Processo n.º 654/2013
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 24/Julho/2014
ASSUNTOS:
- Denúncia de arrendamento
- Notificação da denúncia
- Artigo 216º do Código Civil
SUMÁRIO :
Não basta o destinatário dizer que não recebeu a carta que denunciava o contrato de arrendamento; se recebeu o aviso da carta registada e não a levantou, não dando qualquer razão para esse não levantamento, qualquer impossibilidade nesse sentido, então, temos de presumir que não levantou porque não quis e o Direito não pode tutelar uma conduta dessa natureza.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 654/2013
(Recurso Cível)
Data : 24/Julho/2014
Recorrentes : - A
- B
- C
Recorridos : Os mesmos
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. C, ré na acção, mais bem identificada nos autos, vem recorrer da douta sentença proferida pelo Tribunal de Judicial de Base, a qual declarou cessado o contrato de arrendamento celebrado entre Recorrente (locatária) e Recorridos (locador), por considerar ter existido denúncia válida e eficaz por parte dos senhorios, mais ordenando a restituição da fracção em questão e a condenação da Recorrente ao pagamento aos Recorridos da quantia mensal de MOP$8.232,00, a título de indemnização, desde 1 de Março de 2011 até efectiva restituição do imóvel, nos termos do art. 1027° n.º 2 do CC.
Para tanto, alega em síntese conclusiva:
1. A Recorrente não pode conformar-se com a subsunção dos factos provados ao Direito e consequente "conclusão" defendida pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida, ao considerar ter existido comunicação válida e eficaz por parte dos Recorridos da intenção de não renovação do contrato de arrendamento celebrado entre aqueles e a ora Recorrente.
2. Desde logo porque, salvo o devido respeito, da matéria provada não resulta qualquer facto que permita concluir que os Recorridos, na qualidade de senhorios, cumpriram os pressupostos e as formalidades imperativos do art. 1039° do CC.
3. Quanto ao facto de os Recorridos anteriormente terem informado verbalmente a Recorrente de que não tencionavam renovar o contrato, tal é totalmente irrelevante para efeitos da denúncia do contrato, pois, não constitui meio válido para transmitir a declaração de vontade pretendida.
4. Por outro lado, o Tribunal não pode extrapolar conclusões sobre os motivos ou o processo de intenção da Recorrente quanto ao não levantamento da carta registada, enviada pela Advogada dos Recorridos em 18/11/2010, quando nada foi alegado nem sequer provado documentalmente ou por qualquer das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, sobre tais razões.
5. Na verdade, o que apenas ficou provado é que a dita carta não foi recebida pela Recorrente.
6. Por outro lado, não pode o Tribunal basear a sua fundamentação em factos completamente vagos e hipotéticos, aceitando como válida e eficaz uma comunicação escrita entregue a um "um indivíduo de sexo masculino de identidade não apurada"que terá "prometido" entregar a dita comunicação à Ré.
7. Além disso, verifica-se uma contradição entre os factos efectivamente provados e as considerações tecidas pelo Tribunal em sede de fundamentação, quando diz que "entregaram ao marido da Ré uma carta", sendo que em momento algum dos depoimentos se nomeou o marido da Ré ou se provou que aquele tenha recebido qualquer carta.
8. Inclusive, diz-se claramente na douta sentença que “não obstante a promessa de entrega feita pelo indivíduo que recebera a carta de denúncia) não consta dos factos assentes que aquele assim fez”.
9. Portanto, o Tribunal não sabe quem entregou a comunicação, quando e se chegou ao poder da Recorrente.
10. O art. 216º do Código Civil refere que a "declaração se considera eficaz se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida"
11. Todavia, nenhum dos factos provados permite concluir da existência de culpa da parte da Recorrente.
12. Quanto à forma, o legislador pretendeu revestir a comunicação da denúncia de maior formalismo, em nome da certeza e segurança jurídicas, para garantir a efectiva recepção e prova da comunicação, estabelecendo imperativamente que "a denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente" (art. 1039° n.º l do CC).
13. Quanto à transmissão, em Portugal, por exemplo, a lei prescreve expressamente que as comunicações entre as partes se fazem mediante carta registada com aviso de recepção (Cfr. artigo 9°, n.º 1 "NRAU").
14. E quanto à comunicação a efectuar pelo senhorio, destinada à cessação do contrato por resolução, a lei portuguesa determina que tem de ser efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, de solicitador, ou de solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificado (Cfr. artigo 9°, n.º 7 do NRAU).
15. Efectivamente, "o legislador, dada a delicadeza da matéria (…), definiu a necessidade da observância de determinadas formalidades, a fim de acautelar os interesses das partes envolvidas e evitar a existência de potenciais conflitos resultantes da forma de comunicação entre os sujeitos contratuais" (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/05/2008, Proc. 4055/2008-6, in www.dgsi.pt).
16. Com efeito, os interessados podiam ter efectuado a comunicação através de notificação avulsa, o que não sucedeu.
17. De outra forma, acolher a tese do douto aresto recorrido, seria aceitar que a comunicação da denúncia de um contrato de arrendamento pudesse ser feita, por exemplo, por mera afixação de um anúncio na porta do locado, através de e-mail ou até mediante bilhete deixado ao porteiro, o que reputamos inadmissível.
