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Processo nº 360/2014/A
(Suspensão de eficácia do acto)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 10/Julho/2014


Assuntos:
- Alojamento do contratado ao Exterior
- Prejuízo de difícil reparação

SUMÁRIO :
    Não configura prejuízo de difícil reparação a alegação por parte de contratado ao exterior, a quem não foi reconhecida a manutenção do direito ao alojamento, por virtude cessação do contrato, se ele se limita a alegar a dificuldade e o transtorno decorrente do facto de ter de mudar de casa, com a sua família, ter de procurar com urgência uma nova casa, numa conjuntura difícil e de altos preços no mercado de arrendamento, sendo o prejuízo relevante invocado quantificável e susceptível de reparação.
     O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira





Processo n.º 360/2014/A
(Suspensão de Eficácia)

Data : 10 de Julho de 2014

Requerente : B

Entidade Requerida : Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    B, mais bem identificado nos autos, notificado pelo Ofício n.º 032/NAJ/DB/2014, de 9 de Abril, do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 4 de Abril de 2014, exarado sobre a Proposta n.º 012/NAJ/DB/14, de 31 de Março, que lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário por si apresentado em 12 de Dezembro de 2013, vem, ao abrigo do artigo 121.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso (doravante "CPAC"), requerer a SUSPENSÃO DA EFICÁCIA do acto contido no despacho supra identificado, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I. DOS FACTOS
    1.º
    Por requerimento entrado em 31.10.2013 na Direcção dos Serviços de Finanças (doravante "DSF"), o ora requerente solicitou, com base no artigo 20.º da Lei n.º 8/2006, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3/2009, que lhe fosse mantido o direito ao arrendamento de moradia da Região que ocupa, passando o pagamento da correspondente renda a processar-se por depósito junto da mesma Direcção dos Serviços.
    2.º
    A moradia em causa é a fracção autónoma designada "AC", do 7.º piso do Edifício ......, sito em Macau, na Avenida do ....., n.º ..., local onde mantém a sua residência, em conjunto com o seu agregado familiar composto pelo cônjuge e 3 descendentes.
    3.°
    A atribuição da moradia em causa deveu-se, originariamente, ao exercício de funções públicas em Macau, sendo que, em 30 de Novembro de 2013, data do termo do Contrato Individual de Trabalho ("CIT") que o vinculava no exercício dessas funções, detinha a categoria profissional de Chefe de Serviço Hospitalar da área de Cirurgia Geral, a prestar serviço no Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
    4.°
    Constituiu fundamento para o termo do exercício de funções públicas em Macau o facto de o ora requerente ter atingido o limite de idade de 65 anos que a lei estipula para o efeito.
    5.°
    A alínea 5) do n.º 1 do artigo 3.° da Lei n.º 8/2006 - que instituiu o Regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos (doravante "Regime") - admitiu a inscrição de trabalhadores no exercício de funções públicas cujo vínculo laboral fosse o CIT, pelo que o recorrente aderiu ao mesmo.
    6.°
    Daí que, atento o teor da alínea 1) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime, o recorrente tenha cessado funções em 30 de Novembro de 2013 e que, ao abrigo do artigo 20.º do Regime, tenha solicitado o reconhecimento do direito a manter o arrendamento da moradia da propriedade da Região que ocupa, bem como a modificação do modo de pagamento da renda.
    7.°
    Pretensão esta que lhe foi indeferida, em primeiro grau de decisão pelo despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, datado de 20 de Novembro de 2013, que aderiu aos pressupostos de facto e de direito, bem como às conclusões da Informação n.º 30862/DGP/DACE/2013, de 11 de Novembro, na qual foi exarado.
    8.°
    Assim motivando o recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, no âmbito do qual foi proferida a decisão cuja suspensão ora se requer e cujo autor é o Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
    9.°
    Entende o Requerente que o acto administrativo contido no despacho em causa é ilegal, por vício de violação de lei sobre o artigo 20.º da Lei n.º 8/2006, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de direito.

II. DA VERIFICAÇÃO DO PRESSUPOSTO E DOS REQUISITOS LEGAIS DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO
    1. Do conteúdo positivo do acto
    10.°
    Nos termos do disposto no artigo 120.° do CPAC, a suspensão de eficácia de acto administrativo pressupõe, desde logo, que esse acto tenha um conteúdo positivo, ou, tendo conteúdo negativo, apresente uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
    11.°
    Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são "aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica".
    12.°
    É de especial importância para o pedido que se formulará o conceito de acto negativo com vertente positiva, demonstrado que está que o acto administrativo cuja suspensão se requer se traduziu no indeferimento de uma pretensão.
    13.°
    Neste sentido o Douto Acórdão desse Venerando Tribunal, datado de 27 de Março de 2012, proferido nos Autos de recurso n.º 163/2012/A, é de primordial importância pela louvável clareza com que aborda o tema. Aí se afirma que:
    "De um modo geral, apontam-se vários requisitos necessários para que uma situação de facto, anteriormente existente à prática de um acto negativo, possa ser objecto de suspensão:
    1. Só podem relevar situações de facto pré-existente que se tenham constituído ou se mantenham à sombra da ordem judicial;
    2. O requerente deve poder suscitar uma vocação ou expectativa de alguma forma reconhecida ou protegida com vista à manutenção da situação;
    3. A modificação da situação de facto em causa deve ser uma consequência imediata e necessária do acto negativo; e
    4. A suspensão da eficácia do acto negativo traduz-se apenas na paralisação, a título provisório, dos efeitos ablativos e, em determinadas condições, na salvaguarda do efeito prático do recurso, ou da utilidade da sentença.
    Como se sabe, a suspensão de eficácia de um acto administrativo traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua legalidade intrínseca, ou seja, tratando-se de um provisório "congelamento" da situação, de uma conservação da res integra, como é típico das medidas cautelares, visando assegurar que a sentença de mérito a proferir possa ter eficácia prática.
    Uma decisão que indeferiu uma pretensão, em princípio, não vem a alterar-se as suas respectivas situações jurídicas anteriormente existentes e a suspensão da eficácia também não lhe viria a alterar as situações preexistentes, mas em alguns casos, este tipo de acto de conteúdo negativo pode ter, para além do seu efeito típico principal, ligado a um efeito secundário, ou acessório, que modifica a situação jurídica e de facto preexistente, que se mantivera antes, sendo essa modificação uma consequência imediata e necessária do acto negativo.
    Sendo o acto ora suspendendo um indeferimento de renovação da fixação de residência temporária, diferente do caso de mero indeferimento do pedido de fixação de residência (acto de conteúdo negativo puro), pois, a decisão de não renovação da residência em Macau, vem necessariamente alterar a sua situação actual e pre-existente, e a suspensão do mesmo acto teria potencialidade para determinar, ela mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da eficácia poderia resultar para o requerente efeito útil, ou evitar os prejuízos para a sua esfera jurídica.
    Ou seja, com a suspensão da eficácia da não renovação da fixação de residência, podem tão só ver-se a manutenção do status quo, como se fosse a situação antes de renovação - estadia em Macau, e, com a pretendida suspensão da execução do indeferimento, a obter um efeito útil até à decisão do recurso contencioso em que se apreciará a legalidade e adequação do indeferimento do título de residência não permanente.
    Nesta conformidade, verifica-se efectivamente um acto de conteúdo negativo com a vertente positiva, satisfazendo o pressuposto do pedido de suspensão de eficácia."
    (negrito nosso)
    14.º
    Donde, considerando que in casu o requerente beneficia do direito a habitar moradia da propriedade da Região, fruto de um acto administrativo prévio que lho reconheceu e que, como tal, firmou na sua esfera jurídica um direito - direito a habitar em moradia da Região - digno de tutela jurisdicional, temos que o indeferimento da pretensão destinada a manter esse mesmo direito se configura como um acto negativo com uma vertente positiva por versar sobre uma situação preexistente, nada obstando, salvo melhor opinião, a que se conheça da suspensão requerida.
    15.º
    Verificado que está o pressuposto da suspensão de eficácia de um acto administrativo, resta pois apurar se se encontram igualmente preenchidos os requisitos exigidos no n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, isto é:
    1. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
    2. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
    3. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
    
