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Processo nº 407/2012
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)

Data: 3/Julho/2014

Assunto: Habitação social
      Vício de violação de lei

SUMÁRIO
- Para efeitos de atribuição, arrendamento e administração de habitação social, é agregado familiar em situação económica desfavorecida aquele cujo total do rendimento mensal e do património líquido não ultrapasse os limites estabelecidos no despacho do Chefe do Executivo nº 297/2009.
- Da declaração de rendimento e património líquido devem constar o rendimento e património líquido detidos na RAEM e no exterior, devendo a tal declaração ser expressa em patacas.
- Estatui-se no artigo 5º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009 que “as candidaturas devem preencher os requisitos gerais estabelecidos no Regulamento Administrativo nº 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social) e satisfazer as condições estipuladas no presente regulamento e no respectivo aviso de abertura do concurso.”
- Auferindo o recorrente rendimento em moeda estrangeira, mas não tendo sido estabelecido tanto no Regulamento Administrativo nº 25/2009 ou no Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, como no aviso de abertura do concurso qualquer critério sobre a conversão cambial, nem do mesmo foi dado conhecimento prévio aos concorrentes por qualquer forma, é ilegal a directiva emanada pelo Instituto de Habitação que aplicou uma taxa de câmbio fixada por referência à data de abertura do concurso, para efeitos de conversão do rendimento auferido em moeda estrangeira para patacas, por violação do citado artigo 5º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009.
- Tendo a decisão de exclusão do recorrente da lista de candidatos à atribuição de habitação social sido fundada numa directiva ilegal, é anulado o acto recorrido por padecer do vício de violação de lei.
   
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 407/2012
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)

Data: 3/Julho/2014

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Presidente do Instituto de Habitação

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, residente de Macau, melhor identificado nos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo do despacho do Presidente do Instituto de Habitação, datado de 06.08.2010, que determinou excluir o recorrente da lista de candidatos à atribuição de habitação social.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, foi julgado improcedente o recurso.
Inconformado com a decisão, vem o recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
I. O Regulamento Administrativo n.º 25/2009 relativo à atribuição, arrendamento e administração de habitação social não regula a forma como se procede ao cálculo do rendimento mensal líquido, caso o Recorrente aufira um rendimento em moeda estrangeira.
II. Nada vem referido no Aviso de abertura do concurso para atribuição de habitação social de 2009, quanto à regra a ser observada no cálculo de rendimentos auferidos em moeda estrangeira.
III. Face à lacuna existente, o IH tem que se socorrer de uma directiva, que não estando previamente estipulada – nem por Regulamento Administrativo, nem por Despacho do Chefe do Executivo -, apenas poderia resultar de um acto administrativo do Presidente do IH e ser devidamente publicitada no Aviso acima referido.
IV. Por outro lado, nos termos da lei orgânica do IH, compete ao Chefe do Executivo emanar directivas, competência essa que poderá ser delegada no Presidente do IH – e que, de resto, deverá ser mencionada sempre que o acto em concreto seja praticado sob essa mesma delegação de poderes.
V. Mais, compete ao Presidente do IH submeter à aprovação ou autorização do Chefe do Executivo os assuntos ou actos que delas careçam.
VI. Não se tendo verificado nenhuma das hipóteses acima referidas, a directiva emanada pelo Presidente do IH, por despachos de 24 e 25 de Setembro de 2010, é ilegal porque o seu autor era incompetente para a definir.
VII. Portanto, o acto impugnado perante o tribunal a quo, tendo-se fundado numa directiva ilegal, enferma, por sua vez, dum vício de violação de lei, sendo, por isso, anulável, nos termos do artigo 124º do CPA.
VIII. Não houve alteração das condições económicas do Recorrente após a abertura do concurso ou apresentação da sua candidatura; o que acontece é que o rendimento do Recorrente é, pela sua própria natureza, não fixo, dado que está sujeito a descontos cujo quantum sofre ligeiras variações ao longo do tempo; assim, a diferença no montante das pensões que está documentada nos autos resulta, não de uma alteração das condições económicas do Recorrente, mas da dinâmica própria do seu rendimento que é não fixo.
IX. O acto recorrido atribuiu incorrectamente essa diferença a uma alteração das condições económicas do Recorrente e fundamentou nessa suposta alteração a exclusão do Recorrente da lista provisória de candidatos.
X. Deste modo, o acto recorrido padece também, para além do vício de violação de lei aludido em VII, dum erro sobre os pressupostos de facto.