18. Acresce que o douto Tribunal considerou que a denúncia se tornou eficaz com o envio da carta pela Advogada, em 18/11/2010, "pois independentemente da razão do não recebimento da caria, os riscos são da Ré", não se entendendo afinal, se a denúncia, operou em 18 de Novembro de 2010 ou em 29 de Novembro de 2010.
19. Por fim, à revelia do princípio da igualdade das partes, do princípio do dispositivo e do ónus da prova, o Tribunal procurou, a todo o custo, acolher a intenção dos Recorridos de terminar a relação locatícia em questão, baseando-se em meras hipóteses e suposições, não em factos efectivamente demonstrados.
20. Sendo que a prova da efectiva transmissão da comunicação escrita sobre a denúncia do contrato, de curial importância nesta acção, e que cabe a quem alega o direito, não foi feita pelos Recorridos.
21. De todo o exposto resulta que, ao decidir como decidiu, a douta sentença julgou incorrectamente a matéria de facto dada como provada, violando, entre outras, as regras do artigos 563°, n.° 3 e 571 ° , n° 1, c) do Código de Processo Civil e os artigos 1039°, 1027° todos do Código Civil.
Nestes termos entende que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
2. A e B, ora autores dos autos supracitados, tendo recebido o recurso interposto pela ré C, contra-alegam, dizendo, em suma:
1. O Tribunal recorrido já provou que os autores já comunicaram verbalmente a ré no ano de 2010 que não irá renovar o contrato uma vez vencido o prazo, ao mesmo tempo, notificaram-lhe por carta do advogado da restituição da fracção, mas a ré recusou-se a receber esta carta, tendo a mesma devolvida em 18 de Novembro de 2010. Em 29 de Novembro de 2010, D e E deslocaram-se para a aludida fracção e encontraram lá um homem desconhecido, a seguir E deu-lhe a comunicação escrita, nela expressou a intenção dos autores que não querem renovar o contrato de arrendamento e exigirem à ré a entrega da fracção antes de 28 de Fevereiro de 2011, e este homem prometeu-lhes a entrega desta comunicação à ré.
2. Nos termos do art.º 216.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil e segundo a doutrina de Mota Pinto, o Tribunal recorrido entende que a declaração negocial se torna eficaz logo que chega ao domínio do destinatário, independentemente do seu conhecimento efectivo, assumindo o destinatário o risco.
3. Ao mesmo tempo, a recorrente entende que o Juízo não pode concluir a razão da ré na falha de recebimento da carta por não ser verificada por qualquer documento ou testemunha no Juízo.
4. O Tribunal recorrido também verificou, conforme os factos provados, que a ré já tinha conhecimento da intenção de não renovação dos autores após o termo do contrato em 28 de Fevereiro de 2011, uma vez que já lhe disse por várias vezes.
5. A ré também não disse nem provou que não se encontrou em Macau na altura ou outra razão de impedimento de recebimento da referida carta.
6. Por outro lado, o acórdão do Tribunal recorrido, a fls. 8, refere-se a que “entregaram ao marido da ré uma carta”, por sua vez, a recorrente entende que não há testemunha que indicou que este homem é o marido da ré e este já recebeu a carta.
7. No entanto, analisamos cuidadosamente o acórdão, não é difícil descobrir que este facto expressou a intenção faz parte da citação das alegações dos autores, não sendo conclusão formulada pelo Tribunal a quo.
8. De facto, o acórdão recorrido já narrou na sua fls. 8, parágrafo 2 o respectivo facto, nele não concluiu que a ré se recusou a receber a carta por ter conhecimento da intenção dos autores, nem o marido da ré já recebeu a carta. O acórdão recorrido mostrou expressou a intenção que os autores comunicaram à ré no ano de 2010 a sua intenção de não renovação do contrato, e a seguir notificaram-lhe por carta do advogado, exigindo-lhe a entrega da fracção após o termo do contrato, mas a ré recusou-se a receber a carta emitida pelo advogado em 18 de Novembro de 2010, e em 29 de Novembro de 2010, D e E deslocaram-se para a referida fracção e encontraram lá um homem desconhecido, a seguir E deu-lhe a comunicação escrita, nela expressou a intenção dos autores que não querem renovar o contrato de arrendamento e exigirem à ré a entrega da fracção antes de 28 de Fevereiro de 2011, e este homem prometeu-lhes a entrega desta comunicação à ré.
9. O acórdão já explicou detalhadamente que, nos termos do art.º 216.º do Código Civil e segundo a doutrina de Mota Pinto, o Tribunal recorrido entende que a declaração negocial se torna eficaz logo que chega ao domínio do destinatário, independentemente do seu conhecimento efectivo, assumindo o destinatário o risco.
10. De facto, a ré não contou nem provou que a recorrente não se encontrou em Macau ou que há outras razões de impedimento de recebimento na altura em que os autores lhe remeteram a comunicação.
11. E nos termos do art. 558.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
12. Portanto, os MM.ºs Juízes do TIB apreciaram livremente as provas de facto conforme os depoimentos das testemunhas e as provas documentais.
13. Assim, a situação referida pela recorrente nos artigos V a XX das alegações traduz-se em pôr em dúvida a convicção dos MM.ºs Juízes do TJB, o que é absolutamente inaceitável.
14. Ao mesmo tempo, é de notar que nos termos do art.º 567.º do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º.
15. Portanto, não têm razões e violaram os dispostos nos art.º 558.º n.º 1 e 567.º do Código de Processo Civil as motivações de recurso da recorrente.
