Processo n.º 269/2014 Data do acórdão: 2014-6-26 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução durante o período de inibição de condução
– revogação da pena suspensa
– art.º 54.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
Tendo o recorrente ficado condenado no crime de condução durante o período de inibição de condução, cometido durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, com a agravante de que a inibição de condução em causa tinha sido precisamente imposta no próprio processo condenatório do qual saiu concedida tal suspensão inicial da execução da prisão, o que revela que ele olhou com indiferença a ameaça da execução da prisão, está, pois, verificado o critério material exigido na parte final do n.o 1 do art.o 54.o do Código Penal para efeitos de decisão de revogação da pena suspensa, o que prejudica qualquer hipótese de prorrogação do período da pena suspensa.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 269/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho revogatório da suspensão da execução da pena de seis meses de prisão imposta na sentença de 24 de Novembro de 2011 do subjacente Processo Sumário n.º CR2-11-0222-PSM do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário), veio o arguido condenado B, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação dessa decisão revogatória da pena suspensa, tendo alegado, para o efeito, e em síntese, o seguinte: a revogação da suspensão da pena referida no art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP) não é automática, e o facto de o Tribunal recorrido se ter limitado, no seu despacho revogatório, a reproduzir essa disposição legal não é fundamentar a decisão; tudo indicou que o Tribunal recorrido deveria ter decidido, nos termos do art.o 53.o, alínea d), do CP, em prorrogar o período da suspensão inicialmente imposto, já que seria de esperar do próprio ora recorrente que, após o cumprimento efectivo da pena de três meses de prisão por que vinha condenado no outro processo, ele interiorizasse a gravidade e a eventual consequência de uma nova violação de um um novo juízo de prognose favorável, até porque aquela pena de três meses de prisão não podia assumir uma gravidade tal que pudesse fazer revogar a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão; por outro lado, sempre se diria que como na data da decisão revogatória da pena suspensa, o recorrente ainda não cumpriu totalmente tal pena de três meses de prisão do outro processo, deveria ter o Tribunal recorrido optado por decidir aplicar-lhe uma pena conjunta nos termos do art.o 72.o, n.o 1, do CP (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 89 a 99 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 121 a 124v) o Digno Delegado do Procurador, no sentido de manifesta improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 136 a 137v), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame crítico e global dos autos, fluem os seguintes elementos fácticos e processuais, pertinentes à solução do recurso:
– por sentença de 24 de Novembro de 2011, proferida a fls. 15v a 17 do subjacente Processo Sumário n.º CR2-11-0222-PSM do TJB, já transitada em julgado em 5 de Dezembro de 2011, o arguido ora recorrente ficou condenado, como autor material de um crime, consumado em 24 de Novembro de 2011, de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos (sob condição de prestação de quinze mil patacas de contribuição à Caritas de Macau, contribuição essa que veio ocorrer em 20 de Fevereiro de 2012), para além da sanção de inibição de condução por dois anos (cfr. nomeadamente a nota de trânsito de julgado lançada a fl. 20 e o recibo da Caritas de Macau junto a fl. 33); – ulteriormente, por sentença de 2 de Julho de 2013 do Processo Sumário n.º CR3-13-0120-PSM do TJB, transitada em julgado em 5 de Dezembro de 2013 (cfr. o teor da certidão dessa sentença junta a fls. 44 a 55v dos presentes autos), o ora recorrente ficou condenado, como autor material de um crime, consumado em 2 de Julho de 2013, de condução durante o período de interdição de condução, p. e p. conjugadamente pelo art.º 92.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário e pelo art.º 312.º, n.º 2, do CP, na pena de três meses de prisão efectiva, prisão essa que já foi cumprida totalmente em 24 de Fevereiro de 2014 (cfr. o teor de fls. 45 e 139 dos presentes autos);
– em face dessa condenação no Processo n.º CR3-13-0120-PSM, a M.ma Juíza titular dos subjacentes autos n.º CR2-11-0222-PSM ouviu o ora recorrente em 18 de Fevereiro de 2014 (cfr. o teor da acta dessa diligência lavrada a fls. 77 e seguintes), na sequência do que acabou por decidir revogar, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão inicialmente aplicada ao mesmo condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez (cfr. o teor do despacho revogatório da pena suspensa, constante de fls. 78 a 79);
– desse despacho revogatório da pena suspensa, consta, originalmente em chinês (e aqui com tradução para português, feita pelo ora relator), a seguinte fundamentação da decisão, na sua essência:
– “O condenado tinha obtido a oportunidade da suspensão da execução da pena no presente processo, mas como no período da suspensão da pena violou a pena acessória de inibição de condução imposta no presente processo, cometeu o “crime de desobediência qualificada” pelo qual ficou condenado no Processo n.o CR3-13-0120-PSM na pena de três meses de prisão efectiva e na pena acessória de cassação da licença de condução. Embora o “crime de condução em estado de embriaguez” e o “crime de desobediência qualificada” tenham natureza diferente, o “crime de desobediência qualificada” foi ocasionado precisamente pela violação, pelo condenado, da pena acessória de inibição de condução por que vinha condenado no presente processo.