XI. A sentença proferida pelo tribunal a quo não assinalou nem o vício de violação de lei, resultante de o acto recorrido ter aplicado à definição do caso concreto do recorrente uma directiva ilegal, nem o erro sobre os pressupostos de facto, resultante o acto recorrido ter entendido que houve e se ter fundado numa suposta alteração das condições económicas do Recorrente após a abertura do concurso ou apresentação da sua candidatura.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, e, em consequência, se anule o acto administrativo impugnado.
*
Notificada, a entidade recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. A emissão do despacho de fls. 68 a 79v. contém-se naturalmente no âmbito das competências próprias do Presidente do Instituto de Habitação, nomeadamente, no âmbito da direcção do IH, previsto no artigo 5º, n.º 1, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 24/2005.
2. Por outro lado, o poder de emitir directivas ou instruções aos subordinados é inerente à posição hierárquica do órgão máximo de um instituto público, como é o IH.
3. Termos em que, a emissão do Despacho de fls. 68 a 79v. dos autos não padece de qualquer ilegalidade, diversamente do que alega o Recorrente.
4. O despacho de fls. 68 a 79v., enquanto directiva ou instrução que é, não carece de ser publicado para ser válida e eficaz, conforme se depreende de uma interpretação a contrario do disposto na Lei n.º 3/1999 e no artigo 7º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
5. O fundamento (principal) para o Recorrente ter sido excluído da lista provisória de candidatos consiste em o rendimento do seu agregado familiar do ultrapassar o limite legal.
6. Pelo exposto, forçoso é concluir que o acto recorrido não enferma de violação de lei ou de erro sobre os pressupostos de facto.
Conclui, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Oportunamente, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Para o concurso aberto pelo Aviso publicado no BO da RAEM n.º 38 de 23/08/2009, o chefe de Divisão elaborou e submeteu a Informação n.º 0683/DAHP/DAH/2009 (doc. de fls. 68 a 70 dos autos), sendo o seu Anexo-IV denominado «審查社會房屋申請表工作指引(2009年9月23日)».
O n.º 3.1.3.2 desse «審查社會房屋申請表工作指引(2009年9月23日)» estipula (doc. de fls. 71 a 79 dos autos): 倘金額非為澳門幣,須按兌換價折算回澳門幣,兌換價按開展申請日期的貨幣匯價作實(另行通知).
Menciona o ∮2º da parte «2. 申請表編號31200906397» da Informação n.º 1016/DAHP/DAH/2010 (doc. de fls. 18 a 20 dos autos): 經覆核資料後,申請人在補交文件時交來退休金結算單,每月退休金為1,077.76歐元,根據683/DAHP/DAH/2009報告書的批示核准的“審查社會房屋申請表工作指引”內載明的外幣匯價,歐元兌換價為11.6120元,申請人的退休金經折算後為澳門幣12,515元。確實超過上述行政長官批示第一款表一內所載金額“3人家團的每月總收入不可超過澳門幣11,300元”的規定(附件二).
A petição, a contestação e as 2 Alegações Facultativas revelam-nos que a génese do litígio traduz em ser paga em Euro a pensão mensal do recorrente, sendo pois necessário converter a quantia daquela pensão mensal em Patacas, para os efeitos previstos na alínea 3) do art. 2º e n.º 1 do art. 3º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009.
Nas alegações do presente recurso jurisdicional (fls. 188 a 195 dos autos), o recorrente A formulou, afinal, a seguinte conclusão: Xi. A sentença proferida pelo tribunal a quo não assinalou nem o vício de violação de lei, resultante de o acto recorrido ter aplicado à definição do caso concreto do recorrente uma directiva ilegal, nem o erro sobre os pressupostos de facto, resultante o acto recorrido ter entendido que houve e se ter fundado numa suposta alteração das condições económicas do Recorrente após a abertura do concurso ou apresentação da sua candidatura.
O que implica que à douta sentença em questão, o recorrente A assacou o erro de direito, por não ter devidamente valorizado os vícios por si imputados ao acto administrativo contenciosamente impugnado.
Tendo por ponto de partida pacífico que o IH procedeu in casu à conversão conforme a taxa cambial da data da abertura do referido concurso, e ressalvado o respeito pelo entendimento diferente, opinamos que douta sentença recorrida fere do erro de direito.