16. Por fim, ainda referiu a recorrente que nos termos do art.º 9.º n.º 7 do Novo Regime do Arrendamento Urbano de Portugal, mais adiante designado por NRAU, a forma da comunicação da resolução do contrato é mais rigorosa, devendo ser feita através das notificações avulsas ou do contacto do próprio advogado ou solicitador.
17. No entanto, a questão que a recorrente levantou incide na resolução do contrato, tratando-se de resolução feita por arrendatário ou arrendador por causa de incumprimento de obrigações por parte contrária, antes da expiração do prazo do contrato, por outro lado, no presente caso fala-se sobre a denúncia contratual, cessando o contrato por causa de não renovação após a expiração do prazo do contrato e sendo distinto do primeiro.
18. Aliás, nos termos do art.º 9.º n.º 1 do NRAU de Portugal, salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção.
19. O disposto no art.º 10.º do NRAU de Portugal corresponde à doutrina de Mota Pinto que os MM.ºs Juízes citaram no acórdão, isto é, nos termos do art.º 216.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, que entregou a comunicação a um homem que se encontrou na fracção arrendada e este prometeu-lhe a entrega à ré, quer notificou a ré através da carta postal pelo advogado, a denúncia produz efeitos em ambos os casos, e independentemente das razões de falha de recebimento, o risco será assumido pela ré.
20. Ao mesmo tempo, a recorrente entende que não é correcto que o Tribunal recorrido considerou a data de denúncia como a da emissão da carta pelo advogado em 18 de Novembro de 2010 ou a da entrega da comunicação da denúncia ao homem que prometeu a entrega à ré em 29 de Novembro de 2010.
21. Aliás, esta questão não é relevante, já que ambas as datas se encontram no período de antecedência de 90 dias, não violando o disposto relativo à comunicação da denúncia previsto no art.º 1039.º do Código Civil, nem prejudicando o reconhecimento do Tribunal recorrido sobre a validade da denúncia do contrato de arrendamento.
22. Pelo que o acórdão recorrido não violou os dispostos nos art.º 563.º n.º 3 e art.º 571.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil e os dispostos nos art.ºs 1039.º e 1027.º do Código Civil e ao recurso da recorrente faltou evidentemente os fundamentos de direito e de facto, devendo negar provimento ao recurso.
Pugna, assim, pelo não provimento do recurso.
3. A e B, autores do processo supracitado, interpõem também recurso da mesma sentença, dizendo em síntese conclusiva:
1. Não foi provado pelo acórdão do Tribunal a quo o ponto 7 dos factos a provar, ora artigo 7 dos factos da base instrutória no despacho saneador, a fls. 56 dos autos.
2. Os recorrentes entendem que não é correcto que o Tribunal a quo não considerou como provado o facto supracitado.
3. Na respectiva audiência de julgamento, as duas testemunhas dos autores (ora recorrentes), D e E, declararam que os autores já encontraram arrendatário quem quer arrendar a fracção autónoma em apreço, no valor de renda de MOP 10.000,00, mas como a ré não desocupou a aludida fracção, pelo que os autores não conseguiram dar arrendamento a outro arrendatário. (translator 2, recorded on 14-Mar-2013 at 10.42.25, 5:24 a 5:44, 17:18 a 17:46; 22:12 a 22:47 e 33:29 a 35:09).
4. Ao mesmo tempo, no Juízo não há testemunha, nem provas em contrário que provam que a fracção dos autores não pode ser arrendada no valor de renda de MOP 10.000,00, ou que não há arrendatário quem quer tomar de arrendamento a referida fracção no referido valor de renda.
5. Pelo que, segundo a situação supracitada, o acórdão recorrido deve dar como provado o artigo 7 dos factos de base instrutória constante no despacho saneador.
6. Por outro lado, o acórdão do Tribunal a quo indicou que não foi provado que caso os autores tivessem recebido a referida fracção autónoma após a cessação contratual, já poderiam ter celebrado imediatamente novo contrato de arrendamento, auferindo de um valor de renda MOP 10.000,00.
7. Nos termos do art.º 558.º do Código de Processo Civil de Macau, o legislador confere ao juiz a apreciação livre da prova e a formação livre da convicção, portanto, o tribunal de recurso não admite o recurso logo que seja interposto contra a formação livre da convicção ou a apreciação livre da prova.
8. Ora, a livre apreciação das provas do juiz não é completamente fora da apreciação do tribunal de recurso, e nos termos do art.º 529.º (sic.) n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância.
9. Tal como se refere aos pontos 3 e 4 supracitados, os recorrentes não percebem por que razão que o Tribunal a quo entende que não há provas suficientes para verificarem que os autores podem dar arrendamento a fracção autónoma em apreço imediatamente logo que a readquiram, no valor de renda de MOP 10.000,00.
10. Portanto, o Tribunal a quo violou o disposto do princípio da livre apreciação da prova p.p. pelo art.º 558.º do Código de Processo Civil.
11. O acórdão do Tribunal a quo indicou que não foi provado que caso os autores tivessem recebido a referida fracção autónoma após a cessação contratual, já poderiam ter celebrado imediatamente novo contrato de arrendamento, no valor de renda MOP 10.000,00.