De facto, o motivo apresentado pelo condenado relativo ao transporte da irmã mais pequena e grávida carece da prova sustentadora, e não é minimamente razoável.
O facto de o condenado ficar condenado por ter conduzido durante o período de interdição de condução revela que ele não cuidou da oportunidade da suspensão da pena concedida no presente processo, nem tirou lição da sua sujeição ao julgamento e da condenação no presente processo no sentido de passar a cumprir a lei e a ter modo de vida sério. O condenado desprezou a advertência deste Tribunal, o que frustrou a expectativa deste Tribunal sobre o acatamento da lei pelo condenado. Este Tribunal entende que a mera ameaça da prisão já não consegue prosseguir as finalidades da punição, nem é suficiente para prevenir o cometimento de crime. Portanto, este Tribunal concorda com a proposta do Ministério Público, e decide, nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, revogar a decisão de suspensão da execução da pena de prisão, tendo o condenado B que cumprir a pena de seis meses de prisão imposta no presente processo”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente sindicou principalmente do mérito da decisão recorrida, revogatória da suspensão da pena de prisão.
Embora seja certa a alegação do recorrente segundo a qual a revogação da pena suspensa não é automática nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, já não lhe assiste razão quando assacou ao despacho recorrido a falta de fundamentação. É que do teor essencial da fundamentação desse despacho (e já acima referido na parte II do presente acórdão), já se vê que a M.ma Juíza autora do despacho chegou a tecer efectivamente os seus motivos de facto e de direito respeitantes à decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão.
No tocante ao mérito dessa decisão revogatória, é de louvar o juízo de valor já sensatamente formado pela mesma M.ma Juíza. De facto, é altamente censurável a conduta do recorrente: violou a ordem de proibição de condução durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, com a agravante de que essa ordem de proibição foi precisamente imposta no próprio processo condenatório do qual saiu concedida tal suspensão inicial da execução da pena de prisão, o que revela que ele olhou com indiferença a ameaça da execução da pena de prisão imposta inicialmente no mesmo subjacente processo. Está, pois, verificado o critério material exigido na parte final do n.o 1 do art.o 54.o do CP para efeitos de decisão de revogação da pena suspensa, o que prejudica qualquer hipótese de prorrogação do período da pena suspensa.
Por fim, quanto à subsidiariamente pretendida aplicação do art.o 72.o, n.o 1, do CP, também há que naufragar o recurso, uma vez que tal como já observou com perspicácia o Ministério Público (cfr. mormente o douto parecer de fls. 136 a 137v), o crime por que ficou supervenientemente condenado o recorrente no acima referido outro processo (n.o CR3-13-0120-PSM) não foi cometido antes da sua condenação no subjacente processo n.o CR2-11-0222-PSM, pelo que não seria legalmente possível à M.ma Juíza recorrida lançar mão ao mecanismo de punição do n.o 1 do art.o 72.o do CP.
Improcede toda a pretensão do recorrente, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com dez UC de taxa de justiça.
Macau, 26 de Junho de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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