2. Do prejuízo de difícil reparação para o requerente
    16.º
    O objectivo da providência de suspensão de eficácia é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso.
    17.º
    Neste sentido, o prejuízo deve ser concretamente comprovado ou, pelo menos, tornar presente para apreciação do Venerando Tribunal um acervo de factos indiciariamente reveladores da existência de um verdadeiro dano na esfera jurídica do requerente que sejam decorrentes da execução do acto cuja suspensão se requer, estabelecendo um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis.
    18.º
    Acontece que, no caso presente, a existência de uma relação entre o acto suspendendo e a verificação de um prejuízo de difícil reparação para o requerente verifica-se como uma inevitabilidade e não como um juízo de prognose.
    19.º
    Como se sabe, a consequência necessária da execução do despacho que veio determinar o termo do direito a ocupar a moradia da Região terá como efeitos imediatos (1) a obrigação do requerente em desocupar essa mesma moradia, (2) acompanhando-o nessa desocupação todo o seu agregado familiar composto por cônjuge e 3 descendentes, (3) tendo de providenciar com uma urgência desumana uma nova moradia para casa de morada de família, (4) enfrentando, assim, os enormes valores praticados no mercado de arrendamento, sem a possibilidade de negociação ou escolha que uma mudança ponderada permite e, tudo isto,
    20.º
    (5) na profunda convicção que o despacho que lhe nega a manutenção da permanência em moradia da Região é ilegal por vício de violação de lei e que uma decisão que não pode deixar de lhe ser favorável, jamais terá a virtuosidade de o ressarcir dos danos que lhe forem causados durante o despejo.
    21.º
    Neste caminho andou o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, datado de 20 de Novembro de 2013, que aderiu aos pressupostos de facto e de direito, bem como às conclusões da Informação n.º 30862/DGP/DACE/2013, de 11 de Novembro, na qual foi exarado e onde se conclui pela necessidade de devolução da moradia até ao dia 29 de Novembro de 2013.
    22.º
    Sendo que os efeitos nefastos do despejo só foram evitados pelo efeito suspensivo da impugnação administrativa, efeitos que ora se pretendem manter pelos presentes autos.
    23.º
    Neste sentido, encontra-se preenchido o requisito para a suspensão da eficácia do acto que ora nos ocupa.

3. Da não lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo acto
    24.º
    Conforme acima referido, o acto administrativo cuja suspensão se requer, foi proferido com fundamento na (alegada) inexistência dos pressupostos legais que permitam ao requerente manter o direito à moradia da propriedade da Região que actualmente ocupa, fruto da sua transição da classe activa para a classe de trabalhadores inactivos.
    25.º
    Trata-se, afinal, de uma leitura do artigo 20.º da Lei n.º 8/2006 que o ora requerente reputa ilegal e ofensiva do seu direito fundamental à habitação para si e para o seu agregado familiar.
    26.º
    Ora, no caso em concreto, o interesse público prosseguido pelo acto não ficará gravemente lesado com a suspensão requerida.
    27.º
    O requerente ocupa a fracção autónoma em causa, mediante o pagamento de uma contraprestação, motivo pelo qual o efeito imediato do acto administrativo que se prende com a defesa dos interesses patrimoniais da Região relativos ao imóvel se encontra plenamente assegurado.
    28.º
    Por outro lado, manter a eficácia do acto, representaria para o requerente e para o seu agregado familiar representaria uma ofensa dos seus direitos fundamentais absolutamente desproporcionada por não haver interesse público que se lhe deva sobrepor.
    29.°
    Face ao acima exposto e às particularidades do caso em concreto, não se verifica que haja uma lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
    30.°
    Razão pela qual se encontra verificado e comprovado, no caso concreto, o requisito da suspensão da eficácia do acto referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
    31.°
    Mais se podendo afirmar que ainda que se entenda não estar verificado este requisito, sempre se dirá que, face às circunstâncias concretas do caso, e estando verificados os outros dois requisitos referidos no n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, os prejuízos que a imediata execução do acto causam ao requerente são extraordinariamente (e desproporcionadamente) superiores.
    32.°
    E neste sentido, também por esta via, nos termos do disposto no n.º 4 do referido artigo 121.° do CPAC, poderá ser concedida a suspensão da eficácia do acto revogatório em causa.

