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Processo nº 414/2014 Data: 10.07.2014
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime(s) de “furto”.
Atenuação especial.
Pena.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. A “colaboração do arguido”, (especialmente, após surpreendido em flagrante delito, como foi o caso), não torna a “situação excepcional ou extraordinária”, sendo de notar, igualmente, que a sua situação económica, como a de qualquer outra pessoa, não pode constituir motivo para a prática de ilícitos criminais.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 414/2014
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A arguido, com os sinais dos autos, como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., (o segundo, na forma tentada), nas penas parcelares de 2 anos e 9 meses de prisão (para o consumado), e de 1 ano e 9 meses de prisão (para o tentado).
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 383 a 391 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, e porque inconformado, o arguido recorreu para, em sede das suas conclusões, e em síntese, afirmar que excessivas eram as penas parcelares decretadas, que deviam ser especialmente atenuadas, pedindo, a final, a suspensão da execução da pena única resultante do seu cúmulo; (cfr., fls. 402 a 406).

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Respondendo, diz o Ministério Público que se deve confirmar na íntegra a decisão recorrida; (cfr., fls. 408 a 411).

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Neste T.S.I. juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Mostra-se o recorrente inconformado com a pena que concretamente lhe foi aplicada – 3 anos e 9 meses, em cúmulo – almejando a redução respectiva para medida inferior a 2 anos, sustentando ter admitido e confessado os factos, logo quando ouvido no M.P. e acrescentando alguns dados relativos à sua própria circunstância pessoal e familiar, no almejo do regresso à sua própria circunstância pessoal e familiar, no almejo do regresso ao seu país, onde, sustenta, existirão familiares a carecer da sua ajuda e apoio.
Revelando-se estimável e compreensível tal tipo de considerações, a verdade é que as mesma não detêm o condão de afastar a justeza e adequação da medida da pena concretamente aplicada, no encalce da qual não deixaram de ser atendidos, valorados e sopesados os circunstancialismos que o deveriam ser, designadamente a sua admissão dos factos, com os contornos específicos da situação, da mesma forma que não puderam deixar de ser tidos em conta para tal efeito o facto de, manifestamente, não ser a primeira vez que o visado foi decretado tentando, ou consumando ilícitos similares, pelos quais, aliás, fora já condenado anteriormente.
De modo que, não se descortinando que no douto aresto sob escrutínio não tenham, por ventura, sido levados em conta e devidamente sopesados quaisquer factos ou circunstâncias que o devessem ter sido, designadamente nos termos e para os efeitos do art°s 40° e 65°, CP e mostrando-se, no concreto, perante tais circunstancialismos relevantes, a medida alcançada como justa, proporcionada e adequada, entende-se haver que manter o decidido, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 408 a 411).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 385 a 387-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito

3. Insurge-se o arguido dos autos contra o Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., (um na forma tentada), nas penas parcelares de 2 anos e 9 meses de prisão e 1 ano e 9 meses de prisão (para o cometido na forma tentada), e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão.

É de opinião que excessivas são as penas parcelares que lhe foram aplicadas, considerando que merecia uma atenuação especial, pedindo, a final, a suspensão da execução da pena única resultante do seu cúmulo jurídico.

–– Constatando-se que não discute o recorrente a decisão da matéria de facto, assim como a sua qualificação jurídico-penal, que de qualquer forma, não merece qualquer censura, vejamos, começando-se pela pretendida “atenuação especial”.

Como (repetidamente) temos vindo a entender, a atenuação especial da pena “só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e, mais recentemente, de 22.05.2014, Proc. n° 284/2014).

Atento ao que se deixou consignado, e verificando-se que o ora recorrente invoca, essencialmente, a sua postura processual (“confissão”) assim com a sua “situação económica” para justificar a pretendida atenuação especial, sem esforço se conclui que na parte em questão se terá de decidir pela improcedência do recurso.

Com efeito, e embora seja de reconhecer que tais “circunstâncias” não devem deixar de ser objecto de ponderação em sede de determinação da (medida da) pena, claro nos parece que as mesmas não tem a virtude de justificar uma “atenuação especial da pena”, pois que, como se disse, a “colaboração do arguido”, (especialmente, após surpreendido em flagrante delito, como foi o caso), não torna a “situação excepcional ou extraordinária”, sendo de notar, igualmente, que a sua situação económica, como a de qualquer outra pessoa, não pode constituir motivo para a prática de ilícitos criminais, muito menos, de (2) crimes contra o património em que em causa estejam prejuízos de “montante elevado”; (cfr., art. 196° do C.P.M.).

–– Dito isto, e clara nos parecendo a solução a adoptar sobre a questão da pretendida “atenuação especial”, continuemos, passando agora para as “penas”.

Pois bem, nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, e abordando também a questão da medida da pena, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 03.04.2014, Proc. n° 178/2014).

E, nesta conformidade, certo sendo que ao crime de “furto” consumado cabe a pena de prisão até 5 anos ou multa, e ao cometido na forma tentada, esta mesma pena especialmente atenuada, (cfr., art. 198°, n.° 1, al. a) e art. 22°, n.° 3 e 67°, todos do C.P.M.), “quid iuris”?

Ora, cremos que a (também aqui) nenhuma censura merece a decisão recorrida.

Com efeito, as penas parcelares, ainda que à primeira vista possam (eventualmente) parecer “algo severas”, (por estarem para além do meio das suas respectivas molduras), não merecem reparo, pois que importa ter em conta que o arguido não é primário, tendo já cumprido pena de 8 meses de prisão pela prática de um outro crime de “furto”, tendo sido libertado em 08.03.2013, e cometido os 2 crimes dos autos poucos meses depois da sua soltura, em Julho e Agosto do mesmo ano, (sendo que com o primeiro, o consumado, causou um prejuízo superior a MOP$120.000,00).

E, assim sendo, tendo também agido com dolo directo e intenso, movido pelo interesse em enriquecer e levar uma “vida desafogada” à custa de terceiros, não obstante ter acabado de provar a “vida prisional”, há que dizer que fortes são as necessidades de prevenção criminal (especial e geral), a reclamar adequada sanção criminal.

Na verdade, a pena, como “reacção ao crime”, tem de ser “sentida” pelo seu agente, sob pena de (perder ou) ficar sem qualquer efeito, e, como se viu, as agora em questão, foram fixadas dentro das suas respectivas molduras legais e em respeito das disposições que regulam a matéria (da determinação da pena), em especial, os art°s 40° e 65° do C.P.M., não apresentando o recorrente qualquer motivo (aceitável) para as alterar.

Dest’arte, censura não nos merecendo as penas parcelares, (de 2 anos e 9 meses de prisão e de 1 ano e 9 meses de prisão), o mesmo será de afirmar em relação à pena única resultante do seu cúmulo jurídico, (3 anos e 9 meses de prisão), pois que efectuado em total sintonia com os ditames legais do art. 71° do C.P.M..

Com efeito, e como recentemente também decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II – Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência).

–– Aqui chegados, confirmando-se a(s) pena(s) (parcelares e única) aplicada(s), evidente é também que inviável é a pretendida “suspensão da execução da pena única”, pois que verificado não está o pressuposto de ser uma “pena de prisão em medida não superior a 3 anos”; (cfr., art. 48° do C.P.M).

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do que se expôs, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido (recorrente) as custas do presente recurso com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.

Macau, aos 10 de Julho de 2014
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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