Processo n.º 659/2013 Data do acórdão: 2014-6-5 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução sob influência de álcool
– art.º 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– inibição de condução
– condutor não habilitado
– carta de condução
– documentos que habilitam a conduzir
– art.º 80.º da Lei do Trânsito Rodoviário
– entrega da carta de condução à Polícia
– art.º 121.º, n.º 7, da Lei do Trânsito Rodoviário
– crime de desobediência
S U M Á R I O
1. É de aplicar a inibição de condução prevista no art.º 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), mesmo em relação a um arguido que não dispõe de carta de condução em Macau, porque o alegado facto de no momento da prática do acto de condução sob influência de álcool não dispor ele da carta de condução não afastaria a hipótese de vir ele a obter documento equivalente de emissão por autoridades exteriores de Macau que o habilitasse a conduzir em Macau no futuro (cfr. o elenco de “documentos que habilitam a conduzir” referidos no art.º 80.º da LTR).
2. Outrossim, quanto à obrigação desse arguido advertida no dispositivo da sentença condenatória, de entrega da carta de condução ou documento equivalente ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, também deve subsistir, no plano jurídico falando, essa obrigação, cominada no art.º 121.º, n.º 7, da LTR, uma vez que o documento de habilitação de condução referido nesta norma abrange também outros tipos de documentos referidos no art.º 80.º, n.º 1, da LTR, e não exclusivamente a carta de condução emitida em Macau ou os documentos aludidos na alínea 4) desse n.º 1. Mas uma coisa é certa: se o arguido não tiver nenhum desses documentos, será claro que a falta da sua entrega ao Corpo de Polícia de Segurança Pública nunca o fará incorrer na prática do crime de desobediência.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 659/2013
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 54v a 57 dos autos de Processo Sumário n.° CR3-13-0154-PSM do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou como autor material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de seis meses de prisão efectiva, com inibição de condução por dois anos, e com a advertência, inclusivamente, da sua obrigação de entregar, no prazo de cinco dias contado do trânsito em julgado dessa decisão ou da sua futura libertação prisional, a sua carta de condução ou documento equivalente ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), sob pena de incorrer no crime de desobediência nos termos cominados no art.º 121.º, n.º 7, da LTR, veio o arguido B, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar (1) a “declaração da nulidade” da sentença na parte referente à condenação em inibição de condução e à entrega da carta de condução (alegando para o feito que não tendo ele próprio carta de condução, seria incompreensível a sujeição dele à inibição de condução, por um lado, e, por outro, lhe também seria objectivamente impossível entregar ao CPSP uma coisa que não a teria, qual seja, a carta de condução), (2) a redução da pena de prisão achada com manifesto excesso pelo Tribunal recorrido (alegando para isso que tinha já confessado integralmente e sem reservas os factos imputados, e a sua conduta de condução em questão não tinha causado nenhum dano a terceiro, e a taxa de álcool no sangue não era alta, etc.), (3) a suspensão da execução, nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal (CP), da pena de prisão, com sujeição eventualmente a algumas regras de conduta (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 77 a 87 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 91 a 95v dos autos) a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 105 a 107v), pugnando pelo provimento do recurso somente na parte atinente à rogada invalidação da obrigação de entrega da carta de condução ou documento equivalente ao CPSP.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto descrita como provada no texto da decisão recorrida, é de tomá-la como fundamentação fáctica do presente aresto recurso, sob aval do art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal.
Segundo essa mesma factualidade provada, e na parte que ora interessa à solução do recurso:
– em “30” de Agosto de 2013 (00h25m), quando o arguido estava a conduzir um motociclo numa via pública, foi mandado parar pelo pessoal policial de segurança pública em operação de “STOP”, e do teste de alcoolemia aí feito ao arguido por sopro, resultou que este apresentou 1,23 gramas de álcool por litro de sangue;
– o arguido não é delinquente primário, tendo chegado a ser condenado, inclusivamente, em quatro processos penais anteriores, em pena de prisão suspensa na execução;
– o arguido trabalha como fiscalizador de trabalhadores de construção civil, com cerca de vinte e nove mil patacas de rendimento mensal, com o curso secundário complementar como habilitações académicas, e com os pais, a esposa e um filho maior estudante a seu cargo.