4. Da não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso a interpor
    33.°
    Impõe a alínea c) do n.º 1 do referido artigo 121.º do CPAC que, para ser deferida a suspensão da eficácia do acto administrativo, não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
    34.°
    Tem sido entendimento unânime desse Venerando Tribunal que "só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência" - v. douto acórdão de 14 de Junho de 2007 proferido no processo n.° 278/2007/ A.
    35.°
    Ora, do Despacho supra identificado cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância e esse mesmo recurso, interposto nesta mesma data, encontra-se em prazo - ver Ofício cuja cópia faz o Doc. n.º 1 ora junto.
    36.°
    Assim, sendo o acto em causa é recorrível e estando o Requerente em tempo de interpor o devido recurso, verifica-se o requisito negativo imposto pela alínea c) do n.º 1 do referido artigo 121.°, como aliás, tem sido entendimento unânime desse Venerando Tribunal.
    Pedido:
    Pelo exposto, vem requerer a V. Exas. que, nos termos do n.º 3 do artigo 125.º do CPAC, se dignem mandar citar a entidade Recorrida, domiciliada em Macau, na Avenida ......, n.ºs ...-..., Edifício do......, ....º andar, para, querendo, contestar o presente pedido, com expressa menção do consagrado no n.º 1 do artigo 126.º do referido CPAC.
    Mais requer a V. Exas. que se dignem apreciar o presente pedido e decretar a suspensão de eficácia nos termos supra referenciados.
    
    Não foi oferecida contestação.
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Vem B requerer a suspensão de eficácia do Secretário para a Economia e Finanças de 4/4/13 que, em sede de recurso hierárquico, indeferiu que lhe fosse mantido o direito ao arrendamento da moradia da Região que ocupa, onde mantém residência com o seu agregado familiar composto pelo cônjuge e 3 descendentes.
    Serve o sublinhado a que procedemos para realçar a "tentação" que nos poderá desde logo assaltar relativamente à consideração do acto suspendendo como acto de conteúdo negativo, insusceptível de suspensão de eficácia, matéria a que o requerente se não deixa de reportar.
    Deparamo-nos, porém, com uma situação de facto e jurídica preexistente, sendo que o acto suspendendo modifica, inevitavelmente, a mesma, sendo essa modificação uma consequência imediata e necessária do acto suspendendo, de modo que se toma evidente que do eventual decretamento da suspensão de eficácia resultará para o requerente efeito útil, evitando prejuízos para a sua esfera jurídica, pelo que, pelos motivos anunciados, cremos que, no caso, o acto, se bem que tenha conteúdo negativo, apresenta vertente positiva, a essa vertente tendo o requerente circunscrito o seu pedido, pelo que será de admitir o presente meio processual, nos termos da al. b) do art. 120°, CPAC.
    Assim sendo, tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121° do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu n.º 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
    Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
    Aceitamos a verificação "in casu" dos dois requisitos negativos, já que se não divisam indícios (e muito menos, fortes) de ilegalidade na interposição do recurso, sendo que, por outro lado, se não vê que da manutenção do seu direito ao arrendamento na moradia da Região que ocupa, até decisão no recurso contencioso sobre a matéria, decorra lesão (e, muito menos, grave) do interesse público.
    Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
    No caso, argumenta o requerente que, da execução imediata do acto decorrerá inevitavelmente a obrigação de o mesmo desocupar a moradia que habita, acompanhado do seu agregado familiar, tendo que providenciar por uma nova morada para si e família, enfrentando, assim, os enormes valores praticados no mercado de arrendamento, "sem a possibilidade de negociação ou escolha que uma mudança ponderada permite", não antevendo que possível decisão favorável do recurso detenha a "virtuosidade" de lhe ressarcir os danos causados com o despejo.
    Compreendendo (e, de que maneira!) a argumentação, a nossa análise relativamente a este específico resulta precisamente dessa compreensão, isto é, de, na prática, nós próprios, como muitos em condições similares, terem já sentido "no pelo" os graves inconvenientes anunciados, se bem que por força, normalmente, de aumentos insuportáveis no arrendamento ou pela vontade de os proprietários pretenderem, pura e simplesmente, como vagas as habitações arrendadas.
    Queremos com isto dizer que, compreendendo perfeitamente os inconvenientes, as "chatices", o "stress" porventura causados pelo acto em apreço, não vemos que, verdadeiramente, a nível económico, não haja possibilidade de contabilizar e ressarcir os danos causados, bastando, para tanto, apelar, designadamente, ao pago, a título de alojamento e deslocações de bens e pessoas, não só em termos de "mudança" propriamente dita, como de todas as "démarches" a tal conducentes.
    Donde, não vermos, nesta perspectiva, a ocorrência do pressuposto em causa, o que, em última análise, deverá conduzir ao indeferimento do peticionado.
    
    III - FACTOS
    1. O recorrente foi notificado nos seguintes termos do despacho recorrido:
“Assunto : Notificação do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 04/04/14.
    Por referência ao Recurso Hierárquico Necessário apresentado por V. Exa., cumpre-me notifica-lo, nos termos dos artigos 68° e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 04 de Abril de 2014, exarado na Proposta n.º 012/NAJ/DB/14 de 31 de Março, consistindo o seu teor no seguinte:
    "Concordo com o parecer, indeferindo o pedido."
    Ass.: XXX, aos 04.04.2014.
    
