemos esquecer as regras do art. 46º do CPAC, onde está inscrito o dever de rejeição liminar sempre que ocorra alguma das situações ali inscritas. Isto é, os princípios invocados pela recorrente não funcionam em tais circunstâncias, em virtude de o legislador ter determinado de forma categórica e imperativa que a gravidade da situação não permitiria o aperfeiçoamento da petição e o suprimento da irregularidade ou do erro.
Mas, como a competência jurisdicional é matéria que precede qualquer uma das outras, então a nossa tarefa consiste somente em decretar a incompetência do tribunal para apreciar este recurso contencioso dirigido contra o acto da Directora dos Serviços de Finanças.
E sendo assim, o processo terá que ser remetido ao tribunal competente, que é o Tribunal Administrativo, face à qualidade funcional da autora do acto (art. 30º, nº2, al. 1), I, da LBOJ), e tendo ainda presente o disposto no art. 21º, nº3, dessa mesma Lei de Bases e, bem assim, no 33º, nº1, do CPC.
E será, então, no tribunal competente para onde o processo será remetido que qualquer uma daquelas matérias exceptivas será apreciada2.
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III – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em considerar incompetente este TSI em razão da hierarquia e, com base nos arts. 21º, nº3 e art. 30º, nº2, al. 1), I, da LBOJ e 33º, nº1, do CPC, determinam a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo.
Custas pela parte vencida a final.
TSI, 12 de Junho de 2014

Fui presente (Relator)
Mai Man Ieng José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

1 Neste TSI por acórdão de 31/10/2013, Proc. nº 853/2012 foi entendido que a competência do superior hierárquico não envolve necessariamente e sempre a competência do inferior, de modo a que haja obrigatoriamente recurso hierárquico necessário do acto do subalterno. No mesmo sentido, ver ainda Ac. TSI de 9/05/2013, Proc. nº 32/2012.
No sentido da competência do Director de Finanças, ver Ac. TSI, de 9/05/2013, Proc. nº 18/2013 em matéria de “reposição de dinheiros”; de 16/01/2014, Proc. nº 20/2013, de 13/02/2014, Proc. nº 51/2013, em matéria de liquidação oficiosa de “imposto de selo”, de 27/03/2014, Proc. nº 902/2012, em matéria fiscal relativa à contribuição predial urbana, entre outros.
Em nossa opinião, mas apenas por lateralidade o exprimimos, o Regulamento do Imposto Sobre Veículos Motorizados não parece estabelecer nenhum recurso hierárquico necessário dos actos da Directora dos Serviços de Finanças, nem coisa diferente também parece resultar do DL nº 30/99/M, de 5/07 (Lei Orgânica da DSF.

2 Deste TSI apenas pode sair uma decisão sobre a competência do tribunal, uma vez que qualquer outra já está a jusante, escapando, assim, ao nosso poder jurisdicional (art. 3º, do CPAC), mesmo que no horizonte do TA se possa colocar, oficiosamente, por invocação das partes ou do MP, a questão da eventual caducidade do direito de recorrer, face ao prescrito no art. 25º, nº2, al. a), do CPAC.
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