12. Pelo que nos termos do art.º 2017.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, o Tribunal a quo decidiu condenar a ré no pagamento aos dois autores a indemnização desde 1 de Março de 2011 até à restituição da fracção autónoma supracitada, no valor mensal de MOP 8.232,00, isto é, dobro da renda original (MOP 4.116,00).
13. Ora, o Tribunal a quo considerou como provado o ponto 6 dos factos a provar, isto é, ponto 6 dos factos da base instrutória do despacho saneador, a fls. 56 dos autos.
14. Tal como se refere nos pontos 3 e 4 supracitados, o ponto 7 dos factos da base instrutória do despacho saneador deve ser considerado provado.
15. Nos termos do art.º 1027 n.º 3 do Código Civil, fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
16. Portanto, os autores têm direito à indemnização no valor de venda mensal de MOP 10.000,00, em vez de dobro da renda no valor de MOP 8.232,00.
17. Portanto, o acórdão do Tribunal a quo, que decidiu condenar a ré no pagamento aos dois autores a indemnização desde 1 de Março de 2011 até à restituição da fracção autónoma supracitada, no valor de renda mensal de MOP 8.232,00, isto é, dobro da renda (MOP 4.116,00), violou o disposto no art.º 1027.º n.º 3 do Código Civil.
18. O acórdão do Tribunal a quo considerou como provado o ponto 6 dos factos a provar, isto é, ponto 6 dos factos da base instrutória do despacho saneador, a fls. 56 dos autos.
19. Uma vez que a ré estava a ocupar a referida fracção autónoma dos autores e foi provado que o valor de arrendamento comercial para aquele local no ano de 2011, é de MOP 10.000,00 por mês, a ré devia pagar aos autores a renda comercial no valor de MOP 10.000,00.
20. Aliás, a decisão do Tribunal a quo condenou a ré no pagamento aos autores a indemnização de dois meses da renda original, no valor de MOP8.232,00.
21. Quer dizer, os autores perderam um montante no valor de MOP 1.768,00 mensalmente e perda essa é o mesmo valor de enriquecimento sem causa da ré pela ocupação da fracção autónoma dos autores.
22. Portanto, a decisão do Tribunal a quo que condenou a ré no pagamento aos dois autores a indemnização de dois meses da renda original, no valor total de MOP 8.232,00, perdeu justiça e ao mesmo tempo, violou o disposto no art.º 467.º do Código Civil, a modo de que a ré enriqueça sem causa.
Face ao exposto, pedem se considere procedente o recurso.
4. C, notificada da apresentação das alegações de recurso dos autores, contra-alega, dizendo, no essencial:
1. Vêm os Recorrentes recorrer da douta sentença, impugnando a decisão de facto quanto ao quesito 7°, por entenderem que da prova produzida resulta demonstrado que “caso os autores tivesses recebido a referida fracção autónoma, já poderiam ter celebrado novo contrato de locação, auferindo um valor de renda de MOP$10.000, 00”.
2. E por conseguinte, consideram que, ao condenar a Ré a pagar aos Recorrentes, a título de indemnização, a quantia mensal equivalente ao dobro da renda estipulada, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1027° n.º 3 e 467° do Código Civil.
3. Entendimento que, salvo o devido respeito, carece de total fundamento de facto e de direito.
4. É sabido que no domínio da valoração da prova vigora o princípio da livre apreciação do julgador, segundo o qual o Juiz faz uma valoração livre, não tabelada, através do uso da razão para demonstrar a verdade dos factos.
5. Feita a análise crítica das provas segundo as máximas da experiência e as regras da lógica, o Juiz deverá destacar o modo como se fez o seu convencimento, indicando os meios probatórios e os motivos por que foram esses meios determinantes para a sua convicção.
6. Ora, o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto ao ponto 7° da matéria de facto, referindo que a prova apresentada "não permitiu concluir com suficiente certeza que os autores teriam conseguido mesmo arrendar o imóvel pela renda mensal de MOP$10.000,00".
7. De facto, dos depoimentos das testemunhas D and E, não resulta, com considerável grau de certeza, que os Recorrentes poderiam ter arrendado o locado por MOP$10.000,00/mês e durante quanto tempo.
8. Não só porque se trata de um facto completamente hipotético e condicional, cuja verificação está sujeita a inúmeras vicissitudes.
9. Como certamente o Tribunal não ignorou, quanto aos referidos depoimentos prestados, a contiguidade dos interesses económicos entre as testemunhas, agentes imobiliários e os Recorrentes, nomeadamente, quanto ao interesse na cessação do contrato vertente e execução de novo contrato por valor superior.
10. É que, conforme se defende no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.12.2011, proferido no proc. n° 1375/08, acessível em www.dgsi.pt. “o julgador no seu trabalho de valoração da prova e de reconstituição dos factos com o fim de atingir uma verdade, não está obrigado a aceitar ou recusar cada uma das declarações ou depoimentos na globalidade. Poderá extrair de cada um deles, o que lhe merece ou não crédito (…)”.
11. Além disso, "não viola qualquer regra de direito probatório a não valorização da totalidade do depoimento de uma testemunha se, em face dos demais elementos de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, se evidencie que, relativamente a certos factos, a testemunha assumiu um posicionamento interessado" (cfr. Ac. cit.),
12. Na verdade, a convicção do Tribunal (onde releva não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a credibilidade, por exemplo) obtida com o beneficio da imediação e da oralidade, apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
13. Importa que o Recorrente demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
14. Ora, no caso em apreço, o tribunal estabeleceu um "substrato racional de fundamentação e convicção", sendo improcedente a alegação de errada fundamentação probatória.