Por outro lado, do exame dos autos sabe-se o seguinte:
– o acto de condução acima referido do arguido não foi praticado no dia 30, mas sim 29 de Agosto de 2013 (cfr. o teor do talão electrónico do teste de alcoolemia colado a fl. 7, o teor da notificação policial do arguido a fl. 9, e o conteúdo do despacho do Digno Delegado do Procurador exarado a fl. 41 dos autos em que se promoveu o julgamento em processo sumário do arguido pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez na madrugada do dia 29 de Agosto de 2013);
– da acta da audiência de julgamento feita perante o Tribunal recorrido, consta que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos imputados (cfr. sobretudo o teor de fl. 53v);
– o pessoal do CPSP chegou a verificar que o arguido estava a conduzir no dia 29 de Agosto de 2013 (00h25m), sem carta de condução (cfr. o teor de fls. 7 a 8 e a listagem de transgressões de fl. 10).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
E antes do mais, cumpre, oficiosamente, mandar rectificar, ao abrigo do disposto no art.º 361.º, n.o 1, alínea b), e n.º 2, do CPP, um lapso manifesto de escrita contido na fundamentação fáctica da sentença recorrida, na parte respeitante à data do acto de condução praticado e confessado pelo arguido. De facto, tendo o arguido sido acusado pelo Ministério Público por um acto seu de condução sob influência de álcool no dia 29 de Agosto de 2013, facto esse que foi confessado pelo arguido depois na audiência de julgamento, é de corrigir a data desse acto delinquente escrita no primeiro parágrafo da matéria fáctica descrita como provada na sentença, no sentido de que onde se lê aí “30 de Agosto de 2013”, se deve ler “29 de Agosto de 2013”.
E agora do objecto do recurso:
Começa o recorrente por sindicar da decisão de imposição, à luz do n.º 1 do art.º 90.º da LTR, da inibição de condução. Mas sem razão nenhuma, porque o alegado facto de no momento da prática do acto de condução sob influência de álcool não dispor ele da carta de condução não afastaria a hipótese de ele vir a obter documento equivalente de emissão por autoridades exteriores de Macau que o habilitasse a conduzir em Macau no futuro (cfr. o elenco de “documentos que habilitam a conduzir” referidos no art.º 80.º da LTR). É mister, pois, aplicar ao arguido tal sanção de inibição de condução.
Outrossim, quanto à sua obrigação, advertida no dispositivo da sentença, de entrega da carta de condução ou documento equivalente ao CPSP, também deve subsistir, no plano jurídico falando, essa obrigação, cominada no art.º 121.º, n.º 7, da LTR, uma vez que o documento de habilitação de condução referido nesta norma abrange também outros tipos de documentos referidos no art.º 80.º, n.º 1, da mesma LTR, e não exclusivamente a carta de condução emitida em Macau ou os documentos aludidos na alínea 4) desse n.º 1. Mas uma coisa é certa: se o arguido não tiver nenhum desses documentos, será claro que a falta da sua entrega ao CPSP nunca o fará incorrer na prática do crime de desobediência.
E agora da medida da pena de prisão: embora a taxa de álcool no seu sangue não tenha sido alta e a conduta de condução bêbada não tenha causado dano concreto a outrem, e ainda que confessou ele integralmente e sem reservas os factos, é de subscrever, em sede do art.º 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, o juízo de valor formado pelo Tribunal recorrido na fixação da pena de prisão do arguido em seis meses, atento especialmente o grande cadastro criminal dele no passado, e as elevadas exigências de prevenção criminal do delito de condução sob influência de álcool.
Por fim, quanto ao mérito da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão, é de louvar também a decisão recorrida.
É que se a experiência anterior do arguido em ser condenado, por quatro vezes, em pena suspensa de prisão já não o conseguiu prevenir da prática do novo crime em causa, como é possível agora acreditar, para os efeitos a relevar do art.º 48.º, n.º 1, do CP, que a mera censura dos factos e a ameaça da execução da prisão possam dar para assegurar bem a satisfação das finalidades da punição nomeadamente na vertente da prevenção especial (sendo certo que também pesam muito as compreensíveis elevadas exigências da prevenção geral do crime de condução em estado de embriaguez, por este crime ser pontenciador, em muitas vezes, de acidentes de viação não menos graves, com perigo eminente sobretudo para a vida e/ou a integridade física de outrem)?
É certo que o recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos, mas esta circunstância pouco valor tem em sede da ponderação da concessão, ou não, da suspensão da execução da pena de prisão, porque o modo concreto pelo qual ele foi descoberto pela Polícia na prática do dito acto de condução automóvel em estado de embriaguez já neutraliza muito o valor atenuativo da sua confissão integral e sem reservas dos factos.
Em suma, e mesmo que o recorrente tenha encargos familiares, não é de passar a determinar a suspensão da execução da pena de prisão desta vez.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso, e mandar oficiosamente rectificar um lapso manifesto de escrita contido no primeiro parágrafo da matéria fáctica descrita como provada na sentença recorrida, no sentido de que onde se lê “30 de Agosto de 2013”, se deve ler “29 de Agosto de 2013”.
Custas do recurso pelo arguido recorrente, com oito UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo n.º CR4-13-0115-PSM à ordem do qual se encontra actualmente preso o arguido.
E comunique ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 5 de Junho de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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