    2. A citada proposta foi objecto de despacho proferido pela Exma Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças, de 02.04.14. do seguinte teor:
    "Exmº Senhor SEF,
    Concordo com o parecer. Submeto à consideração de V Ex.ª para indeferimento do presente recurso hierárquico necessário uma vez que, como resulta das conclusões da presente proposta, o recorrente, que pretende a manutenção do arrendamento na moradia onde reside, não preenche os requisitos do art. 20º, da Lei n.º 8/2006 .
    À consideração superior.
    Ass. : YYY (Directora dos Serviços)
    Data: 02 de Abril de 2014"
    
    3. Da proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:

"I. Do Recurso Hierárquico Necessário - Pressupostos processuais.
    Nos lermos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, que deu entrada no Gabinete do mesmo no dia 12 de Dezembro de 2013, vem B, nos termos do disposto nos artigos 153.º a 157.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) , aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11.10, recorrer hierarquicamente do despacho de V Ex.ª de 20 de Novembro de 2013, exarado na Informação n.º 30862/DGP/DACE/13, de 11.11 que indeferiu o pedido formulado para se manter na moradia da RAEAM onde reside, a partir de 30 de Novembro de 2013.
    O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 155.º do CPA, sendo o Senhor Secretário para a Economia e Finanças a entidade competente para decidir. nos termos do disposto no artigo 153º e no n.º 2 do artigo 156.º ambos do Código do Procedimento Administrativo. A interposição do presente recurso suspende a execução da decisão impugnada, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 157º do CPA.
    II. Os factos
    1. O recorrente, ex-funcionário dos Serviços de Saúde que exercia funções no Centro Hospitalar Conde de S. Januário em regime de contrato individual de trabalho veio solicitar em 31 de Outubro de 2013, em requerimento dirigido à Srª. Directora dos Serviços de Finanças, a manutenção do direito ao arrendamento na moradia onde habita sito na Av. ......, ... - Edif. ......, 7º - A/C, em Macau, a partir de 30 de Novembro de 2013, com base no previsto no artigo 20.º da Lei n.º 8/2006.
    2. Por despacho da Sra. Directora dos Serviços, datado de 20 de Novembro de 2013, exarado na Informação n.º 30862/DGP/DACE/13, de 11.11, foi indeferido o pedido formulado, por não considerar aplicável ao ora recorrente o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 8/2006.
    3. No dia 12 de Dezembro de 2013, deu entrada no Gabinete do Sr. Chefe do Executivo o presente recurso hierárquico necessário, com os fundamentos que se apreciarão de seguida, requerendo a final a revogação do acto da Sr. a Directora dos Serviços de Finanças de 20 de Novembro é a sua substituição por outro que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 20º supra citado, admita ao recorrente a manutenção do arrendamento na moradia onde reside.
    II. Apreciação
    1. Alega a recorrente que o n.º 1 do artigo 20.º da lei n.º 8/2006 lhe é aplicável uma vez que :
     a) O acto recorrido imprime à legislação invocada unta restrição que não pode nem deve ser admitida face à clareza do artigo;
    b) Não pode ser dito que o arrendamento é um exclusivo dos funcionários da administração pública uma vez que o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos é comum a todos os trabalhadores admitidos ao regime, onde se incluem os contratos mediante contrato individual de trabalho;
    c) Também não corresponde à verdade que os únicos arrendatários de moradias da Regido sejam os funcionários da administração integrados no Decreto-Lei n.º 31/96/M, uma vez que existe legislação que permite que outras categorias de trabalhadores acedam ao mesmo direito a alojamento em igualdade de circunstâncias, encontrando-se entre elas as situações decorrentes do Decreto-Lei 71/92/M, que em matéria de atribuição de alojamento a recrutados ao exterior (...) é em tudo idêntico ao que resulta do diploma aplicável aos funcionários públicos, com algumas especificidades como, por exemplo, a atribuição da moradia se efectuar por despacho em vez de celebração de um contrato de arrendamento ou o [acto de na legislação aplicável aos funcionários públicos se referir ao pagamento de uma renda enquanto nos recrutados ao exterior se menciona uma contra prestação.
    d) Pelo que todos os funcionários públicos e os trabalhadores recrutados ao exterior são arrendatários de moradias da RAEM; e
    e) Por fim, reúne o recorrente os 2 requisitos exigidos pelo Regime de Previdência para invocar a manutenção do direito ao arrendamento, isto é, a sua inscrição no Regime foi cancelada ao abrigo da alínea I) do n.º 1 do artigo 13º (completou 65 anos de idade) e tem um tempo de contribuição superior a 15 anos.
    2. Até à entrada em vigor da Lei n.º 8/2006, que estabeleceu o "Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos", vigorava em Macau apenas o Regime de Aposentação e Sobrevivência, previsto nos artigos 258º e ss. do ETAPM, que se aplicava a funcionários e agentes que satisfizessem os descontos legais. Ou seja, tinham direito a aposentação os trabalhadores providos por nomeação definitiva ou em comissão de serviço (funcionários) e os trabalhadores providos por nomeação provisória ou em regime de contrato além do quadro (agentes), sendo que a inscrição no Fundo de Pensões de Macau estava condicionada à possibilidade de um mínimo de 15 anos de serviço e era obrigatória para uns e facultativa para outros. (cfr. art. 2.º e 259.º do ETAPM). Quem se aposentasse ao abrigo desse regime, para além do direito a uma pensão, mantinha alguns direitos de que era titular como trabalhador da Administração, como o acesso aos cuidados de saúde (alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do art. 147.º do ETAPM) e a manutenção do contrato de arrendamento nas moradias do RAEM que lhes estivessem atribui das, sem necessidade de o requerer. (n.º 2 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho).
    A Lei n.º 8/2006 veio instituir um novo regime e alargar o âmbito de destinatários, ao possibilitar igualmente a inscrição de trabalhadores em contrato de assalariamento e individual de trabalho e conferiu a possibilidade dos trabalhadores inscritos no regime de aposentação e sobrevivência poderem requerer a mudança para este regime, no qual se prevê, como direito fundamental, o estipulado no artigo 14.º e mais alguns direitos especiais, para os contribuintes que reúnam as condições para tal, como o direito a acesso a cuidados de saúde e o direito a arrendamento.
    Defende o recorrente que estes direitos especiais se mantêm para qualquer contribuinte do regime, nas situações previstas no n.º 1 do artigo 19º e, concretamente, quando a inscrição lenha sido cancelada por ler completado 65 anos de idade, desde que o tempo de contribuição nela seja inferior a 15 anos.
    Estipula o n.º 1 do artigo 20.º que "o contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ou de outra entidade pública e cuja inscrição lenha sido cancelada por um dos motivos referidos n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito a arrendamento daquela moradia."