15. Além disso, os Recorrentes pretendem apenas uma "revisão" da convicção obtida pelo Tribunal recorrido, mas nenhum dos argumentos avançados coloca em crise a apreciação fundamentada, lógica e compreensível da prova realizada pelo Tribunal recorrido.
16. Ao visar a alteração da matéria de facto pela via da revogação do princípio da livre apreciação da prova, o recurso é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitado.
17. Dito isto, como não resultaram provados quaisquer "prejuízos excedentes" não podia o Tribunal a quo considerar qualquer indemnização nos termos do art. 1027° n.° 3 do CC.
18. Pelo que não tem qualquer sentido o evocado enriquecimento sem causa da Recorrida.
19. Em suma, quanto ao ponto da matéria de facto impugnado pelos ora Recorrentes, por se encontrar devidamente fundamentada, face à prova produzida e segundo as regras da experiência e do livre e prudente arbítrio judicial, a decisão recorrida, é, nesse ponto, incensurável.
20. E no demais, é manifesta a falta de suporte concreto à alegada violação dos artigos 1027° n.º 3 e 467°, todos do CC.
Nestes termos, afirma, deve ser negado provimento ao recurso dos autores.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- Os Autores são donos da fracção autonoma “ER/C”, do rés-do-chão “E”, para comércio, do prédio sito em Macau, na XXXX, XXXX e XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº XXX, a fls. 103 do Livro B124, encontrando-se a aquisição registada a seu favor pela inscrição n.º XXX (alínea A) dos factos assentes).
- Fracção autónoma que adquiram por escritura pública outorgada no dia 26 de Abril de 2001, a fls. 40 do Livro 18 do Notário Privado G (alínea B) dos factos assentes).
- A referida fracção autónoma encontra-se, igualmente, inscrita na matriz predial n.º XXXX, em nome dos Autores, com o valor matricial de MOP$988.800,00 (alínea C) dos factos assentes).
- No dia 10 de Janeiro de 2009, a Srª D, actuando na qualidade de gestor de negócios dos Autores, celebrou com a Ré C, um acordo, pelo qual, esta tomou de arrendamento a fracção “ER/C”, do rés-do-chão “E”, daquele prédio, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de HKD$4.000,00, equivalentes a MOP$4.116,00 (alínea D) dos factos assentes).
- Como esse acordo foi celebrado pela referida Sr.ª D, actuando como gestora de negócios dos ora Autores, estes, em 24 de Maio de 2011, procederam à ratificação do mencionado negócio jurídico, uma vez que o mesmo havia sido realizado no seu interesse (alínea E) dos factos assentes).
- O referido contrato foi assinado pelo prazo de um ano, podendo ser renovável por iguais períodos de tempo de acordo com a legislação aplicável (alínea F) dos factos assentes).
- Destinando-se o locado, a fim comercial (alínea G) dos factos assentes).
- A locatária e ora Ré Srª C, explora na referida fracção, um estabelecimento comercial denominado “H礦泉水蒸餾水”, de que é a única proprietária, onde comercializa água engarrafada (alínea H) dos factos assentes).
- A Ré C não pagou as rendas devidas pelos meses de Março, Abril e Maio, que se venceram do 1º dia útil de cada um desses meses (alínea I) dos factos assentes).
- O Autor recusou-se a receber os cheques para pagamento das rendas de Março, Abril e Maio de 2010 (alínea J) dos factos assentes).
**
Da Base Instrutória:
- Os Autores informaram verbalmente a Ré C por diversas ocasiões e ainda no decurso do ano de 2010 que, no final do período contratual então em curso, não iriam renovar o referido contrato de arrendamento (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Solicitaram à sua advogada, Dra F, que enviasse uma carta registada com aviso de recepção, informando a Arrendatária e a Ré da sua intenção de reaver a referida fracção autónoma “R/CE” desocupada, a qual lhes deveria ser restituída livre e devoluta, no termo do contrato de arrendamento então em vigor (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- A referida Ré não procedeu ao levantamento dessa carta registada, remetida em 18 de Novembro de 2010 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Em 29 de Novembro de 2010, E e D dirigiram-se à loja da arrendamento, onde encontraram um indivíduo de sexo masculino de identidade não apurada que ali se encontrava (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Nessa ocasião, E procedeu à entrega a esse indivíduo uma comunicação por escrito, onde constava a intenção dos Autores de não procederem à renovação do contrato de arrendamento e a intimação da Ré para desocupar a mencionada fracção autónoma até ao dia 28 de Fevereiro de 2011, tendo o referido indivíduo prometido entregar a comunicação à Ré (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- O valor de arrendamento comercial para aquele local no ano de 2011, é de MOP$10.000 por mês (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).”
III - FUNDAMENTOS
1. Vêm interpostos dois recursos da douta sentença: um dos autores, em que para além do despejo, operado por denúncia contratual, pretendem ainda uma indemnização correspondente ao valor das rendas deixadas de auferir com base nos novos valores de mercado, pondo em crise o julgamento de facto sobre essa matéria fáctica; outro, dos réus, que defendem não ter ocorrido uma denúncia válida do contrato de arrendamento.
