Processo nº 375/2014 Data: 03.07.2014
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “burla”.
Erro notório na apreciação da prova.
SUMÁRIO
1. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim. dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
2. Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 375/2014
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “A”, assistente, vem recorrer do Acórdão proferido pelo T.J.B. que absolveu o arguido B da imputada prática de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M..
Motivou para, a final, concluir afirmando:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que decidiu pela absolvição do Arguido B relativamente ao crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211 n° 4 a a) do Código Penal, pelo qual vinha acusado.
2. De acordo com a fundamentação da decisão a quo, os factos supramente transcritos foram considerados como provados ou não provados, fundamenta-se na apreciação critica comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações das testemunhas C (gerente da secção de inspecção da A), D, E, F, G (irmãos do arguido) e H, I e J (todos agentes da PJ) que depuseram com isenção e imparcialidade, e ainda no exame dos documentos e do apreendido aos autos.
3. Tendo o douto Tribunal a quo concluído que apesar de, durante a audiência de julgamento, terem sido exibidos as cassetes vídeos apensados aos autos, que apenas registam as imagens sem gravação do som, aliado o testemunho do gerente da inspecção da SJM e bem assim das declarações dos agentes da PJ, a prova produzida não foi suficiente para o colectivo afastar as razoáveis duvidas para poder concluir com a necessária certeza de que o arguido, de facto cometeu o ilícito criminal por que vem acusado.
4. Atentos aos meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações principalmente das testemunhas C (gerente da secção de inspecção da A) e H (agente da PJ que estava destacada para a investigação deste caso) que depuseram com isenção e imparcialidade, e ainda no exame dos documentos e do apreendido aos autos, salvo devido respeito, não poderia ter sido aquela a conclusão do douto Tribunal "a quo", como se demonstrará.
5. Pois, independentemente da convicção do Tribunal "a quo", a qual, a Recorrente bem conhece como sendo insindicável, o que está em causa é a notoriedade do erro na apreciação da prova que foi produzida em juízo relativamente à absolvição do arguido A relativamente ao crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211 n° 4 al. a) do Código Penal, pelo qual vinha acusado.
6. Compulsados os presentes autos e toda a prova produzida em audiência, pode constatar-se que existem elementos de prova bastantes para retirar qualquer suporte fáctico à decisão ora recorrida, relativamente à absolvição do arguido A em relação ao crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211 n° 4 al. a) do Código Penal.
7. Daí que, conforme se procurará demonstrar, resulta claramente evidente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos neles acolhidos, se encontra inquinada do vício constante do art.° 400°, n° 2 alínea c) do Código de Processo Penal - erro notório na apreciação da prova.
8. A Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro notório na apreciação da prova que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal Colectivo a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal Colectivo, tendo bem presente o dispositivo do art.° 114° do Código de Processo Penal, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido e,
9. Entende a Recorrente que tal se verifica na situação dos autos, e que o vicio apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
10. Na verdade, são um conjunto de elementos de prova que imporiam retirar-se dos mesmos, através de um processo racional e lógico, e por recurso às regras de experiência comum, a conclusão irrecusável de que o Arguido colaborou com uma associação criminosa liderada por "K" e "L", através do seu membro "M", para que viesse para os casinos de Macau, ficando encarregue de efectuar as apostas conforme os dados previamente obtidos, através de um sistema de filmagem da sequência das cartas decorrentes do acto da "raspagem de cartas", provocando assim prejuízos avultados nos casinos de Macau.
11. Ficou bem demonstrado através do visionamento dos vídeos em audiência e julgamento que o N e o D estavam em conluio, uma vez que o croupier D (2.a testemunha - condenado num processo conexo a este por participação de associação criminosa e burla) permitiu várias vezes que o N raspasse as cartas, sendo essa pratica proibida pelo casino, e que o croupier D ao permitir que o parceiro (N) do arguido (A) raspasse as respectivas cartas e filmasse a sequência das cartas para poder analisá-las, para que mais tarde o arguido poder jogar, já com conhecimento da sua sequencia provocando assim prejuízo ao casino propriedade da Recorrente.
12. Razão pela qual, a conduta do Arguido B seria susceptível de constituir um crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211 n° 4 al. a) do Código Penal.
13. Não tendo sido esse o sentido da decisão recorrida, importa dizer, e com o mui devido respeito que nos merece, que a presente decisão se apresenta visivelmente violadora das regras de experiência comum, para que esta não possa sustentar a absolvição do Arguido relativamente ao crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211 n° 4 al. a) do Código Penal pelo qual vinha acusado.
14. Do processo racional e lógico utilizado no presente caso, retirou-se de factos provados apreciação critica e comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações das testemunhas C (gerente da secção de inspecção da A) e H (agente da PJ) que depuseram com isenção e imparcialidade, e ainda no exame dos documentos e do apreendido aos autos - uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária e visivelmente violadora do sentido da decisão e das regras de experiência comum.