Antes, não podemos deixar de referir que se nos afigura que apesar de desencadear repercussão externa mediata, a dita «審查社會房屋申請表工作指引(2009年9月23日)» não se configura regulamento externo por não vincula imediata e directamente os candidatos; e, como o seu nome indica, é um directiva ou guia interna, pelo que não carece de publicação no Boletim Oficial da RAEM. Assim, a falta de publicação não conduz à sua ilegalidade.
É verdade que no Regulamento Administrativo n.º 25/2009, e nos Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009 e n.º 297/2009, não existe regra expressa para regular a conversão de quaisquer moedas estrangeiras em Pataca. A inexistência da regra expressa neste sentido levou o Memo. Juiz a quo a entender que «o IH enfrenta uma verdadeira lacuna» (cfr. fls. 5 da sentença recorrida, sublinha nossa).
Sem prejuízo do elevado respeito, não podemos acompanhar tal perspectiva (do Memo. Juiz a quo) de existir uma lacuna.
Para nós, a conversão de qualquer moeda estrangeira em Patacas é uma mera operação necessária para se apurarem o rendimento mensal e o património líquido; e o legislador lado sensu estabelece implicitamente a regra concernente à conversão de moeda estrangeira, regra que pode ser descoberta mediante a interpretação sistemática.
Senão vejamos.
Ora, o art. 3º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 enumera requisitos constitutivos ou positivos para arrendamento da habitação social, e também impedimento (requisitos impeditivos) vinculativos para o mesmo efeito.
As alínea 1) e 2) do seu n.º 4 fixam propositadamente o «termo do prazo para entrega do boletim de candidatura» respectivamente como o terminus ad quem e o terminus a quo. Daí que o «termo do prazo para entrega do boletim de candidatura» assume o momento fulcral para a verificação do requisito respeitante ao património.
Por sua vez, o n.º 2 do art. 4º do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social» aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009 prevê: Os requisitos referidos no número anterior devem estar preenchidos até à atribuição de habitação, porém, durante a atribuição de habitação a limitação do total do rendimento mensal e do património líquido do agregado familiar é feita com base nos montantes estabelecidos nos termos da alínea 3) do artigo 2º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social).
Nestes termos, e tomando também como referência as disposições do art. 15º do ETAPM, podemos extrair que qualquer conversão de moeda estrangeira devia ser feita conforme a taxa cambial registada ao «termo do prazo para entrega do boletim de candidatura», e não à data da abertura do correspondente concurso.
O que nos semeia a ideia de que no caso sub judice, o n.º 3.1.3.2 do referido «審查社會房屋申請表工作指引(2009年9月23日)» enferma do erro de interpretação, e o acto contenciosamente recorrido devia ser anulado por ferir do vícios de violação de lei.
Assim, a douta sentença in quesito deve ser revogada.
Por todo o exposto acima, propendemos pelo provimento do presente recurso jurisdicional.”
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II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto:
1. Em 23/12/2009, o Recorrente apresentou o Boletim de Candidatura para a Atribuição de Habitação Social e os documentos relacionados (fls. 1 a 13 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 10/06/2010, o Recorrente, a requerimento do Instituto de Habitação (doravante designado por IH), apresentou os documentos de fls. 20 a 26 do P.A. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3. O Recorrente foi excluído da lista de candidatos à atribuição de habitação social pela razão seguinte: “o total do rendimento mensal ultrapassou o limite estipulado no Despacho do Chefe do Executivo publicado no Boletim Oficial da RAEM” (fls. 28 e 28v. do P.A.);
4. Em 29/07/2010, o Recorrente apresentou a sua reclamação, juntando os documentos de fls. 35 a 37 do P,A, (fls. 35 a 38 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 06/08/2010, a Entidade Recorrida praticou o acto recorrido, concordando com o teor da Informação n.º 1016/DAHP/DAH/2010 e decidindo manter a decisão da exclusão do Recorrente da Candidatura para a Atribuição de Habitação Social, nos termos do art.º 6º, n.º 1º, al. 2) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social», aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009 (fls. 40 a 41 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 13/08/2010, através do ofício n.º 1008060008/DAH, notificou-se o Recorrente da decisão tomada pela Entidade Recorrida em 06/08/2010, informando que podia interpor recurso contencioso ao Tribunal Administrativo, no prazo legal (fls. 42 a 43 do P.A.);
7. Em 13/09/2010, o Recorrente interpôs o presente recurso contencioso, contra a decisão tomada pela Entidade Recorrida em 06/08/2010;
8. O IH elaborou e aprovou, respectivamente em 24 e 25/09/2009, a “directiva para examinação dos boletins de candidatura de habitação social” (審查社會房屋申請表工作指引)(fls. 68 a 79v. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9. A taxa cambial do EURO contra a Pataca, registada pela Caixa Central de Reserva de Divisas (CCRD) no dia 28/09/2009 segundo a Portaria n.º 368/92/M, foi 1:11.6120 (fls. 29 do P.A.).