2. Sufraga-se aqui o douto entendimento vertido na sentença recorrida - salvo um ou outro ponto abaixo melhor clarificado - que, pelo seu acerto, se passa a transcrever:
“Pretendem os Autores que seja declarada a cessação por denúncia do contrato de arrendamento de que aqueles são senhorios e a Ré inquilina e o consequente despejo desta do locado.
Para o efeito alegam que denunciaram o contrato de arrendamento para o termo do mesmo em 28 de Fevereiro de 2011 com a antecedência mínima exigida por lei mas que, apesar disso, a Ré se recusava a restituir o imóvel.
Contestando a acção, vem a Ré negar que houve qualquer denúncia válida do contrato para o termo do mesmo em 28 de Fevereiro de 2011.
Preceitua o artigo 1013º, nº 2, do CC que “O arrendamento cessa através dos meios indicados no número anterior e ainda através de denúncia, sujeita ao regime dos artigos 1038º e 1039º.”
Segundo o artigo 1022º, nº 1, a), do CC, “O contrato de locação caduca findo o prazo do contrato, salvo o disposto, quanto ao arrendamento, nos nº s 1 e 2 do artigo 1038º.”
Nos termos do artigo 1038º, nº 1, do CC, “Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.”
Feita esta resenha, vê-se que o que interessa apurar para decidir sobre os dois primeiros pedidos dos Autores é a existência ou não da alegada denúncia do contrato para o termo em 28 de Fevereiro de 2011.
Conforme os factos assentes, existe entre as partes uma relação de arrendamento de que são senhorios os Autores e arrendatária a Ré, relação esta estabelecida em 10 de Janeiro de 2009, por um período de 1 ano, pela renda mensal de MOP$4.116,00. Além disso, do contrato em questão cuja cópia se encontra junta aos autos a fls 16, constata-se que o prazo então fixado era de 1 de Março de 2009 a 28 de Fevereiro de 2010.
Uma vez que os Autores alegaram que o contrato foi automaticamente renovado em 1 de Março de 2010 e fundamentam a sua pretensão na alegada denúncia do mesmo para o termo em 28 de Fevereiro de 2011, conclui-se que, na data em que se pretendia fazer cessar o contrato, o mesmo durou dois anos.
Nos termos do artigo 1038º, nº 2, do CC “… o senhorio não goza do direito de denunciar o contrato para o seu termo ou para o termo das renovações antes do decurso de 2 anos sobre o início do arrendamento.”
Tendo em conta o estipulado nessa norma, nada obstava a que os Autores denunciassem o contrato para o termo em 28 de Fevereiro de 2011.
No que se refere à própria denúncia, alegam os Autores que tinham, por várias vezes, avisado verbalmente a Ré da sua pretensão, tinham também tentado enviar três cartas à Ré para o mesmo efeito as quais não foram recebidas, uma delas porque a Ré, sabendo da intenção dos Autores, se recusou-se a receber, e finalmente entregaram ao marido da Ré uma carta donde consta expressamente a sua intenção de não renovar o contrato para o termo do contrato então em vigor e de reaver o locado.
Feito o julgamento da matéria de facto, ficou provado que efectivamente os Autores, por diversas ocasiões e ainda no decurso do ano de 2010, tinham informado verbalmente a Ré que, no final do período contratual então em curso, não iriam renovar o referido contrato de arrendamento; tinham enviado, através da sua advogada, uma carta à Ré informando-a da sua intenção de reaver o locado desocupado, a qual lhes deveria ser restituída livre e devoluta, no termo do contrato de arrendamento então em vigor; que a Ré não tinha levantado essa carta, remetida em 18 de Novembro de 2010; em 29 de Novembro de 2010, E e D tinham-se dirigiram ao locado onde encontraram um indivíduo de sexo masculino de identidade não apurada que ali se encontrava; e E tinha entregue a este indivíduo uma comunicação por escrito, onde constava a intenção dos Autores de não renovarem o contrato de arrendamento e a intimação da Ré para desocupar a fracção autónoma até ao dia 28 de Fevereiro de 2011, tendo o referido indivíduo prometido entregar a comunicação à Ré.
Preceitua o artigo 1039º, nº 1, b), do CC que “A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima de 90 dias, se o prazo for igual ou superior a 1 ano e inferior a 6 anos.”
Dos factos assentes referidos no penúltimo parágrafo anterior, verifica-se que a Ré sabia que os Autores não pretendiam renovar o contrato de arrendamento para o termo do contrato em 28 de Fevereiro de 2011 porque estes a informaram por várias vezes, no entanto, nenhuma das duas comunicações por escrito foram recebidas pela Ré apesar de todas elas terem sido emitidas com a antecedência mínima de 90 dias. É que, não obstante a promessa de entrega feita pelo indivíduo que recebera a carta de denúncia, não consta dos factos assentes que aquele assim fez.
Será assim de considerar não eficazmente feita a denúncia?
Julga-se que não.
Senão, vejamos.
Nos termos do artigo 216º do CC “1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não pode ser conhecida é ineficaz.”
Trata-se da doutrina de recepção que apenas exige que a declaração chegue à esfera de acção do destinatário se não for dela efectivamente conhecida. Segundo Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pg 442, “… quando a declaração da aceitação foi levada à proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (v. g., apartado, local de negócios, casa); uma enfermidade, uma ausência transitória de casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário.”
Ora, como foi referido, em 18 de Novembro de 2010, os Autores, através da sua advogada, enviaram uma carta com aviso de recepção à Ré avisando-a da sua intenção de reaver o locado no termo do contrato em vigor carta esta não levantada pela Ré.