    Da formulação do cilada artigo e das objecções que o recorrente aponta ao acto recorrido torna-se evidente que a razão da divergência se prende com o termo "arrendatário", uma vez que nela se contesta que o recorrente é contribuinte que aderiu ao regime de previdência. que a sua inscrição foi cancelada por ter atingido 65 anos e que tem um tempo de contribuição não inferior a 15 unos.
    Ou seja, a manutenção do direito ao arrendamento pretendido pelo recorrente está naturalmente dependente da verificação elos requisitos previstos no citado artigo 20º, com sejam, por força da remissão para o n.º 1 do artigo anterior, um tempo de contribuição não inferior a 15 anos para aqueles cuja inscrição seja cancelada por atingir 65 anos de idade (requisito n.º 1) e ser o contribuinte arrendatário de moradia da RAEM (requisito n.º 2).
    Ora se o primeiro requisito se verifica na pessoa do recorrente, já o mesmo não se pode dizer relativamente ao segundo, uma vez que o recorrente nela é arrendatário de moradia da RAEM.
    Sendo vamos,
    O requerente foi recrutado ao exterior em 1992 para prestar serviço no Território de Macau, de acordo com o previsto n.º 1 do artigo 69º, do Estatuto Orgânico de Macau, tendo-lhe sido atribuída a moradia 15º C do Edifício ......, conjuntamente com os móveis e equipamentos que constituem o seu apetrechamento, mediante o despacho n.º 113/F1N/92 de 12 de Novembro, ao abrigo do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 60/92/M de 24 de Agosto. Tal artigo atribuía direito a alojamento aos recrutados ao exterior, que podia ser definitivo em moradia da Administração ou um subsídio para arrendamento e (J um subsídio para equipamento. no caso de não ser atribuída moradia, e ainda alojamento provisório em unidade hoteleira.
    Posteriormente, atendendo à alteração do seu agregado familiar, foi-lhe igualmente atribuída a moradia 15 “A”, do mesmo Edifício, mediante o despacho n.º 68/M/FIN/96, de 5 de Dezembro, ao abrigo do disposto da alínea a) do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 71/92/M, tendo-lhe finalmente sido atribuída por transferência a moradia 7 "A/C" do mesmo edifício, onde ainda reside pelo despacho n.º 13/M/FIN/2003, de 19 de Junho, conforme a alínea b) do artigo 28º do mesmo Decreto-Lei, por se verificar impossibilidade de uso e fruição da anterior moradia atribuída.
    O direito a alojamento do pessoal recrutado ao exterior veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, onde se previu que a opção pela atribuição de moradia ou de subsídios compete à Administração (art. 5º) e que o exercício do direito a alojamento definitivo pode consistir na atribuição de moradia, equipada ou não, o que implica o pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau. (artigo 9.º). Previu-se também que o trabalhador devia devolver a moradia até à data da cessação de funções. (n.º 6 do artigo 19.º)
    É pois evidente, de acordo com o n.º 6 do artigo 19.º, que um trabalhador recrutado ao exterior deve devolver a moradia até à data da cessação de funções. A referida legislação, muito embora não tenha sido adoptada como lei da RAEM, as práticas dela decorrentes mantêm-se, nos termos consignados na Lei n.º 1/1999, de 20.12 (Lei da Reunificação), número 2 do Anexo II. Tal disposição é perfeitamente consentânea com o facto de o direito a alojamento previstos para os recrutados aos exterior ser entendido como um direito contratual e a moradia a atribuir no âmbito dessa contratação revestir a modalidade de casa função, perdendo os trabalhadores o direito a alojamento em moradia da RAEM, no caso de alteração dos direitos contratuais ou no caso de cessação definitiva de funções, situações em que o trabalhador tem de devolver a moradia à DSF até ao último dia da vigência do contrato, por força do qual lhe é conferido o direito a alojamento.
    Vem agora o requerente invocar a Lei n.º 8/2006, que estabeleceu o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, no qual se inscreveu, e concretamente o previsto no artigo 20.º como fundamento do pedido para manter o direito ao arrendamento no apartamento em que reside, a partir de 30 de Novembro de 2013, data em que cessou funções por ter completado 65 anos de idade.
    O requerente, que é recrutado ao exterior, pretende fazer-se valer de uma disposição vigente no Regime de Previdência que entrou em vigor em 2006, para se manter numa moradia que lhe foi atribuída ao abrigo de outra legislação, clara quanto à obrigação de devolução da moradia aquando da cessação de funções. Ora a razão de ser do n.º 1 do artigo 20.º da lei invocada pelo requerente foi permitir que os funcionários da Administração Pública arrendatários de moradias da RAEM atribuídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/96/M e que transitem para o Regime de Previdência, ao abrigo do n.º 1 do artigo 26.º possam manter o direito ao arrendamento uma vez cancelada a inscrição neste regime, tal como manteriam se se aposentassem ao abrigo do Regime de Aposentação e Sobrevivência. Esses é que são os "arrendatários de moradias da RAEM" a que se refere o artigo. A não existir tal disposição, os funcionários que transitassem para o Regime de Previdência perderiam o direito a manter-se nas moradias após o cancelamento da inscrição, direito que teriam se se tivessem mantido no Regime de Aposentação e Sobrevivência, uma vez aposentados.
    No caso da Lei n.º 8/2006 ser aplicada a recrutados ao exterior, cai-se inevitavelmente numa situação de injustiça e discriminação entre aqueles que beneficiaram de alojamento na modalidade de atribuição de moradia da RAEM e os que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos na referida lei, que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM, situação de injustiça ainda mais gritante uma vez que a opção por atribuição de moradia ou de subsídio cabia à Administração de acordo com as disponibilidades habitacionais existentes, e eram duas modalidades do mesmo direito a alojamento dos recrutados ao exterior. Na primeira modalidade, os recrutados manteriam o direito ao arrendamento, na segunda modalidade, os recrutados perderiam o subsídio para arrendamento.
    E por fim, como é sabido, os recrutados ao exterior não são arrendatários das moradias onde habitam. O Decreto-Lei n.º 71/92/M, de 21 de Setembro, que regula o alojamento do pessoal recrutado ao exterior, nunca se refere aos mesmos como arrendatários, mas conto "titulares do direito a alojamento", isto porque a atribuição de moradia é feira por despacho, não existindo qualquer contrato de arrendamento. Do mesmo modo se refere a lei, no artigo 9.º cuja epigrafe é "Contraprestação", à necessidade de "pagamento pelo trabalhador de uma contraprestação de valor equivalente ao da renda devida pelos trabalhadores da Administração Pública de Macau." Ou seja. equiparar-se este pagamento, que é devido pelo titular do direito a alojamento definitivo, a lima rendo, mas não se lhe chama assim, uma vez que não se trata de um arrendamento, como os previstos no Decreto-Lei n.º 31/96/M, para os trabalhadores da Administração Pública. Aí sim, se laia em arrendamento na Secção III, o qual é celebrado por escrito (artigo 19.º), tem causas de caducidade (artigo 23.°) e de resolução (artigo 24.º) e implica o pagamento de uma renda (artigo 33.°).
    