15. Conforme os depoimentos da primeira e terceira testemunha e de acordo com o processo racional e lógico interpretativo, salvo devido respeito, o mais lógico teria sido concluir que a final que, efectivamente existiria um acordo de vontades entre o Arguido e os outros membros da referida associação criminosa para a prossecução de fins criminosos, ou seja, para que viesse para os casinos de Macau, ficando encarregue de efectuar as apostas conforme os dados previamente obtidos, através de um sistema de filmagem da sequência das cartas decorrentes do acto da "raspagem de cartas" a fim de provocar prejuízos avultados à Recorrente, neste caso.
16. E que, por essa razão, a conduta do Arguido seria susceptível de constituir um crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211, n° 4, al. a) do Código Penal.
17. Não olvidando que a" norma constante do art.° 211° do Código Penal, visa punir quem: com intenção de obter para si ou para terceiros enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.
18. Também se encontra no disposto do art.° 211° do Código Penal que o crime de burla é dividido em 3 graus consoante a gravidade, aqueles que provocam perda num valor menor a MOP 30.000,00 são condenados à pena de prisão até 3 anos ou multa; os que provocam perda num valor de MOP 30.000,00 a MOP 150.000,00 são condenados à pena de prisão até 5 anos ou multa; aqueles que provocam perda num valor maior a MOP 150.000,00 são condenados à pena de prisão de 2 a 10 anos.
19. O arguido A em conjugação de esforços com terceiros, por vontades comuns e colaborando-se entre si, praticaram no casino de Ponte 16, actos por meio de astúcia com recurso ao esquema de "raspar cartas", enganaram o casino, de forma a obter para si e terceiros enriquecimento ilegítimo, causando ao respectivo casino prejuízos patrimoniais de valores consideravelmente elevados.
20. Consequentemente, por ser de inegável conclusão a conivente implicação do Arguido A na prática dos factos supra descritos, se deveria ter concluído, que praticou o crime de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.° 211, n° 4, al. a) do Código Penal.
21. Não tendo assim sucedido, verificam-se os pressupostos do erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n° 1 do art.° 400° do CPPM, em virtude de se ter retirado de factos constatados uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária e visivelmente violadora do sentido da decisão e das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos lógicos racionais”; (cfr., fls. 487 a 499 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, dizem o arguido e o Digno Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento.
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Neste T.S.I. juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:
“Invocando a ocorrência de erro notório na apreciação da prova, entende a recorrente/assistente que, atentos os meios de prova produzidos em audiência de julgamento, testemunhais e documentais, valorados na sua globalidade, a conclusão alcançada pelo tribunal "a quo" não poderia ter sido, atentas as regras da experiência comum, no sentido da existência de razoáveis dúvidas da prática dos factos imputados ao arguido em causa - A - , apresentando-se tal conclusão como "ilógica, irrazoável, arbitrária e visivelmente violadora do sentido da decisão e das regras da experiência comum", havendo antes, que, perante aquela prova, ter alcançado a "conclusão irrecusável" da prática do ilícito, consistente na efectivação, em colaboração e conjugação de esforços com terceiros, de apostas no casino "Ponte 16 ", conforme dados previamente obtidos através de um sistema de filmagem da sequência das cartas decorrente do acto de "raspagem" das mesmas, por forma a obter para si e terceiros enriquecimento ilícito, à custa de prejuízo consideravelmente elevado causado ao casino.
Não faz nenhum sentido.
No douto acórdão sob escrutínio relatam-se, explicita e claramente os contornos da actuação delituosa imputada ao visado, com a descrição devida das circunstâncias de lugar, tempo e modo dessa imputação, fazendo os julgadores questão de esclarecer dos elementos probatórios analisados e vai orados, nos quais, aliás, não deixam de constar os que a recorrente faz questão de relevar em favor da sua tese, vendo-se, pois bem que a convicção (ou a falta dela) do tribunal se fundou no criterioso escrutínio de toda a prova válida produzida, não se vendo que, do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo que os julgadores erraram ao apreciar como apreciaram, ou se tenha violado qualquer regra ou princípio de direito probatório, ao estabelecer-se a dúvida razoável sobre a prática dos factos, vendo-se bem que a recorrente, fazendo (ao contrário do que a própria indica), tábua rasa da livre apreciação da prova, mais não pretende que impor uma visão pessoalíssima dos acontecimentos, asseverando como "conclusão irrecusável" o registo, sem qualquer dúvida, da prática dos factos imputados ao arguido em questão, quando, valha a verdade, nos encontramos em sede de situação em que a experiência dita precisamente que, devido à astúcia e à destreza, empregue pelos visados a quem são imputadas actuações congéneres, aquela dúvida se pode fácil e razoavelmente estabelecer, sendo certo que, de todo o modo, uma apreciação crítica e rigorosa da prova empreendida (a que não poderá deixar de associar-se o facto de o visado, no jogo, ter tido ganhos e perdas, corno é normal) não é de molde a poder afirmar-se, com o necessário rigor e segurança que a dúvida instalada no espírito dos julgadores não detenha contornos de razoabilidade.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender haver que manter o decidido, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 519 a 520).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 466-v a 469, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a assistente dos autos recorrer do Acórdão que absolveu o arguido B da imputada prática de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M..
