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Processo n.º 49/2014 Data do acórdão: 2014-6-5 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– revogação da pena suspensa
– art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal
– tratamento da toxicodependência
S U M Á R I O

Considerando que no pleno período de suspensão da execução da sua pena de prisão então decretada sob condição de sujeição ao tratamento da sua toxicodependência, e mesmo após a prorrogação do período inicial da suspensão da pena, o recorrente voltou a consumir droga e faltou a teste de urina, com decidida não sujeição ao tratamento em internamento indicado pelo pessoal assistente social, é de revogar-lhe a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 49/2014
(Recurso em processo penal)
Recorrente: B (B)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido em 3 de Dezembro de 2013 a fls. 163 a 163v dos autos de Processo Sumário n.o CR4-11-0201-PSM do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena única de cinco meses de prisão (aplicada por um crime de consumo ilícito de estupefaciente e por um crime de condução sob influência de estupefaciente), veio o arguido condenado B, já melhor identificado nesses autos subjacentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação do despacho revogatório da pena suspensa, alegando, para o efeito, e na sua essência, que esse despacho aplicou erradamente o preceito do art.o 54.o do CP, porquanto no seu entender, a detecção, por uma só vez, da reacção positiva da sua urina à Ketamina só representou um caso esporádico de violação do dever de acatamento do plano de tratamento de toxicodependência, por um lado, e, por outro, como lhe bastava a sua vontade para levar bem a cabo o plano desse tratamento, decidiu ele então em não aceitar o tratamento de toxicodependência em regime de internamento (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 167 a 171 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 173 a 175).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 186 a 187, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença de 25 de Outubro de 2011 do Processo Sumário n.o CR4-11-0201-PSM do 4.º Juízo Criminal do TJB, subjacente à presente lide recursória, o ora recorrente B foi condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, na pena de dois meses de prisão, e de um crime de condução sob influência de estupefaciente, inclusivamente na pena de quatro meses de prisão, e em cúmulo jurídico, finalmente, na pena única de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de sujeição, durante o período da suspensão, ao tratamento de toxicodependência do Departamento de Reinserção Social, acompanhado pelo regime de prova (cfr. a sentença de fls. 48 a 50v dos presentes autos correspondentes);
– Ulteriormente, em face da detecção da reacção positiva da urina do ora recorrente à Ketamina (em 14 de Fevereiro de 2012) e à Cocaína (em 21 de Novembro de 2012) (cfr. sobretudo o teor da informação escrita prestada em Janeiro de 2013 pelo Departamento de Reinserção Social ao Tribunal a quo, ora constante de fls. 110 e seguintes dos autos), por despacho judicial de 29 de Janeiro de 2013 (proferido após a audição do recorrente acerca do sucedido, o qual pediu ao Tribunal a quo que lhe desse mais uma oportunidade), foi decidido prorrogar por mais um ano, o período inicial da suspensão da pena de prisão, com simultânea advertência judicial do recorrente do cumprimento da sua obrigação de prestar colaboração ao pessoal assistente social na realização do tratamento de toxicodependência, incluindo a sua obrigação de acatar, sob pena de revogação da pena suspensa, o regime de tratamento em internamento, se assim viesse a ser entendido como adequado pelo pessoal assistente social (cfr. o teor desse despacho constante de fls. 120v a 121);
– Posteriormente, em teste de urina feito ao recorrente em 4 de Outubro de 2013, detectou-se a reacção positiva à Ketamina (cfr. a informação escrita a fl. 151), e registou-se faltas injustificadas dele aos testes de urina agendados nos dias 1 e 22 de Novembro de 2013, tendo ele recusado o tratamento de toxicodependência em regime de internamento indicado pelo pessoal assistente social em face do sucedido (cfr. a informação escrita de fls. 157 a 158);
– Perante o conhecimento dessas últimas informações escritas, e após a nova audição do recorrente (em sede da qual este defendeu, na sua essência, que tinha consumido a droga por desconhecimento da situação (já que chegou a beber uma bebida alcoólica com mistura da bebida alcoólica pertencente a uma pessoa amiga, contentora, por sua vez, e provavelmente, de alguma substância estupefaciente) e que faltou ao teste de urina do dia 1 de Novembro de 2013 porque nesse dia, tinha trabalhado arduamente, e que faltou ao teste de urina do dia 22 de Novembro de 2013, porque se tinha deslocado ao exterior de Macau por motivo de trabalho), a M.ma Juíza titular do subjacente Processo acabou por decidir, em 3 de Dezembro de 2013, em revogar, nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea a), do CP, a suspensão da execução da pena única de prisão do recorrente, por entender que era manifesto que este tinha violado repetidamente as obrigações da pena suspensa (cfr. o teor do auto de audição de 162 a 164).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o recorrente assaca materialmente ao impugnado despacho judicial de 3 de Dezembro de 2013, a violação do disposto no art.o 54.o, n.º 1, alínea a), do CP.
É, pois, de aquilatar da rectidão da decisão revogatória da pena suspensa.
Ora, dos dados acima coligidos dos autos, resulta claro que no pleno período de suspensão da execução da pena única de prisão (por que tinha ficado condenado nos subjacentes autos penais), e mesmo após a prorrogação do período inicial dessa suspensão com simultânea advertência judicial anterior, o recorrente voltou a ter reacção positiva à Ketamina no teste de urina feito no dia 4 de Outubro de 2013 (sendo de frisar que não se pode aceitar como boa a justificação apresentada por ele para o resultado desse teste de urina, visto que ele, após a dita advertência judicial, deveria ter actuado com muito cuidado na sua vida social quotidiana, para evitar que caísse em situação de ingestão de bebida de outrem provavelmente misturada com substância estupefaciente), faltou de facto injustificadamente (pois o alegado trabalho árduo não constituiu uma justificação plausível para faltar ao teste de urina) ao teste de urina agendado para o dia 1 de Novembro de 2013, e recusou, ao arrepio daquela advertência judicial, o tratamento da sua toxicodependência em regime de internamento indicado pelo pessoal assistente social.
Em suma, o recorrente voltou a não prestar colaboração ao pessoal assistente social em matéria de sujeição ao tratamento de toxicodependência, problema este que já tinha sido constatado no despacho judicial anterior, datado de 29 de Janeiro de 2013.
Desta feita, atendendo aos três resultados maus de testes de urina (dois dos quais em relação à Ketamina, e o outro respeitante à Cocaína), à sua falta injustificada ao teste de urina de 1 de Novembro de 2013, e à sua decidida não sujeição ao tratamento de toxicodependência em regime de internamento indicado pelo pessoal assistente social, é de louvar a decisão judicial ora recorrida, sem mais indagação por ociosa, até porque o recorrente já destruiu, por sua mão própria, a oportunidade concedida no despacho anterior, de prorrogação do período da pena suspensa.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça, e mil e oitocentas patacas de honorários ao seu Ilustre Defensor Oficioso.
Comunique ao Departamento de Reinserção Social.
Macau, 5 de Junho de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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