Mais se provou, nesta instância, com base nos elementos dos autos, o seguinte:
Foi publicado em 23.09.2009 o aviso para abertura do concurso para atribuição de habitação social pelo Instituto de Habitação.
O tal concurso para atribuição de habitação social decorreu entre o dia 28.09.2009 e 28.12.2009.
Não foram tornadas públicas as “directivas para examinação dos boletins de candidatura de habitação social” (審查社會房屋申請表工作指引) aprovada pelo Instituto de Habitação em 25.09.2009.
O acto administrativo praticado em 06.08.2010 pela Entidade Recorrida concordando com o teor da Informação n.º 1016/DAHP/DAH/2010 e decidindo manter a decisão de exclusão do recorrente da candidatura para a atribuição de habitação social consta o seguinte:
“(……)
申請表編號31200906397
申請人A於2010年7月29日入信向代局長提出聲明異議,表示其本人及妻子均患病,依靠申請人的退休金維持生活,生活困難,希望可以接納申請。並附上退休金結算單及2010年7月29日外幣對兌表2份。
經覆核資料,申請人在補交文件時交來退休金結算單,每月退休金為1,077.76歐元,根據683/DAHP/DAH/2009號報告書的批示核准的“審查社會房屋申請表工作指引”內載明的外幣匯價,歐元兌換價為11.6120元,申請人的退休金經折算後為澳門幣12,515元。確實超過上述行政長官批示第一款表一內所載金額“3人家團的每月總收入不可超過澳門幣11,300元”的規定(附件二)。
(……)
基於上述6個社會房屋申請的家團的每月總收入超過上述行政長官批示訂定的限制,雖在聲明異議中均提出收入已有所變動並附上有關證明文件,但根據法律事務處在170/DAJ/2010報告書上意見認為,申請家團申請情形的變化,需於公佈臨時名單前提出,但以上家團均是在臨時輪候名單後才提出有關變更,故此根據第296/2009號行政長官批示核准的《社會房屋申請規章》第六條第一款(二)項的決定,建議維持將有關申請表從社會房屋申請中除名的決定。
(……)”
O valor total de abonos recebido pelo recorrente em Agosto de 2009 foi de 1.061,68 euros, e em Fevereiro de 2010 foi de 1.077,76 euros.
*
O caso
Foi publicado em 23.09.2009 o aviso para abertura do concurso para atribuição de habitação social pelo Instituto de Habitação.
Em 25.09.2009, foram aprovadas pelo Instituto de Habitação as “directivas para examinação dos boletins de candidatura de habitação social”, as quais não foram tornadas públicas.
O recorrente apresentou a sua candidatura em 23.12.2009.
A pedido da entidade recorrida, o recorrente apresentou novos documentos.
Posteriormente, por entender que o rendimento mensal auferido pelo recorrente e seu agregado familiar ultrapassou o limite estipulado, a entidade recorrida decidiu excluí-lo da lista de candidatos à atribuição de habitação social.
Este é o acto administrativo impugnado.
*
Cumpre decidir.
Violação de lei
Dispõe o artigo 3º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº 25/2009 que “Podem candidatar-se ao arrendamento de habitações sociais referidas no artigo anterior, os agregados familiares ou indivíduos residentes na RAEM e em situação económica desfavorecida”, sendo agregado familiar em situação económica desfavorecida aquele que “reside na RAEM cujo total do rendimento mensal e do património líquido não ultrapasse os limites estabelecidos por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM”.
De acordo com os valores estabelecidos no Despacho do Chefe do Executivo nº 297/2009, o total do rendimento mensal do agregado familiar do recorrente não pode ser superior a MOP$11.300,00.
Acontece que o recorrente recebe um rendimento em moeda estrangeira.
E a questão que se coloca neste recurso jurisdicional é saber se é ilegal a directiva ou regra emanada pelo Presidente do Instituto de Habitação que aplicou uma taxa de câmbio fixada por referência à data de abertura do concurso, para efeitos de conversão do rendimento auferido em moeda estrangeira para patacas.