A cópia da carta em questão está junta a fls 19 e o original junto a fls 21. Conforme esses dois documentos, a carta foi enviada para a fracção autónoma arrendada onde a Ré explora um estabelecimento comercial.
Assim, tendo em conta o disposto no artigo 216º, nºs 1 e 2, do CC, a denúncia foi eficazmente feita. Pois, independentemente da razão do não recebimento da carta, os riscos são da Ré.
Pelo que se conclui que o contrato de arrendamento caducou por força da denúncia feita pelos Autores.
Assim, é de julgar procedente o primeiro pedido devendo a data da cessação ser 28 de Fevereiro de 2011 e não 1 de Março de 2011.
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Nos termos do artigo 983º, j), do CC, “São obrigação do locatário restituir a coisa locada findo o contrato, nos termos do nº 1 do artigo 1025º.”
Uma vez que está provado que a Ré não restituiu o locado apesar da denúncia, também procede os pedidos de desocupação e de restituição do locado.
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Mais pedem os Autores que a Ré seja condenada a pagar-lhes as rendas dos meses de Março, Abril de Maio de 2010 e uma indemnização pela não restituição do imóvel.
Fundamentam esse seu pedido no facto de a Ré não ter pago as rendas dos referidos meses e não ter restituído o imóvel na data em que cessou o contrato denunciado e no facto de os Autores teriam conseguido dar o locado de arrendamento a partir de Março de 2011 por uma renda mensal de MOP$10.000,00.
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No que se refere às rendas dos citados meses, está assente que efectivamente não foi feito tal pagamento. No entanto, também se constata que tal se deveu ao facto de o Autor se ter recusado a receber os respectivos cheques.
Nos termos do artigo 802º do CC, “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”
Por terem sido os Autores quem incorreu em mora, é manifesto que não assiste aos mesmos qualquer direito para peticionar aqui o pagamento das rendas ou qualquer indemnização.
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No que se refere à indemnização pela não restituição do locado, resulta da posição tomada pela Ré nos presentes autos de que esta ainda não restituiu o imóvel aos Autores e recusa-se a fazê-lo.
Prevê o artigo 1027º do CC “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333º. 3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.”
Flui do acima exposto que os Autores denunciaram o contrato para o seu termo em 28 de Fevereiro de 2011. Assim, a Ré era obrigada a restituir a fracção autónoma arrendada aos Autores em 1 de Março de 2011. Ao recusar-se a fazê-lo, constituiu-se na obrigação de pagar aos Autores uma indemnização correspondente ao dobro da renda mensal por cada mês de atraso contados desde o dia 1 de Março de 2011 até efectiva restituição do imóvel.
Pretendem os Autores que a indemnização seja fixada em MOP$10.000,00 por mês porque teriam conseguido auferir uma renda neste valor se a Ré tivesse restituído o imóvel logo depois da cessação do contrato.
Conforme o artigo 1027º, nº 3, do CC, assiste aos Autores esse direito se realmente provarem os factos que o fundamentam. Contudo, os Autores não lograram provar que teriam conseguido dar o locado de arrendamento por essa renda se tivesse reavido o imóvel imediatamente após a extinção do contrato.
Assim, apenas assistem aos mesmos o direito de receber uma indemnização correspondente a MOP$8.232,00 por mês calculada desde o dia 1 de Março de 2011 até efectiva entrega do imóvel.”
3. Recurso dos Autores
Impugnam eles o julgamento da matéria de facto, no que respeita à resposta negativa ao quesito 7º : “caso os autores tivessem recebido a referida fracção autónoma, já poderiam ter celebrado novo contrato de locação, auferindo um valor de renda de MOP$10.000,00”.
Ao condenar a ré a pagar aos autores, recorrentes, a título de indemnização, a quantia mensal de MOP$8.232,00, equivalente ao dobro da renda estipulada, terá violado o disposto no art. 1027 n.º 3 do Código Civil (adiante CC).
Quanto ao quesito referido (7°), o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção, referindo que a prova apresentada "não permitiu concluir com suficiente certeza que os autores teriam conseguido mesmo arrendar o imóvel pela renda mensal de MOP$10.000,00".
Não obstante as testemunhas referirem que havia pessoas interessadas, daí não decorre necessariamente o facto de que a fracção seria arrendada. Não é possível extrair desses depoimentos a probabilidade de ocorrência dum facto - arrendar o locado por MOP$10.000,00-, com a certeza necessária, na medida em que se trata de um facto hipotético e condicional, cuja verificação está sujeita a inúmeras vicissitudes.
Ainda que o tribunal tenha considerado provado que "o valor de arrendamento comercial para aquele local no ano de 2011 era de MOP$10.000,00/ mês", isso não significa que os recorrentes poderiam, com considerável grau de certeza, ter arrendado o locado por esse valor.
A imediação e a convicção livre do julgador assume aqui um valor relevante, havendo que contextualizar os depoimentos, situar as testemunhas, ponderar os diferentes interesses em jogo.
Ouvindo, aliás, os ditos depoimentos, verifica-se que eles são secos e também nós não responderíamos diferentemente ao quesito.