    CONCLUSÕES
    Estipula o n.º 1 do artigo 20.º que "o contribuinte que à data do cancelamento da inscrição seja arrendatário de moradia da RAEM ou de outra entidade pública e cuja inscrição tenha sido cancelada por um dos motivos referidos n.º 1 do artigo anterior, pode manter o direito a arrendamento daquela moradia.”
    Têm pois de verificar-se na pessoa do requerente os 2 pressupostos exigidos nessa disposição, isto é. a inscrição ter sido cancelada por um dos motivos referidos no n.º 1 do artigo 19º e ser o mesmo arrendatário de moradia da RAEM;
    E se é certo que se verifica o primeiro, falta ao recorrente a condição de "arrendatário de moradia da RAEM", uma vez que é recrutado ao exterior e se lhe aplica, quanto ao direito a alojamento, o Decreto-Lei n.º 71/92/M onde se prevê, no n.º 6 do artigo 19º, a devolução da moradia até à data da cessação de funções.
    O n.º 1 do artigo 20º aplica-se aos arrendatários de moradias da RAEM, ou seja, todos aqueles a quem/oram atribuídas moradias ao abrigo do Decreto-Lei n.º 31/96/M, como se constata nos artigos 18º e seguintes da Secção III, intitulada "arrendamento";
    Esses são os destinatários da norma, uma vez que a não existir no Regime de Previdência esse direito, os trabalhadores inscritos no Regime de Aposentação e Sobrevivência que mudassem para esse regime perderiam o direito a manter-se nas moradias quando fosse cancelada a inscrição, direito que manteriam no caso de aposentação, sem necessidade de o requerer sequer. conforme o previsto no n.º 2 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 31/96/M:
    Pelo contrário, o direito a alojamento dos recrutados ao exterior é regulado no Decreto-Lei n.º 71/92/M, o qual nunca se refere aos mesmos com arrendatários, mas como "titulares do direito a alojamento", bem como se refere ao pagamento de 1I111a "contraprestação" e não de lima renda, (cfr. n. º 2 do artigo 8º e artigo 9º).
    A aplicar-se a Lei n.º 8/2006 a recrutados ao exterior, cai-se inevitavelmente numa situação de injustiça e discriminação entre aqueles que, ao abrigo do previsto nos artigos 2.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 71/92/M, beneficiaram de alojamento na modalidade de atribuição de moradia da RAEM e os que beneficiaram de alojamento na modalidade de subsídio para arrendamento, uma vez que estes últimos não foram incluídos no n.º 1 do artigo 20.º que apenas se refere, expressamente, aos arrendatários de moradias da RAEM."
    Mais se comunica a V. Ex.3 que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código de Processo Administrativo e Contencioso, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
    Com os melhores cumprimentos,
    Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 09 de Abril de 2014.
    P'la Directora dos Serviços,
    
    A Coordenadora do NAJ,
    ZZZ “
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por saber se se verificam os pressupostos que possibilitam a suspensão da eficácia do acto praticado.
    O instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”. 1
Faz parte da justiça administrativa a possibilidade de quem recorre ver suspensos os efeitos do acto sobre o qual recai a invocação de ilegalidade, porque, como dizia Chiovenda, «o tempo necessário para obter a razão não deve converter-se em dano para quem tem razão».
    Importará ter presente, em sede desta introdução, que “o princípio da legalidade da Administração Pública ampliou-se, transformando-se num princípio de juridicidade; a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional.”2
    2. Do acto negativo com vertente positiva
    
    Dispõe o art.º 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente. No caso em apreço, o acto administrativo em causa consiste na não concessão da manutenção do direito ao alojamento, na sequência do requerimento de manutenção do direito arrendamento efectuado pelo recorrente, o que à primeira vista apontaria para um acto negativo insusceptível de suspensão.
    Contudo, não é um acto puramente negativo, por ter uma vertente positiva, já que com a não renovação da autorização haverá uma alteração da situação que se vinha mantendo, quebra-se uma expectativa que se terá criado, expectativa ainda que não tutelada mas que radica em toda uma estruturação de vida pessoal e familiar, a que não se deixou de pôr termo com a cessação de funções por limite de idade, direito por que o recorrente continua a pugnar.
    
    Como já entendeu o TUI3, numa situação ainda que diferente, parece que com o indeferimento do pedido de permanência em Macau, não foi introduzida nenhuma alteração na esfera jurídica dos interessados, já que tanto o filho menor como a sua família continuam na mesma situação jurídica em que se encontravam antes da prática do acto, afigurando intocada a sua esfera jurídica.
    É verdade que, com tal indeferimento e a consequente execução do acto administrativo, o menor deve sair de Macau ...
    No entanto, tal não implica nenhuma alteração na sua esfera jurídica nem na esfera jurídica da sua família.
    O que importará, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado, acrescentou-se ainda naquele aresto.
    Num critério estrito poder-se-ia dizer que a esfera jurídica do recorrente não se alterou, porquanto caducado o direito ao alojamento de que beneficiara anteriormente, com a denegação da manutenção do direito, nada lhe foi retirado.
    É, no entanto a Doutrina e Jurisprudência que assinalam que, não obstante estarmos perante um acto de conteúdo negativo continua a ser possível a suspensão se esse acto produz acessoriamente efeitos de natureza secundária, caso em que a suspensão a ser decretada tornaria possível a manutenção ou conservação de uma situação jurídica anterior. Trata-se daqueles casos em que para além de um conteúdo denegatório de uma pretensão de ampliação da esfera jurídica de um particular o acto em causa tenha o aludido efeito secundário que se traduz na ablação de um bem jurídico pré-existente, paralisando assim os efeitos secundários de natureza positiva, tal como acontece, designadamente, nos pedidos de prorrogação ou manutenção de situações jurídicas, sempre que a lei admita tal prorrogação ou manutenção.4
    Isto para já não falar na admissibilidade da suspensão dos actos negativos, como refere Vieira de Andrade, desde que haja utilidade nessa suspensão e a aparência de bom direito.5
    Ora, no caso vertente, emerge nitidamente um efeito secundário ablativo de uma situação pré-existente conformada por acto administrativo anterior e que bem pode continuar a ser merecedora de tutela caso o recorrente venha a lograr êxito quanto à substancialidade do pedido formulado.
    Trata-se, no entanto, de matéria que não oferece controvérsia, pelo que não nos alongaremos na análise desta questão que cautelarmente é apenas avançada pelo requerente.
    