Defende o recorrente que tanto o aviso de abertura do concurso para atribuição de habitação social como o Regulamento Administrativo nº 25/2009 relativo à atribuição, arrendamento e administração de habitação social não regulam a forma como se procede ao cálculo do rendimento mensal caso o candidato aufira um rendimento em moeda estrangeira, e perante essa lacuna, entende o recorrente que a tal directiva ou regra emitida pelo Presidente do Instituo de Habitação, sem estar devidamente publicitada no aviso de abertura do concurso, é ilegal.
     Por outro lado, entende ainda o recorrente que o Presidente do Instituto de Habitação era incompetente para definir directivas, por considerar que, de acordo com a lei orgânica daquele Instituto, o conjunto de regras a observar para examinação dos boletins de candidatura teria que ser aprovado pelo Chefe do Executivo.
Começamos por esta última questão.
Reza o artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 24/2005, que vem definindo a organização e funcionamento do Instituto de Habitação, que este está sujeito à tutela do Chefe do Executivo, a quem compete, designadamente, … definir orientações e emitir directivas.
Ora bem, salvo o devido respeito por melhor opinião, embora se intitulem “directivas” as instruções emitidas pelo Presidente do IH e destinadas para examinação dos boletins de candidatura de habitação social, mas não se tratam de verdadeiras directivas emitidas no âmbito da tutela ou de superintendência exercida pelo Chefe do Executivo relativamente ao Instituto de Habitação.
No poder de orientação (superintender é orientar) cabem as directivas e as recomendações. As primeiras são orientações genéricas que definem, com carácter imperativo, os objectivos a cumprir pelas entidades a que se destinam; as segundas traduzem-se em meros conselhos, logo não vinculativos, cujo incumprimento não importa qualquer sanção.1
No vertente caso, atenta a natureza e conteúdo das referidas “directivas” dadas pelo Presidente do Instituto de Habitação, julgamos que estas mais não sejam do que meras instruções internas emitidas pelo superior hierárquico para serem cumpridas por seus subordinados, respeitantes ao procedimento do concurso, termos em que não compete ao Presidente do Instituto de Habitação submeter à aprovação ou autorização do Chefe do Executivo.
Aliás, também não deixa de ser verdade que é o próprio Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009 (artigo 3º) que vem “atribuir poderes” ao Instituto de Habitação para decidir da abertura do concurso, sempre que tal seja considerada necessária.
Tudo para apontar que não existe o alegado vício de incompetência.
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Defende ainda o recorrente que tanto o aviso de abertura do concurso para atribuição de habitação social como o Regulamento Administrativo nº 25/2009 relativo à atribuição, arrendamento e administração de habitação social não regulam a forma como se procede ao cálculo do rendimento mensal caso o candidato aufira um rendimento em moeda estrangeira, e perante essa lacuna, entende o recorrente que a tal directiva ou regra emitida pelo Presidente do Instituto de Habitação, que fixou a data em que deve ser tida em conta para efeitos de conversão do valor dos rendimentos auferidos em moeda estrangeira, por não estar devidamente publicitada no aviso de abertura do concurso ou tornada pública, é ilegal.
Vejamos.
Não deixa de ser verdade que tanto o aviso de abertura do concurso para atribuição de habitação social como o Regulamento Administrativo nº 25/2009 e o Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social não estipulam a forma como se procede ao cálculo do rendimento mensal caso os candidatos aufiram um rendimento em moeda estrangeira, nomeadamente não está prevista qualquer regra ou critério sobre a fixação da data em que deve ser tida em conta para efeitos de conversão dos rendimentos mensais auferidos em moeda estrangeira para patacas.
E para resolver o problema, o Presidente do Instituto de Habitação emitiu, a dada altura, regras a observar para examinação dos boletins de candidatura directivas, determinando que, em relação aos candidatos que aufiram rendimento em moeda estrangeira, a taxa de câmbio é fixada, para sempre, por referência ao dia de abertura do concurso, para efeitos de conversão do valor do rendimento para patacas.
E pode perguntar-se por que não é a taxa de câmbio fixada por referência à data de apresentação do boletim de candidatura, ou à do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura, ou ainda ao momento em que se efectua a classificação?
Podemos dizer que é uma opção da entidade competente, mas julgamos que o procedimento teria que ser transparente.
Estatui-se no nº 3 do artigo 7º do Regulamento Administrativo nº 25/2009 que “A forma de candidatura e os critérios de classificação, ordenamento e selecção das respectivas habilitações, bem como a declaração de rendimentos e de património líquido dos elementos do agregado familiar, constam de regulamento a aprovar por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.”