A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em conjugação com a demais prova produzida, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda das lacunas, contradições, coerência de raciocínio e todo um circunstancialismo que leva a que se profira uma determinada afirmação, importando atentar muitas vezes num circunstancialismo que está escondido e ajuda a compreender as afirmações produzidas. Não é por esta ou aquela testemunha dizerem que a parede é branca que ela é branca, até o pode ser na sua concepção, até lhes pode parecer que é branca sem o ser, por exemplo, porque a viram de noite ou por qualquer outra razão.
Aliás, a este propósito, não se deixa aqui de referir o entendimento que vem sendo sustentado neste Tribunal de Segunda Instância, a propósito da reapreciação da matéria de facto em matéria cível:1
“Ora, é certo que o princípio da livre apreciação da prova (art. 558º, do CPC) não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Mas, por outro lado, também é certo que a convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita (Ac. do TSI, de 18/07/2013, Proc. nº 50/2013).
Por isso se diz que, geralmente, o princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita o Tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu (Ac. TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).”
Todas as razões, porque, não obstante tais depoimentos, não fazem abalar o julgamento de facto produzido.
Posto isto, como está bem de ver, cai por terra a pretensa violação do disposto no artigo 1027° n.º 3 do CC, uma vez que não resultaram provados quaisquer prejuízos excedentes, para além do que foi fixado, ou seja o dobro da renda devida.
Não deixará este recurso de ser julgado improcedente.
4. Recurso da ré
Dos factos dados como provados; erro na apreciação da prova
Diz a ré que não resulta da matéria de facto qualquer elemento que permita concluir que os autores, ora recorridos, na qualidade de senhorios, cumpriram os pressupostos imperativos estipulados no art. 1039° do Código Civil.
Quanto às comunicações verbais, em sede de denúncia do arrendamento, não só porque não respeitam o tempo e a forma legais, mas sobretudo, porque não constituem o meio idóneo para transmitir a declaração de vontade pretendida, por via delas não se pode ter o contrato de arrendamento por denunciado.
Tem razão a ré, mas não sem que se diga que esse é um facto que ajuda enformar um conhecimento de uma disposição do senhorio. De nada vale, está bem, mas é um facto que em sede de boa-fé poderá ajudar a interpretar outros comportamentos. Tanto assim, que não deixou de ser quesitado, pois alguma importância sempre poderia ter.
Também no que concerne à factualidade sobre o não levantamento da carta, discorda do afirmado na douta sentença quando aí se refere "sabendo da intenção dos Autores, se recusou a receber" (Cfr. pag. 8 do aresto), aceitamos que possa ter alguma razão, na medida em que nada foi alegado nem sequer provado documentalmente ou por qualquer depoimento prestado em audiência de julgamento, sobre as razões que se prenderam com o não levantamento da carta por parte da Ré.
Mas para além disto, mais nada se concede. A seguir-se a tese da ré jamais seria possível notificar quem quer que fosse por escrito, a não ser por qualquer notificação judicial avulsa, que a ré até alega em termos de Direito Comparado. Só que não essa a opção no nosso ordenamento da RAEM.
É certo que se podem equacionar as mais variadas hipóteses, designadamente se a ré se encontrava ou não em Macau, mas se existem razões, elas devem ser alegadas e comprovadas.
Não basta o destinatário dizer que a não recebeu; se recebeu o aviso e não levantou a carta, não dando qualquer razão para esse não levantamento, qualquer impossibilidade nesse sentido, então, temos de presumir que não levantou porque não quis e o Direito não pode tutelar uma conduta dessa natureza.
Não é como a ré alega: que, em rigor, o que aqui releva é que a dita carta não foi recebida pela Ré; o que nós dizemos é que o que aqui releva é saber porque é que ela não levantou a carta. E aí permanece silente.
Quanto à entrega de uma outra comunicação a um "um indivíduo de sexo masculino de identidade não apurada" que terá "prometido" entregar a dita comunicação à Ré, uma forma de denúncia eficaz nos termos do art. 1039º n.º 1 b) do CC e que esse indivíduo até seria marido da ré, - matéria não comprovada, tem razão aqui a recorrente-, estamos também com ela neste particular aspecto, extraindo dessa factualidade a inidoneidade da notificação. Não deixa, no entanto, de ser um elemento que deve ser ponderado na sua globalidade e, ainda que irrelevante, não é completamente desprezível para se formar uma suspeição que, quantas vezes, é ponto de partida da convicção.
Releva-se assim o facto resultante da notificação escrita, não obstante o não levantamento da carta, pois a declaração negocial torna-se eficaz logo que é susceptível de ser conhecida pelo destinatário (art. 216° do CC), para isso importa que chegue ao seu poder de conhecimento.
Neste particular aspecto damos aqui por reproduzido o enquadramento legal e doutrinário adoptado na douta sentença acima transcrita.
O art. 216° do CC refere que a "declaração se considera eficaz se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida".
Ora, esta falta de culpa não se pode presumir. Cabe ao destinatário dizer porque a não recebeu, porque não levantou a carta registada.
Vale aqui o que acima ficou dito na douta sentença recorrida.
Neste sentido, a Jurisprudência Comparada.2
Pelas razões invocadas também este recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Macau, 24 de Julho de 2014,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. do TSI, Proc. n.º 562/2013, de 8/5/2014
2 - Ac. STJ, de 1/7/1998, AD, 446º, 262; RC, de , de 3/12/85, CJ 1987, 1º, 351; RP, de 18/10/83, CJ, 1983, 4º, 260
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654/2013 14/34