    3. Requisitos da suspensão de eficácia do acto
    Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.6
    A suspensão dessa eficácia depende assim da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 artigo 121º do C.P.A.C.: previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente, inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    
    4. Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.7
    Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
    É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
    
    5. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
    Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.8
    
    7. Dentro do enquadramento abstracto e perfunctório que se vem realizando a propósito dos requisitos de suspensão de eficácia do acto, como está bem de ver, é pressuposto do procedimento a existência de um acto administrativo, enquanto conduta voluntária de um órgão da Administração, no exercício de um poder público e na prossecução de interesses postos por lei a seu cargo produtora de efeitos jurídicos num caso concreto9 e que esse acto seja recorrível.
Nos termos do nº 1 do art.º 28º do CPAC, “são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária”.
E só os actos externos, definitivos e executórios são susceptíveis de recurso contencioso.
Os actos são definitivos ou não definitivos consoante se contenham resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa.
E a resolução final é o acto que ponha termo a um processo gracioso ou a um incidente autónomo desse processo e de que não caiba recurso na ordem hierárquica.
Sendo de registar ainda que a definição de situações jurídicas difere da produção de efeitos jurídicos na medida em que se traduz numa decisão que fixa os direitos da Administração, os dos particulares, ou os respectivos deveres, nas suas relações jurídicas. 10
   
   8. O caso
   Importa analisar agora a situação em concreto.
   Trata-se de um caso em que o requerente, recrutado ao Exterior, veio para Macau, na qualidade de médico-cirurgião, aqui desenvolvendo, por mais de vinte anos a sua actividade profissional, tendo-lhe sido atribuída o direito ao alojamento nos termos da legislação em vigor, passando a morar em casa da Administração, situação que se mantém até ao presente.
   Aí vive com o seu agregado familiar, constituído por esposa e 3 filhos.
   Chegado o momento da cessação de funções públicas, cuidando que lhe assiste a manutenção do direito ao alojamento nos termos em que dele vinha beneficiando, requereu que esse direito lhe fosse conferido, mas não obteve provimento por despacho da Exma Senhora Directora dos Serviços de Finanças, posição mantida na sequência do recurso hierárquico entretanto interposto para o Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças.
   Vendo-se na iminência de ter de sair da casa, alega prejuízos patrimoniais, resultantes da actual conjuntura de carestia do mercado arrendatício e invoca prejuízos de natureza não patrimonial resultantes de uma saída precipitada, dificuldade na procura de uma casa, falta de condições de ponderabilidade da melhor solução para se instalar.
    A Administração, perante este pedido de suspensão de eficácia permaneceu silente.
   
    9. 5. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.11
    O recorrente impugnou o acto – sendo certo que foi apresentado conjuntamente o recurso, aí se podendo observar quais os vícios assacados ao acto (violação de lei, erro nos pressupostos de facto), não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa a defesa da expectativa ao direito ao alojamento, configurado como um direito ao arrendamento pelo recorrente, baseada em vício invalidante do acto que lhe a denegou.
    Perante este quadro, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do recorrente, titular directo do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas - haja em vista o teor da contestação -, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..

    Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.12
    
6. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
    Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
    Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.13
    Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto14 e esses prejuízos, de difícil reparação, não devem deixar de atingir um núcleo de interesses, de importância relevante merecedora da tutela do direito.
    Vejamos que prejuízos alega o requerente.
     Alega como efeitos imediatos:
     (1) a obrigação do requerente em desocupar essa mesma moradia,
     (2) acompanhando-o nessa desocupação todo o seu agregado familiar composto por cônjuge e 3 descendentes,
     (3) tendo de providenciar com uma urgência desumana uma nova moradia para casa de morada de família,
     (4) enfrentando, assim, os enormes valores praticados no mercado de arrendamento, sem a possibilidade de negociação ou escolha que uma mudança ponderada permite e, tudo isto,
     Uma decisão que lhe venha ser favorável jamais terá a virtuosidade de o ressarcir dos danos que lhe forem causados durante o despejo.
    A este nível invoca o requerente o facto de resultar da imediata execução do acto, além do mais, a necessidade de ter de mudar de casa num curto espaço de tempo, invocando a situação da sua família, mulher e filhos.
    Reconhecemos que a alegação e invocação dos prejuízos é algo curta e bem poderia ter sido mais desenvolvida, tornando a decisão mais difícil se o requerente tivesse alegado a ligação à casa enquanto morada de família, as razões de ordem afectiva de toda uma família, apego àquela casa por mais de 20 anos, o investimento posto nesse mesmo afeiçoamento e materializado pela própria decoração e adaptação da casa a um modo de vida familiar, a localização da casa em função dos interesses pessoais e profissionais dos diferentes membros do agregado familiar, da escola e facilidades de transporte, exemplos de alguns valores que, se tivessem sido alegados, mesmo assim porventura insuficientes, poderiam dificultar a ponderação, mesmo assim sem certezas de preenchimento do requisito em causa, face até a outras decisões da Jurisprudência de Macau, em que igualmente estavam em causa interesses dos particulares interessados na manutenção da sua morada de família.
    No entanto, cada caso é um caso e não interessa especular à míngua de uma alegação pertinente que pudesse fazer inverter o sentido da decisão para onde este Tribunal propende.
    Importa referir que os prejuízos não podem ser intuídos ou supridos pelo tribunal; trata-se de uma matéria que tem de ser necessariamente alegada pela parte interessada. Como assinala o TUI, ”Cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, não sendo bastante a mera utilização de expressões vagas e genéricas.”15
    Prejuízos de difícil reparação são os prejuízos de difícil quantificação económica, incumbindo aos requerentes alegar e provar factos concretos e devidamente individualizados de que seja possível fazer derivar, em termos de causalidade adequada, tais prejuízos.16 A reconstituição natural não é a única forma de reparação jurídica, que pode ser também efectuada através da fixação de indemnização em dinheiro e a difícil reparação estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC não resulta da dificuldade da reintegração natural da esfera do requerente, mas dessa dificuldade ou da dificuldade de reintegração por equivalente, através da fixação de uma indemnização.17
     É certo que o requerente invoca prejuízos, alguns até, vagamente, de natureza não patrimonial, mas o dano moral só integra um prejuízo de difícil reparação se for qualificado pelos seus objecto e intensidade.18 Como bem diz o Digno Magistrado do MP, essa é a situação em que qualquer pessoa se pode encontrar, de um momento para o outro, a de ficar com as malas na rua, no fim de cada arrendamento, por via de uma não renovação, apenas na disponibilidade do senhorio. Situação agravada pela difícil e quase incomportável conjuntura do mercado habitacional e, consequentemente, do arrendamento.
    Ainda que esta situação seja um pouco diferente, tal como configurada vem, não deixa de assumir contornos que se assemelhem àquela, realçando-se tão-somente os sacrifícios inerentes a uma mudança e procura de casa de toda uma família com os custos inerentes numa conjuntura arrendatícia difícil.
    Nada que seja no sentido de tutelar uma qualquer expectativa alegadamente gerada sobre pressupostos diferentes dos que passam pela alteração dos contornos de uma relação jurídica que esteja dependente de uma qualquer caducidade ou potestividade de uma renovação.
     Bem ou mal - não nos vamos pronunciar agora sobre essa matéria -, o facto é que o requerimento do interessado, no que aos prejuízos concerne, não vem moldado em função de uma expectativa à manutenção de um alojamento, materializado no desfrute de uma casa da Administração e moldagem de uma vida e de uma família em função dessa expectativa.
    A difícil reparação não resulta da dificuldade da reintegração natural da esfera jurídica do requerente, mas dessa dificuldade ou da dificuldade dessa reintegração por equivalente, através da fixação de uma indemnização. 19
    Os danos patrimoniais que resultam da mudança, as despesas inerentes, os custos das rendas, são facilmente quantificáveis e passíveis de cálculo e reparação.
    Os danos resultantes dos transtornos, mesmo assim insuficientemente concretizados – repare-se que o requerente fala apenas na necessidade de procura de uma nova casa com uma urgência desumana –, reconduzindo-se embora a um sacrifício, não se afigura que atinja a intensidade merecedora da tutela do direito de forma a integrar a previsão do n.º 1 do artigo 489º do Código Civil e o certo é que, a entender-se diferentemente, não deixaria de poder ser compensável na medida em que o sejam os danos dessa natureza.
    
    Os prejuízos invocados são respeitáveis, mas não deixam de ser os prejuízos que decorrem de uma mudança de casa forçada, mais nada de particular se invocando que reforce a dificuldade no seu ressarcimento.
    Não se evidencia, assim, na nossa óptica, um prejuízo de difícil reparação para o interessado, face aos factos que invoca, que não possa ser compatibilizado e ressarcido se vier a obter ganho de causa.
    
    7. Lesão de interesse público
    Na inverificação do requisito precedente desnecessário seria abordar se este se observa.
    Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade recorrida nada disse.
    Desde logo, a posição da entidade recorrida nos autos preenche o condicionalismo do artigo 129º, n.º 1 do CPAC, o que levaria, sem outros desenvolvimentos, a ter este requisito por integrado.
    Não se furtará este Colectivo, no entanto, a dizer algo mais.
    Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.20
    Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.21
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.

Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Manifestamente não é o caso.
    A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
Não é difícil concluir, no caso, que o interesse público não ficaria beliscado com uma suspensão de um acto que nem sequer se manifesta numa alteração de uma situação de facto que se vem mantendo, sob a tutela do direito, nem sequer a autoridade ou imagem de autoridade ficaria em causa perante o público.
Não está em causa a defesa do interesse público, mas sim indagar se os interesses sublimes particulares que para já se sacrificam sumariamente não se podem compatibilizar com uma melhor ponderação dos interesses em sede própria.
    Face ao exposto, somos a concluir no sentido da não verificação do requisito positivo da alínea a), não obstante a verificação dos insertos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
    Razões por que, por verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, na esteira do objecto do recurso, se julgará improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa, revogando a decisão recorrida.
    
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao procedimento preventivo relativo ao pedido de suspensão de eficácia do acto que indeferiu o pedido de manutenção do direito ao alojamento do requerente.
    
     Custas pelo requerente com taxa que se fixa em 5 Ucs.
                 
                 Macau, 10 de Julho de 2014,
    
Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
    
   

1 - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409
2 - Maria da Glória Garcia, Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, Suspensão de Eficácia do Acto Administrativo

3 - Ac. 29/2005, de 7 de Dez
4 - Pedro Machete, O Direito, 123, 304
5 - Lições de Dto Administrativo e Fiscal, 124 e ac. STA, processo n.º 042206, de 15/5/97
6 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
7 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
8 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
9 - Marcello. Caetano, Manual de Dto Adm., 10ª ed., I, 428
10 Marcello Caetano, ob. cit. 443.
11 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
12 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
13 - Ac. deste TSI, Proc. n.º 154/2012 /A, de 19/4/2012
14 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
15 - Ac. do TUI, Proc. n.º 37/2013, de 7/10/2013
16 - Ac. do STA, Proc. n.º 1 844/02, de 14/1/03.
17 - Ac. do STA, Proc. n.º 01529/03, de 14/10/2003
18 - Ac. do STA, Proc. n.º 046698, de 8/11/2000
19 - Ac. do STJ, Proc. n.º 01529/03, de 14/10/2003

20 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
21 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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360/2014/A 46/46