Por sua vez, dispõe o nº 1 do artigo 3º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009, que “a abertura do concurso é feita por aviso a publicar no Boletim Oficial da RAEM…”.
Decorre ainda do artigo 5º desse mesmo Regulamento que “as candidaturas devem preencher os requisitos gerais estabelecidos no Regulamento Administrativo nº 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social) e satisfazer as condições estipuladas no presente regulamento e no respectivo aviso de abertura do concurso.” – sublinhado nosso
Ainda de acordo com o disposto no artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo, “no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”.
Do conceito amplo de imparcialidade, pode extrair-se, entre outros corolários, a transparência da Administração Pública, no sentido de que esta tem que ter uma postura transparente, por forma a criar no público confiança na sua acção.2
Face às disposições legais ora citadas, entendemos que os requisitos ou regras previstos para a candidatura à atribuição de habitação social deveriam estar previamente inseridos no Regulamento Administrativo nº 25/2009, no Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, ou ainda no próprio aviso de abertura do concurso.
No caso vertente, provado está que por aviso publicado em 23.09.2009, foi anunciada a abertura do concurso para atribuição de habitação social.
Contudo, tanto no Regulamento Administrativo nº 25/2009 ou no Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, como no aviso de abertura do concurso não se estabelece qualquer critério sobre a conversão cambial dos valores de rendimentos mensais auferidos pelos candidatos em moeda estrangeira para patacas.
Apenas em 25.09.2009 foi aprovado pelo Presidente do Instituto de Habitação um conjunto de directivas ou regras a observar para examinação dos boletins de candidatura, determinando, entre outras, que em relação aos candidatos que aufiram rendimento em moeda estrangeira, a taxa de câmbio é fixada, para sempre, por referência ao dia de abertura do concurso, para efeitos de conversão do valor do rendimento em patacas.
Em nossa opinião, embora a maior parte dessas directivas sejam orientações meramente internas ou procedimentais, mas há outras que podem trazer repercussões para os candidatos, por exemplo a tal regra sobre a fixação da taxa de câmbio por referência ao dia de abertura do concurso, para efeitos de conversão do rendimento dos candidatos em patacas, a qual constitui factor determinante para admissão ou exclusão da candidatura.
No fundo, o concurso em si não deixa de ser um concurso público, e nas palavras de Rodrigo Esteves de Oliveira, citadas pelo Acórdão do Venerando TUI no Processo nº 31/2012, “os procedimentos administrativos de contratação pública assentam portanto numa lógica de auto-vinculação, …uma vez aberto o procedimento, a entidade adjudicante fica, tanto quanto os interessados, vinculada às regras, não lhe sendo dado desconsiderá-las, nem por via de regra, introduzir-lhes alterações…”
Segundo o Acórdão do STA, de 3.6.2004, Proc. 381/04, citado no mesmo douto Acórdão do TUI, “tem-se considerado que o mencionado princípio (leia-se princípio da estabilidade objectiva ou das peças do procedimento) impede, por exemplo, que após o anúncio do concurso e do programa do concurso, e sem que eles dê conhecimento atempado aos concorrentes, a Administração estabeleça novos factores de apreciação, novos prazos de conclusão da obra e de validade das propostas”.
Daí que, em nossa opinião, para ser válida, a tal regra fixada pelo Presidente do Instituto de Habitação teria que ser devida e previamente estipulada no respectivo aviso de abertura do concurso, ou deveria ser dado conhecimento prévio do critério aos concorrentes, mas como não foi o caso, a aplicação unilateral daquela regra pela entidade recorrida implica a violação do disposto no artigo 5º, nº 1 do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo nº 296/2009.
Nesta conformidade, tendo a decisão de exclusão do recorrente da lista de candidatos à atribuição de habitação social sido fundada numa directiva ilegal, o acto recorrido padece do vício de violação de lei, devendo, por isso, ser anulado.
Uma vez declarada a anulação do acto, prejudicado ficou o conhecimento da questão do erro nos pressupostos de facto suscitada pelo recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida, e em consequência, anular o acto recorrido.
Sem custas por a entidade recorrida (IHM) ser isenta ao abrigo do artigo 2º do Regulamento das Custas dos Tribunais.
Registe e notifique.
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Macau, 3 de Julho de 2014
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Vitor Coelho
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, Fundação Macau, pág. 896
2 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, Fundação Macau, pág. 102 e 103
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