Colhe-se da sua motivação e conclusões de recurso que, na sua opinião, padece o dito veredicto do vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Tal como de forma clara e cabal já se expôs no Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, cremos que não tem a assistente ora recorrente razão.
Vejamos.
Tem este T.S.I. vindo a entender que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 13.02.2014, Proc. n.° 754/2013 do ora relator).”
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”;
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso;
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer; e,
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014).
No caso, e em síntese, estava o arguido acusado de, num casino explorado pela recorrente, e em conluio com outros indivíduos, assegurar o resultado de jogadas de bacará através de “manobras fraudulentas”, (raspagem de cartas e filmagens), obtendo assim ganhos e causando prejuízos à ora recorrente, calculados em H.K.D.$895.500,00.
E, após o julgamento, dando como não provada (toda) a factualidade que relatava tal “actividade”, e em sede de fundamentação, assim consignou o Colectivo a quo:
“A convicção do Tribunal fundamenta-se na apreciação crítica e comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações das testemunhas C (gerente da secção de inspecção da A), D, E, F, G (irmãos do arguido) e H, I e J (todos agentes da PJ) que depuseram com isenção e imparcialidade, e ainda no exame dos documentos e do apreendido aos autos.
Com efeito, e apesar de, durante a audiência de julgamento, terem sido exibidos os cassetes vídeos apensados aos autos, que apenas registam as imagens sem gravação do som, aliado o testemunho do gerente da inspecção da SJM e bem assim das declarações dos agentes da PJ, a prova produzida não foi suficiente para o colectivo afastar as razoáveis dúvidas para poder concluir com a necessária certeza de que o arguido, de facto, cometeu o ilícito criminal por que vem acusado”; (cfr., fls. 469-v).
Ora, tendo o que até aqui se expôs em conta, e ponderando na “argumentação” desenvolvida pela ora recorrente, cremos que motivos não há para se censurar o Colectivo a quo, (que dando aplicação ao princípio in dubio pro reo, absolveu o arguido da prática do imputado crime de “burla”).
Com efeito, nada nos autos – nomeadamente o invocado “vídeo” e “depoimentos” – permite afirmar que incorreu o T.J.B. no assacado vício, pois que não se vislumbram elementos probatórios que se possam considerar suficientes para, com a necessária segurança, inverter o decidido.
Há pois que não olvidar que as declarações e depoimentos são elementos de prova livremente apreciados pelo Tribunal a quo, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), e que o alegado “vídeo”, pode também permitir “várias leituras”, não nos parecendo que, de forma “apodíctica”, possa apontar em sentido contrário ao decidido, nomeadamente, que o arguido agiu “em conluio com terceiros para…”, pois que os autos, (e principalmente a acusação), não esclarece que jogadas foram feitas, com que montantes, que atitudes tomou o arguido, etc…
Admitindo-se que se podia ficar com a “impressão” de que houve “actividade criminosa”, (e que o arguido pudesse estar envolvido), tal (mera impressão) não constitui “erro notório na apreciação da prova”, já que, este, como se disse, não se traduz numa “leitura possível” implicando a violação de regras sobre o valor da prova tarifada, regras de experiência ou legis artis, não nos parecendo ser o caso dos presente autos.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Face ao exposto, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com 8 UCs da taxa de justiça.
Macau, aos 03 de Julho de 2014
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido na decisão do recurso, porquanto entendo que o Tribunal Colectivo recorrido incorreu efectivamente no erro notório na apreciação da prova como vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP, quando julgou que o videograma visionado na audiência de julgamento, só com imagens e sem som, não contribuiu para afastar a “dúvida razoável” desse Tribunal sobre a prática, pelo arguido, dos factos imputados (crf. o teor do segundo e último parágrafo da fundamentação tecida na decisão ora recorrida acerca do processo de formação da livre convicção sobre os factos). De facto, segundo a matéria fáctica imputada ao arguido, o crime de burla em causa não foi cometido através das palavras verbais ou conversações, mas sim propriamente por jogadas na mesa de jogo do casino, pelo que entendo que tendo o decurso dessas jogadas já sido gravado no videograma de vigilância do casino em causa, videograma esse que ilustrou, aliás, a factualidade delituosa então imputada ao arguido (para constatar isto, pode ver-se o auto de visionamento lavrado a fls. 423 a 442), violou realmente o Tribunal Colectivo recorrido “leges artis” vigentes no campo jurisdicional de julgamento da matéria de facto, ao ter considerado, na fundamentação probatória da sua livre convicção sobre os factos, que aquele videograma sem som não dava para esclarecer se o arguido tinha praticado os factos imputados. Daí que deveria, no meu entender, proceder o recurso da assistente).
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Proc. 375/2014 Pág. 1